Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7802/10.8T2SNT.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ARRENDAMENTO
SENHORIO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO ORDINÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Tendo os senhorios tido conhecimento do auto de vistoria ao imóvel arrendado, elaborado pelo respectivo Município, donde constam diversos vícios deste, sendo-lhes ordenada a execução de obras idóneas à sua reparação, e havendo solicitado a prorrogação de prazo para a respectiva realização, verifica-se o inequívoco reconhecimento da sua obrigação de as prosseguir.
II – Remetendo-se os senhorios à absoluta inércia, não executando as obras ordenadas, cuja falta impede o gozo do imóvel pelo locatário, em condições de conforto e dignidade, assiste a este último o direito de as exigir judicialmente, ao abrigo do disposto nos artsº 1074 e 1022º do Código Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
Intentou A. acção declarativa comum, sob a forma de processo sumário, contra B. e C..
Essencialmente alegou que :
Os RR. são comproprietários do imóvel que lhe foi arrendado mediante contrato escrito datado de 28 de Janeiro de 2004, onde já reside desde o ano de 1991.
A fracção arrendada encontra-se deteriorada, tendo sido verificadas pela Câmara Municipal de … diversas anomalias, com a elaboração do respectivo auto datado de 27 de Novembro de 2006.
Foram os senhorios notificados para realizarem as obras necessárias, o que não fizeram.
Por esse motivo, o A. mandou executar obras de conservação urgentes, no que gastou a quantia de € 1.000,00.
Conclui pedindo a condenação dos RR. a executar todas as obras de conservação necessárias, aptas a proporcionarem ao imóvel a realização do fim a que se destina, as quais se encontram identificadas no auto de vistoria de segurança e salubridade elaborado pela Câmara Municipal de … ; a ressarci-lo do valor que despendeu nas obras de conservação que se revelaram inadiáveis, valor esse fixado em € 1.000,00 ( mil euros ) ; no pagamento da quantia de € 3.000,00 ( três mil euros ) a título de indemnização por danos não patrimoniais, resultantes da privação da sua vida social e da sua família, no locado.
Citados, apresentaram os RR. contestação.
Essencialmente, alegaram que :
O A. nunca reclamou dos vícios do locado, os quais não podem ser imputados aos actuais senhorios dado o disposto no artº 1033º do Código Civil.
O inquilino recebeu a fracção em perfeitas condições de habitabilidade e se as anomalias existem devem-se ao uso anormal que o A. faz da sua habitação.
Pedem a condenação do A. como litigante de má fé ; em reconvenção, a declaração de resolução do contrato de arrendamento com base no incumprimento dos deveres que recaem sobre o inquilino, consignados nas alíneas c) e d) do artº 1038º do Código Civil ; a condenação do reconvindo a repor o locado no estado em que o recebeu ou, em alternativa, a indemnizar os reconvintes no valor referente ao custo daquela reposição.
Apresentou o A. resposta, negando qualquer uso imprudente do arrendado e concluindo pela improcedência da reconvenção.
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 58 a 65.
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida decisão de facto conforme fls. 92 a 96.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, com a condenação dos Réus, na qualidade de senhorios, a executarem todas as obras de conservação necessárias, aptas a reparem todas as patologias apontadas no auto de vistoria elaborado pela Câmara Municipal de … no dia 27 de Novembro de 2006, que consta a fls. 14-15, e todas as patologias que, não estando apontadas no auto, sejam desenvolvimento das que foram registadas, devendo o início das obras ter lugar no prazo máximo de 90 ( noventa ) dias a contar do trânsito em julgado da decisão ; a reconvenção foi julgada totalmente improcedente ( cfr. 98 a 110 ).
Apresentaram os RR. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 122 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 112 a 119, formularam os RR. apelantes, as seguintes conclusões :
— As respostas aos Quesitos 23º, 25º e 26º, que correspondem aos factos 22, 23 e 9 da fundamentação da sentença, conjugadas com os factos 2 e 8 da mesma fundamentação, impõem decisão diametralmente inversa à que foi proferida, no tocante, não só à improcedência de parte do pedido, como à procedência do pedido reconvencional.
