Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28265/13.0T2SNT-C.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: REGIME DE VISITAS DE MENORES
IMPOSIÇÃO DE VISITAS
VIOLÊNCIA FAMILIAR
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– Revelando os menores, decorridos anos sobre a fixação do regime de visitas, absoluta recusa de visitarem o pai recluído em estabelecimento prisional, tal recusa corresponde a uma alteração superveniente das circunstâncias que autoriza a alteração do regime instituído.

II.– Revelando-se pela audição dos menores a livre formação da sua recusa e a consideração da existência, para os mesmos menores, do fundamento dessa recusa (violência familiar), não é necessário determinar a realização de perícia médico-legal aos referidos menores para o efeito de determinar se os seus sentimentos lhes foram transmitidos pela mãe, sobretudo quando o fim dessa perícia serviria a destronar a audição e a reduzir a actividade probatória às versões contraditórias de ambos os progenitores, quando, num caso como no presente, o progenitor foi efectivamente condenado por crimes relacionados com tal violência familiar.

III.– Não serve o superior interesse duma menor de quase 16 anos de idade que se recusa a visitar o pai no estabelecimento prisional, ordenar tais visitas, quando a prisão se deve a crime de maus-tratos contra a mãe e a crime de abuso sexual contra irmã uterina da menor. Em tal fase da vida interessa principalmente assegurar a compreensão da existência de, e a confiança num mundo, sobretudo masculino, não caracterizado pela violência.

IV.– Não serve o superior interesse do menor de 9 anos que genuinamente expõe com aflição violência familiar causada pelo pai, determinar que visite no estabelecimento prisional, sem o acompanhamento da irmã, o mesmo pai. Só com acréscimo da maturidade do menor e com sucesso do empenho do pai na sua própria reabilitação poderão tais visitas vir a ser proveitosas para o menor.


(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–Relatório:


AB veio intentar, em 08.07.2016, a presente acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos menores, AK, nascida a 29 de Maio de 2002, e NS, nascido a 7 de Janeiro de 2007, contra FK, actualmente detido no Estabelecimento Prisional da Carregueira, Estrada Nacional 117, em Belas, peticionando a final que seja o requerido privado da companhia dos menores, suprimindo-se o regime de visitas.

Alegou, para tanto e em síntese, que tendo sido estipulado por sentença de 23.01.2014 que os menores estariam uma vez por mês com o pai, enquanto este estivesse em situação de reclusão, devendo ser os mesmos levados ao estabelecimento prisional pela progenitora, na verdade:
– recentemente veio ao apenso B a fls. 44 o CRC do requerido, no qual está averbado um crime de actos sexuais com adolescente agravado e um crime de abuso sexual de crianças agravado, praticado na pessoa da sua (e não do requerido) filha SS, convivente com o casal, relativamente ao qual o requerido, como resulta da carta que mandou à referida SS, a fls. 81 do Apenso A, não demonstrar qualquer arrependimento, visto nela referir à dita SS para não esquecer as suas brincadeiras com ela;
– o requerido, como consta do seu CRC, cometeu ainda outros crimes, a saber violência doméstica, condução sem habilitação, desobediência, ofensas à integridade física qualificada, falsificação, condução em estado de embriaguez;
– o crime de violência doméstica foi praticado na pessoa da requerente, o crime de abuso sexual na pessoa da filha da requerente, sendo desumano obrigar-se a requerente a levar os filhos do casal ao estabelecimento prisional;
– até porque, por carta de 7.7.2014,  (fls. 56 do Apenso A) o requerido nela desenhou um caixão, com isso revelando uma clara ameaça de morte à requerente;
– relativamente aos menores AK e NS, e durante o tempo em que as visitas ocorreram, conforme carta de fls. 54 do Apenso A, a requerente deu conhecimento ao tribunal das mudanças comportamentais dos menores resultantes das conversas do requerido com eles, relatando a vida prisional, os desacatos com outros reclusos, as agressões que o requerido fazia a outros reclusos nesse contexto;
– a continuação das visitas fazia crer aos menores que o requerido tinha razão em tudo o que fazia, o que levou a que a requerente fosse chamada à escola do NS por mau comportamento deste, sendo que o mesmo veio a reprovar o ano escolar;
– a menor AK rejeita as visitas ao pai, ainda tendo na sua mente as chapadas que o pai lhe dava, o facto de a proibir de usar saias e o mal que fez à sua mãe;
– pelos crimes que praticou, entende a requerente que o requerido não tem formação moral ou educação que possa transmitir aos filhos, o que faz com que a continuação das visitas represente um perigo real para estes;
– aliás, a influência prejudicial do requerido sobre os filhos revela-se no mau comportamento destes, nomeadamente no não acatamento das ordens e instruções da requerente, na postura que adoptam perante a mãe e perante os seus pares, na agitação, na perda de sono.
              
