Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1378/18.5YRLSB-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
PRINCIPIOS DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS
DIVÓRCIO
CONVENÇÃO DE MONTREAL
LEI ISLÂMICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Em regra, nos processos especiais de revisão de sentença estrangeira não importa proferir decisões de mérito mas de mera conformidade dos requisitos formais, face ao artigo 980º do CPC.
II Importará limitar os limites à aplicação do direito estrangeiro.
III. A ordem pública internacional do Estado Português traduz-se exactamente numa exceção à aceitação de aplicação das regras materiais do direito estrangeiro, a qual terá de ser entendida restritivamente.
IV. Ao abrigo da Lei Islâmica no Bangladesh, o divórcio com carácter irrevogável, baseado na declaração unilateral por parte do marido, da palavra talaq , por três vezes, perante o notário, não se contém no âmbito da alínea e) do artigo 980º do CPC.
V. Com efeito, por não ter sido dada a oportunidade à mulher de intervir e de manifestar oposição à dissolução do casamento, não se podem considerar garantidos os princípios da igualdade de armas e do contraditório, exigidos por aquela disposição legal.
VI. Nessa conformidade, a ordem pública internacional do Estado português obsta ao reconhecimento de tal divórcio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Lisboa

I. Relatório
O requerente pretende a revisão da declaração ajuramentada perante Notário, datada de 24.09.2017, no Bangladesh, pela qual o mesmo pronunciou “um[a], duas ou três vezes a expressão Bayen Talaq”. Desse modo, considera que a partir daquela data, ela não será a mulher dele e ele não será o seu marido (fls. 12 a 19).
Foi junta a declaração revidenda (fls. 15 a 19), acompanhada de tradução em língua inglesa (fls. 12 a 14) e em língua portuguesa (fls. 7 a 11).
A requerida foi citada através de agente de execução (fls. 33 a 35).
O M. P. pronunciou-se em sentido favorável (fls. 38).
Convidado a fazer prova do direito estrangeiro, o requerente juntou um documento relativo ao registo do divórcio do requerente no “Livro de Registo de Divórcio pelo Marido conforme as Regras Muçulmanas de Casamento e Divórcio”, nos termos da Lei de Família Muçulmana de 1961, Secção 27 (Muslim Family Law of 1961), e respetiva tradução (fls. 43 a 46).
Na sequência do despacho de fls. 50 a 51, o requerente além de  prestar “…esclarecimentos [acerca] da Lei de Divórcio do Bangladesh …” e juntar, novamente, o documento relativo ao registo do divórcio do requerente acima mencionado e a respetiva tradução algo melhorada, veio requerer que se oficiasse à Embaixada do Bangladesh no sentido do esclarecimento das dúvidas levantadas por este Tribunal no já mencionado despacho de fls. 50 a 51 (fls. 59 a 64).
A Embaixada do Bangladesh esclareceu, essencialmente: “…não estar em posição de responder às questões postas…”, apenas podendo “…dar a sua visão quanto à autenticidade dos documentos apresentados…” e, caso o Tribunal o desejasse, dar “…a sua opinião baseada nos documentos apresentados…” (fls. 71).
II — Fundamentação
II.1. Importa ter em conta o circunstancialismo que resulta do precedente relatório e ainda a seguinte factualidade que consideramos provada:
1- AUK. e SPS. contraíram casamento religioso no dia 26.01.2011 (fls. 6v.º).
2- Do casamento nasceram os menores AU. (18.03.2012) e A. (15.10.2014) – fls. 8.
3- O requerente veio pedir a revisão e confirmação de sentença estrangeira, o que, notificado pessoalmente à requerida, não foi objecto de oposição.
4- A declaração de divórcio foi pronunciada em 24 de Setembro de 2017, perante Notário, no Bangladesh, mostrando-se junta a tradução em língua inglesa (fls. 8), onde consta nomeadamente ter o requerente “pronunciado e divorciado de acordo com a Religião Muçulmana Lei [de] 1961 sob a secção 7 e 8 (e sob a sub secção 1 da minha mulher (…) pronunciando dando uma, duas ou três vezes o Bayen Talaq). A partir de hoje ela já não será minha mulher e eu não serei seu marido”.
5- De acordo com a Sharia a prerrogativa do talaq é exclusiva do cônjuge marido[1].
6- Segundo a Tradição Islâmica[2], esta modalidade de divórcio - Bayen Talaq - opera pela declaração do marido, ao proferir três vezes a palavra Talaq (divórcio por repúdio, irrevogável[3]), perante terceiros, designadamente perante um notário.
7- Nos termos da secção 7 da Muslim Family Law Ordinance, 1961,
(1) Qualquer homem que deseje divorciar-se de sua esposa deverá, logo que possível, após o pronunciamento do talaq qualquer que seja a forma deste, notificar o Presidente, por escrito, desse facto, e fornecerá uma cópia à esposa.
 (2) Quem violar as disposições da subseção (1) será punido com prisão simples até um ano ou com multa até dez mil taka.
 (3) Salvo o disposto na subseção (5), um talaq, a menos que revogado anteriormente, expressamente ou de outra forma, não será eficaz enquanto não decorrerem noventa dias desde o dia da entrega da notificação prevista na subseção (1), ao Presidente
(4) No prazo de trinta dias após o recebimento da notificação prevista na subseção (1), o Presidente constituirá um Conselho de Arbitragem com o objetivo de obter uma reconciliação entre as partes, e o Conselho de Arbitragem tomará todas as medidas necessárias para promover tal reconciliação.
(5) Se a esposa estiver grávida na altura em que o talaq for pronunciado, o talaq não será eficaz até que termine o período mencionado na subseção (3) ou a gravidez, conforme o que ocorrer mais tarde.
(6) Nada impedirá uma esposa cujo casamento tenha cessado por talaq eficaz nos termos desta seção, de se casar novamente com o mesmo marido, sem  a ocorrência de um casamento superveniente com uma terceira pessoa, a menos que tal cessação ocorra eficazmente pela terceira vez[4].
8- Nos termos da secção 8 da Muslim Family Law Ordinance, 1961,
Nos casos em que o direito ao divórcio tenha sido devidamente delegado na esposa e ela desejar exercer esse direito, ou quando alguma das partes deseje dissolver casamento de outra forma que não seja pelo talaq, as disposições da seção 7 serão aplicadas, mutatis mutandis, e na medida do aplicável[5] [6].
9. Nos termos do The Divorce Act, 1869 - (ACT nº. IV of 1869)
– [26th February, 1869] - Chapter XI - Custody of Children[7] - Preamble, Poder de decidir quanto à guarda de crianças em processos de separação
 41. Em qualquer processo para obter uma separação judicial, o Tribunal, pode, periodicamente, adotar medidas provisórias, antes de proferir sentença, ou tomar as mesmas medidas na sentença, consoante o que julgue conveniente, no que respeita à guarda, alimentos e educação dos menores filhos do casal, e, se o achar conveniente, pode adotar procedimentos para colocar tais crianças sob a proteção do mesmo Tribunal [8].
10. Nos termos do The Divorce Act, 1869 - (ACT nº. IV of 1869)
–  [26th February, 1869] - Chapter XI - Custody of Children[9], Poder para tomar tais providências após a decisão final
42. O Tribunal, após a sentença de separação judicial, mediante requerimento para esse efeito, pode periodicamente tomar todas essas decisões e adotar essas medidas no que respeita à guarda, alimentos e educação dos menores filhos do casal ou colocar tais crianças sob a proteção do mesmo Tribunal, à semelhança do que poderia ter feito na própria sentença ou nas medidas provisórias, no caso de pendência do processo.
11. Nos termos do The Divorce Act, 1869 - (ACT nº. IV of 1869)
–   [26th February, 1869] - Chapter XI - Custody of Children,        Poder para tomar decisões quanto à guarda de crianças em processos de dissolução e de declaração de nulidade
43. Em qualquer processo para obter a dissolução do casamento ou a declaração de nulidade do casamento intentado no, ou transferido para, o Supremo Tribunal, o Tribunal, periodicamente, antes de proferir decisão definitiva ou de decidir (conforme o caso), poderá tomar aquelas medidas provisórias, e poderá adotar essas medidas na decisão final ou na decisão e em qualquer destes processos instaurados num Tribunal Distrital, o Tribunal, periodicamente, antes da sua decisão ser confirmada, pode tomar tais medidas provisórias e pode tomar a mesma medida aquando da confirmação, conforme seja considerado conveniente pelo Supremo Tribunal ou pelo Tribunal Distrital (conforme os casos), no que respeita à guarda, alimentos e educação dos menores filhos do casal; e, se achar conveniente, pode adotar medidas concretas para colocar essas crianças sob a proteção do Tribunal[10].