— Efectivamente, e em suma, provou-se que:
a) o prédio onde se situa o arrendado foi inscrito na matriz antes de 1951 e o rés-do-chão do mesmo foi locado ao A. em 1991, sendo que, nesse período de, pelo menos, 40 anos, nunca o pavimento e os rodapés tiveram qualquer sinal de apodrecimento;
b) em 1991, aliás, quando o A. foi habitar o dito rés-do-chão, este encontrava-se em bom estado de conservação e foi ele ou alguém consigo residente quem abriu os roços na cozinha e colocou à vista a instalação eléctrica.
— Comparando-se as fotografias juntas com a PI com as que acompanharam a Contestação, facilmente se conclui que o locado, enquanto na posse da anterior inquilina, que ali habitou na década anterior ao mesmo ser cedido ao A., não apresentava manchas nos tectos e paredes interiores, as quais, na cozinha, estavam devidamente revestidas a azulejo, a alcatifa que cobria o pavimento estava em bom estado e a instalação eléctrica não estava à vista nem apresentava o aspecto retratado nas fotografias juntas pelo A..
— Portanto, o arrendado apresentava um bom estado de conservação, pelo menos, até 1993, segundo depôs a primeira testemunha arrolada pelo próprio A (vide fundamentação das respostas à Base Instrutória), pelo que, atendendo ao ano da vistoria, 2006, é pouco ou mesmo nada plausível que, em apenas 13 anos e por via exclusiva do desgaste natural ou eventual deficiência estrutural do edifício, o locado chegasse ao estado de degradação patenteado pelas fotografias que acompanharam a PI.
— Pelo contrário, o conjunto de fotografias apresentado por ambas as partes e que consta dos autos constitui prova documental concreta de que, no mínimo quanto à instalação eléctrica, com os cabos arrancados e à vista, e ao estado das paredes da cozinha, com roços abertos, azulejos partidos ou totalmente arrancados das paredes, tais ‘patologias’ não decorreram de uma utilização prudente do locado, por parte do inquilino, mas de uma intervenção deliberada e danosa, que o mesmo não justificou e que constitui fundamento legal de resolução do contrato e, nos termos do art.1033º, al.c), caso de desresponsabilização do locador.
— Ao assim não considerar e até entender, sem tal haver sido alegado, que é mais seguro a instalação eléctrica estar à vista para, dadas as infiltrações de água, mais facilmente se detectar o risco de curto-circuito, a decisão recorrida não só se pronunciou sobre questão de que não podia tomar conhecimento, como concluiu contrariamente às regras de experiência comum que invoca e subavaliou em absoluto a conduta ilícita do inquilino.
— Na verdade, ao danificar o locado do modo retratado nas fotografias por ele mesmo juntas, e sem ter alegado razão válida para essa actuação, o Apelado incumpriu as suas obrigações legais (CC, art.1038º) e contratuais (Cl.7ª do doc.1 junto com a PI), o que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, constitui fundamento de resolução do contrato nos termos do art.1083º, nº 1 do Cód.Civ.
— Ao assim não haver entendido e, inclusivamente, ao responsabilizar os Apelantes também pela reparação desses danos, a sentença recorrida violou os preceitos legais referidos, bem como a al.d) do nº 1 do art.668º, in fine, do CPC,
— Sendo, como tal, nula e devendo ser revogada e substituída por decisão que:
a) absolvendo os RR da parte do pedido respeitante, no mínimo, à reparação da instalação eléctrica e das paredes da cozinha e, consequentemente,
b) decrete a resolução do arrendamento sub judice e ordene o despejo do locado, condenando o A, aqui Apelado, a devolvê-lo livre e devoluto aos RR Apelantes, bem como a indemnizar estes no valor, a apurar em execução de sentença, em que venha a importar a reparação e tapagem da instalação eléctrica e restauro das paredes donde a mesma foi arrancada e reposição do revestimento de azulejo nas paredes donde o mesmo foi retirado ou onde se encontra partido, como é de Justiça.
Não houve resposta.

