Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO SAAVEDRA | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO COMPLEXO CONTRATO DE ARRENDAMENTO NRAU FIADOR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | O título executivo complexo formado nos termos do art. 14-A do NRAU abrange, não só o arrendatário, mas também o fiador, e integra igualmente a indemnização devida pelo atraso na restituição do locado, nos termos do art. 1045 do C.C.. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I–Relatório: A [Sandro ….] veio, em 24.11.2021, deduzir oposição por embargos à execução comum, com o valor de € 9.400,00, que contra si foi instaurada por B […..Investimentos Imobiliários, Lda. ].Tendo esta, invocando o art. 14-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), dado como título executivo contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao executado, fiador do arrendatário, do montante em dívida, sustenta o embargante a inexequibilidade do título, alegando que a notificação indicada na referida norma só permite formar título executivo contra o arrendatário e não contra o fiador. Mais invoca a extinção da fiança por não ser responsável pelo valor reclamado, respeitante apenas ao incumprimento do arrendatário quanto à devolução do locado, posto que não contribuiu para a demora na restituição. Pede a procedência dos embargos e a extinção da execução. Recebidos os embargos, contestou a exequente invocando, no essencial, que o título executivo referido no art. 14-A do NRAU se forma também relativamente ao fiador, como é entendimento dominante da jurisprudência, pelo que o envio ao embargante da comunicação do valor em dívida acompanhada do contrato de arrendamento que este subscreveu constitui contra o mesmo título executivo bastante. Mais refere que o embargante é responsável pela dívida exequenda nos termos contratados, tanto mais que esta foi corretamente identificada na comunicação efetuada ao mesmo. Conclui pela improcedência dos embargos e pelo prosseguimento da execução. Em 27.3.2022, foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância e, considerando que o estado dos autos já o permitia, decidiu nos seguintes termos: “(…) julgo IMPROCEDENTES os presentes embargos de executado e, por conseguinte, os autos de execução deverão prosseguir os seus ulteriores termos. Custas pelo executado/embargante – artigo 527.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Fixa-se o valor da causa no montante da causa dos autos de execução a que se reporta, ou seja, em €9.400,00 (nove mil e quatrocentos Euros), nos termos do disposto nos artigos 306º, n.ºs 1 e 2, e 307.°, n.° 1, do Código de Processo Civil. (…).” Inconformado, interpôs recurso o embargante/executado, apresentando as respetivas alegações que culmina com as conclusões que aqui se transcrevem: “ Pede a procedência do recurso e a revogação da decisão recorrida. Em contra-alegações, defende a embargada o acerto do julgado, alinhando as seguintes conclusões: “ O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II–Fundamentos de Facto: A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade: * III–Fundamentos de Direito:
Todavia, o título executivo não é a sentença, mas sim um título executivo complexo formado pela sentença, pelo contrato de arrendamento e a carta registada com aviso de recepção. A sentença reconhece que o inquilino é devedor à exequente da quantia exequenda. O contrato de arrendamento reconhece que o executado, na qualidade de fiador, é solidária e pessoalmente responsável pelas obrigações advenientes do contrato, nas quais expressamente aí se incluem as indemnizações. A obrigação exequenda consiste justamente em indemnização pela entrega tardia do locado. A carta dá conhecimento ao executado da existência da obrigação exequenda, que acompanhada pela sentença, elucida o executado da origem da dívida. Em bom rigor, o exequente nem precisaria da sentença para ficar munido de título executivo, dado que bastaria a referida interpelação acompanhada do contrato, na qual se discriminasse a origem da divida e respectivo cômputo para se forma o titulo executivo a que se alude no artigo 14.°-A do NRAU por força do artigo 9.°, n.° 7, do NRAU, ex vi artigo 1084º, n.° 2, do Código Civil. Nesse sentido, cf., entre outros, o Ac. do TRC de 04-06-2019, processo n.