12.  Nos termos do The Divorce Act, 1869 - (ACT nº. IV of 1869) – [26th February, 1869] - Chapter XI - Custody of Children, Possibilidade de fazer tais pedidos depois da sentença ou da sua confirmação
44. O Supremo Tribunal, após uma decisão definitiva de dissolução do casamento ou de declaração de nulidade de casamento, e o Tribunal Distrital, após a confirmação da decisão de dissolução do casamento ou de declaração de nulidade do casamento, pode, mediante requerimento para o efeito, tomar periodicamente todas essas decisões e medidas, no que respeita à guarda, alimentos e educação dos menores filhos do casal ou colocar tais crianças sob a proteção do referido Tribunal, como poderiam ter sido tomadas na decisão final ou na sentença (conforme o caso), ou aquando das medidas provisórias, conforme supra mencionado [11].
Resulta não provado que:
7- O cônjuge mulher repudiado tenha podido contrapor a sua posição face a esta modalidade de divórcio.
8- Tenham sido acautelados quaisquer interesses relativos a filhos do casal ou ao património do cônjuge repudiado.
As questões a resolver consistem em saber se: (i) o divórcio com carácter definitivo, baseado na declaração unilateral de repúdio por parte do marido, efetuada ao abrigo da Lei Islâmica no Bangladesh, se contém no âmbito da transcrita alínea e) do artigo 980º CPC; (ii) se a ordem pública internacional do Estado Português obsta ao divórcio em causa.
II.2. Apreciação jurídica
II.2.1. A título prévio
Tal como tem sido reconhecido na doutrina e na jurisprudência, o nosso sistema de reconhecimento das sentenças estrangeiras consiste num controlo da regularidade [predominantemente] formal ou extrínseca da sentença estrangeira, que dispensa a apreciação dos seus fundamentos de facto e de direito [12].
À face da Lei Islâmica do Bangladesh, nomeadamente, a Lei de Família Muçulmana de 1961 (Muslim Family Law of 1961), o “divórcio-repúdio” (talaq) é uma prerrogativa exclusiva do marido e opera como decorrência da declaração por três vezes da palavra talaq, na presença de uma testemunha, perante o Notário. Dessa forma, observado um determinado procedimento, o divórcio torna-se definitivo.
No caso vertente, “a declaração de divórcio foi pronunciada em 24 de Setembro de 2017, perante Notário, no Bangladesh, mostrando-se junta a tradução em língua inglesa (fls. 8), onde consta nomeadamente ter o requerente “pronunciado e divorciado de acordo com a Religião Muçulmana Lei [de] 1961 sob a secção 7 e 8 (e sob a sub secção 1 da minha mulher (…) pronunciando dando uma, duas ou três vezes o Bayen Talaq). A partir de hoje ela já não será minha mulher e eu não serei seu marido” (facto nº 4). Por isso, o divórcio tornou-se insuperável[13].
Segundo o artigo 980.º do CPC - sob a epígrafe “Requisitos necessários para a confirmação” -Ver jurisprudência, para que a sentença seja confirmada é necessário [que]:
a) (...) não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) (...) tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) (...) provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) (...) não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) (...) o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) (...) não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português[14].
No presente caso, não se oferece dúvida razoável acerca da autenticidade e inteligibilidade dos documentos de que consta a declaração revidenda.
Relevante é saber se o transcrito preceito, ao aludir sempre a uma decisão, abarca, também a concreta declaração em análise.
A este propósito, lembra-se que as dúvidas que se chegaram a colocar na jurisprudência sobre se as decisões administrativas estão ou não abrangidas pelo leque de decisões que podem ser revistas (dúvida que tinha por base a formulação restrita do mesmo transcrito preceito), estão hoje em dia ultrapassadas.
Com efeito, a entidade legalmente competente para decretar, por exemplo, o divórcio, em inúmeros países, é uma entidade de natureza administrativa. É o que acontece, aliás, em certos casos, no nosso País, fruto da transferência de competência dos tribunais (que anteriormente detinham o exclusivo das decisões nesta matéria), quando se trate de divórcio por mútuo consentimento, nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 272/2001 de 13 de Outubro, em que a decisão compete, em exclusivo, aos conservadores do registo civil.
Assim, tem-se defendido na jurisprudência que a decisão sobre direitos privados deve interpretar-se em termos amplos – por forma a abranger decisões proferidas, quer por autoridades judiciais, quer por autoridades administrativas[15].
Nesse âmbito, nada obstará ao reconhecimento de tais decisões proferidas no estrangeiro, conquanto que se verifiquem os demais requisitos previstos no mesmo preceito legal.
Porém, no caso dos autos, não se trata de uma decisão, mas sim, como se disse, de uma declaração unilateral, proferida pelo próprio requerente, perante o notário,
Sobre este tema, a orientação mais recente da jurisprudência do STJ, tem entendido que apenas as decisões, e não também as declarações, podem ser revistas. Nesse sentido orientam-se os recentes acórdãos do STJ, de 28.02.2019 e de 09.05.2019[16] e de 21.03.2019[17].
Seja qual for o entendimento que se possa adotar sobre esta específica questão, o particularismo deste caso reside em que não se trata de uma decisão, mas sim, como se disse, de uma declaração unilateral, proferida pelo próprio requerente, perante o notário, à margem de qualquer processo judicial ou procedimento administrativo, no âmbito do qual tenha sido viabilizado o exercício do princípio do contraditório.
Aliás, a referência ao cumprimento do procedimento previsto na lei muçulmana (nº 4 dos factos – fls. 13), se bem que não nos resolvesse as dúvidas que aqui se suscitam, não está sequer validamente demonstrada, visto que corresponde a uma mera declaração do marido também perante o notário.
É precisamente por isso que não poderá ser reconhecida a esta declaração o mesmo conteúdo e função de uma “decisão judicial” ou de uma “declaração administrativa” passível de confirmação.
Como se assinala no referido acórdão não estamos perante um “facto atestado com base nas perceções da entidade documentadora” (artigo 371.º, n.º 1 do C.Civ.). O documento prova que o requerente (e só ele) fez a declaração de repúdio, perante o notário, sem demonstrar a observância de qualquer procedimento, sem a intervenção do cônjuge mulher e sem que tenha sido emitido qualquer juízo, ainda que de caráter homologatório, por parte da entidade administrativa responsável pelo acto.
É justamente essa circunstância que, a nosso ver, coloca a pretendida revisão fora da cobertura do artigo 980.º do CPC.
Cumpre ainda verificar, por cautela, os demais requisitos legais.
Ultrapassada que está a problematização da situação sub judice à luz das citadas alíneas a) a d) do transcrito preceito, subsistem as alíneas e) e f), as quais, a nosso ver, não autorizam a pretensão do requerente.
Vejamos então porquê:
 II.2.2. Quanto à observância da al. e)
A alínea e) exige: “que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes”.
Estão aqui em evidência dois princípios estruturantes da ordem jurídica, mais em particular do ordenamento processual civil: o princípio do contraditório e o princípio da igualdade.
Antes de avançarmos na verificação destas exigências, importa ter presente o enquadramento da Lei do Bangladesh.
Neste âmbito, é de lembrar que o atual Estado do Bangladesh corresponde ao anterior Paquistão Oriental que, antes da independência, em 26.03.1971, formava uma unidade política com o Paquistão Ocidental, contraposta ao resto do subcontinente indiano que veio a transformar-se na União Indiana.
Essa divisão da antiga colónia do Império Britânico em dois Estados ocorreu em 1947, sendo absolutamente determinante o fator religioso: a esmagadora maioria dos indianos muçulmanos passaram a habitar nos “dois Paquistões”, enquanto a União Indiana permaneceu maioritariamente hindu[18].
A Índia declarou-se um país secular, enquanto o Paquistão se afirmou como país islâmico. Não obstante, para as questões relativas à Lei Pessoal, ambos os países mantiveram as suas normas religiosas.
É ainda de notar que o sistema jurídico do Bangladesh é baseado na Common Law, que foi aplicada durante o regime colonial da Índia Britânica. Ainda assim, algumas áreas específicas da lei aplicada durante o período britânico permaneceram intocadas. Este domínio do direito é designado por “Lei Pessoal” e é moldado pela lei ou costumes religiosos. Nele são incluídos: o casamento, o divórcio, o dote, a prestação de alimentos, a tutela, a herança e assim por diante[19].