II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado em 1ª instância :
1 – Os RR. são comproprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o nº… da freguesa de …, sito …, concelho de …, sendo que o registo da aquisição, por compra, foi efectuado em 18 de Abril de 1996.
2 – O prédio foi inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. …, sob o artigo…, em data anterior à entrada em vigor do Decreto-lei nº 38382, de 7 de Agosto de 1951.
3 – No dia 28 de Janeiro de 2004, o Autor, na qualidade de arrendatário, e os RR., na qualidade de senhorios, celebraram entre si o contrato de arrendamento de que foi junta cópia com a petição inicial, como doc. Nº 1, a fls. 11-13, tendo por objecto o referido rés-do-chão do prédio urbano sito na A… em ..., concelho de ….
4 – O arrendamento destinou-se à habitação do aqui Autor e foi celebrado pelo prazo de um ano, renovável sucessivamente por igual período.
5 – Foi convencionada a retribuição mensal de € 206,04, entretanto fixada, segundo as actualizações anuais, em € 233,87.
6 – Na cláusula 5ª do contrato ficou consignado o seguinte : “ Ao arrendatário não é permitido fazer obras ou benfeitorias, a não ser as de conservação, sem autorização do senhorio, por escrito e devidamente reconhecida, ficando estipulado que procedendo à sua realização, ficam as mesmas pertencentes ao prédio, não podendo o arrendatário alegar retenção ou pedir indemnização. “.
7- Na cláusula 7ª do contrato ficou consignado o seguinte :
“ O arrendatário obriga-se, também, sob pena de indemnização a :
a) Conservar em bom estado, como actualmente se encontram, as canalizações da água, esgotos, todas as instalações sanitárias e de luz e respectivos acessórios, pagando as reparações relativas a danificações.
b) Manter em bom estado as paredes, soalhos e vidros.
c) A cumprir o Regulamento de Condomínio existente. “
8 – O A. habita o imóvel desde o ano de 1991.
9 – Em 1991, quando o A. foi habitar o rés-do-chão, este encontrava-se em bom estado de conservação.
10 – Em 27 de Novembro de 2006, a Câmara Municipal de … efectuou uma vistoria ao prédio e consignou no respectivo Auto – cujo original consta a fls. 14-15 e que aqui se dá por integralmente reproduzido – diversas patologias, apontando as origens das mesmas.
11 – Na sequência daquela vistoria, a Câmara Municipal de … decidiu : “ ordenar mandar executar as obras previstas no auto de vistoria de 27 de Novembro de 2006, respeitante ao prédio/fracção, Avenida…., ( … ) “.
12 – No primeiro trimestre de 2007, os ora Réus foram notificados pela autarquia do teor “ Concordo “ do despacho do vereador, datado de 11 de Janeiro de 2007, o qual acolheu e confirmou integralmente o conteúdo do auto de vistoria.
13 – Os RR. solicitaram a prorrogação do prazo previsto para o início da execução das obras, prazo de prorrogação que veio a terminar em 21 de Setembro de 2007.
14 – Até à data, os RR. não efectuaram qualquer das obras ordenadas pela autarquia.
15 – Em Dezembro de 2009, o A. deixou de efectuar o pagamento da renda mensal fixada.
16 – O pavimento do arrendado estava coberto com alcatifa maitex que foi arrancada pelo A. sem consentimento dos RR..
17 – O A. arrancou a alcatifa maitex devido às infiltrações e humidade que a habitação apresenta e que afectavam a alcatifa.
18 – As paredes exteriores do prédio e o pavimento térreo encontram-se com deficiente isolamento.
19 – O que causa as patologias referidas no auto de vistoria, na sala, no corredor, no quarto de arrumos e no quarto de casal.
20 – No prédio ocorreu rotura de canalização no piso superior.
21 – O que originou a patologias indicadas no auto de vistoria, na instalação sanitária.
22 – Até à cedência do rés-do-chão ao A., em 1991, nunca o pavimento e os rodapés da fracção tiveram qualquer sinal de apodrecimento.