° 7285/18.4T8CBR-B.C1, disponível in www.dgsi.pt, que, de forma elucidativa, afirma; «Isto porque entendemos que a expressão "renda" foi empregue no referenciado art. 14º A do NRAU com sentido que abrange a indemnização prevista no art. 1045°, nos 1 e 2 do C.Civil, na medida em que o desiderato legal que faculta a cobrança executiva de verdadeiras "rendas" ao abrigo desse normativo é precisamente idêntico ao desiderato legal que justifica a cobrança de indemnizações que são sucedâneo de verdadeiras rendas, rectius, trata-se de uma "renda em dobro", devida a título de indemnização, mas que nem por isso deixa de corresponder a uma "renda" e a dever ser considerada enquanto tal. (...) Ainda assim, sempre se diga que se nos afigura como claramente prevalecente o entendimento jurisprudencial no sentido de que estando ambos vinculados pelo contrato de arrendamento e constando efetuada a comunicação ao fiador nos mesmos termos que a efetuada ao arrendatário, nenhuma razão existe para excluir o fiador do título executivo em causa a que alude o citado art. 14°-A do NRAU». Donde, não só existe título executivo contra o executado (fiador) como o mesmo, não obstante a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, é responsável, por força do próprio contrato, pela indemnização na entrega tardia do locado por assim se ter obrigado no contrato. A resolução do contrato não conduz a eximir o fiador das obrigações que pela resolução advieram para o arrendatário por força do próprio regime da resolução dos contratos e carácter da fiança. Acresce que a exequente não peticiona juros de mora vencidos antes da instauração da execução, nem a impossibilidade de o fiador impor ao arrendatário a entrega do locado constituem fundamentos legais de excluir a responsabilidade do fiador pela indemnização em causa. O fiador, igualmente, não consegue impor que o inquilino pague a renda e, nem por isso, deixa de ser responsável por tal pagamento acrescido das penalizações. A falta de entrega do locado gera uma indemnização. A responsabilidade pessoal pelo pagamento dessa indemnização é do arrendatário, mas, igualmente, de forma solidária, do fiador que renunciou ao benefício da excussão prévia. (…).” No recurso, defende o apelante, em primeira linha, que a sentença proferida no Proc. 2259/19.0YLPRT que correu termos no Juízo Local Cível de Sintra, Juiz 4, não o vincula, posto que não foi naquela ação demandado, e que a comunicação que lhe foi dirigida remete para aquela decisão, sendo reclamado o pagamento relativo à indemnização pela não entrega do locado. Ou seja, o apelante não discute exatamente que o título executivo a que se refere o art. 14-A do NRAU se forme contra o fiador. Insiste é que a sentença proferida no Proc. 2259/19.0YLPRT não o vincula. Vejamos. Como é evidente, a questão tem de ser analisada na perspetiva da formação do título executivo em apreço. Dispõe o nº 1 do art. 14-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), na versão conferida pela Lei nº 13/2019, de 12.2, que: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.” A disposição corresponde ao anterior art. 15, nº 2, do NRAU, antes da alteração introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14.8, que aditou aquele art. 14-A. Tendo sido muito discutida a abrangência do título executivo complexo assim formado, foi-se consolidando jurisprudência maioritária no sentido da formação de título executivo contra o fiador do arrendatário que teve intervenção pessoal no contrato de arrendamento, subscrevendo-o([1]), sendo esse, aliás, o sentido único da jurisprudência do STJ([2])([3]). Como se afirma no indicado Ac. do STJ de 21.6.2022, ainda que possam subsistir dúvidas de interpretação do dito art. 14-A do NRAU, tendo-se firmado a jurisprudência do STJ em determinado sentido, como neste caso, “em matéria de natureza essencialmente adjetiva, os valores da segurança e da previsibilidade decisória merecerão ser preservados quando a solução interpretativa não conduza a um resultado injusto do ponto de vista da tutela dos interesses do recorrente.” Seguimos, de todo o modo, o entendimento maioritário no sentido de que o título executivo previsto no art. 14-A do NRAU se forma igualmente contra o fiador do arrendatário, desde que este seja notificado diretamente dos montantes em dívida (art. 1041, nº 5 e 6 do C.C.). Com efeito, a norma não enuncia, em termos excludentes, o sujeito em relação ao qual o título executivo pode ser feito valer, antes definindo a estrutura constitutiva do mesmo (integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação do montante em dívida), e delimitando ainda o tipo de créditos que o integram (rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário). Por sua vez, a própria natureza da fiança, moldada na obrigação do devedor garantido, justifica que o senhorio possa deitar mão da ação executiva contra o fiador do mesmo modo que o poderá fazer contra o arrendatário. O art. 2 da Lei nº 6/2006, de 27.2, revogou o anterior art. 655 do C.C.