É certo que após a independência do Bangladesh foi adotada uma Constituição (1972) que afirma, expressamente, que todos os cidadãos, são considerados iguais perante a Lei[20], havendo várias disposições, direta e indirectamente, relacionadas com as mulheres[21].
Acontece que o estatuto legal das mulheres muçulmanas no Bangladesh é definido pelos princípios da Sharia[22], através da Lei Pessoal Muçulmana, a par da Lei Geral (que abrange a Constituição e alguns Códigos), sendo esta última de carácter secular[23].
Assim, pela Lei de Bengala[24] n.º 1 de 1876 (Bengal Act n.º1 of 1876), foram estabelecidas normas para o registo, opcional, dos casamentos muçulmanos. A Lei de Família Muçulmana de 1961 (Muslim Family Law of 1961) tornou obrigatório o registo, ordenando-se ao Kazi (celebrante do casamento) que, sob cominação legal, comunicasse a celebração do casamento ao Conservador respetivo, para aquele ser registado. Disposições semelhantes foram, depois, tomadas pela Lei de Casamentos e Divórcios Muçulmanos de 1974 (Muslim Marriages and Divorces Act, 1974)[25].
Como acima dito, o marido tem, em exclusivo, o direito ao divórcio unilateral (repúdio), sem necessidade de nenhuma causa e, quando exercido, a esposa não tem qualquer compensação.
A modalidade mais comum de divórcio por iniciativa dos homens no Bangladesh é o denominado Bedai Talak (divórcio irrevogável/definitivo).
Com a introdução da Lei de Família Muçulmana de 1961, na Secção 7, veio estabelecer-se que o divórcio concedido pelo marido não produzirá efeitos até que o marido o tenha comunicado ao presidente da unidade administrativa local (Union Parishad)[26], e tenham decorrido noventa dias após a emissão da dita notificação[27]. Dentro do referido período o marido pode revogar o divórcio. O marido também deve dar uma cópia da referida comunicação à esposa. O Presidente, após receber a comunicação, constituirá o Conselho de Arbitragem para tentar uma reconciliação que, se for bem sucedida, tornará o divórcio ineficaz[28]. Porém, o conselho de arbitragem não pode impedir o talaq pelo marido.
Apesar das alterações introduzidas pela Lei de Família Muçulmana de 1961, perante o divórcio unilateral, qualquer mulher que se oponha ao recasamento do seu marido corre o risco de pobreza[29] [30].
No caso dos autos verificamos que:
- o divórcio operou por mera declaração (por três vezes da palavra talaq) e
- a mulher não interveio no procedimento de divórcio nem
- a lei, ao que tudo indica, lhe confere essa possibilidade.
Quer dizer, então, que o divórcio operou através de um procedimento que:
-  é independente da intervenção da mulher;
 - desconsidera a possibilidade de intervenção/defesa por parte desta, pois a requerida não desfrutou de qualquer oportunidade de manifestar oposição à dissolução do casamento.
Nessa medida, fica demonstrada a violação do princípio do contraditório.
Depois, tratando-se de um divórcio por declaração exclusiva do marido perante uma entidade administrativa à margem de um procedimento contraditório, nesse acto, fica afastada a possibilidade de um tratamento igualitário entre os cônjuges, em detrimento, claro está, de um deles.
Fica assim demonstrada também a inobservância da igualdade de armas.
Por tudo quanto se disse, entende-se que o artigo 980.º/e) do NCPC não autoriza o deferimento da pretensão do requerente.
II.2.3. Quanto à observância da al.f)
Razões de ordem pública (aspectos gerais a ter em consideração)
De qualquer modo, entendemos que também razões que se prendem com valores fundamentais partilhados entre Estado português e outros Estados, valores esses consignados em numerosos instrumentos de nível internacional, aconselhariam a mesma solução, em virtude de o reconhecimento da declaração revidenda conduzir a um resultado incompatí­vel com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português - artigo 980.º/f) do CPC.
Por comodidade de leitura volta-se a transcrever a mesma alínea f) a qual tem o seguinte teor: “Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português”.
Do que se trata face a este normativo, consiste em saber, mais em detalhe, se o divórcio operado nos autos à face da Lei Islâmica aplicada no Bangladesh, é passível de ofender as disposições de ordem pública internacional do Estado Português
Esta questão prende-se com duas sub-questões:
- Em primeiro lugar está em evidência o que atrás se mencionou quanto ao desvio à transcrita alínea e) do artigo 980º - com a desconsideração total da mulher no procedimento de divórcio: violação do contraditório e da igualdade de armas;
-  Em segundo lugar, é de notar a total omissão de qualquer indício de terem sido acautelados os interesses da família em que avultam os direitos/interesses das crianças menores filhos do casal – o que envolve a violação dos normativos referentes à proteção desses mesmos direitos.
Antes de avançarmos, cumpre ter presente que:
- Em regra, como acima já dito, nos processos especiais como é o caso dos autos (designados por revisão de sentença estrangeira), não importa proferir decisões de mérito mas de mera conformidade dos requisitos formais face ao artigo 980º do CPC.
- A exceção será limitar os limites à aplicação do direito estrangeiro.
- A ordem pública internacional do Estado Português traduz-se exactamente numa exceção à aceitação de aplicação das regras materiais do direito estrangeiro[31] que terá de ser entendida, como se viu, restritivamente.
Continuemos, pois, mas ainda a título prévio.
Como é sabido, o conceito de ordem pública é um conceito indeterminado que foi alvo de uma clarificação / restrição, aquando da aprovação do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06.
Assim, a exigência que se fazia no CPC de 1961 no sentido de que a decisão não fosse contrária aos princípios de ordem pública portuguesa (artigo 1096º/f), veio agora restringir-se.
Como se disse, a verificação de conformidade da “decisão” estrangeira revidenda, terá de ser feita: (i) com referência aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português (primeira alteração[32]) e (ii) o tribunal deve ter especialmente em conta o resultado da decisão (segunda alteração) - e não propriamente a norma em abstracto em que a decisão se apoia[33].
Ou seja, a própria evolução legislativa veio restringir as restrições anteriormente vigentes nesta matéria.
Sabido que a doutrina e a jurisprudência têm tido um entendimento restritivo do conceito de ordem pública, importa, assim, considerar que não estão em causa, agora (como no Código de 1961 estavam), os fundamentos do direito do foro ou, dito de outro modo, haveria reserva da aplicação do direito estrangeiro quando houvesse ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública[34]. Agora, a exigência limita-se à ordem pública internacional do Estado português.
E, nesse domínio, estaria em evidência o “limite ao entendimento do DIP como um direito meramente formal de remissão”[35]. Aliás, já no âmbito do Código de 1961, se defendia que, nestes casos, seria de respeitar o princípio do mínimo dano à lei estrangeira, só se recorrendo, em último caso, ao direito interno português”[36].
Estes mesmos princípios valem, pois, ainda hoje, no quadro da maior restrição que, como se viu, veio a ser introduzida pelo funcionamento do princípio da ordem pública internacional do Estado Português.
Neste âmbito, o Ac. TRL, de 18.10.2007[37], relatado, num caso congénere em que se punha a questão da aplicação da lei marroquina, encontramos Doutrina e Jurisprudência pertinentes que nos dão conta desta mesma orientação[38].
Razões de ordem pública internacional e princípios processuais
Como se viu, para aquilatar se “o reconhecimento da declaração conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português”, importa verificar se há violação de direitos / princípios fundamentais da comunhão jurídica entre os Estados com quem o Estado Português partilha princípios e valores.
Isso supõe, antes de mais, que se saiba quais são esses princípios fundamentais que aqui podem estar em evidência e o respetivo alcance na relação com o caso em análise.
Desde logo, importa referir que há dificuldades de formalização dos mesmos princípios. Apesar de não ser fácil estabelecer uma definição, perante o que ficou dito, trata-se de “uma reserva relativa no tempo e no espaço: com efeito, não há uma ordem pública comum a todos os Estados. Trata-se de um instituto excecional e imprescindível, mas com limites”[39].
Indícios desses limites podem encontrar-se no plano das decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e no direito da EU
Adianta-se que, na lógica da verificação das exigências do artigo 980º CPC, estão aqui em causa os princípios da igualdade de armas e do contraditório.
Vejamos, então.
Neste âmbito, a título de exemplo, retira-se do processo nº 3/02, caso D.D. contra a França [que] o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem foi chamado a pronunciar-se sobre uma decisão dos tribunais franceses que havia concedido o exequatur a uma sentença proferida por um tribunal argelino que havia decretado a dissolução de um matrimónio com base na vontade unilateral do cônjuge marido. A requerente mulher defendia, perante o TEDH, que a execução de tal sentença era contrária à igualdade entre os cônjuges garantida pelo artigo 5º do supra referido Protocolo, isto mesmo que tivessem sido respeitadas as garantias processuais estabelecidas no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (direito a um processo equitativo). O TEDH acabou por não se pronunciar sobre o fundo da questão, na medida em que entretanto a requerente desistiu da ação. No entanto, no acórdão em que dá por findo o processo (acórdão de 08.11.2005, consultável no sítio do TEDH in www.echr.coe.int) o TEDH não deixa de enunciar a evolução da jurisprudência do mais alto tribunal francês sobre esta matéria, ou seja, da Cour de Cassation:
a) Numa primeira fase, para controlar as condições de reconhecimento de uma sentença estrangeira, a Cour de Cassation fundava-se essencialmente no respeito pelo tribunal estrangeiro das garantias procedimentais estabelecidas pelo artigo 6 da Convenção. Sem citar necessariamente aquela disposição, a Cour de Cassation exigia um processo em que cada parte devia poder fazer valer as suas pretensões e a sua defesa (v.g., decisões da 1ª Chambre civile, de 18.12.1979 e 03.11.1983);
b) Posteriormente, em casos respeitantes a sentenças estrangeiras que decretavam o repúdio unilateral da mulher pelo seu marido, a Cour de Cassation visava expressamente o artigo 5º do Protocolo nº 7 da Convenção, motivando porém a sua recusa em conceder o exequatur no desrespeito de garantias processuais (v.g., decisões da 1ª Chambre Civile, de 01.6.1994 e de 31.01.1995);
c) Em cinco acórdãos proferidos em 17.02.2004, a 1ª Câmara Cível da Cour de Cassation recusou a produção de efeitos em França de repúdios argelinos e marroquinos. Realçou em particular que esses repúdios desprezam o princípio da igualdade entre os cônjuges proclamado pelo Protocolo nº 7 da Convenção, isto mesmo que as decisões litigiosas tivessem sido proferidas no âmbito de um processo leal e contraditório. A Cour de Cassation afirmou que o tribunal a quo deveria rejeitar o pedido de exequatur de uma sentença estrangeira que decretasse o repúdio unilateral de uma esposa pelo marido, nestes termos”[40].
“Na nossa vizinha Espanha os tribunais têm concedido o exequatur a decisões de tribunais de países islâmicos que decretaram ou homologaram atos de divórcio/repúdio, bastando-se com o facto de a lei espanhola admitir o divórcio independentemente do tempo e da forma da celebração do matrimónio (cfr., v.g, acórdãos da Secção Cível do Tribunal Superior, de 21.3.2000, recurso 583/1993; de 03.4.2001, recurso nº 3059/1990; de 27.7.2004, recurso 264/2003 – todos consultáveis no sítio na internet do Tribunal Superior, www.poderjudicial.es/jurisprudência, e respeitantes tanto a requerimentos de exequatur apresentados pelo marido repudiante como pela mulher repudiada). Porém, o exequatur é negado quando se conclui que o repúdio em causa é revogável, por tal atentar contra a ordem pública, pois no direito espanhol o divórcio é necessariamente definitivo e irrevogável, sem prejuízo da possibilidade de novo matrimónio entre os cônjuges, não podendo a subsistência do vínculo ficar dependente da livre disposição dos cônjuges, de forma que, por sua livre vontade, possa voltar-se ao anterior estado marital, o que repugna à estabilidade e certeza que há de se dar às situações que conformam o estado civil das pessoas e à igualdade de direitos e deveres do marido e da mulher (cfr. acórdão do Tribunal Superior, de 15.7.1997, recurso 1894/1997; sobre esta matéria, cfr. Carlos Esplugues Mota, “El divorcio internacional, Jurisdicción, ley aplicable, reconocimiento y ejecución de sentencias extranjeras”, Valência, 2003, Tirant Lo Blanch, páginas 346 a 354) [41].
Por seu turno, ao nível do Direito da UE, o Regulamento (UE) n.º 1259/2010 do Conselho, de 20 de dezembro de 2010, que veio criar uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial, estabelece no Artigo 10.o, sob a epígrafe Aplicação da lei do foro que: “Sempre que a lei aplicável por força dos artigos 5.o ou 8.o não preveja o divórcio ou não conceda a um dos cônjuges igualdade de acesso ao divórcio ou à separação judicial em razão do seu sexo, aplica-se a lei do foro”.
E no Artigo 12.o, sob a epígrafe “Ordem pública”, estatui que: “A aplicação de uma disposição da lei designada nos termos do presente regulamento só pode ser recusada se essa aplicação for manifestamente incompatível com a ordem pública do foro”[42].
Porém, o TJUE no Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 20 de dezembro de 2017 (pedido de decisão prejudicial do Oberlandesgericht München — Alemanha) — Soha Sahyouni/Raja Mamisch (Processo C-372/16) (1) veio esclarecer que: o artigo 10.º do Regulamento (UE) n.º 1259/2010 do Conselho, de 20 de dezembro de 2010, que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial, deve ser interpretado no sentido de que um divórcio resultante de uma declaração unilateral de um dos cônjuges perante um tribunal religioso, não se insere no âmbito de aplicação material deste regulamento.
Um apontamento sobre a Jurisprudência nacional.
É conhecida a decisão deste mesmo Tribunal datada de 18.10.2007[43], a qual foi alvo de comentário convergente, de Mariana Madeira da Silva Dias[44] na Revista Julgar, nº 23.
Como se viu, a escassa jurisprudência nacional que vimos publicada sobre este tema e a jurisprudência do TEDH não parecem ver um óbice de ordem pública internacional que obste à revisão da declaração em presença, puramente com base no princípio da igualdade, mas não fica demonstrado, que a solução fosse a mesma perante a violação do princípio da igualdade de armas, que é uma das questões que particulariza o caso em apreço.
Ainda no plano do direito europeu, o princípio do contraditório resulta, não apenas dos dispositivos atinentes aos processos judiciais (civil, penal, administrativo, etc) e aos procedimentos (perante entidades administrativas), mas também dos normativos plasmados em convenções internacionais de que Portugal é parte e que corporizam os já referenciados valores comuns partilhados.
Estão, pois, em causa, como se disse, os princípios do contraditório e da igualdade de armas dos cônjuges no procedimento de divórcio, princípios que o Estado assume como estruturantes do funcionamento da própria sociedade.
Estes dois princípios resultam, antes de mais, da Declaração Universal dos Direitos Humanos[45].
Neste instrumento ratificado por Portugal consigna-se que: “Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declararam resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla (…)”.
E no “Artigo 10.º refere-se que: “Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações.”
Isso resulta também de inúmeros outros instrumentos de que Portugal é parte.
Desde logo, da Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos[46], aprovada, no rescaldo da II Guerra Mundial, no âmbito do Conselho da Europa e concluída em Roma em 1950.
No Artigo 6º, sob a epígrafe Direito a um processo equitativo, estatui que: “1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil (…). O julgamento deve ser público (…)”.
Esta disposição integra, a nosso ver, o conceito de ordem pública internacional que deriva da al f) transcrita.
Com efeito, à luz do artigo 8º da CRP, porque se trata de uma convenção internacional regularmente ratificada, a CEDH vigora diretamente na ordem jurídica interna (não carece de transposição), conferindo direitos a particulares que a podem invocar, e vincula os tribunais, enquanto órgãos de aplicação da lei, sancionando o Estado pelos actos que violem os direitos que dela decorram.
A CEDH tem um papel nuclear no sistema de proteção dos direitos individuais nela previstos.
Essa importância saiu reforçada pela circunstância de se dizer no Artigo 6º / 2 do TUE que a União Europeia adere à CEDH e por se inscrever em tal instrumento que: “Do direito da União fazem parte enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a CEDHLF e tal como resultam das tradições constitucionais comuns (artigo 6º nº 3)”.  
Neste caso, o Estado e as autoridades públicas em geral estão obrigados a respeitar os direitos nela protegidos e a proteger os interessados contra a sua violação por outrem.
Por seu turno, o Protocolo n° 12º[47] à Convenção, aprovado em Roma, em 4.11.2000, estabelece, no Artigo 1º, sob a epígrafe Interdição geral de discriminação, que: “1. O gozo de todo e qualquer direito previsto na lei deve ser garantido sem discriminação alguma em razão, nomeadamente, do sexo, raça, cor, língua, religião, convicções políticas ou outras, origem nacional ou social, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento ou outra situação. 2. Ninguém pode ser objeto de discriminação por parte de qualquer autoridade pública com base nomeadamente nas razões enunciadas no número 1 do presente artigo”.