23 – Foi o A. ou alguém com ele residente que abriu os roços na cozinha e colocou a instalação eléctrica à vista.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
1 – Da obrigação da realização de obras no locado por parte dos senhorios, tornando-o habitável.
2 – Do alegado fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
Passemos à sua análise :
1 - Da obrigação da realização de obras no locado por parte dos senhorios, tornando-o habitável.
Nos termos gerais do artº 1074º do Código Civil : “ Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário. “.
A presente acção tem por objecto principal, na perspectiva do peticionante, compelir o locador a proceder às reparações no arrendado que se afigurem necessárias a torná-lo apto a satisfazer o fim contratual a que se destina.
É isso que está basicamente em causa nos autos.
Ora,
Destinando-se o arrendamento sub judice à habitação do inquilino, incumbirá aos RR. senhorios a obrigação de realizar as obras necessárias à plena fruição, em condições de dignidade e conforto, daquele espaço em conformidade com essa mesma finalidade, o que é imposto, em termos gerais, pelo artº 1022º do Código Civil.
Neste sentido,
Resultou provado nos autos que :
Em 27 de Novembro de 2006, a Câmara Municipal de …efectuou uma vistoria ao prédio e consignou no respectivo Auto – cujo original consta a fls. 14-15 e que aqui se dá por integralmente reproduzido – diversas patologias, apontando as origens das mesmas.
Na sequência daquela vistoria, a Câmara Municipal de … decidiu : “ ordenar mandar executar as obras previstas no auto de vistoria de 27 de Novembro de 2006, respeitante ao prédio/fracção, Avenida ( … ) “.
No primeiro trimestre de 2007, os ora Réus foram notificados pela autarquia do teor “ Concordo “ do despacho do vereador, datado de 11 de Janeiro de 2007, o qual acolheu e confirmou integralmente o conteúdo do auto de vistoria.
Os RR. solicitaram a prorrogação do prazo previsto para o início da execução das obras, prazo de prorrogação que veio a terminar em 21 de Setembro de 2007.
Até à data, os RR. não efectuaram qualquer das obras ordenadas pela autarquia.
As paredes exteriores do prédio e o pavimento térreo encontram-se com deficiente isolamento, o que causa as patologias referidas no auto de vistoria, na sala, no corredor, no quarto de arrumos e no quarto de casal.
No prédio ocorreu rotura de canalização no piso superior, o que originou a patologias indicadas no auto de vistoria, na instalação sanitária.
Por outro lado,
não resultou provada a factualidade invocada pelos RR. no sentido de imputar ao inquilino, pela imprudente utilização do locado, o seu manifesto estado de degradação ( cfr. respostas negativas dadas aos pontos 14º a 21º e 24º, da base instrutória. ).
De notar, ainda, que
Os apelantes não procederam à impugnação da decisão de facto, com observância das exigências impostas no artº 685º-B do Código de Processo Civil.
Pelo que a mesma se tornou, por esse motivo, inalterável.
Assim sendo, tem indiscutível fundamento legal a pretensão do A. quanto à condenação dos RR. na realização das obras necessárias à devolução do locado às condições de habitabilidade exigíveis – as quais se encontram devidamente discriminadas no auto de vistoria.
De salientar que
os RR. senhorios recepcionaram a comunicação que lhes foi dirigida pelo Município de …, ordenando-lhes a realização das ditas obras, tendo inclusivamente pedido a prorrogação do prazo para a sua execução, o que equivale, para todos os efeitos, ao inequívoco reconhecimento do dever legal de as prosseguir.
Incompreensivelmente, esgotado o prazo por si pedido e concedido pelo Município de …, os RR. remeteram-se à absoluta inércia, não realizando as ditas obras.
Compete-lhes pois executá-las.
Pelo que se mantém a condenação dos RR. “a executarem as obras de conservação necessárias, aptas a reparem as patologias apontadas no auto de vistoria elaborado pela Câmara Municipal de … no dia 27 de Novembro de 2006, que consta a fls. 14-15, e as patologias que, não estando apontadas no auto, sejam desenvolvimento das que foram registadas, devendo o início das obras ter lugar no prazo máximo de 90 ( noventa ) dias… “, com excepção, porém, do que se refere aos “ roços abertos e à instalação eléctrica à vista numa parede da cozinha “ consubstanciada nas “ deficientes condições de instalação da rede eléctrica “ que, por ter sido objecto de intervenção por exclusiva iniciativa do inquilino deverá ser por este integralmente reparada.