([4]), passando a prever o art. 1076, nº 2, do C.C., na redação conferida pela mesma Lei nº 6/2006, uma possibilidade geral de caucionar o cumprimento das obrigações das partes. Assim, as partes contratantes podem, no âmbito do NRAU, acordar qualquer forma de garantia do cumprimento das obrigações recíprocas, onde se enquadrará, naturalmente, a fiança nos termos gerais, deixando de existir uma especial “fiança do locatário”([5]). Por sua vez, relembra-se que através da fiança um terceiro, o fiador, assegura, com o seu património([6]), uma obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o credor (art. 627, nº 1, do C.C.). Esta sua obrigação é acessória da que recai sobre o principal devedor (art. 627, nº 2, do C.C.) e tem, nos termos do art. 634 do C.C., o conteúdo da obrigação principal, cobrindo “as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.” De acordo, ainda, com o nº 1 do art. 628 do C.C., “A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal”, podendo ser prestada independentemente do consentimento ou do conhecimento do devedor e até contra a vontade deste (art. 628, nº 2, do C.C.). Assim, a declaração do fiador terá de ser expressa pela forma que é exigida, por lei, para a obrigação principal. O nº 1 do art. 628 do C.C. refere-se, no entanto, à forma legal exigida e não à que foi concretamente adotada pelas partes, pelo que se a lei não exigir forma especial para a obrigação principal, a vontade de prestar fiança pode ser declarada verbalmente([7]). Essencial é que essa declaração de vontade seja expressa, resultando diretamente da declaração do fiador e correspondendo sempre a um acordo, seja entre o fiador e o credor, seja entre o fiador e o devedor([8]). A natureza acessória da fiança impõe, por outro lado, que a obrigação do fiador não exceda a obrigação principal nem seja contraída em condições mais onerosas, mas podem ser contratadas especiais condições ou até o prazo de validade da fiança (art. 631 do C.C.). O fiador pode ainda exigir a sua liberação nos casos previstos no art. 648 do C.C. e, em caso da fiança ser prestada para garantia de obrigação futura, porque o fiador nessas condições corre um risco especial, tem o mesmo a possibilidade de se libertar da garantia enquanto a obrigação se não constituir, nos termos do art. 654 do C.C.. Todavia, essa liberação não é automática e impõe ao fiador que, designadamente, dirija ao credor uma declaração negocial nesse sentido([9]). Por último, o fiador goza do benefício da excussão, ou seja, de obstar à execução do seu património antes de haverem sido excutidos os bens do devedor, podendo todavia renunciar a tal benefício (cfr. arts. 638 a 640 do C.C.). Vista a natureza da fiança e voltando ao art. 14-A do NRAU, inevitável será considerar que o legislador consagrou um título, de natureza complexa, a que em especial atribuiu força executiva (cfr. art. 703, nº 1, al. d), do C.P.C.), integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação, ao respetivo devedor, do montante em dívida, que deve operar, nas mesmas condições e verificados os respetivos pressupostos, contra o arrendatário e o fiador, posto que ambos se obrigaram no contrato de arrendamento e de ambos o senhorio pode reclamar o pagamento de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário. Em resumo, o título executivo complexo formado nos termos do art. 14-A do NRAU abrange, não só o arrendatário, mas também o fiador. Aqui chegados, e revertendo para o caso em análise, concluímos necessariamente pela irrelevância da objeção do embargante no sentido de que não foi demandado no Proc. nº 2259/19.0YLPRT nem condenado na sentença aí proferida que condenou o arrendatário no pagamento de uma indemnização