Este Protocolo no preâmbulo estatui que o princípio da não-discriminação não obsta a que os Estados partes tomem medidas para promover uma igualdade plena e efetiva, desde que tais medidas sejam objetiva e razoavelmente justificadas – situação que não se coloca no presente caso.
Como se viu, estão aqui em causa valores que a sociedade ocidental partilha e que, a nosso ver, se integram na categoria excecional de ordem pública internacional. São valores consagrados naquele instrumento normativo que vincula internacionalmente o Estado Português e vigora na ordem interna por imperativo do citado preceito constitucional, sendo também incorporada por via do direito da UE.
Também a Carta dos Direitos Fundamentais da UE[48] no artigo 20º estabelece a Igualdade perante a lei.
E no artigo 21º sob a epígrafe “Não discriminação”, determina que: “1. É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual”.
Note-se que é assegurada no artigo 22º, sob a epígrafe “Diversidade cultural, religiosa e linguística” que a “União respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística”.
Mas impõe no artigo 23.º, sob a epígrafe Igualdade entre homens e mulheres que Deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo (…).
No caso dos autos,
Apenas o requerente veio pedir a RSE.
Tendo por base o acima descrito quadro de fundo, importa, agora, aferir, em concreto, se o divórcio operado à face da Lei Islâmica aplicada no Bangladesh, mediante a prolação, por três vezes, da palavra talaq, é passível de ofender as disposições de ordem pública internacional do Estado Português.
 É de notar que nestes autos, diferentemente dos casos relatados na jurisprudência citada, não está em causa a apreciação de uma sentença que recuse à mulher um direito que é reconhecido ao homem, com a consequente violação do princípio da igualdade.
De facto, como se viu, os casos mencionados, aliás, sem referência ao protocolo 12[49] da CEDH, em nada se podem confundir com o presente caso, por não ter, aqui, havido intervenção de qualquer tribunal, tendo o divórcio ocorrido por simples declaração unilateral do marido, perante um notário, sem qualquer decisão.
Além disso, como se viu, não foram observados os princípios do contraditório e da igualdade de armas, visto que a mulher, ao que tudo indica, foi pura e simplesmente afastada de qualquer intervenção, circunstância que tem o maior impacto na formação do resultado.
Quer dizer, além de o resultado contrariar a ordem pública internacional do Estado Português, está também comprometida a própria formação do resultado, visto que o divórcio não decorreu perante um tribunal ou uma entidade administrativa que garantisse a equidade do tratamento dos cônjuges ou que tivesse na base a observância do contraditório.
E estes princípios, como se insistiu, são estruturantes da própria igualdade que, no plano adjectivo, garante a efetividade da igualdade substantiva que os Estados estão obrigados a assegurar, de acordo com as assinaladas disposições legais.
Ou seja, o resultado interfere com a ordem pública internacional por inobservância do princípio do contraditório e da igualdade de armas,
Em suma: a desconsideração total de um dos cônjuges no procedimento de divórcio, com violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas é, neste caso, passível de violar a ordem pública internacional do Estado Português, obstando a al. f) à procedência da pretensão do requerente.
Ordem pública internacional e direito material
Acontece que, poderia, até, sustentar-se que o caso dos autos convoca também o direito material.
É verdade que não está em causa a conformidade material do divórcio em questão, face à lei nacional. Como se disse, o julgamento pretendido não é de mérito.
Porém, face aos valores comuns partilhados e implicados na ordem pública internacional não seria despiciendo, a nosso ver, verificar se foram respeitadas linhas de força que terão de estar presentes aquando da rutura conjugal e  que se prendem com a garantia dos direitos das crianças.
Com efeito, não havendo qualquer indício de terem sido acautelados os direitos/interesses das crianças menores filhos do casal, verificar-se-ia a violação dos normativos nacionais e internacionais que incorporam princípios referentes à ordem pública internacional do Estado Português atinentes à proteção desses mesmos direitos / interesses.
No plano do direito substantivo, seria de enfatizar a garantia dos interesses de menores que, para as sociedades ocidentais tem tido uma preponderância crescente, sendo alvo de um considerável número de convenções, não apenas de âmbito internacional mas também ao nível do direito europeu.
Neste domínio seria de salientar a Declaração Universal dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959.
Neste âmbito, avulta o Princípio 6.º no qual se estatui: 
“A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afecto e segurança moral e material; salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas têm o dever de cuidar especialmente das crianças sem família e das que careçam de meios de subsistência. Para a manutenção dos filhos de famílias numerosas é conveniente a atribuição de subsídios estatais ou outra assistência”.
Por seu turno, seria de convocar a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 12 de Setembro de 1990.
No Artigo 18º estabelece-se que: “1. Os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.
2. (…)”.
E no Artigo 27º consigna-se que: “1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.
2. Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança.
3. Os Estados Partes, tendo em conta as condições nacionais e na medida dos seus meios, tomam as medidas adequadas para ajudar os pais e outras pessoas que tenham a criança a seu cargo a realizar este direito e asseguram, em caso de necessidade, auxílio material e programas de apoio, nomeadamente no que respeita à alimentação, vestuário e alojamento.
4. Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas tendentes a assegurar a cobrança da pensão alimentar devida à criança, de seus pais ou de outras pessoas que tenham a criança economicamente a seu cargo, tanto no seu território quanto no estrangeiro. Nomeadamente, quando a pessoa que tem a criança economicamente a seu cargo vive num Estado diferente do da criança, os Estados Partes devem promover a adesão a acordos internacionais ou a conclusão de tais acordos, assim como a adopção de quaisquer outras medidas julgadas adequadas”.
Por sua vez, o Protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, aprovado em Estrasburgo, 22.11.1984 e ratificado por Portugal, estatui no artigo 5º sob a epígrafe Igualdade entre os cônjuges que: “Os cônjuges gozam de igualdade de direitos e de responsabilidades de carácter civil, entre si e nas relações com os seus filhos, em relação ao casamento, na constância do matrimónio e aquando da sua dissolução. O presente artigo não impede os Estados de tomarem as medidas necessárias no interesse dos filhos”.
Por seu turno, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE[50] no artigo 24.º, sob a epígrafe Direitos das crianças, estabelece que: “1. As crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade.
2. Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.
3. Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses”.
Enfim, a convergência com estes princípios é patente no modo como a legislação nacional e doutrina constitucional encaram o divórcio, enquanto rutura do casamento, com impacto na protecção dos direitos / interesses das crianças.
Com efeito, no nosso País, a regulamentação do divórcio, tanto a nível substantivo como adjectivo, acautela um conjunto de matérias que visam proteger o próprio funcionamento da sociedade, no que ela tem de célula base: a família e as crianças enquanto construtores da sociedade do amanhã.
Daí que o divórcio não seja livre, isto é, a lei não prevê o divórcio por mera declaração de vontade de um dos cônjuges. Com efeito, mesmo a modalidade mais descomprometida de divórcio em Portugal exige a adoção de um procedimento (plataforma de diálogo onde sejam expressos os interesses envolvidos – alcançado através do contraditório) e a regulamentação de determinados assuntos, a que adiante se fará referência (interesses como a questão dos alimentos do cônjuge e a situação pessoal e patrimonial das crianças).
No plano constitucional
O legislador constitucional deixa ao legislador ordinário o encargo de regular os requisitos da dissolução do casamento pelo divórcio.
Vital Moreira e Gomes Canotilho consideram “constitucionalmente questionável” o divórcio por mera vontade unilateral de um dos cônjuges, por alegadamente afectar o núcleo essencial do direito de ambos os cônjuges ao divórcio, bem como da liberdade pessoal e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade[51].
Também Jorge Miranda e Rui Medeiros consideram tal solução “constitucionalmente duvidosa”, por o casamento, objecto de uma garantia constitucional, não constituir uma situação precária e a família fundada no casamento dever ser protegida por lei, nos termos do artigo 67º da CRP[52].
Porém, as crianças e jovens gozam de protecção especial que o Estado assume (artigos 67º a 70º CRP), em ordem, nomeadamente, ao desenvolvimento integral e à realização pessoal, à educação, à garantia dos seus interesses e ao sentido de serviço à comunidade.
Por sua vez, o artigo 36ºda CRP, sob a epígrafe “Casamento, família e filiação”, no n.º 5, estatui que: “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”.
Este normativo, entre outros, mostra a importância dos contactos diretos entre as crianças e os seus pais, independentemente das livres opções de vida de ambos, o que tem repercussões na regulação dos actos com algum efeito na vida das crianças, como é o caso da rutura do casamento.
Breve nota de direito interno
Em matéria de divórcio, o direito interno incide sobre matérias que se conexionam com valores partilhados que visa acautelar e que tem um lastro bastante vasto[53].
Em sede de regulamentação do divórcio, a lei prescreve que na impossibilidade de os cônjuges se porem de acordo, serão decididos pelo tribunal determinados assuntos que respeitam a: responsabilidades parentais, prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, destino da casa de família, destino dos animais de companhia, caso existam (artigo 1775º/1).
As implicações do divórcio não se cingem, pois, às relações pessoais dos cônjuges mas estendem-se a aspectos que vão desde a situação patrimonial dos mesmos e da casa de morada de família (situações estas perfeitamente disponíveis e insuscetíveis de constituírem normas que integram a ordem pública internacional do Estado Português), mas muito em especial, às responsabilidades parentais.
A exigência de regulamentação destes assuntos estende-se a outros diplomas como, por exemplo. o RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível) e a Lei n.º 5/2017, de 2 de março (Regime de Regulação das Responsabilidades Parentais por mútuo acordo junto das Conservatórias do Registo Civil, alterando o Código Civil aprovado pelo DL n.º 47344, de 25 novembro 1966).
Quer isto dizer que, à luz dos citados instrumentos, terão de ser acautelados os interesses /direitos das crianças, visto que, apesar de o divórcio fazer cessar o casamento, ele vai implicar uma reconfiguração das relações que cada um dos cônjuges tem com os filhos comuns. E é essa situação que exige a definição do regime das responsabilidades parentais quanto à guarda dos filhos (lato sensu) e quanto à obrigação de alimentos.
Portanto, trata-se de matérias que ficam subtraídas à disponibilidade das partes envolvidas, devendo, pois, acautelar-se todo o substrato que vai permitir à criança a sã formação da personalidade, o que passa, em regra, pela garantia  do contacto com ambos os progenitores.
E esta questão integra-se, do nosso ponto de vista no contexto da ordem pública internacional do Estado português, como se pensa ter ficado demonstrado.
No caso dos autos, é, no mínimo, duvidoso ter sido acautelado o interesse dos menores filhos do casal, em relação aos quais não vem referido sequer onde residem (não sendo de excluir que residam também em Portugal), nada se tendo disposto quanto à situação pessoal e sustento dos mesmos.
Aqui não estaria em evidência o valor da família tal como ela é concebida nas sociedades ocidentais e da qual se tem afirmado ser a célula base que desempenha um papel capital na estruturação da própria sociedade, na socialização das crianças e na sua transformação em pessoas autónomas[54]. Aqui estaria em causa acima de tudo, o valor autónomo da proteção das crianças no processo de construção como pessoas que recriarão as estruturas sociais do futuro.
Assim, não seria despiciendo considerar que, por não estar demonstrado terem sido acautelados os assinalados direitos / interesses dos filhos menores do casal (o que se afigura nuclear e estruturante, face às convenções internacionais e ao direito europeu aplicável que, em convergência com a lei interna, neste domínio, integram o repositório dos valores comuns partilhados pelo Estado português), poder-se-ia também colocar a questão de neste domínio haver inobservância da ordem pública internacional do Estado Português, nos termos e para os efeitos do artigo 980º/f) do CPC.
Por tudo quanto se deixa exposto, não poderá proceder a pretensão formulada.
III. DECISÃO
Assim, encontrando-se observado o disposto nos artºs 1101º e 1096º, do CPC, nos termos do artº 1094º/1 do mesmo diploma legal, decide-se negar a revisão pretendida.
Sem custas.

Lisboa, 19 de Novembro de 2019
Amélia Alves Ribeiro
Dina Monteiro
Luis Espírito Santo
_______________________________________________________
[1] 65ª Sura do Alcorão (At-Talac).
[2] Radicada na Sharia - 65ª Sura do Alcorão (At-Talac).
[3]  Bedai Talaq para SULTANA KAMAL “Dossier 4: Law for Muslim Women in Bangladesh”, August/September 1988, WLUML, que aborda esta mesma matéria - (http://www.wluml.org/node/248 - consultado em 30.10.2019).
[4]  Tradução livre. Apesar de esta ser, em regra, considerada matéria de direito, aqui consideramo-la como facto, uma vez que estamos a encarar o Direito Estrangeiro como realidade fenomenológica.
A versão em língua inglesa é do seguinte teor:
7. (1) Any man who wishes to divorce his wife shall, as soon as may be after the pronouncement of talaq  in any form whatsoever, give the Chairman notice in writing of his having done so, and shall supply a copy thereof to the wife.
(2) Whoever contravenes the provisions of sub-section (1) shall be punishable with simple imprisonment for term which may extend to one year or with fine which may extend to 1[ten   thousand taka] or with both.
(3) Save as provided in sub-section (5), a talaq unless revoked earlier, expressly or otherwise, shall not be effective until the expiration of ninety days from the day on which notice under sub-section (1) is delivered to the Chairman.
 (4) Within thirty days of the receipt of notice under sub-section (1), the Chairman shall constitute an Arbitration Council for the purpose of bringing about a reconciliation between the parties, and the Arbitration Council shall take all steps necessary to bring about such reconciliation.
 (5) If the wife be pregnant at the time talaq is pronounced, talaq shall not be effective until the period mentioned in sub-section (3) or the pregnancy, whichever be later, ends.
 (6) Nothing shall debar a wife whose marriage has been terminated by talaq effective under this section from re-marrying the same husband, without an intervening marriage with a third-person, unless such termination is for the third time so effective - (http://bdlaws.minlaw.gov.bd/act-305/section-13539.html - consultado em 30.10.2019).
[5] Tradução livre.
A versão em língua inglesa é do seguinte teor: “Where the right to divorce has been duly delegated to the wife and she wishes to exercise that right, or where any of the parties to a marriage wishes to dissolve the marriage otherwise than by talaq, the provisions of section 7 shall, mutatis mutandis, and so far as applicable, apply” – (http://bdlaws.minlaw.gov.bd/act-305/section-13540.html?hl=1 - consultado em 30.10.2019).
[6] Os sites supra indicados, resultam da pesquisa do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da PGR.
[7] Acto que, segundo o mesmo site, introduz uma alteração às causas de divórcio e de casamento.
[8] A versão em língua inglesa é do seguinte teor:
Power to make orders as to custody of children in suit for separation
41. In any suit for obtaining a judicial separation the Court may from time to time, before making its decree, make such interim orders, and may make such provision in the decree, as it deems proper with respect to the custody, maintenance and education of the minor children, the marriage of whose parents is the subject of the such suit, and may, if it thinks fit, direct proceedings to be taken for placing such children under the protection of the said Court (tradução livre).
[9] Tradução livre. A versão em língua inglesa é do seguinte teor:
Power to make such orders after decree
42. The Court, after a decree of judicial separation, may upon application (by petition) for this purpose make, from time to time, all such orders and provision, with respect to the custody, maintenance and education of the minor children, the marriage of whose parents is the subject of the decree or for placing such children under the protection of the said Court, as might have been made by such decree or by interim orders in case the proceedings for obtaining such decree were still pending.
[10] http://bdlaws.minlaw.gov.bd/act-20/section-4541.html?hl=1 (investigação do GDDC, da PGR – por nós consultado em 30.10.2019).
Na versão inglesa constante do mesmo site é do seguinte teor:  
Power to make orders as to custody of children in suits for dissolution or nullity
43. In any suit for obtaining a dissolution of marriage or a decree of nullity of marriage instituted in, or removed to, High Court Division, the Court may from time to time, before making its decree absolute or its decree (as the case may be), make such interim orders and may make such provision in the decree absolute or decree, and in any such suit instituted in a District Court, the Court may from time to time, before its decree is confirmed, make such interim orders, and may make such provision on such confirmation, as the High Court Division or District Court (as the case may be) deems proper with respect to the custody, maintenance and education of the minor children, the marriage of whose parents is the subject of the suit; and may, if it thinks fit, direct proceedings to be taken for placing such children under the protection of the Court.
[11] Tradução livre. A versão inglesa constante no mesmo site, tem o seguinte teor:  
Power to make such orders after decree or confirmation.
