Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4136/17.0T8LSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: MEDIDAS DE RESOLUÇÃO DO BANCO DE PORTUGAL
IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA DA LIDE
RESPONSABILIDADE DO FUNDO DE RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: ― A resolução é, a par de outras ― mormente a intervenção correctiva e a administração provisória―, uma das medidas que o Banco de Portugal pode aplicar tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro (artigo 139º nº 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

― Uma das medidas de resolução que o Banco de Portugal pode aplicar consiste na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição (artigo 145º-E nº 1 alª b) do RGICSF).

― No âmbito desta medida de resolução, o Banco de Portugal determina a transferência parcial ou total dos direitos e obrigações de uma instituição de crédito (artigo 145º-O nº 1 do RGICSF), competindo-lhe constituir a instituição de transição e aprovar os respectivos estatutos (artigo 145º-P nº 1 do RGICSF).

― Foi o que o Banco de Portugal fez no caso do BANCO, SA: aplicou uma medida de resolução ao Banco, SA ─ transferência parcial da actividade ─ e constituiu uma instituição de transição (BANCO X, SA), por se revelar “(…) como a única medida que garantia a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permitia isolar, em definitivo, o X dos riscos criados pela exposição do Banco, SA a entidades do Grupo Espírito Santo” (cf. Considerando (11) da deliberação do Banco de Portugal supra citada).

― A resolução do BANCO, SA e a constituição do X não é uma simples cisão prevista e regulada no artigo 118º e ss do Código das Sociedades Comerciais.

― A resolução é uma figura específica do direito bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal, e, que por conseguinte, não se confunde com a cisão simples da lei societária.

― No que respeita ao Banco, SA - em liquidaçãoexiste impossibilidade originária da lide, que importa a absolvição da instância, pois a presente acção foi instaurada em 15 de Fevereiro de 2017, muito após o trânsito em julgado da deliberação de 14.07.2016 do BCE, que revogou a autorização para o exercício da actividade do BANCO, SA.

― O objecto da presente acção, no que à CMVM respeita, reconduz-se à apreciação da sua actuação no âmbito de relações jurídicas de natureza administrativa, envolvendo a CMVM (enquanto supervisor e pessoa colectiva de direito público) e o BANCO, SA (enquanto entidade supervisionada), regidas por normas de Direito Administrativo, pretendendo, pois, o autor o ressarcimento por danos decorrentes de actos de gestão pública.

― Quanto ao Banco de Portugal, os fundamentos que integram a causa de pedir resultam do incumprimento dos seus deveres de supervisão e da medida de resolução e subsequentes deliberações tomadas, pelo que, estando-se em sede de responsabilidade extracontratual e sendo aquele uma pessoa colectiva de direito público, a apreciação do presente litígio é da competência exclusiva dos tribunais administrativos, o que sempre decorreria do disposto no art. 4º, nº 2, do ETAF, já que o autor demanda os réus com base numa relação de solidariedade.

― A acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, nos termos da qual «correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (artº 1º nº 2).

― A responsabilidade que se imputa ao Fundo de Resolução é fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, não numa eventual actividade ou qualidade de sujeito de direito privado, de direito comercial.

― Litigando o apelante em liberdade plena e com respeito pelo princípio consagrado no artigo 20º nº 1 da Constituição, podendo sempre intentar a respectiva acção no tribunal competente, não se vislumbra qualquer denegação da justiça por violação do disposto nos artigos 2º, 20º nº 1 e 202º nº 1 da Constituição.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


O autor JM intentou acção contra os réus:
1.- Banco, SA
2.- Banco de Portugal;
3.- Banco X, SA;
4.- Fundo de Resolução;
5.- CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e
6.- Banco X, SA, a sua gestora de conta,

Pede que a acção seja julgada totalmente procedente por provada que ficou:
a) A responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304º-A do CVM, devendo em consequência os RR serem solidariamente condenados a pagar à A, a quantia de € 302.726,78 acrescida de:
i)- Juros vencidos calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A., e a apurar em sede de liquidação de sentença;
ii)- Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória; Caso assim não se entenda:
b) A nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321º do CVM, devendo em consequência serem os RR solidariamente condenados a restituir à A. a quantia de € 302.726,78 acrescida de:
i)- Juros vencidos calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A., e a apurar em sede de liquidação de sentença;
ii)- Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;

Em qualquer dos casos:
c) Mais se requer, que sejam os RR condenados a ressarcir solidariamente ao A. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.

Em síntese, alegou, e no que aqui releva, que a ré LM, funcionária do BANCO, SA, foi quem sempre aconselhou o autor a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o BANCO, SA lançava em carteira, sempre garantindo que todos aqueles produtos financeiros eram produtos garantidos pelo banco. Foi assim que, no âmbito das suas funções e, sob a subordinação do BANCO, SA, que a ré LM no seio daquele departamento de private bank do banco aplicou o dinheiro do autor depositado no BANCO, SA, na compra de produtos que constam actualmente da sua “Carteira de Títulos Custódia”, no montante total de € 302.726,78. Com aquele comportamento, o BANCO, SA e aquela sua funcionária usaram do dinheiro do autor à revelia das suas instruções, aplicando-o em produtos de alto risco e privando o autor da disponibilidade dos seus fundos monetários.

Por força da medida de resolução adoptada pelo BdP, a relação jurídica entre o autor e o BANCO, SA foi transferida a benefício do X, que é controlado pelo réu Fundo de Resolução, em que são únicos intervenientes o BdP e o Ministério das Finanças. O único accionista do NB é, por essa razão, o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados dessa cessão de créditos.

O BANCO, SA, por si ou por via da ré LM, não celebrou qualquer contrato escrito de intermediação financeira com o autor, sendo este um investidor não qualificado, em relação ao qual não foram tomadas todas as diligências de informação e esclarecimento.

Banco, SA - em Liquidação, contestou, pedindo que seja julgada a excepção de impossibilidade originária da lide, absolvendo-se o réu da instância ou, quando assim se não entenda, julgar improcedente a acção e absolver o réu do pedido.

Alegou que, por deliberação de 13.07.2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da actividade do BANCO, SA. Nos termos do artigo 8º nº 2 do DL nº 199/2006, de 25 de Outubro, na redacção do DL 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, a decisão de revogação da autorização produz efeitos da declaração de insolvência. Na sequência dessa revogação o Banco de Portugal veio requerer a liquidação judicial do BANCO, SA. Em 21.07.2016 foi proferido despacho de prosseguimento e fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.

A presente acção foi instaurada em 15 de Fevereiro de 2017, muito após o trânsito em julgado da deliberação do BCE, o que constitui uma impossibilidade originária da lide, excepção dilatória de conhecimento oficioso, que importa a absolvição da instância.

O Fundo de Resolução contestou, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria, pugnando pela sua absolvição da instância.