pela entrega tardia do locado (ao abrigo do art. 1045 do C.C.). Como vimos demonstrando, o título que, em rigor, foi dado em execução é constituído pelo contrato de arrendamento e pela comunicação ao fiador do montante em dívida, factos que, em si mesmos, não são contrariados pelo embargante e constam da matéria assente (ver pontos 5 e 6 supra), constituindo a sentença proferida no dito no Proc. nº 2259/19.0YLPRT a mera ilustração/demonstração do valor liquidado da quantia em débito. Em todo o caso, como é evidente, o interesse na junção de tal sentença pela exequente justifica-se por corresponder ao reconhecimento judicial da obrigação do arrendatário que o aqui embargante, à partida, contratualmente garante. Ou seja, a referida sentença não faz caso julgado contra o embargante/fiador, nem é título executivo contra o mesmo, mas não foi esta que foi dada em execução, constituindo a sua apresentação, complementarmente, apenas o comprovativo de uma obrigação pecuniária do arrendatário, reconhecida em juízo, que se reclama do fiador à luz do contrato de arrendamento celebrado. De resto, não tinha sequer a locadora de enviá-la ao fiador ou apresentá-la agora em juízo, sendo suficiente, para constituir o título executivo nos termos do art. 14-1 do NRAU que tivesse notificado aquele identificando, com clareza, os montantes em dívida e o respetivo fundamento (sem mencionar ou remeter para a sentença do Proc. nº 2259/19.0YLPRT). Veja-se que é precisamente a circunstância de o embargante não ter sido convencido na referida ação que lhe permitiria exercer aqui os mais amplos direitos de defesa, tal como sucederia na ação declarativa em que tivesse sido demandado. Por conseguinte, sendo indiscutível que o embargante subscreveu o contrato de arrendamento dado em execução na qualidade de fiador e que a locadora, ora exequente, lhe comunicou, como cumpria (e o embargante não nega), os valores devidos pelo locatário que a si caberia garantir, constituiu-se, à partida, formalmente, título executivo contra o mesmo, nos termos e para os efeitos do art. 14-A do NRAU, sendo inteiramente irrelevante para o caso que o embargante não esteja vinculado pela sentença proferida no Proc. nº 2259/19.0YLPRT (em ação deduzida contra o arrendatário). A derradeira questão será então a de saber se a quantia exequenda, consubstanciada no valor devido pela entrega tardia do locado, ao abrigo do art. 1045 do C.C., se insere na delimitação do tipo de créditos referidos no art. 14-A do NRAU (rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário). Na verdade, o apelante defende também que nada deve porque a fiança se extinguiu com a cessação do contrato de arrendamento e que não pode ser responsabilizado pelo valor reclamado, respeitante ao incumprimento do arrendatário quanto à devolução do locado, posto que não contribuiu para a demora na restituição. Mais uma vez, cremos que não lhe assiste razão. Dispõe o art. 1045 do C.C., sob a epígrafe “Indemnização pelo atraso na restituição da coisa”, que: “1.- Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2.–Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.” Por sua vez, no contrato de arrendamento em apreço que o embargante subscreveu na qualidade de fiador, obrigou-se o mesmo “pessoalmente e solidariamente com o Segundo Contraente (o arrendatário), com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, pelo cumprimento das obrigações previstas neste contrato de arrendamento e de qualquer das suas cláusulas, abrangendo, designadamente, o pagamento das rendas, despesas diversas, juros, penalidades, acréscimos legais, danos, prejuízos, indemnizações e outros encargos legalmente exigíveis ou previstos no presente contrato de arrendamento, que, pelo Segundo Contraente, porventura, venham a ser devidas, quer no período inicial quer ainda em todas as suas renovações, mesmo que haja alterações da renda agora fixada.” (ponto 5 supra). A indemnização devida pelo atraso na restituição da coisa locada prevista no art. 1045 do C.C. baseia-se no critério de que, apesar de extinto o contrato de arrendamento, o valor da renda, estabelecida pelas partes, constitui o referencial de equilíbrio nas prestações, correspondendo a uma presunção de existência de prejuízo do locador pela indisponibilidade do arrendado que o locatário não restituiu quando e como lhe competia (art. 1038, al. i), do C.C.). Ora, para além do que acima dissemos sobre a obrigação do fiador em geral, surge como evidente, face à concreta estipulação contratual e à sua abrangência, que o embargante, enquanto fiador, se obrigou igualmente no contrato por qualquer indemnização que viesse a ser devida pelo arrendatário também por atraso na restituição do locado, sendo irrelevante para o efeito que não tenha contribuído para esse atraso (tal como será, naturalmente, irrelevante para a defesa do fiador o argumento de que não lhe cabe pagar as rendas em falta porque essa falta do arrendatário não lhe é imputável!). Por sua vez, cremos que o art. 14-A do NRAU, ao referir que o título executivo constituído respeita “a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”, quis integrar todas as obrigações pecuniárias emergentes para o locatário do contrato de arrendamento, designadamente por incumprimento do mesmo e, em consequência, todas as que correspondentemente caibam ao fiador, nos termos da lei e do contrato. Só esta interpretação se compagina, a nosso ver, com o claro propósito do legislador em facilitar, pela via da ação executiva, a cobrança pelo senhorio de créditos, contra o arrendatário e o fiador, emergentes do contrato de arrendamento, mal se compreendendo que, numa interpretação restritiva do art. 14-A, tivesse aquele de recorrer à ação declarativa para cobrar, nomeadamente, a indemnização a que alude o art. 1045 do C.C.. Donde, entendemos que o título executivo complexo formado nos termos do art. 14-A do NRAU integra também, como será aqui o caso, a indemnização devida pelo atraso na restituição do locado([10]). Acresce que a indemnização que é aqui concretamente exigida ao fiador, por ser a que foi judicialmente reconhecida ao arrendatário, corresponde, nos termos da sentença proferida no Proc. nº 2259/19.0YLPRT, ao valor das rendas em singelo, no valor unitário de € 400,00, desde Outubro de 2018 e até entrega efetiva (abatido o valor de € 2.200,00 pago pelo arrendatário), calculando-se o valor devido de € 9.000,00 à data da referida sentença, segundo a seguinte fórmula matemática expressamente enunciada na respetiva fundamentação de direito: “(…) (28 meses x €400,00 - €2.200,00)(…).” Deste modo, ocioso se torna discutir sequer se a responsabilidade do fiador deve cingir-se à indemnização referida no nº 1 do art. 1045 do C.C. ou também estender-se à indicada no nº 2 do mesmo artigo, como parece sugerir o apelante (ver conclusões L) e M) do recurso). Em resumo, não se mostra inexigível a quantia exequenda por extinção da fiança, conforme defendido pelo apelante/embargante. Indispensável será, como vimos dizendo, para se formar o título executivo previsto no art. 14-A do NRAU contra o fiador do arrendatário, que este, além do mais, seja notificado diretamente dos montantes em dívida (ver art. 1041, nºs 5 e 6 do C.C.), e que a dívida reclamada se enquadre no tipo de créditos aí definidos. Na situação em análise, comprova-se que a locadora exequente notificou o ora embargante/executado, na qualidade de fiador, para pagar a referida indemnização devida pelo atraso do arrendatário na restituição do locado, anexando a sentença que condenou aquele arrendatário nesse pagamento e especificando o valor devido (ponto 6 supra). Por sua vez, existe, e foi dado à execução, para além da referida comunicação, o contrato de arrendamento escrito no qual o embargante se constituiu como fiador garante do pagamento das obrigações do arrendatário nos moldes acima indicados (ponto 5 supra), o que inclui a indemnização em apreço. Assim sendo, verificam-se, com relação ao fiador/ embargante/ executado, os dois elementos formais exigidos pelo art. 14-A da do NRAU. Isto é, encontra-se formalmente constituído contra o mesmo título executivo bastante. Consequentemente, não sendo deduzida outra defesa – para além da inexequibilidade do título e da inexigibilidade do valor reclamado por extinção da fiança, que afastámos – devem improceder, após os articulados e sem necessidade de outras provas, os embargos deduzidos, prosseguindo a execução, conforme decidido em 1ª instância. Improcede, pois, necessariamente, o recurso. * Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Custas pelo apelante (embargante/executado). Lisboa, 27.9.2022
Maria da Conceição Saavedra Cristina Coelho Edgar Taborda Lopes |