Com efeito,
Extrai-se do auto de vistoria junto a fls. 14 que o único problema relacionado com a instalação eléctrica do locado aí assinalado tem a ver com a circunstância de uma das paredes da cozinha ostentar roços abertos e a instalação eléctrica à vista, o que levou a que se consignasse, como vício arrendado, “ Deficiente condições de instalação da rede eléctrica “.
Pelo que esta reparação ( o fechamento da parede albergando, em condições de segurança, da instalação eléctrica ) incumbe a quem lhe deu causa – o locatário – desconhecendo-se, em termos de factos provados, as concretas razões que o terão levado a proceder naqueles termos.
Referem fundamentalmente os apelantes nas suas conclusões :
As respostas aos Quesitos 23º, 25º e 26º, que correspondem aos factos 22, 23 e 9 da fundamentação da sentença, conjugadas com os factos 2 e 8 da mesma fundamentação, impõem decisão diametralmente inversa à que foi proferida, no tocante, não só à improcedência de parte do pedido, como à procedência do pedido reconvencional.
O arrendado apresentava um bom estado de conservação, pelo menos, até 1993, segundo depôs a primeira testemunha arrolada pelo próprio A (vide fundamentação das respostas à Base Instrutória), pelo que, atendendo ao ano da vistoria, 2006, é pouco ou mesmo nada plausível que, em apenas 13 anos e por via exclusiva do desgaste natural ou eventual deficiência estrutural do edifício, o locado chegasse ao estado de degradação patenteado pelas fotografias que acompanharam a PI.
Pelo contrário, o conjunto de fotografias apresentado por ambas as partes e que consta dos autos constitui prova documental concreta de que, no mínimo quanto à instalação eléctrica, com os cabos arrancados e à vista, e ao estado das paredes da cozinha, com roços abertos, azulejos partidos ou totalmente arrancados das paredes, tais ‘patologias’ não decorreram de uma utilização prudente do locado, por parte do inquilino, mas de uma intervenção deliberada e danosa, que o mesmo não justificou e que constitui fundamento legal de resolução do contrato e, nos termos do art.1033º, al.c), caso de desresponsabilização do locador.
Ao assim não considerar e até entender, sem tal haver sido alegado, que é mais seguro a instalação eléctrica estar à vista para, dadas as infiltrações de água, mais facilmente se detectar o risco de curto-circuito, a decisão recorrida não só se pronunciou sobre questão de que não podia tomar conhecimento, como concluiu contrariamente às regras de experiência comum que invoca e subavaliou em absoluto a conduta ilícita do inquilino.
Ao assim não haver entendido e, inclusivamente, ao responsabilizar os Apelantes também pela reparação desses danos, a sentença recorrida violou os preceitos legais referidos, bem como a al.d) do nº 1 do art.668º, in fine, do CPC.
Vejamos :
Como se salientou supra, não se provou qualquer actuação do inquilino que tivesse dado causa ao deplorável estado actual do locado, que inviabiliza a utilização daquele espaço para o fim a que contratualmente se destina.
A abertura dos ditos roços numa parede da cozinha não configura um vício estrutural do imóvel, sendo facilmente sanável.
Não faz sentido, por conseguinte, o apelo dos apelantes às regras da experiência comum, ao teor de fotografias juntas e, em termos avulsos e desgarrados, ao sentido do depoimento duma testemunha, quando, simultaneamente não procedeu, da forma tecnicamente adequada, à impugnação da decisão de facto.
Todas as considerações tecidas - em sede de alegações de recurso - a propósito do recebimento em perfeitas condições do arrendado e da imputabilidade dos vícios verificados a condutas inadequadas e lesivas do inquilino, não colhem a imprescindível correspondência no elenco dos factos dados como provados – donde manifestamente não constam.