Citado o Requerido, veio suscitar que o pedido de alteração ocorre três anos depois a pretexto de junção do seu CRC, e de crimes dele constantes e respectivos factos de que a recorrida tinha conhecimento à data em que acordou o regime de visitas, sendo pois inexistente a superveniência de factos que justifiquem a alteração. Impugnou ainda a interpretação que a requerente fez de partes de cartas, negou a prática de qualquer comportamento que revelasse perigosidade em relação aos seus filhos, relativamente aos quais, quando em liberdade, se encarregava de cuidar deles, nunca neles tendo batido. Negou também ter falado sobre acontecimentos no interior do estabelecimento prisional aos filhos. Sustentou que a peticionada alteração de regime resulta da requerente ter refeito vida com outra pessoa, e ainda que funciona como resposta ao pedido de incumprimento do regime de visitas que o requerido intentou contra a requerente. Sustentou finalmente que é a requerente quem transmite aos filhos sentimentos de angústia, insegurança, dor, tristeza e desgosto, que são apenas dela.
E em consequência do descrito e invocado, sustentou a manutenção do regime de visitas.

Por decisão proferida a 10.11.2016, foi alterado provisoriamente o regime de convívios dos menores com o pai, tendo sido eliminado provisoriamente o segmento das visitas do regime de regulação das responsabilidades parentais fixado no processo principal a fls. 21, cláusulas 2 a 5[1].

Por despacho proferido em 14.11.2016, foi considerado não haver lugar a conferência de partes e determinada a notificação dos progenitores para, querendo, alegarem, nos termos do disposto pelo art. 39.º, n.º 4 do CPC.

O progenitor apresentou as alegações de fls. 35 a 41, substancialmente no mesmo sentido que já anteriormente, nas quais sustentou, no essencial, que, como a requerente bem sabia e por isso não trouxe ao processo tal factualidade, apesar das condenações por crimes de natureza sexual e maus tratos constantes do seu certificado de registo criminal, o progenitor nunca colocou em risco os filhos, além de que as visitas realizadas em contexto prisional são vigiadas pelos guardas prisionais, pelo que deverá ser mantido o regime estipulado quanto aos contactos com os filhos.
Concluiu ainda que a imagem que os filhos têm de si lhes é transmitida pela mãe, e que a mesma só pode ser alterada com o restabelecimento – e não com a eliminação – do regime de visitas, requerendo perícia médico-legal (Relatório Psicológico) aos menores e progenitores.

O Mº Pº emitiu parecer no sentido de ser determinada, a título definitivo, a suspensão das visitas paternas.
              
Por despacho de 3.4.2017, foi ordenada a notificação dos progenitores para exercerem, querendo, o contraditório relativamente ao parecer do Mº Pº, e foi ordenada a requisição dos certificados de registo criminal dos progenitores.

Pronunciou-se o progenitor (fls 50) renovando quanto já vinha defendendo e acrescentando que as visitas no estabelecimento prisional de modo algum podem por em causa a saúde e a segurança dos menores, e novamente insistindo que o único modo de demonstrar que é benéfico para os menores o convívio consigo é a perícia médico-legal.

Foi então proferido despacho, a fls. 54, onde se considerou que tendo sido requerida a perícia médico-legal aos menores e aos progenitores, se entendia, em sede de diligências instrutórias, dever proceder-se à audição dos menores, após o que se decidiria pela necessidade ou desnecessidade de tal perícia.
Foi ainda ordenada a junção aos autos do relatório elaborado quanto ao progenitor pela DGRSP que consta a fls. 72 a 77 do Apenso B, bem como de diversas folhas do mesmo apenso e ainda do apenso A.

O referido relatório mostra-se junto a fls. 56, revelando basear-se essencialmente nas entrevistas com o ora recorrente, sendo a última de 2016, e na consulta de dados constantes do dossier do utente da DGRSP e na articulação com os serviços do estabelecimento prisional, revela que o ora recorrente foi colaborante[2].
Ainda em cumprimento do mencionado despacho, foram juntos a estes autos, seguidamente: - certidão do processo comum singular nº 1329/10.5PGLRS; cópia do processo comum (tribunal colectivo) nº 484/13.7PBLRS (acórdão de 1ª instância, da Relação, acórdão do Cúmulo Jurídico e do acórdão do STJ); certidão do despacho de arquivamento no processo de inquérito nº 3286/13.7TALRS instaurado a favor dos menores NS, AK e SS “porquanto os mesmos e o agregado familiar eram vítimas de violência doméstica e de crimes contra a autodeterminação sexual”, em que se refere também que “o agregado foi inicialmente acolhido no Centro de Emergência da Cruz Vermelha e o progenitor do NS foi detido preventivamente” e que estando o agregado assim reduzido à progenitora ABe aos menores não se verifica no local qualquer indício de que estes se encontrassem perigo; certidão do processo comum singular 4736/13.8TALRS; as cartas do ora recorrente para a filha AK e para a SS (fls 151 e 152).     

Procedeu-se a conferência de pais em 14.9.2017 na qual foram ouvidos os menores AKe NS, e prestou declarações a progenitora.
Foi junto o CRC do ora recorrente, de fls. 157 a 163.

Foi então proferido despacho indeferindo a realização da perícia médico-legal imediatamente seguido de sentença, de cuja parte dispositiva, a final, consta:
Face ao exposto, julga-se a presente acção inteiramente procedente, por provada, em consequência do que se decide eliminar as cláusulas 2. a 6. do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais dos menores AK, nascida a 29 de Maio de 2002, e NS, nascido a 7 de Janeiro de 2007.
Custas pelo Requerido, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia”.

Inconformado, o progenitor interpôs o presente recurso, formulando a final conclusões ordenadas sintetizar e enunciar as normas jurídicas violadas por despacho do ora relator, o que foi cumprido, vindo então aos autos as seguintes conclusões:
a)- De acordo com o disposto no artigo 42º do RGPTC, as decisões proferidas no âmbito dos processos de alteração das responsabilidades parentais, só podem ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes, e desde que não exista acordo das partes.
b)- No processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais os progenitores chegaram a acordo a 23 de Janeiro de 2014, em momento em que o ora Recorrente se encontrava já preso preventivamente, visto o fundamento da alteração ter a ver com os antecedentes criminais do ora Recorrente.
c)- Pelo que, é nosso entender que não existe base legal para a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, e salvo o devido respeito por opinião diversa, foi violado o artigo 42º do RGPTC.
Caso assim não se entenda,
d)- E salvaguardando-se o devido respeito por melhor opinião, no entendimento do ora Recorrente, não podia o Tribunal a quo ter dado como provados os pontos 8 (quanto ao conteúdo da carta eventualmente remetida), bem assim como os pontos 25 e 34.
e)- Sem outro meio de prova, temos apenas as declarações do ora Recorrente e por outro lado as declarações da ora Recorrida em sentido contrário.
f)- Motivo pelo qual, e no entendimento do ora Recorrente, a perícia médico-legal com a qual se pretendia que fosse averiguado as competências parentais do ora Recorrente, bem assim, como se qualquer contacto entre pai e filhos seria prejudicial, ou até mesmo se aquilo que os Menores verbalizam não lhes foi induzido ainda que de forma inconsciente, mostrava-se essencial para a boa decisão da causa.
g)- Ao indeferir a realização de perícias médico-legais aos Menores e ao ora Recorrente, salvo o devido respeito por opinião diversa, foi violado o disposto no artigo 467º do Código de Processo Civil e seguintes.
h)- Tanto mais, quando a posição do Tribunal a quo mudou a partir do momento em que teve conhecimento do Certificado de Registo Criminal do ora Recorrente.
i)- Contudo, e ainda que ora Recorrente não se orgulhe do que se encontra ali averbado, a verdade é que nenhum destes crimes foram praticados em relação aos seus filhos Menores, não tendo em momento algum colocado em causa a sua vida, saúde ou bem-estar.
j)- Além do mais, no momento em que foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, a ora Recorrida já conhecia os factos pelos quais o ora Recorrente se encontrava preso preventivamente e tal não a impediu de chegar a acordo.
k)- Da mesma forma que as cartas remetidas à ora Recorrida, pelo ora Recorrente, com o alegado conteúdo, também não foi suficiente para que a Recorrida procedesse a uma alteração, mesmo tendo sido alertada para o facto na conferência de pais que teve lugar no dia 26 de Março de 2015, no âmbito do apenso A.
l)- Ora, numa alteração ao exercício das responsabilidades parentais, tal como numa regulação do exercício das responsabilidades parentais, há que ter sempre em conta o interesse superior dos Menores.
m)- Sendo certo que, e feita uma análise global de todo o processo, incluindo os seus apensos, o único motivo que leva o tribunal a alterar o regime de visitas, é apenas uma valoração (em nosso entender indevida) do Certificado de Registo Criminal do ora Recorrente, que o tribunal não podia desconhecer (o ora Recorrente encontrava-se preso preventivamente), na data em que foi homologado o acordo a que chegaram os progenitores, nem a ora Recorrida achou relevante, para impedir qualquer tipo de contacto com os Menores.
n)- Aliás, a presente alteração foi instaurada após a ora Recorrida ter tido conhecimento do incidente de incumprimento relativamente às visitas e salvo o devido respeito, só pode o mesmo ser entendido como forma de retaliação, e não como uma preocupação com os Menores.
o)- Sendo importante na vida dos Menores o estabelecimento e manutenção de laços afectivos com ambos os progenitores.
p)- Deixando-se aqui as duas questões fundamentais: Será o desconforto dos Menores ao se deslocarem a um estabelecimento prisional justificação suficiente para deixar de haver contacto entre pai e filhos? E será o Certificado de Registo Criminal do ora Recorrente suficiente para impedir os contactos entre pai e filhos? