Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7356/2006-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
INÉRCIA DAS PARTES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O despacho que declara interrompida a instância tem natureza declarativa que a lei associa, automaticamente à paragem do processo por mais de um ano, por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento.
II- Assim, o efeito processual verifica-se pelo decurso do prazo de um ano e um dia de paragem do processo, na sequência e em virtude da inércia da parte me impulsioná-lo e não no momento, incerto e aleatório, variável de caso para caso, de processo para processo, em que vier a ser notificado às partes o despacho (apelidado de constitutivo) declarando interrompida a instância.
III- A natureza declarativa desse despacho não obsta a que possa ser livremente impugnado com o fundamento de não ter existido in casu  a negligência processual em que assenta tal declaração.
IV- Este regime é idêntico ao da deserção da instância onde se prevê a desnecessidade de prolação de despacho judicial para que os seus efeitos se produzam, mas impondo a lei que haja despacho a julgar deserta a instância ( artigo 291.º/1 do Código de Processo Civil).

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.

Intentaram Manuel […] e Maria […], residentes […] em Lisboa, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Vítor […] e outros, todos residentes […]em Lisboa.

Pretendem os AA. que seja declarada nula a deliberação da Assembleia Extraordinária de Condóminos do edifício sito na Rua […] em Lisboa, realizada no dia 6 de Maio de 1997, ou caso assim não se entenda, anulada com todas as consequências legais ; que os RR. sejam condenados ao pagamento duma indemnização.

Citados, contestaram os RR. suscitando a caducidade do direito dos AA., uma vez que se encontrava decorrido, à data da entrada da acção em juízo, o prazo previsto no artº 1433º, nº 4, do Cod. Proc. Civil. Impugnaram os fundamentos do pedido de nulidade e indemnizatório. Pediram a condenação dos AA. como litigantes de má fé.

Replicaram os AA. pugnando pela improcedência da excepção de caducidade.

 Através do requerimento entrado em juízo em 16 de Outubro de 2001, foram juntas a certidão de óbito dos RR. F.[…9 e C.[…] ( fls. 197 a 198 e 199 a 200, respectivamente ).

Por despacho datado de 22 de Abril de 2002, foi suspensa a instância, nos termos do artº 276º, nº 1, alínea a), do Cod. Proc. Civil ( cfr. fls. 248 ).

Tal despacho foi notificado aos AA. através de carta enviada em 24 de Abril de 2002.

Em 26 de Setembro de 2002, foram os autos remetidos à conta, por aplicação do disposto no artº 51º, nº 2, alínea b), do Cod. das Custas Judiciais.

Elaborada a conta, foi a mesma notificada às partes, por carta enviada em 27 de Setembro de 2002, para efeitos de reclamação.

Foi proferido, em 17 de Maio de 2004, o seguinte despacho : “ Aguardem os autos nos termos do artº 285º, do CPC “.
 
Tal despacho foi notificado aos AA. em 19 de Maio de 2004 ( cfr. fls. 260 ).

Por requerimento entrado em juízo em 24 de Maio de 2004, os AA. requereram a notificação dos cônjuges sobrevivos dos RR. entretanto falecidos para virem aos autos indicar a identidade dos respectivos sucessores ( cfr. fls. 261 a 262 ).

Tal requerimento foi deferido através do despacho proferido a 3 de Junho de 2004 ( fls. 265 ).

Vieram os RR., através de requerimento entrado em juízo em 3 de Junho de 2004, pretender que se considere verificada a caducidade do direito dos AA., dado que, estando a instância interrompida por negligência dos AA. desde 30 de Abril de 2003, recomeçou a contagem do prazo de caducidade para o andamento da presente acção, nos termos do artº 332º, nº 1 e 2, do Cod. Civil ( cfr. fls. 275 a 278 ).

Responderam os AA. pela improcedência da nova excepção de caducidade suscitada, alegando que a interrupção da instância só se verifica mediante a prolação de uma decisão judicial expressa nesse sentido. Logo, não tendo sido proferido despacho nesse sentido, ainda não se verificou a interrupção da instância. De qualquer forma, a existir negligência em promover o andamento dos autos, esta seria imputável aos RR. e não aos AA. ( cfr. fls. 287 a 291 ).

Foi proferida a decisão de fls. 300 a 302, datada de 22 de Junho de 2005, na qual se declarou que a instância se mostra interrompida a partir de 30 de Abril de 2003, porque nessa data havia decorrido um ano sobre o último acto impulsionador do andamento dos autos ( notificação do despacho que declarou suspensa a instância por falecimento de dois RR. ).

Desta decisão interpuseram os AA. recurso, o qual foi admitido como agravo ( cfr. fls. 312 ).

Apresentaram os AA. as respectivas alegações, formulando as seguintes conclusões :

1ª – Os AA. recorreram do despacho de fls. 300 a 303, datado de 22 de Junho de 2005, que considerou a instância interrompida a partir de 30 de Abril de 2003, porque em tal data havia decorrido um ano sobre o último acto impulsionador do andamento dos autos e porque atribui carácter meramente declarativo e não constitutivo ao despacho de interrupção da instância.

2ª – Não se verifica que a negligência exigida pelo artº 285º, do Cod. Proc. Civil possa ser imputada aos AA., dado que a suspensão da instância teve lugar nos termos do artº 276º, nº 1, alínea a), do Cod. Proc. Civil, e sendo assim, tanto os RR. como os AA. poderiam ter recorrido a habilitação, como prevê o artº 371º, nº 1, do Cod Proc. Civil, sendo inclusive que os RR. se encontravam em melhores condições para darem impulso ao processo, considerando o melhor conhecimento das pessoas em causa, pelo que os AA. em caso algum poderiam ser responsabilizados pela paralisação do mesmo. Assim, a haver negligência esta deveria ser imputada aos RR..

3ª – Como resulta do artº 285º, do Cod. Proc. Civil e é pacífico na doutrina e na jurisprudência, para que se verifique a interrupção da instância é necessário um juízo de apreciação quanto à falta de diligência da parte a quem incumbe o impulso processual.

4ª – Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, a interrupção da instância não opera ope legis, mas apenas por efeito de uma decisão judicial, que tem efeito constitutivo e não meramente declarativo.

5ª – Se o legislador tivesse querido que a interrupção se produzido ope legis por efeito automático do decurso do tempo, tê-lo-ia dito expressamente como fez quanto à deserção prevista no artº 291º, do Cod. Proc. Civil.

6ª – A instância não se poderia ter interrompido e nem se interrompeu dado que o despacho a interromper a instância é de 22 de Junho de 2005 e foram praticados actos nos autos que impulsionaram o processo, nomeadamente a apresentação dos requerimentos de 24 de Maio de 2004 e de 6 de Julho de 2004.

7ª – Face ao exposto, o despacho de 22 de Junho de 2005, a fls. 300 a 302, ao julgar interrompida a instância violou o disposto no artº 285º, do Cod. Proc. Civil, devendo por essa razão ser revogada e substituída por decisão de sentido contrário.

Apresentaram os agravados contra-alegações nos quais pugnaram pela manutenção do decidido.

Foi proferido despacho de sustentação conforme fls. 378 a 379.

Foi, seguidamente proferida a decisão de fls. 380 a 382, declarando a caducidade do direito dos AA. e a consequente absolvição dos RR. do pedido.

Apresentaram os AA. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 393 ).

Juntas as competentes alegações, a fls. 398 a 406 , formularam os AA. as seguintes conclusões :

1º - O presente recurso vem interposto da decisão que declarou a caducidade do direito dos AA. e, em consequência, absolveu os RR. do pedido, partindo do pressuposto de que a instância se terá interrompido em 30 de Abril de 2003, à semelhança do decidido pelo despacho de fls. 300 a 303, de 22 de Junho de 2005, do qual foi interposto recurso de agravo.

2º - Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, a interrupção da instância não opera ope legis, mas apenas por efeito de uma decisão judicial, que tem efeito constitutivo e não meramente declarativo.

3º - Se o legislador tivesse querido que a interrupção se produzido ope legis por efeito automático do decurso do tempo, tê-lo-ia dito expressamente como fez quanto à deserção prevista no artº 291º, do Cod. Proc. Civil.

4º - A instância não se poderia ter interrompido e nem se interrompeu dado que o despacho a interromper a instância é de 22 de Junho de 2005 e foram praticados actos nos autos que impulsionaram o processo, nomeadamente a apresentação dos requerimentos de 24 de Maio de 2004 e de 6 de Julho de 2004.

5º - Face ao exposto, a douta sentença recorrida, ao julgar caducado o direito dos AA., com o pressuposto de que se verificou a interrupção da instância em 30 de Abril de 2003, violou o disposto no artº 285º, do Cod. Proc. Civil, devendo por essa razão ser revogada e substituída por decisão de sentido contrário.

Apresentaram os apelados resposta, pugnando pela manutenção do decidido.

II – FACTOS PROVADOS.
 
Os indicados no RELATÓRIO supra.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

Refira-se que a matéria objecto dos presentes recursos de agravo e de apelação, ambos interpostos pelos AA., é essencialmente a mesma, sendo por esse motivo tratada unitária e globalmente.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :

1 – Interrupção da instância, por inércia dos AA. em promover o impulso processual, nos termos do artº 285º, do Cod. Proc. Civil. Natureza do respectivo despacho : meramente declarativo ou constitutivo desse efeito jurídico ?

2 – Imputabilidade da causa de interrupção de instância, in casu.

3 – Da caducidade do direito dos AA..

Passemos à sua análise :

1 – Interrupção da instância, por inércia dos AA. em promover o impulso processual, nos termos do artº 285º, do Cod. Proc. Civil. Natureza do respectivo despacho : meramente declarativo ou constitutivo desse efeito jurídico ?

Alegam, a este respeito, os recorrentes :

Como resulta do artº 285º, do Cod. Proc. Civil e é pacífico na doutrina e na jurisprudência, para que se verifique a interrupção da instância é necessário um juízo de apreciação quanto à falta de diligência da parte a quem incumbe o impulso processual.

Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, a interrupção da instância não opera ope legis, mas apenas por efeito de uma decisão judicial, que tem efeito constitutivo e não meramente declarativo.

Se o legislador tivesse querido que a interrupção se produzido ope legis por efeito automático do decurso do tempo, tê-lo-ia dito expressamente como fez quanto à deserção prevista no artº 291º, do Cod. Proc. Civil.

Apreciando :

O conhecimento dos presentes recursos implica, necessariamente, a determinação da natureza do despacho judicial que declara interrompida a instância, nos termos do artº 285º, do Cod. Proc. Civil, segundo o qual : “ A instância interrompe-se quando o processo estiver parado mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento “.

Recapitulando os factos :

Por despacho de 22 de Abril de 2002, foi suspensa a instância, devido ao falecimentos de dois dos RR., nos termos do artº 276º, nº 1, alínea a), do Cod. Proc. Civil, tendo os AA. sido devidamente notificados dessa suspensão, através de carta enviada em 24 de Abril de 2002. 

Em 26 de Setembro de 2002, foram os autos remetidos à conta, por aplicação do disposto no artº 51º, nº 2, alínea b), do Cod. das Custas Judiciais.

Elaborada a conta, foi a mesma notificada às partes, por carta enviada em 27 de Setembro de 2002, para efeitos de reclamação.

Em 17 de Maio de 2004, foi proferido o seguinte despacho : “ Aguardem os autos nos termos do artº 285º, do CPC “, o qual foi notificado aos AA., em 19 de Maio de 2004.

Por requerimento entrado em juízo em 24 de Maio de 2004, os AA. requereram, então, a notificação dos cônjuges sobrevivos dos RR. falecidos para virem aos autos indicar a identidade dos respectivos sucessores.

Tal requerimento foi deferido através do despacho proferido a 3 de Junho de 2004.

Ulteriormente veio a ser proferida a decisão, datada de 22 de Junho de 2005, na qual se declarou que a instância se mostra interrompida a partir de 30 de Abril de 2003, porque em tal data havia decorrido um ano sobre o último acto impulsionador do andamento dos autos - notificação do despacho que declarou suspensa a instância por falecimento de dois RR..

Quid juris ?

Entendemos que o despacho que declara interrompida a instância reveste a natureza de acto judicial declarativo do efeito processual que lei associa, automaticamente, à paragem do processo por mais de um ano, por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento (1).

Refuta-se, por conseguinte, a tese que sustenta o carácter constitutivo dessa decisão judicial, e segundo a qual o início do prazo interruptivo da instância só teria lugar a partir da respectiva notificação às partes (2).

Fundamentam este entendimento as seguintes razões :

Nos termos do mencionado preceito legal, há interrupção da instância desde que se verifique a conjugação de dois requisitos : paragem do processo por um período superior a um ano ; a circunstância de tal paragem se dever à inércia da parte, onerada com o impulso processual, em promover o seu prosseguimento.

Salvo o devido respeito por posição contrária, não se consegue alcançar explicação razoável para concluir que aquele efeito processual não se produz pelo decurso do prazo de um ano e um dia de paragem do processo, na sequência e em virtude da inércia da parte em impulsioná-lo, mas apenas no momento, incerto e aleatório, variável de caso para caso, de processo para processo, em que vier a ser notificado às partes o despacho ( apelidado de constitutivo ) declarando interrompida a instância.

Inexiste norma legal donde se retire tal ilação.

Se fosse essa a vontade do legislador, certamente que a própria lei acautelaria expressamente a necessidade de tal despacho, obrigando a que os autos que se encontrassem nessas condições fossem conclusos ao juiz, no momento processual próprio, para esse efeito (3).

Também não se afigura curial fundar a natureza constitutiva desse despacho na alegada necessidade de verificação judicial da negligência da parte em promover o impulso processual.

Com efeito, o despacho que declara a interrupção da instância – tal como acontece em relação à deserção -, sendo meramente declarativo e operando tal interrupção ope legis, poderá ser livremente impugnado, com o fundamento de não ter existido, in casu, a negligência processual em que assenta tal declaração.

É, precisamente, o que acontece com a interposição destes recursos, em que os AA., para além de discutirem a presente questão jurídica – e independentemente disso -, questionam especificadamente a sua responsabilidade na paragem dos autos, alegando não lhes ser imputável.

Tal regime é em tudo idêntico ao da deserção da instância, onde se prevê a desnecessidade de prolação de despacho judicial para que os seus efeitos se produzam, sendo certo que também se exige que o juiz o venha efectivamente a proferir, conforme resulta da conjugação dos nºs 1 e 4, do artº 291º, do Cod. Proc. Civil.

Assentando ambos os institutos na mesma razão de ser (4) – a negligência da parte quanto ao impulso processual que lhe incumbe – não se compreende como numa das situações – a menos gravosa em termos de subsistência da instância – a lei imponha a prévia verificação judicial desse requisito – sem que o não se inicia o prazo interruptivo – e na outra a dispense, sendo aí tal efeito ope legis e não ope judicis.

Há aqui, na explanação da tese que se rejeita, uma incoerência lógica insanável, que se traduz na quebra da unidade funcional destes dois institutos que, assentando nos mesmos pressupostos básicos, devem ser entendidos conjugadamente, atendendo a que constituem a sequência (5) natural um do outro e se completam na prossecução dos mesmo princípios.

Por outro lado, não é aceitável que seja o juiz, no momento temporal incerto, episódico e casual em que os autos lhe são conclusos, a determinar, ope judicis, a produção do efeito processual previsto no artº 285º, do Cod. Proc. Civil.

O efeito do decurso do prazo em causa produz-se em conformidade com o estipulado da lei, não tendo a sua origem na prática dum acto jurisdicional avulso.

O juiz, ao proferir tal despacho, debruça-se sobre uma situação pretérita, analisando as causas da paragem dos autos e declarando algo que neles já aconteceu (6).

Só desta forma são escrupulosamente observados os princípios da certeza e segurança jurídica, promovendo a igualdade de procedimentos em todas as acções, não fomentando a aleatoriedade e a indefinição, face à inexplicável ausência de regras claras e rigorosas, as quais devem ser antecipadamente conhecidas e respeitadas em termos gerais, uniformes e paritários.

De salientar, ainda, que não se vislumbra de que forma esta interpretação do normativo em referência seja susceptível de ofender os legítimos interesses das partes ou qualquer princípio basilar do processo civil.

Com efeito, para que o efeito processual em causa se produza é sempre necessário e indispensável que a parte tivesse tido conhecimento concreto de que lhe incumbia o dever de promover diligências no sentido de impulsionar a marcha do processo.

É, neste contexto, absolutamente imperioso que à parte seja transmitido o acto processual a que deve dar a adequada sequência.

Sem que tal aconteça não existe inércia processual, pura e simplesmente.

Ciente, portanto, de que o processo só pode prosseguir sob o seu impulso, a parte sabe que deve agir processualmente.

Sabe – ou tem a obrigação de saber – que se nada fizer a instância caminha, inexoravelmente, em morte lenta, para o seu fim, primeiro por interrupção, ao fim de um ano e um dia ; depois por deserção, passados outros dois anos.

O que se lhe exige é, tão simplesmente, que faça chegar ao tribunal o requerimento idóneo à prossecução daquele desiderato.

É a obrigação mínima que lhe é imposta pelos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes (7).

Cumprida tal obrigação, o sujeito processual não corre o risco de ver interrompida a instância, nos termos do artº 285º, do Cod. Proc. Civil, ou extinta por deserção, nos termos dos artsº 287º, alínea c) e 291º, do mesmo diploma legal.

Incumprido esse dever, terá sempre e em qualquer caso, que contar com o efeito legalmente associado ao decurso do período temporal previsto no artº 285º, do Cod. Proc. Civil, que lhe será, nessa circunstância, exclusivamente imputável.

Conforme salienta o Prof. José Alberto dos Reis, in “ Comentário ao Código de Processo Civil “, Volume 3º, pags 328 a 329 : “…as partes têm o dever de se mostrar activas, isto é, de promover, com solicitude, o andamento do processo, sob pena de interrupção da instância. O que importa, pois, não é a prática de qualquer acto, é a prática de actos tendentes a fazer andar o processo. “.

Terá, de qualquer forma, a garantia de que lhe assiste o direito a impugnar, por via de recurso, a decisão judicial onde – bem ou mal - se constatou a sua negligência e se considerou que tal inércia era causal em relação à paragem processual verificada.

A natureza declarativa do despacho judicial referido é, assim, a única que se apresenta como consentânea com os princípios de rigor, certeza, igualdade e transparência que presidem ao direito processual civil, encontrando-se, sempre e em qualquer caso, salvaguardados os legítimos interesses dos litigantes, a quem apenas se exige o antecipado conhecimento das regras, atenção, zelo e empenho no desenvolvimento do pleito.
 
2 –  Imputabilidade da causa de interrupção de instância, in casu.

Alegam os apelantes/agravantes :

Não se verifica que a negligência exigida pelo artº 285º, do Cod. Proc. Civil possa ser imputada aos AA., dado que a suspensão da instância teve lugar nos termos do artº 276º, nº 1, alínea a), do Cod. Proc. Civil, e sendo assim, tanto os RR. como os AA. poderiam ter recorrido a habilitação, como prevê o artº 371º, nº 1, do Cod Proc. Civil, sendo inclusive que os RR. se encontravam em melhores condições para darem impulso ao processo, considerando o melhor conhecimento das pessoas em causa, pelo que os AA. em caso algum poderiam ser responsabilizados pela paralisação do mesmo. Assim, a haver negligência esta deveria ser imputada aos RR..

Apreciando :

Não assiste qualquer razão aos apelantes/agravantes.

Declarada suspensa a instância por falecimento de dois RR., competiria  aos AA., o ónus do impulso processual, nos termos gerais do artº 264º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.

Ou seja, os AA. deviam ter requerido as diligências processuais que tivessem por convenientes com vista a fazer cessar a suspensão da instância decretada (8), evitando a remessa dos autos à conta nos termos do artº 51º, nº 2, alínea b), do Cod. das Custas Judiciais (9).

Tal obrigação não se confunde com o dever de cooperação dos RR. na prestações de elementos ou esclarecimentos necessários ao prosseguimento dos autos (10).

Esse dever só existe após os AA. terem desenvolvido a actividade processual idónea a fazer cessar a causa da suspensão da instância decretada.

Na situação sub judice, era aos AA. que incumbia a obrigação de fazer chegar ao processo um requerimento tendente a promover o andamentos dos autos, conforme, de resto, vieram a fazer, embora tardiamente (11).

Saliente-se que os AA. tinham perfeito conhecimento de que lhes era imputável a paragem do processo, uma vez que foram notificados, em 27 de Setembro de 2002, da conta de custas de sua responsabilidade, na sequência do cumprimento do disposto no artº 51º, nº 2, alínea b), do Cod. das Custas Judiciais.

A inércia dos RR. – a quem objectivamente aproveita a interrupção da instância – em dar andamento ao incidente de habilitação, não exime os AA. da obrigação de promover o incidente, em que são os verdadeiros interessados e para o qual têm a necessária legitimidade, conforme resulta do artº 371º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.