Relativamente à modificação na instalação eléctrica e às razões aduzidas pelo juiz a quo para o sucedido, não se verifica qualquer nulidade da sentença subsumível ao disposto no artº 668º, nº 1, alínea d) do Código Civil.
Trata-se aqui duma questão de pura argumentação desenvolvida pelo Tribunal a quo que, em si mesma, não acarreta a nulidade da decisão.
Diga-se, ainda, que não se provou que o locatário nunca tenha comunicado aos senhorios os vícios constatados pela Câmara Municipal ou que estes já existissem antes da outorga do contrato de arrendamento – cfr. respostas negativas dadas aos pontos 11º e 12º.
A circunstância dos senhorios terem tomado conhecimento do auto de vistoria em referência, aceitando a realização das obras aí ordenadas – para o que solicitaram a prorrogação do prazo fixado -, sem que haja notícia de, através de qualquer meio, terem procurado responsabilizar o inquilino ou extrair consequências da sua conduta, revela o seu conformismo e a assunção ( tácita ) da obrigação que ora é judicialmente exigida.
Com efeito,
Os RR. souberam do estado lastimoso do imóvel logo em Janeiro de 2007 não reagindo, por alguma forma, contra o inquilino, sendo certo que a presente acção apenas deu entrada em juízo em 30 de Março de 2010, surgindo a alegação do comportamento ilícito do A. apenas na contestação/reconvenção de 30 de Junho de 2010.
2 – Do alegado fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
Vieram os RR. senhorios, em sede de contestação/reconvenção, pedir o despejo do A reconvindo, alegando a violação pelo inquilino das suas obrigações legais consignadas no artº 1038º, alíneas c) e d) do Código Civil, ou seja, “ Não aplicar a coisa a fim diverso daquele a que ela se destina “ ; “ Não fazer dela uma utilização imprudente “.
Conforme se assinalou supra, grande parte da factualidade alegada pelos reconvintes não resultou provada em audiência, não tendo os alegantes impugnado a decisão de facto que é, nessa medida, imodificável.
Logo, a sua pretensão não colhe o necessário suporte no plano factual.
A este propósito, apenas ficou provado que :
O A. arrancou a alcatifa maitex devido às infiltrações e humidade que a habitação apresenta e que afectavam a alcatifa.
Foi o A. ou alguém com ele residente que abriu os roços na cozinha e colocou a instalação eléctrica à vista.
Ora, estes factos, desacompanhados de qualquer contexto que possibilitasse afirmar que se tratou de um acto praticado pelo inquilino com o propósito de danificar o imóvel ou utilizá-lo imprudentemente, é insusceptível de conferir ao senhorio do direito à resolução do contrato de arrendamento sub judice.
Com efeito,
Atenta a extensão e significado dos graves vícios do bem locado – que competia ao senhorios sanar –, o tempo decorrido desde o conhecimento do auto de vistoria ( Janeiro de 2007 ) até à data da entrada da acção em juízo ( 30 de Março de 2010 ), durante o qual se verificou a mais completa e absoluta inacção do locador no sentido de os reparar, não é possível concluir que a simples abertura dos roços na cozinha e o arrancamento da alcatifa, entendidos neste especial contexto, constituam práticas que, pela sua gravidade, tornem inexigível aos RR. a manutenção do contrato de arrendamento – isto em relação a um locado que, por inobservância dos deveres de conservação que impendem sobre o locador, se encontrava praticamente inabitável.
A apelação improcede portanto.

IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apenas no que concerne condenação dos RR. à reparação da situação relacionada com o fechamento da instalação eléctrica numa das parede da cozinha do locado, em conformidade com o que consta do auto de vistoria, absolvendo-os nesse particular, confirmando-se a decisão recorrida na parte sobrante.
Custas pelos apelantes e apelados na proporção de 5/6 ( cinco sextos ) pelos primeiros e 1/6 ( um sexto ) pelo segundo.

Lisboa, 8 de Maio de 2012.

Luís Espírito Santo
Gouveia Barros
Conceição Saavedra