44. The High Court Division, after a decree absolute for dissolution of marriage or a decree of nullity of marriage, and the District Court, after a decree for dissolution of marriage or of nullity of marriage has been confirmed, may, upon application by petition for the purpose, make from time to time all such orders and provision, with respect to the custody, maintenance and education of the minor children, the marriage of whose parents was the subject of the decree, or for placing such children under the protection of the said Court, as might have been made by such decree absolute or decree (as the case may be), or by such interim orders as aforesaid.
[12] Vide Ac. STJ de 21.03.2019, relatado pelo Excelentíssimo Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins e António Marques dos Santos, “Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras”, in Aspectos do Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, pág. 141, apud o mesmo aresto.
[13] Tradução livre da tradução em língua inglesa constante do documento junto aos autos (“unmatched”).
[14] Versão da Lei 41/2013, de 26.06.
[15] Vide Ac. STJ de 21.03.2019, relatado pelo Excelentíssimo Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins
[16] Relatados pelo Excelentíssimo Conselheiro Pinto de Almeida.
[17] Relatado pelo Excelentíssimo Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins.
[18] À data da independência como novo Estado, 85,47% da população total do Bangladesh era muçulmana, de acordo com o Anuário Estatístico do Bangladesh de 1975-76, P.29; e as mulheres constituíam 48,1% (Censo Demográfico do Bangladesh, Boletim 2 de 1974, P.1) - (vide, SULTANA KAMAL, op. cit., nota 1). Atualmente a percentagem de muçulmanos mantém-se (Wikipédia).
[19] Tradução livre do texto em língua inglesa da autoria de Kamrul Hossain, “In Search of Equality: Marriage Related Laws for Muslim Women in Bangladesh”, Nov-2003, Journal of International Women's Studies, 5(1), 96-113 – (http://www.khubmarriage18.org/sites/default/files/209.pdf - consultado em 30.10.2019).
[20] Kamrul Hossain, “In Search of Equality: Marriage Related Laws for Muslim Women in Bangladesh”, Nov-2003, Journal of International Women's Studies, 5(1), p. 96 - (http://www.khubmarriage18.org/sites/default/files/209.pdf - consultado em 30.10.2019).
[21] SULTANA KAMAL (1988), “Dossier 4: Law for Muslim Women in Bangladesh”, August/September -  WLUML – (http://www.wluml.org/node/248 - consultado em 30.10.2019).
[22] A Sharia é a Lei Islâmica por excelência, a Lei Divina, Revelada, contida no Alcorão, uma vez que a fé está indissoluvelmente ligada à Lei, sendo esta parte integrante daquela. O Direito Muçulmano foi, pois, elaborado a partir da Sharia (o jurista é, ao mesmo tempo, teólogo), sendo o seu objetivo legislar para a Comunidade dos Crentes (Umma). A Escola Jurídica Hanafita é uma das quatro Escolas do ramo ortodoxo do Islão, ou seja, o Sunita, tendo sido fundada por Abu Hanifa, e é considerada como a maior defensora das ciências tradicionais e da cega obediência às tradições. Desenvolveu-se, sobretudo, na Índia, Paquistão, Turquia e Egipto (VALY MAMEDE, Suleiman (1994), “O Islão e o Direito Muçulmano”, Lisboa, Edições Castilho, Lda., Colecção Jurídica, pp.40-41).
No caso do Bangladesh, 91% do total da população muçulmana é hanafita (SULTANA KAMAL, op. cit., nota 2 – com referência a 1988).
[23] SULTANA KAMAL, op. cit..
[24] Que, como é sabido, é a designação da região do subcontinente indiano onde se compreendia o Bangladesh, ao tempo do regime colonial Britânico.
[25] SULTANA KAMAL, op. cit..
[26] Constitui crime (punível com prisão até 1 ano e/ou multa até 5000 rupias) não notificar o Presidente sobre o exercício do divórcio pelo marido.
[27] Igual período é aplicável se a mulher estiver grávida na altura em que for pronunciado o talak.
[28] Legislative and Parliamentary Affairs Division; Miinistry of Law, Justice and Parliamentary Affairs (Bangladesh) (http://bdlaws.minlaw.gov.bd/act-305/section-13539.html - c Dossier 4: Law for Muslim Women in Bangladesh”onsultado em 30.10.2019) e SULTANA KAMAL “, August/September 1988, WLUML)  http://www.wluml.org/node/248 - (consultado em 30.10.2019).
[29] Para mais, num sistema em que não se prevê pensão de alimentos para o cônjuge divorciado.
[30] SULTANA KAMAL (1988), “Dossier 4: Law for Muslim Women in Bangladesh”, August/September, WLUML) http://www.wluml.org/node/248 - (consultado em 30.10.2019).
[31] Magalhães Collaço, Isabel Maria (aponts. polic.: ano lectivo 1978/1979). No mesmo sentido, veja-se Luís de Lima Pinheiro (2015), Direito Internacional Privado, Vol. I - Introdução e Direito dos Conflitos – Parte Geral, 3ª Ed., refundida, p. 659. O mesmo autor refere que: “A reserva de ordem pública internacional é um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional competente segundo o Direito de Conflitos ou ao reconhecimento de uma decisão estrangeira.
Perante a diversidade das situações a que o resultado conduz, a aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional ou o reconhecimento de decisão estrangeira pode ser intolerável perante a concessão de justiça do foro, o legislador formulou uma cláusula geral. Esta cláusula geral atua quando, perante o conjunto das circunstâncias do caso concreto, esse resultado seja incompatível com os princípios e normas fundamentais da ordem jurídica portuguesa. (…) Só perante as circunstâncias do caso concreto se pode dizer se uma determinada violação de um princípio ou norma fundamental é intolerável.
No dizer do mesmo autor “Numa ordem jurídica em que o Direito Internacional é objecto de receção automática, como é o caso da ordem jurídica portuguesa (artigo 8º da CRP), a ordem pública internacional é também informada por normas e princípios fundamentais de Direito Internacional.
A ordem pública de direito internacional integra necessariamente a ordem jurídica portuguesa. Os princípios fundamentais de Direito da união Europeia e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art. 6º do Tratado da União Europeia) também informam a nossa ordem pública internacional. O mesmo se diga dos princípios fundamentais que decorrem de convenções internacionais em vigor na ordem jurídica portuguesa - pp. 660 a 661.
O mesmo autor na nota 1383, p. 660 diz nomeadamente que: “Berthold Goldman diz que existe uma ordem pública realmente internacional. E refere expressamente aludindo a Jacob Dolinger – “World Public Policy: Real International Public Policy in the Conflit of Laws”, Texas International Law Journal, 17 (1982) 167 – 193, 170 e segs. e 192 e segs., que salienta a existência de uma ordem pública realmente internacional caracterizada pelo «interesse comum da espécie humana», que servindo os interesses mais elevados da comunidade internacional estabelece princípios universais.
Por seu turno,  Ferrer Correia (1994), A Venda Internacional de Objectos de Arte, Coimbra, pp. 51 e seg., refere-se ao «conceito de uma ordem publica verdadeiramente internacional», situada num plano intermédio entre os Direitos nacionais e o Direito Internacional e que, seria a «súmula de princípios jurídicos essenciais à vida social num certo passo da evolução da humanidade, num certo ciclo cultural – como designadamente o do respeito dos direitos do homem e do reconhecimento dos bens culturais pertencentes aos diversos Estados, mas interessando toda a comunidade internacional».
[32] Embora se tivesse de ter em consideração a relação desta norma com o disposto no artigo 22º CC que já, então, impunha a ponderação da ordem pública internacional do Estado Português).
[33] Ac. TRL, na apelação nº 10602/2005-2, de 18.10.2007, relatado pelo Exmº Desembargador Jorge Leal, disponível na dgsi.
[34] Magalhães Collaço, Isabel Maria (aponts. polic., ano lectivo 1978/1979).
[35] Idem.
[36] Idem.
[37] Relatado pelo Excelentíssimo Desembargador Jorge Leal
[38] Neste domínio, o citado aresto destaca que: “(…) expende Ferrer Correia (Lições de Direito Internacional Privado I, Almedina, 2000, pág. 406, cada Estado tem os seus valores jurídicos fundamentais, de que entende não dever abdicar, e interesses de toda a ordem, que reputa essenciais e que em qualquer caso lhe incumbe proteger. Tal implica que a aplicação da lei estrangeira será recusada “na medida em que essa aplicação venha lesar algum princípio ou valor básico do ordenamento nacional, tido por inderrogável, ou algum interesse de precípua grandeza da comunidade local”.