Assim sendo, verificou-se a interrupção da instância após o decurso de um ano e um dia sobre a notificação efectuada aos AA., informando-os de que a instância se encontrava suspensa por falecimento de dois RR., nos termos do artº 276º, nº 1, alínea a), do Cod. Proc. Civil.

3 –  Da caducidade do direito dos AA..
 
Resolvidas as questões supra, resulta, inequivocamente, do disposto nos artsº 331º e 332º, do Cod. Civil, a procedência da excepção peremptória de caducidade suscitada pelos RR. e a improcedência da presente apelação.

Com efeito, e conforme referido na decisão recorrida, interrompida a instância, volta a contar-se o prazo de caducidade que ficara suspenso com a propositura da acção, ou seja, ao prazo decorrido até à propositura da acção soma-se o prazo que decorre entre a data da interrupção e a sua cessação.

A impugnação da decisão sobre a caducidade do direito dos AA. dependia, essencialmente, do decidido relativamente à anterior questão jurídica relativa à natureza do despacho judicial que declara a interrupção da instância, nos termos do artº 285º, do Cod. Proc. Civil.

Soçobrando o agravo, igual destino está inevitavelmente reservado à apelação.
 
IV - DECISÃO :

 Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar não provido o agravo e improcedente a apelação, confirmando as decisões recorridas.

Custas pelos apelantes/agravantes.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2006.

( Luís Espírito Santo ).
( Isabel Salgado )
( Soares Curado )



_______________________________
1.-Neste sentido, vide, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 1999, publicado in BMJ nº 483, pags. 167 a 172 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2006, publicado in www.dgsi.pt, número de documento SJ200606080015191 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2003, publicado in www.dgsi.pt, número de documento SJ200304290009551 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 2006, publicado in www.dgsi.pt, número de documento SJ200406150019926 ; acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Setembro de 2006, publicado in www.dgsi.pt ; acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Junho de 2006, publicado in www.dgsi.pt.

2.-Em abono desta tese, vide, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 2003, publicado in www.dgsi.pt, número de documento SJ200305130005841 ; acórdão da Relação de Évora de 12 de Maio de 2005, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXX, tomo III, pags. 250 a 252 ; acórdão da Relação de Lisboa de 28 de Junho de 2005, publicado in www.dgsi.pt..

3.-A desnecessidade da afirmação expressa de que a interrupção da instância opera independentemente de despacho – ao contrário do que sucede no artº 291º, nº 1, do Cod. Proc. Civil – justificar-se-á pelo facto da mesma não determinar a extinção da instância ( artº 287º, alínea c), do Cod. Proc. Civil ), sendo uma espécie de situação intermédia tendente à extinção por deserção e, por esse motivo, sujeita lógica e implicitamente ao mesmo regime.

4.-Os pressupostos são absolutamente coincidentes, à excepção do período temporal exigido.

5.-Que, de resto, se iniciou com a remessa dos autos à conta, nos termos do artº 51º, nº 2, alínea b), do Cod. Proc. Civil, e com a notificação dessa liquidação à parte responsável, que, por esse motivo, não pode invocar o desconhecimento da situação do processo, bem como da sua responsabilidade no respectivo impulso.

6.-Afirmando que a instância já se interrompeu, ou não.

7.-Vide sobre este ponto, Prof. Manuel de Andrade, in “ Noções Elementares de Processo Civil “, pags. 373 a 378.

8.-Vide Prof. José Alberto dos Reis, in ob. cit. supra, pags. 325 a 326 : “ …se a instância estiver suspensa em consequência de morte ou extinção de um dos litigantes, a interrupção da instância produz-se, uma vez que as partes deixem decorrer mais de um ano sem promoverem o incidente de habilitação ou, depois de promovido, o deixem parado por igual período de tempo. ( … ) a lei quer que, suspensa a instância, as partes sejam diligentes em remover a causa da suspensão, para que o processo não fique parado eternamente. “.

9.-O que aconteceu, neste caso, conforme cota de fls. 251, datada de 26 de Setembro de 2002.

10.-Vide artigo 266º, do Cod. Proc. Civil.

11.-Tal requerimento entrou em juízo em 24 de Maio de 2004 ( fls. 261 a 262 ).