Em síntese, alegou por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Fundo de Resolução os regimes adjectivos do contencioso administrativo, mormente, quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas substantivas de direito administrativo, exorbitantes das de direito privado – insusceptíveis, portanto, de aplicação às relações entre simples particulares.

Foi nesses regimes e ambientes jurídico-públicos que o Fundo de Resolução nasceu e age no âmbito dos procedimentos e das relações jurídicas da resolução bancária, nomeadamente no âmbito das relações com os bancos de transição.

Não é claro se a responsabilidade que o autor pretende efectivar tem natureza contratual ou é uma responsabilidade extracontratual.

Sendo a responsabilidade civil de natureza extracontratual, rege a alínea f) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, na redacção em vigor à data da propositura da presente acção, a do DL nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, ou seja, são os tribunais administrativos exclusivamente competentes para a apreciação dos litígios que tenham por objecto questões relativas à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito público.

Tendo em conta a configuração dada pelo autor à presente acção, o Fundo de Resolução – que é uma pessoa colectiva de direito público, tal como expressamente o qualifica o art. 153º-B/1 do RGICSF – bem como o Banco de Portugal, surge na presente acção ligado aos restantes réus por um vínculo de solidariedade. Assim sendo, impunha-se que o autor, se pretendia demandar o Fundo de Resolução e o Banco de Portugal (solidariamente) com os demais réus, tivesse accionado não os tribunais cíveis, mas os tribunais administrativos, que, nos termos da citada disposição do art. 4º/2 do ETAF, são os juízos materialmente competentes para conhecer dos litígios que envolvam (solidariamente) entidades públicas e entidades privadas.

Vindo o Fundo de Resolução aqui demandado como titular do capital social do X, a presente acção há-de entender-se como sendo sempre da competência exclusiva dos tribunais administrativos, aos quais cabe conhecer, como se sabe, das relações jurídico-administrativas.

O Tribunal da Comarca de Lisboa não é um tribunal pertencente à jurisdição administrativa, mas à ordem dos tribunais judiciais. Ora, por força do disposto na alínea a) do art. 96º do CPC, “a infracção das regras de competência em razão da matéria [...] determina a incompetência absoluta do tribunal”, excepção dilatória que determina a absolvição do Fundo de Resolução da presente da instância, como se requer [artigos 576º/2 e 577º, alínea a), do CPC] – independentemente de estarmos aqui, no que ao Fundo respeita, perante uma responsabilidade contratual ou extracontratual.

O Banco de Portugal contestou, com os mesmos argumentos do Fundo de Resolução, pedindo a procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria e, em consequência, ser o Banco de Portugal absolvido da instância; e se não se der provimento às excepções invocadas, deve a presente acção ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, absolver-se o réu do pedido.

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) contestou, pedindo:
a) que seja julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em razão da matéria e, em consequência, absolver a CMVM da presente instância, em conformidade com o disposto nos artigos 64º, 96º, alínea a), e 99º, nº 1, 576º, nºos 1 e 2, e 577º, alínea a), todos do CPC;

Caso assim não se entenda,
b) Julgar procedente a excepção dilatória de inadmissibilidade processual i) do litisconsórcio e da ii) coligação e, em consequência, absolver a CMVM da presente instância, em conformidade com o disposto nos artigos 32º, 36º, 37º, nº 1, 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea f), e 578º todos do CPC.
Caso assim não se entenda,
c) Julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da CMVM e, em consequência, absolver a CMVM da presente instância, em conformidade com o disposto nos artigos 30º, 576º, nº 1 e 2, e 577º, alínea e), todos do CPC.
Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se equaciona
d) Julgar a presente acção improcedente, por não provada, absolvendo a CMVM de todos os pedidos formulados pelo autor, desde logo em sede de saneador-sentença, em conformidade com o disposto no artigo 595º, nº 1, alª b), do CPC.

Os réus Banco X, SA e LM Pires contestaram invocando a sua ilegitimidade passiva.

Em síntese, alegaram que, por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 foi aplicada uma medida de resolução ao Banco, SA (“BANCO, SA”) a qual por lei é da competência do Banco de Portugal que, como instituição de supervisão, ao abrigo dos poderes discricionários que lhe são legalmente conferidos determinou os direitos e obrigações que constituíam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão que foram transferidos do BANCO, SA para o X.

O X é parte ilegítima, na medida em que a responsabilidade perante o autor, a existir, não foi transferida para o X, tendo permanecido na esfera jurídica do BANCO, SA. Também a ré LM é parte ilegítima, na medida em que é demandada na qualidade de ex-funcionária do BANCO, SA, pois sempre agiu no âmbito daquelas funções.

Por impugnação alegou que o autor investiu diversas vezes em instrumentos financeiros muito variados. O autor sempre demonstrou apetência para investimentos com risco associado, sendo que em 2012 investiu em instrumentos de dívida com risco de capital designadamente € 200.000,00 em Obrigações “ES Tourism Europe, SA”. O autor sempre foi informado detalhadamente dos produtos em apreço, aquando da sua subscrição, tendo perfeita consciência da natureza das aplicações subscritas e respectivos riscos associados e que não se tratavam de depósitos a prazo.

O autor respondeu às contestações, pugnando pela improcedência das excepções alegadas pelos réus.

Foi proferida SENTENÇA que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência material do Juízo Central Cível de Lisboa e, em consequência, absolveu todos os réus da instância.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu o autor, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
A)– Entende o apelante que andou mal a apreciação pelo tribunal a quo da aplicação aos presentes autos do disposto naquele artigo 277º alínea e) do CPC, já que não se verifica a inutilidade superveniente da lide, quanto ao réu BANCO, SA, por duas ordens de razão:
B)– Em primeiro lugar, porque o pedido da presente acção declarativa não tem índole exclusivamente patrimonial, uma vez que o autor de entre outras questões trouxe à colação a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira, pedindo em consequência a indemnização que por essa causa lhe entende ser devida.
C)– O tribunal responsável pelo processo de insolvência do réu BANCO, SA limitar-se-á a verificar e reconhecer créditos da insolvente, não lhe cabendo decidir sobre a constituição da obrigação de prestar.
D) Em segundo lugar, no despacho de prosseguimento nos termos do artigo 9º do DL 199/2006 aquele tribunal de primeira instância responsável pelo processo de liquidação judicial do R. BANCO, SA não declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência, e tal significa então que ainda não é possível determinar se o património do devedor insolvente será suficiente para responder aos créditos reclamados.
E)– Não está assim em causa a aplicação do entendimento sufragado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2014 [publicado no DR 1ª Série, nº 39 de 25 de Fevereiro de 2014], que serviu de base à decisão do tribunal a quo, já que o mesmo teve na base da sua construção e substância os casos em que seja “Certificado o trânsito em julgado da sentença declaratória e declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos.”, e tal como consta da proposta da Exma. Procuradora Geral Adjunta, transcrita naquele documento.
F)– Entende, ainda, o apelante que andou mal a apreciação pelo tribunal a quo da aplicação aos presentes autos do disposto, conjugadamente, nos artigos 67º, 96º a) 99º nº 1 e 278º nº 1 al. a) do CPC, já que não se verifica a incompetência em razão da matéria, quanto aos RR.
G)– A competência material do tribunal judicial, por oposição ao tribunal administrativo, afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os fundamentos da acção pelo autor.
H) A natureza pública ou privada de cada um dos RR. é irrelevante na medida em que o “thema decidendum” tal como configurado pelo A., não se prende com qualquer questão de domínio administrativo;
I)– Na presente acção o A. peticiona pela responsabilização civil dos RR por violação das regras de intermediação financeira, mormente por via do consagrado no artigo 304º A e 321º do Código dos Valores Mobiliários, isto é, está em causa a apreciação da violação dos deveres de informação, diligência e lealdade que impendem sobre os intermediários financeiros bem assim como a nulidade daquela relação jurídica por inobservância de forma;
J)– Como tem amplamente entendido a nossa doutrina o Direito dos Valores Mobiliários é um ramo do Direito Comercial e/ou Financeiro, afastado da concepção de Direito de Finanças Públicas;
K)– Na presente acção, o apelante faz um exercício de co-responsabilização ou responsabilização em cadeia de um conjunto de entidades com quem se relacionou desde 1999 quando se tornou cliente do BANCO, SA, tal como por si alegado, e alegando ao longo da sua petição factos em escala de relação para consigo e na tutela dos seus valores mobiliários;
L)– Não se olvidando que as entidades administrativas também são entidades civilmente responsáveis, podendo ler-se no artigo 62ª da Lei Orgânica do réu Banco de Portugal que: “compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em que o Banco seja parte, incluindo as acções para efectivação da responsabilidade civil por actos dos seus órgãos, bem como a apreciação da responsabilidade civil dos titulares desses órgãos para com o Banco.”; M) Factualmente o que sucedeu é que no caso em apreço, como em milhares de outros actualmente entregues aos tribunais portugueses, o conhecimento do apelante da violação daqueles deveres coincidiu com a “queda do BANCO, SA”, mas sendo irrelevante para o caso em apreço, e contrariamente ao vertido na sentença recorrida, o uso ou não das “armas de Estado” por aquelas entidades;
N)– Assim, não se discute, nos presentes autos, qualquer acto(s) administrativo(s) assumido(s) pelos RR, mas antes e tão só com o direito a indemnização pelo Apelante, decorrente de actos de direito privado;
O)– Pelo que não se verifica a incompetência absoluta em razão da matéria sendo aos tribunais judiciais que caberá declarar o direito indemnizatório do autor e operar a sua conversão em valor pecuniário;
P)– Decidir como decidiu a sentença ora recorrida é privilegiar a forma sobre o conteúdo e negar ao cidadão o direito legal e constitucionalmente consagrado que este tem de obter uma decisão de fundo que dirima em definitivo o seu litígio, não se limitando a aplicar o direito, mas que também confira Justiça ao caso concreto;
Q)– Assim não sucedendo, a decisão encontra-se ferida de ilegalidade e inconstitucionalidade, vícios que desde já se invocam, por violação do artigo 2º do CPC e dos artigos 2º, 20º, 202º, n.º 1 e nº 2, todos da Constituição da República.
Além disso e sem prescindir,
R)– Atento aos factos supra expostos entende o recorrente que se verifica não só a violação das regras do direito nacional, mas também a violação das regras do direito comunitário, através da violação das normas constantes na Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais que foi transporta para a ordem jurídica portuguesa.
S)– A Convenção estabelece que os Estados são considerados responsáveis pelos actos das suas autoridades, que in casu sempre será o Banco de Portugal.
T)– Sendo que tais actos não têm de provocar apenas efeitos prejudiciais dentro do estado nacional mas também fora do seu território, sejam eles praticados dentro ou fora das fronteiras nacionais.
U)– Assim, segundo o disposto no artigo 1.º do Protocolo n.º 1, com a denominação “Protecção da propriedade” “Qualquer pessoa singular ou colectiva tem o direito ao respeito dos seus bens (…)”, pelo que o autor entende também ser legítimo alegar a violação do artigo 1.º do Protocolo n.º 1, na medida em que as decisões contra as quais se insurge se reportam aos seus “bens” no sentido desta disposição.
V)– Incluindo-se nesses bens os créditos, por meio dos quais o requerente pode pretender ter, pelo menos, uma “expectativa legítima” de obter o gozo efectivo de um direito de propriedade.
W)– Direitos estes que o recorrente fará valer em sede e momentos próprios, os quais se deixam contudo desde já expostos.
Termina, pedindo que seja revogada a decisão recorrida, seguindo a acção judicial os seus termos.

Os réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

IIFUNDAMENTAÇÃO.

A)Fundamentação de facto.
A matéria de facto a considerar é a que releva do relatório que antecede.
B)Fundamentação de direito
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, as questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, são as seguintes:
- Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao réu Banco Espírito Santo, SA, em liquidação;
- Incompetência material do tribunal comum para conhecer da acção intentada contra os réus Fundo de Resolução.
- Inconstitucionalidade da decisão.

EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANDO AO RÉU BANCO, SA, SA
O apelante entende que se deve julgar improcedente “a excepção de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao réu Banco Espírito Santo, SA, em liquidação”.
A douta sentença julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o disposto no artigo 277º, alª e), do CPC, no que respeita ao réu Banco Espírito Santo, SA, em liquidação.

Cumpre decidir[1].

No que respeita ao Banco, SA - em liquidação veio este réu alegar que existe impossibilidade originária da lide, que importa a absolvição da instância, pois a presente acção foi instaurada em 15 de Fevereiro de 2017, muito após o trânsito em julgado da deliberação de 14.07.2016 do BCE, que revogou a autorização para o exercício da actividade do BANCO, SA.

A decisão a que a lei (DL 199/2006 de 25 de Outubro, alterado pelo DL n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro – artº 8º nº 2) confere os efeitos da declaração de insolvência é a decisão do Banco Central Europeu de revogação da licença para o exercício da actividade bancária pelo BANCO, SA. Como os presentes autos entraram em juízo após a decisão do BCE (datada de 14 de Julho de 2016), é manifesto que se verifica uma situação de impossibilidade originária da lide, pois que após a propositura da acção e durante a pendência do processo de insolvência, rege o artº 90º do CIRE, nos termos do qual, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE.

Os preceitos referidos no art.º 90º são os art.ºs 128º e ss. do CIRE que regem a verificação de créditos, e bem assim, sendo caso, os art.ºs 146º e ss. que se reportam à verificação ulterior de créditos
Improcedem, assim, as conclusões das alegações do apelante e, com diferentes fundamentos da decisão recorrida, julga-se extinta a instância por impossibilidade originária da lide, excepção dilatória inominada que importa a absolvição da instância, nos termos do artigo 278º nº 1 alª e) do Código de Processo Civil.

INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL COMUM PARA CONHECER DA ACÇÃO INTENTADA CONTRA OS RÉUS FUNDO DE RESOLUÇÃO
Os réus Banco de Portugal; Banco X, SA, Banco X, SA, Fundo de Resolução e CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, alegaram a excepção de incompetência matéria do tribunal, o que ficou acolhido na decisão recorrida.

Cumpre decidir.

Quanto à CMVM, o autor peticiona o ressarcimento de danos por omissão da mesma no exercício das suas atribuições de supervisão, o que torna aplicável o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, para cuja apreciação são exclusivamente competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.

Efectivamente, como refere a decisão recorrida, o objecto da presente acção, no que à CMVM respeita, reconduz-se à apreciação da sua actuação no âmbito de relações jurídicas de natureza administrativa, envolvendo a CMVM (enquanto supervisor e pessoa colectiva de direito público) e o BANCO, SA (enquanto entidade supervisionada), regidas por normas de Direito Administrativo, pretendendo, pois, o Autor o ressarcimento por danos decorrentes de actos de gestão pública. A CMVM é demandada na qualidade de pessoa colectiva de direito público (cfr. art. 3º, nº 3, al. b), da Lei n.º 67/2013, de 28/08, e art. 1º os Estatutos da CMVM) e por causa das funções administrativas que lhe estão legalmente atribuídas (funções de supervisão e fiscalização do mercado de instrumentos financeiros), sendo-lhe aplicável, enquanto entidade reguladora, o regime da responsabilidade civil do Estado (art. 5º, n.º 3, al. b), da LQER).

Quanto ao Banco de Portugal, os fundamentos que integram a causa de pedir resultam do incumprimento dos seus deveres de supervisão e da medida de resolução e subsequentes deliberações tomadas, pelo que, estando-se em sede de responsabilidade extracontratual e sendo aquele uma pessoa colectiva de direito público, a apreciação do presente litígio é da competência exclusiva dos tribunais administrativos, o que sempre decorreria do disposto no art. 4º, nº 2, do ETAF, já que o autor demanda os réus com base numa relação de solidariedade.

Seguindo a decisão recorrida, por total concordância com a mesma, trata-se de uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio (cfr. Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31/01).

Ora, a aplicação de regimes de direito privado às pessoas colectivas de direito público depende de disposição específica da lei ou de, mediante ato ou contrato apropriado, elas se submeterem voluntariamente – quando a lei não afaste tal possibilidade – a tais regimes. Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Banco de Portugal as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo. Por outro lado, foi ao abrigo do regime jurídico introduzido pelo DL n.º 31- A/2012, de 10/02, que o Conselho de Administração do Banco de Portugal, por deliberação de 03/08/2014, aplicou uma medida de resolução ao BANCO, SA e determinou a constituição do X, S.A., e a transferência para si de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão existentes na esfera jurídica do Banco Espírito Santo.

Na presente acção, é fora de dúvidas que entre o autor e o Banco de Portugal não existe qualquer relação contratual, pelo que a responsabilidade que o autor lhe imputa só pode ser extracontratual. A responsabilidade extracontratual do Banco de Portugal está regulada no “Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12. Logo, nos termos da al. f) do nº 1 do art. 4º, nº 1, do ETAF, a competência para apreciar o litígio em causa pertence aos tribunais administrativos. Igual conclusão se retiraria, aliás, se estivéssemos perante qualquer outra forma de responsabilidade do Banco de Portugal, na medida em que esta, a existir, não se fundaria na violação de qualquer contrato mas antes na sua actividade ou qualidade de pessoa colectiva pública.

Noutra ordem de considerações, os danos invocados pelo autor e por si imputados ao Réu não advêm de qualquer ato ou omissão no âmbito de uma “gestão privada”, antes tendo como causa única o regime legal aplicável, a resolução do Banco de Portugal de criação do X e de transferência ou não transferência de determinados passivos ou responsabilidades para este último, estando em causa imposições decorrentes de normas de direito público, emanadas de uma entidade pública.

Refira-se ainda que em nada releva a referência feita à norma do art. 62º da Lei Orgânica do Banco de Portugal.

É que, de acordo com o disposto no art. 7º, nº 3, do Cód. Civil, a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador, sendo que, sobre as referidas regra e excepção, são doutrina e jurisprudência assentes que a interpretação a ter em conta quanto à parte final do preceito é no sentido de não ter de equivaler a uma intenção expressamente manifestada, sendo que a sobrevivência de uma lei especial face à lei geral que lhe sobrevenha não terá lugar nos casos em que se retirar desta segunda um intuito codificador ou uma pretensão de regular totalmente a matéria em causa. A Lei nº 13/2002, de 19/02., que estabeleceu o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, inserem-se no contexto da reforma do contencioso administrativo, pelo que que o art. 62º da Lei Orgânica do Banco de Portugal deve ter-se por, tácita ou implicitamente, revogado pelos preceitos citados (nomeadamente, a al. f) do n.º 1 e o n.º 2 do art. 4º do ETAF).

Acresce que o art. 39º da Lei Orgânica do Banco de Portugal dispõe que dos actos praticados pelo Governador, Vice-Governadores, Conselho de Administração e demais órgãos do Banco, ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou acção previstos na legislação própria do contencioso administrativo.

Também o RGICSF, no seu art. 145º-N, nº 1, estabelece que as decisões do Banco de Portugal que adoptem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, sendo certo que na presente acção está em causa a decisão de resolução do BANCO, SA adoptada pelo Banco de Portugal.

Nesta conformidade, à luz da Lei Orgânica do Banco de Portugal, a jurisdição administrativa é, claramente, a competente para conhecer das acções que envolvam tais actos ou decisões e também das que digam respeito à respectiva validade e das tendentes a efectivar eventual responsabilidade civil decorrente da sua prática.

Quanto ao Fundo de Resolução, quer o litígio seja atinente a responsabilidade extracontratual quer respeite a responsabilidade contratual do mesmo, tal responsabilidade sempre seria fundada em normas de direito administrativo e na actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, pelo que, a presente acção é da competência exclusiva dos tribunais administrativos, o que também decorre do art. 4º, nº 2, do ETAF.

Já tivemos oportunidade de decidirmos tal questão no nosso acórdão de 14.09.2017[2], a propósito de acção intentada contra aquele Fundo e iremos seguir a mesma orientação.

Assim, o Fundo de Resolução, que tem por objecto principal a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, foi criado pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, no âmbito da revisão do regime de saneamento e liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras.

Aquele diploma aditou ao RGICSF, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro, o artigo 153-B, sob a epígrafe “Criação e Natureza do Fundo de Resolução” veio estabelecer que:
1–É criado o Fundo de Resolução, adiante designado por Fundo, pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.
2–O Fundo tem sede em Lisboa e funciona junto do Banco de Portugal.
3–O Fundo rege-se pelo presente diploma, pelos seus regulamentos“.

E o artigo 153º-C quanto ao “Objecto do Fundo de Resolução” estabelece que: “O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”
A Portaria nº 420/2012, de 21 de Dezembro aprovou o Regulamento do Fundo de Resolução e no artº 2º (natureza e objecto) prevê expressamente que:
“1–O Fundo é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.
2–O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”.

Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Fundo de Resolução as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo.

A Lei nº 58/2011, de 28 de Novembro, autorizou o Governo a proceder à revisão do regime aplicável ao saneamento e liquidação das instituições de crédito sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.

Na sequência dessa lei de autorização, foi publicado o DL nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, que operou uma revisão profunda do regime de saneamento e liquidação de instituições de crédito constante do RGICSF, introduzindo uma nova abordagem de intervenção do Banco de Portugal, caracterizada por três fases de intervenção: intervenção correctiva, administração provisória e resolução.

De acordo com os artigos 139º e 140º do RGICSF, os pressupostos de aplicação destas três fases de intervenção dependem (i) da gravidade do risco ou grau de incumprimento, por parte de uma
instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como (ii) da dimensão das respectivas consequências nos interesse dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.

Dentro destas balizas de actuação e sem qualquer relação de precedência, o Banco de Portugal, pautado pelos princípios gerais de adequação e proporcionalidade, pode adoptar ou combinar as medidas estabelecidas em cada fase de intervenção, ainda que de natureza diferente.

Este novo regime visa, na sua essência: (a) a prevenção, através do incremento dos poderes de supervisão do BP, traduzido em deveres de reporte de informação adicionais e sobretudo mais objectivos, de elaboração periódica de planos de contingência, de identificação e controlo do risco e de antecipação de medidas de resolução adequadas; (b) uma intervenção precoce, através da introdução de medidas de intervenção correctiva, de molde a permitir aos bancos a manutenção da sua actividade; e (c) a introdução de medidas de resolução administrativas ou extra-judiciais e de instrumentos de reestruturação ou dissolução controlada (tais como a alienação de activos ou a transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) de modo a assegurar depósitos e outros serviços essenciais, bem como a estabilidade do sistema financeiro[3].

As finalidades das medidas de resolução estão previstas no artigo 145º-A do RGICSF, segundo o qual:
O Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades:
a)-Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;
b)-Acautelar o risco sistémico;
c)-Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;
d)-Salvaguardar a confiança dos depositantes.

Assim, o Banco de Portugal teve a possibilidade de “determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa” – artigo 145-G nº 1 do RGICSF.
Por outro lado, o Banco de Portugal selecciona os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição – artº 145º -H nº 1.

O artigo 145º-G (Transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) preceitua:
“1 O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa.
4– O capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos”.
Foi ao abrigo deste regime que o Conselho de Administração do Banco de Portugal, por deliberação de 03 de Agosto de 2014, aplicou uma medida de resolução ao BANCO, SA e, nessa sequência, determinou a constituição do Banco X, SA e aprovou os respectivos Estatutos – artº 145º-G nº 5 (fls 64 a 68 e 69 a 73).
E determinou também a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco, SA para o Banco X, SA – ponto 2 da referida deliberação – fls 64vº.
Nos Estatutos do Banco X, SA, constantes do Anexo 1 à Deliberação de 3 de Agosto de 2014, dispõe-se no artigo 4º que “ o capital social do Banco X, SA é de quatro mil e novecentos milhões de euros, sendo, nos termos da lei, totalmente detido pelo Fundo de Resolução” – Cfr fls 69 e vº.

Seguindo agora de perto o Acórdão da Relação de Lisboa de 30.03.2017[4]  “inexiste qualquer relação jurídica entre o Fundo de Resolução e o autor a sustentar o pedido contra si formulado que é precisamente o decorrente do facto (jurídico-administrativo de resto) desta entidade ser a accionista única do N.B. Pelo que,  a acção fundamenta-se, quanto a este réu,  na responsabilidade civil  extracontratual.

A acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.

Sucede que, a Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro, estabelece no artº 1º nº 2 que “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

Há pois, que, concluir necessariamente pela incompetência absoluta dos tribunais comuns para conhecer de questões relacionadas com a responsabilidade atribuída, em tais termos, ao Fundo de Resolução.

O ETAF, dispõe no artº 4º sobre a matéria da competência dos tribunais administrativos, prescrevendo no nº 1, alínea f) que é da competência exclusiva dos tribunais administrativos “a apreciação dos litígios que tenham por objecto questões relativas à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público”.

Também, para aqui, é irrelevante averiguar se o acto foi praticado no domínio da gestão pública ou no âmbito da gestão privada, uma vez que se trata de norma imperativa, aplicável quer se trate de um domínio ou de outro – Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, Almedina, 2010, página 22, nota 12.

Ainda no mesmo sentido «Sempre que essas pessoas devam responder extracontratualmente por prejuízos causados a outrem, o julgamento da respectiva causa pertencerá à jurisdição administrativa, independentemente da qualificação do acto lesivo como acto de gestão pública ou de gestão privada” – Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in: Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 59.

É que, o princípio subjacente à delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos com os demais tribunais é o que advém de uma cláusula geral positiva de atribuição de competência aos tribunais administrativos, para apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, reguladas por normas de Direito Administrativo, em que, “pelo menos um dos sujeitos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” Cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 4ª edição, págs. 59 e seguintes. (…)

Donde que, o Fundo de Resolução sendo o accionista único do NB, enquanto pessoa colectiva de direito público, com base em actos de direito administrativo, e normas de direito administrativo, designadamente, os artigos 153º e 154º do RGICSF, bem como as deliberações do Banco de Portugal enquadra-se na disciplina de relações jurídicas administrativas cabendo pois aos tribunais administrativos nos termos expostos a competência exclusiva para conhecer dos respectivos litígios”.

Ainda segundo o Acórdão da Relação de Lisboa que acabámos de citar, “O critério para aferir da competência dos tribunais administrativos deve ser “o da natureza da relação jurídica concreta subjacente ao litígio”, sendo que “as relações jurídicas administrativas são as reguladas por normas de direito administrativo, ou seja, «normas que regulam as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares no desempenho da actividade administrativa de gestão pública (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., pg. 134), ou, segundo a jurisprudência do pleno do STA, «Os vínculos que intercedem entre a Administração e os particulares (ou entre entidades administrativas distintas) emergentes do exercício da função administrativa» (Ac. do Pleno de 16.04.97, Rec. n.º 31.873).” e  Acórdão do Tribunal de Conflitos, proferido no processo n.º 06/04, de25.10.2005 in dgsi”.

A responsabilidade que se imputa ao Fundo de Resolução, como bem alega o réu na sua contestação, é  fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, não numa eventual actividade ou qualidade de sujeito de direito privado, de direito comercial. Efectivamente, o Fundo de Resolução vem demandado nesta acção apenas por ser o “único accionista” do X- sem que, porém, se invoque nesse articulado qualquer disposição legal em que se fundamente a tese dessa responsabilidade do Fundo, como seu “único accionista”, pelas eventuais obrigações daquele banco.

Até porque essa suposta qualidade de accionista único do X, é uma qualidade que assiste ao Fundo de Resolução enquanto pessoa colectiva de direito público, e que lhe advém de normas e de actos de direito administrativo”.

Advém-lhe do artº 145º-G/4 do RGICSF, ao abrigo do qual “o capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos”. E advém-lhe do artº 4º dos Estatutos do X acima mencionado.

A qualidade em que o Fundo de Resolução aqui intervém só pode ser aferida com base nas relações jurídico-administrativas existentes entre ele e o X, porque foi ao abrigo do citado artº 145ºG/4 e dos artºs 153-B a 153-U do RGICSF, e não de normas de direito comercial, que essa regulação se estabeleceu e é regulada.

E das relações jurídico-administrativas conhecem os tribunais administrativos.

Efectivamente, como resulta do nº 3 do artigo 212º da Constituição, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Assim, deve ser julgada procedente a excepção da incompetência em razão da matéria quanto aos réus CMVM, Banco de Portugal e Fundo de Resolução e, consequentemente, devem os mesmos serem absolvidos da instância, nos termos dos artigos 96º alª a), 99º nº 1, 278º nº 1 alº a), 576º nº 2 e 577º alª a), todos do Código de Processo Civil.

Quanto aos réus Banco X, SA e LM, a questão tem contornos diferentes dos que foram plasmados na decisão recorrida e seguiremos a orientação proferida no nosso acórdão de 11.05.2017.
Assim, por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, foi aplicada uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. (“BANCO, SA”), o qual determinou:
Ponto Um: constituir o X, e aprovar os respectivos Estatutos (Anexo 1 da deliberação);
Ponto Dois: transferir para o X, determinados activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (Anexos 2 e 2A da deliberação);
Ponto Três: designar uma entidade independente para avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, transferidos para o X;
Ponto Quatro: designar os membros dos órgãos sociais do Banco Espírito Santo, S.A. – Cfr fls 50 a 72.

A resolução é, a par de outras ― mormente a intervenção correctiva e a administração provisória―, uma das medidas que o Banco de Portugal pode aplicar tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro (artigo 139º/1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”).

O artigo 140º (Aplicação das medidas), preceitua que “na adopção das medidas previstas no presente título, o Banco de Portugal não se encontra vinculado a observar qualquer relação de precedência, estando habilitado, de acordo com as exigências de cada situação e os princípios indicados no artigo anterior, a combinar medidas de natureza diferente, sem prejuízo, em qualquer caso, da verificação dos respectivos pressupostos de aplicação”.

De acordo com o artigo 140º -E nº 4 “a aplicação de medidas de resolução não depende da prévia aplicação de medidas de intervenção correctiva nem prejudica a sua aplicação em qualquer momento”.

A lei atribui ao Banco de Portugal uma competência discricionária para, no respeito dos pressupostos de aplicação de cada uma delas, bem como dos princípios gerais da adequação e da proporcionalidade (artigo 139º nº 2 do RGICSF), “(…) decidir em função do que melhor convier aos objectivos do reequilíbrio financeiro da instituição, da protecção dos depositantes, da estabilidade do sistema financeiro como um todo e da salvaguarda do erário público”[5].

A resolução foi introduzida inovatoriamente pelo Decreto-Lei nº 31º-A/2012, de 10 de Fevereiro, que “(…) substituiu o regime de saneamento (…) previsto no título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (…) por uma nova disciplina legal caracterizada pela existência de três fases de intervenção distintas ― intervenção correctiva, administração provisória e resolução”.

A inovação residiu no seguinte:
À luz do regime vigente até à data, quando uma instituição de crédito se encontrava numa situação de desequilíbrio financeiro muito grave, sem perspectivas realistas de recuperação, o ordenamento jurídico oferecia às autoridades, como única alternativa de actuação, a revogação da respectiva autorização para o exercício da actividade e sua subsequente entrada em liquidação, ou, em situações de maior gravidade sistémica, a sua possível nacionalização, com custos inerentes para o erário público[6].

Uma das medidas de resolução que o Banco de Portugal pode aplicar consiste na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição (artigo 145º-E nº 1 alª b) do RGICSF).

No âmbito desta medida de resolução, o Banco de Portugal determina a transferência parcial ou total dos direitos e obrigações de uma instituição de crédito (artigo 145º-O nº 1 do RGICSF), competindo-lhe constituir a instituição de transição e aprovar os respectivos estatutos (artigo 145º-P nº 1 do RGICSF).
Foi o que o Banco de Portugal fez no caso do BANCO, SA: aplicou uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. ─ transferência parcial da actividade ─ e constituiu uma instituição de transição (X, S.A.), por se revelar “(…) como a única medida que garantia a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permitia isolar, em definitivo, o X dos riscos criados pela exposição do Banco, SA a entidades do Grupo Espírito Santo” (cf. Considerando (11) da deliberação do Banco de Portugal supra citada) – fls 54.

Ao abrigo dos poderes discricionários (artigo 145º-C nº 2 do RGICSF) que lhe são conferidos pela lei (artigo 145º-O nº 1), o Banco de Portugal determinou os direitos e obrigações que constituíam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão que foram transferidos do BANCO, SA para o X.

Assim, no Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal integrou na categoria de «Passivos Excluídos» ― responsabilidades do BANCO, SA perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais do BANCO, SA que se mantiveram na sua esfera jurídica, não tendo sido transferidos para o X ― “quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” (alínea b), subalínea (v)) – doc fls 69 a 72.

Posteriormente, por deliberação de 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal decidiu clarificar e ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANCO, SA transferidos para o X – doc fls 591 a 599.

Nesta deliberação, o Banco de Portugal entendeu que “deve ser definido de modo mais preciso as exclusões constantes da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto” (Considerando (21) da deliberação de 11 de Agosto de 2014).

Assim, a subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 passou a ter a seguinte redacção:
Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” (alínea H) da deliberação de 11 de Agosto de 2014) – doc. fls 597.

Continuando a seguir de perto a douta contestação do X, já após a interposição da presente acção, mais precisamente em 29 de Dezembro de 2015 as subalíneas (v) e (vii) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014 foram objecto de nova clarificação através de duas deliberações do Banco de Portugal - doc. fls 606 a 610.

Nessas deliberações, o Banco de Portugal decidiu:
A)– Clarificar que, nos termos da alínea b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, não foram transferidos do BANCO, SA para o X quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BANCO, SA que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BANCO, SA;

B)– Em particular, clarificar não terem sido transferidos do BANCO, SA para o X inter alia:
― Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades veículo estabelecidas pelo BANCO, SA e vendidas pelo BANCO, SA;
― Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos em anexo, entre os quais o Banco de Portugal incluiu, expressamente, os presentes autos.

C)– Na medida em que, não obstante as clarificações efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o X quaisquer passivos do BANCO, SA que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, são os referidos passivos retransmitidos do X para o BANCO, SA, com efeitos às 20 horas do dia 3 de Agosto de 2014;

D)– Determinar que o Conselho de Administração do BANCO, SA e o Conselho de Administração do X deverão praticar todos os actos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões operadas pelo Banco de Portugal, em particular, inter alia:
― Praticar todos os actos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas na alínea A), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter actos anteriores que tenham praticado contrários àquelas decisões;
― Requerer a imediata junção da deliberação do Banco de Portugal aos autos em que sejam parte.

Acresce que nas referidas deliberações de 29 de Dezembro de 2015, foi igualmente alterada a redacção da subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 que passou a ter a seguinte redacção:
Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para expressão da vontade e vinculação contratual do BANCO, SA e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BANCO, SA, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

Também por esta via, e de acordo com a nova redacção da subalínea (vii), se conclui que não houve transferência para o X das eventuais responsabilidades do BANCO, SA assumidas na comercialização, intermediação financeira de acções preferenciais.

A resolução do BANCO, SA e a constituição do X não é uma simples cisão prevista e regulada no artigo 118º e ss do Código das Sociedades Comerciais.

A resolução é uma figura específica do direito bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal, e, que por conseguinte, não se confunde com a cisão simples da lei societária.

O artigo 145º-O (Transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição), preceitua no seu nº 10 que “o Código das Sociedades Comerciais é aplicável às instituições de transição, com as necessárias adaptações aos objectivos e à natureza destas instituições”.

Ainda neste âmbito, importa considerar, igualmente, o Aviso do Banco de Portugal nº 13/2012, de 8 de Outubro de 2012, o qual veio estabelecer “as regras necessárias à criação e ao funcionamento de bancos de transição” - cf. art. 1º., sendo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 2.º do mesmo Aviso, sob o título “Regime dos bancos de transição”, estabeleceu-se que: «Os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objectivos e natureza destas instituições». Acrescenta o nº 3 do mesmo artigo 2º que: «Os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das actividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF».

No âmbito do descrito quadro jurídico, o Banco de Portugal tomou desde Julho de 2014 várias deliberações, que constam todas publicitadas no sítio da Internet de tal instituição, sendo o seu teor acessível em:
https://www.bportugal.pt/ptPT/OBancoeoEurosistema/Esclarecimentospublicos/Paginas/DeliberacoesBanco, SA.aspx- a saber: -Deliberação do Conselho de Administração de 30 de Julho de 2014; - Deliberação do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014 sobre a nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do X, S.A.; - Deliberação do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014 sobre a aplicação de uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A.; - Deliberação sobre clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco, SA (BANCO, SA), transferidos para o Banco X, SA. (X); - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, sobre dispensa temporária do Banco Espírito Santo, SA, da observância de normas prudenciais e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas; - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 14 de agosto de 2014; - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 13 de maio de 2015; - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada “Contingências”; - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada de “Perímetro”; e - Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada de 'Retransmissão'.

A deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (fls 50 a 57) sobre a aplicação de uma medida de resolução ao “Banco Espírito Santo, S.A.” assentou em diversos considerandos, a saber: - A divulgação, em 30-07-2014, dos resultados do Grupo Espírito Santo relativos ao 1.º semestre de 2014, com um registo de prejuízo de 3577,3 milhões de euros, reflectindo “a prática de actos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do Banco Espírito Santo, S.A. e a violação de determinações do Banco de Portugal que proibiam o aumento da exposição a outras entidades do Grupo Espírito Santo” (considerando n.º 1); - “As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do BANCO, SA, a nível individual e consolidado, colocando-os globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam actualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8% para o rácio total” (considerando n.º 2); - “Verifica-se assim um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco Espírito Santo, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal (...)”(considerando n.º 3);- A impossibilidade de o BANCO, SA, S.A. promover uma solução de recapitalização do banco, nos termos e prazos solicitados pelo Banco de Portugal, impossibilidade essa, comunicada em 31-07-2014 ao Banco de Portugal (considerando n.º 4); - A situação de grave insuficiência de liquidez, tendo desde o fim de Junho até 31-07-2014, o BANCO, SA, AS diminuído em cerca de 3.350 milhões de euros a posição de liquidez (considerando n.º 5); - A suspensão do BANCO, SA, S.A. do estatuto de contraparte do Banco Central Europeu, decidida em 01.08.2014, com efeitos a partir de 04-08-2014, a par da obrigação daquele de reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema, de cerca de 10 mil milhões de euros, no fecho das operações no dia 4 de Agosto (considerando n.º 6);

Nessa linha, concluiu-se que estando “o Banco Espírito Santo, SA, numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações” e, não sendo tomada, com urgência, a “medida de resolução ora adoptada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma seria ameaça para a estabilidade financeira” (considerando nº 7).

Desta forma, ainda segundo a mesma Deliberação de 3 de Agosto, era necessária, “imperativa e inadiável uma medida de defesa dos depositantes, de forma a evitar uma ameaça a segurança dos fundos depositados”. Neste contexto, e como se salienta na mesma Deliberação, na ausência de outras “soluções imediatas viáveis de alienação da actividade do Banco Espírito Santo, SA” (considerando n.º 11) considerou-se que, a criação de um banco para o qual era transferida a totalidade da actividade prosseguida pelo Banco Espírito Santo, SA., “bem como um conjunto dos seus activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão”, constituía “a única medida que garante a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permite isolar, em definitivo, o X dos riscos criados pela exposição do Banco, SA a entidades do Grupo Espírito Santo” (cf. o mesmo considerando n.º 11) – fls 568.

Tendo em conta estes pressupostos, o mesmo Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou a constituição do “X, S.A.”, com transferência para esta nova instituição bancária de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do “Banco Espírito Santo, SA.” Por sua vez, no referido Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 que determinou a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do “Banco Espírito Santo, SA”, para o “Banco X, SA.”, são referidos os critérios que presidirão à aludida transferência: «(a) Todos os activos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BANCO, SA serão transferidos na sua totalidade para o Banco X, SA com excepção dos seguintes: (...).
(b)- As responsabilidades do BANCO, SA perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Banco X, SA, com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”): (i) (...); (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra ordenacionais; (vi) (...). (d) Os activos sob gestão do BANCO, SA ficam sob gestão do X, S.A. (...). Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o BANCO, SA e o Banco X, SA, activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão, nos termos do artigo 145.º H, nº 5».

Em 11-08-2014, o Banco de Portugal emitiu nova deliberação com vista a clarificar e ajustar o “perímetro” do X, S.A. (cf. o ponto “Agenda” de tal deliberação) e, consequentemente, também, do BANCO, SA, introduzindo diversas alterações e rectificações ao texto da aludida deliberação de 03-08-2014. Entretanto, posteriormente, em 29 de Dezembro de 2015, o Banco de Portugal emitiu, como se disse, três novas deliberações, denominadas “Contingência”, “Perímetro” e “Retransmissão”.

Na deliberação “Contingência” pode ler-se que a mesma é adoptada relativamente “ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como activos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (20 horas) na redacção que lhe foi dada ela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014 (17 horas)”.

Por sua vez, na mesma data (29-12-2015)  foi emitida pelo Banco de Portugal a denominada deliberação “Perímetro” de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“(...) A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00h), com as clarificações e ajustamentos introduzidos ela deliberação de 11 de agosto de 2014 ( 17:00 horas) - doravante a “Deliberação de 3 de agosto” para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do X (“X”) determinou igualmente a transferência de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (“Banco Espírito Santo” ou “BANCO, SA”) ara o X descritos no Anexo 2 à mesma Deliberação de 3 de agosto (…). Anexo I: I. Lista de responsabilidades litigiosas relativas aos processos judiciais pendentes em Tribunais em Portugal: 1. Processos existentes a 3 de agosto de 2014 (...). 2. Processos iniciados após 3 de Agosto de 2014 (relativos a factos anteriores à aplicação da medida de resolução): (...)"

Nos termos da subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo à Deliberação Perímetro estabelece-se que ficaram excluídas da transferência do BANCO, SA para o X, S.A. “ quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades (...)”.

Na alínea B) da deliberação “Contingências” e na alínea b), do Anexo 2C da deliberação Perímetro, é feita uma delimitação de não transferência de responsabilidades do BANCO, SA para o X, S.A.. (...)

Assim, na operação de criação de um X de transição, o Banco de Portugal, entidade competente para o efeito, determinou, no âmbito de exercício dos respectivos poderes, que não fossem objecto de transferência ou transição ou transmissão para o aludido banco de transição, as responsabilidades pretendidas accionar por via da presente acção, as quais não foram transmitidas para o X, S.A., radicando, por isso, na esfera primária do Banco Espírito Santo, S.A., de onde não saíram. Note-se que, a intervenção efectuada pelo Banco de Portugal em 29-12-2015, na medida da clarificação que efectua, sobreleva sobre qualquer outro sentido que pudesse decorrer da versão originária da deliberação de 03-08-2014 ou de alguma alteração posterior, designadamente, relativamente ao teor do Anexo A a tais deliberações, afigurando-se perfeitamente legítimo o exercício da competência levada a efeito pelo Banco de Portugal.

Sublinhe-se, adicionalmente, que, de acordo com o que consta das deliberações acima aludidas, se, porventura, alguma responsabilidade relacionada com as pretensões deduzidas nos presentes autos se pudesse ter, por algum meio ou em algum momento, considerada por transmitida para o X, S.A., a mesma sempre seria de considerar retransmitida – com efeitos retroactivos à data da medida de resolução – para o BANCO, SA, radicando, sempre, na esfera jurídica desta entidade e, não, na do banco de transição.

Em face de tudo o exposto, a potencial imputação de qualquer responsabilidade que pudesse decorrer em razão da eventual violação de deveres por parte do BANCO, SA na comercialização e intermediação financeira, nomeadamente violação do dever de informação, em data anterior a 03-08-2014, mostra-se, em todo e em qualquer caso, por via das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, absolutamente excluída, qualquer o título de responsabilização em que se pretendesse fundar a correspondente pretensão.

Por outro lado, (...), as deliberações ultimamente proferidas, configuram uma verdadeira “interpretação autêntica” do teor da Medida de Resolução, proferida pelo órgão competente da autoridade reguladora com competência legal para o efeito.

De todo o modo, não poderá considerar-se que as deliberações “Contingência” e “Perímetro” são ilegais, designadamente, porque violam o disposto no artigo 145.º-O, n.º 1, 5 e 6, e na medida que atingem, interpretam e alteram as Deliberações de 03.08.2014 e 11.08.2014, também estas estão feridas de ilegalidade”.

Finalmente, uma breve alusão à responsabilidade civil imputada à ré LM Pires. Esta ré agiu sempre no âmbito das suas funções na qualidade de funcionária do BANCO, SA e em representação do BANCO, SA.

Existiu, pois, uma relação laboral entre a ré LM e o BANCO, SA, Assim, aplica-se os princípios estabelecidos nos artigos 165º e 800º do Código Civil, segundo os quais “ as pessoas colectivas respondem pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários”.

Por outro lado, para efeitos de responsabilidade civil do intermediário financeiro por actos dos seus representantes previsto no nº 1 do artigo 324º do CVM, importa ter em conta o artigo 800º nº 1 do Código Civil, sendo o intermediário financeiro responsável perante o cliente como se os actos praticados pelos seus representantes e auxiliares fossem praticados pelo próprio.

Terminando, para concluir, importa declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide quanto aos réus Banco X, SA e LM Pires, em conformidade com o disposto no artigo 277º alínea e) do Código de Processo Civil.

INCONSTITUCIONALIDADE DA DECISÃO.
Argumenta o apelante que a decisão viola o disposto no artigo 2º do CPC e dos artigos 2º, 20º, 202º, n.º 1 e nº 2, todos da Constituição da República.

Cumpre decidir.

O artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) preceitua no seu nº 1 o seguinte:
“ 1.- A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

Contrariamente à opinião do apelante, não se vislumbra qualquer denegação da justiça por violação do disposto nos artigos 2º, 20º nº 1 e 202º nº 1 da Constituição. Pelo contrário, o apelante litigou em liberdade plena e com respeito pelo princípio consagrado no artigo 20º nº 1 da Constituição, podendo sempre intentar a respectiva acção no tribunal competente.

O facto de se ter entendido na sentença recorrida que os tribunais da jurisdição cível não são competentes para conhecerem da presente acção, tal como vem configurada, não constitui qualquer violação ou compressão do direito à tutela judicial efectiva, nada impedindo o autor de accionar os tribunais administrativos, que são os competentes, e de ver julgada a pretensão aqui deduzida.

IIIDECISÃO.
Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, embora pelas razões que aqui se deixaram expostas.
Custas pelo apelante.


Lisboa, 08-02-2018



Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais 
Isoleta de Almeida Costa 



[1]Ver o nosso acórdão de 11.05.2017, procº nº 31411/15.6T8LSB.L1, in www.dgsi.pt/jtrl
[2]Processo nº 3250/16.4T8ALM-A.L1-8, in www.dgsi.pt/jtrl
[3]Inês Caria Pinto Basto e Mafalda Almeida Carvalho “O Novo Regime de Intervenção Correctiva, Administração Provisória, Resolução e Liquidação de Instituições de Crédito”, in Foro de Actualidade, pág. 99 a 104.
[4]Proc.º nº 146/16, in www.dgsi.pt/jtrl (Isoleta Almeida Costa)
[5]Preâmbulo do DL 31-A/2012, de 10 de Fevereiro que procedeu à alteração do RGICSF.
[6]Preâmbulo do DL 31-A/2012,