“A atual redação da alínea f) do artigo 1096º do Código de Processo Civil foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12. A redação anterior exigia que a sentença revidenda não contivesse “decisões contrárias aos princípios de ordem pública portuguesa”, ao passo que no texto atual exige-se que a sentença «não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português».
Reatando a citação de Ferrer Correia (obra supra identificada, pág. 483), “não é, portanto, a decisão propriamente que conta, mas o resultado a que conduziria o seu reconhecimento. A decisão pode apoiar-se numa norma que, considerada em abstrato, se diria contrária à ordem pública internacional do Estado português, mas cuja aplicação concreta o não seja”.
Acresce que a introdução do advérbio “manifestamente” pretende frisar o carácter excecional da intervenção da ordem pública”.
“No dizer do Supremo Tribunal de Justiça, “a exceção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública prevista na al.f) do art. 1096º só tem cabimento quando da aplicação do direito estrangeiro cogente resulte contradição flagrante com e atropelo grosseiro ou ofensa intolerável dos princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica nacional e, assim, a conceção de justiça do direito material, tal como o Estado a entende. Só há que negar a confirmação das sentenças estrangeiras quando contiverem em si mesmas, e não nos seus fundamentos, decisões contrárias à ordem pública internacional do Estado Português - núcleo mais limitado que o correspondente à chamada ordem pública interna, por aquele historicamente definido em função das valorações económicas, sociais e políticas de que a sociedade não pode prescindir, mas operando em cada caso concreto para afastar os resultados chocantes eventualmente advenientes da aplicação da lei estrangeira. O cabimento daquela reserva só, por conseguinte, se verifica quando o resultado da aplicação do direito estrangeiro contrarie ou abale os princípios fundamentais da ordem jurídica interna, pondo em causa interesses da maior dignidade e transcendência, sendo, por isso, "de molde a chocar a consciência e a provocar uma exclamação" (Acórdão de 21.02.2006, internet, dgsi-itij, processo 05B4168)”.
“Sobre a aplicação da cláusula da ordem pública, Ferrer Correia refere, a ela aderindo, à teoria do efeito atenuado dessa cláusula. Segundo essa teoria, surgida em França, a ordem pública pode operar de modo diverso conforme se trate de adquirir um direito no Estado do foro, ou de permitir que um direito adquirido sem fraude no estrangeiro produza no Estado do foro os seus efeitos. Por exemplo, suponha-se um divórcio estrangeiro, na sequência do qual os ex-cônjuges contraíram segundas núpcias. O não reconhecimento do divórcio teria mais inconvenientes do que o próprio reconhecimento, e o efeito social perturbador daquela primeira solução seria mínimo, atentas as circunstâncias do caso (Ferrer Correia, obra citada, páginas 414 e 415)”.
[39] Idem.
[40] Apud ac. TRL citado.
[41] Apud Ac. TRL cit..
[42] ELI: http://data.europa.eu/eli/reg/2010/1259/oj (consultado em 30.10.2019).
[43] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já referido, na apelação nº 10602/2005-2, relatado pelo Excelentíssimo Desembargador Jorge Leal, em cujo sumário se lê: Sumário: I – Ao verificar se a sentença estrangeira revidenda é incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, o tribunal deve ter especialmente em conta o resultado da decisão e não propriamente a norma em abstracto em que a decisão se apoia.
II – Face à evolução que a concepção do casamento e da sua dissolução têm sofrido tanto no mundo ocidental como em Portugal, uma sentença estrangeira que decrete um divórcio com base na vontade de um só dos cônjuges, sem invocação de nenhum motivo fundamentador, não conduz a um resultado manifestamente violador dos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
III – A norma do direito marroquino que estabelece como prerrogativa exclusivamente masculina o repúdio, forma de dissolução do matrimónio que não carece da necessidade de invocação de qualquer motivo, viola o princípio da igualdade entre os cônjuges, princípio esse que integra a ordem pública internacional do Estado Português.
IV – Porém, a violação do princípio da igualdade só se manifesta quando se recusa à mulher a possibilidade de pôr fim ao casamento por sua exclusiva vontade, nos mesmos termos em que tal é concedido ao homem.
V – Não contraria manifestamente a ordem pública internacional do Estado Português a sentença de um tribunal marroquino que homologa o divórcio, por repúdio, de um português, casado com uma cidadã marroquina.
VI – A norma do direito marroquino que permite a revogabilidade do divórcio/repúdio, ou seja, o retomar dos laços matrimoniais após o repúdio, por simples vontade do marido, atenta contra o princípio da igualdade entre os cônjuges e contra a dignidade do ser humano, base fundamental da República Portuguesa.
VII – Porém, a revisão da sentença do tribunal marroquino que homologou o divórcio/repúdio revogável, não deve ser rejeitada se o cônjuge marido tiver deixado expirar o prazo para exercer o aludido direito de revogação e, consequentemente, na ordem jurídica marroquina a dissolução do matrimónio tornou-se definitiva.
[44]  Mariana Madeira da Silva Dias (2014), Revista Julgar, nº 23.
[45] Aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948 e que, não obstante resultar de uma Resolução da ONU, como tal integrada no conceito de Soft Law, não deixa de constituir um sistema de integração e de interpretação dos normativos referentes aos direitos fundamentais.
[46] Vigente na ordem internacional desde 03.09.1953, foi ratificada por Portugal em 9 de novembro de 1978 - com retificação publicada no DR n.º 286, de 14/12/1978.
[47] Por Resoluções da Assembleia da República n.º 232/2016 e 231/2016, e Decretos do Presidente da República n.ºs 102/2016 e 101/2016, todos de 25 de Novembro, foram aprovados e ratificados, com entrada em vigor no dia da publicação, os Protocolos n.ºs 12 e 15.
[48] De valor jurídico equivalente ao do Tratado (artigo 6º/1 do TUE).
[49] Alusivo a interdição geral de discriminação.
[50] Por força do primeiro parágrafo do n.º 1 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia, a Carta proclamada em 2007 tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.
[51] Gomes Canotilho, José Joquim e Vital Moreira (2007), Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª edição Ver., Coimbra, Coimbra Editora.
[52] Jorge Miranda e Rui Medeiros (2005), Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 412.
[53] Procurando traçar uma panorâmica muito breve, dir-se-á que neste âmbito, o artigo 1671º/1 CC prescreve que: “O casamento baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Centradas naqueles princípios há, depois, um conjunto de regras que supõem essa igualdade, nomeadamente no que refere à direção da família, ao acordo sobre a orientação da vida em comum, tendo em conta o bem da família e os interesses de ambos os cônjuges. A lei prevê um conjunto de deveres, em que avulta o dever de assistência (artigo 1672º/1 CC), no qual se compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar (artigo 1675º/1 CC). Na regulamentação do dever de assistência a lei prevê que independentemente de culpa o cônjuge possa - por razões de equidade - ficar obrigado a prestar alimentos ao outro, em função da duração do casamento e da colaboração que este tiver prestado para a economia do casal. No âmbito do enunciado princípio e em matéria de encargos da vida familiar, estatui-se no artigo 1676º/2 CC que: “Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao previsto no nº anterior, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais importantes, esse cônjuge tem direito a exigir do outro a correspondente compensação”. Muitas mais manifestações do peso do princípio da igualdade se podem detetar na regulamentação do casamento, nomeadamente no que concerne ao consentimento de ambos os cônjuges em matéria de certos atos que envolvam a casa de morada de família (artigo 1682º-B), a aceitação de doações e em matéria de sucessões (artigo 1683º).
Por seu turno o divórcio importa a cessação das relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges (sem prejuízo do estabelecido quanto a alimentos (artigo 1685º). No nosso País, como se sabe, o divórcio pode ocorrer por uma de duas modalidades (por mútuo consentimento e sem o consentimento de um dos cônjuges (artigo 1773º). O divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido por ambos os cônjuges de comum acordo, na conservatória do registo civil, ou no tribunal, se neste caso, o casal não tiver conseguido acordo sobre algum dos assuntos referidos no nº 1 do artigo 1775º (artigo 1773º/1). Por seu turno o divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artigo 1781º). Estas, são algumas das disposições substantivas de onde se pode colher o peso do princípio da igualdade entre os cônjuges, quer no contexto da vigência do casamento, quer no da sua rutura.
[54] bologne, Jean Claude (2000), História do Casamento no Ocidente (trad.: Isabel Cardeal e Revisão Científica de Jorge Miguel Pedreiro), Lisboa, Círculo de Leitores, p. 373.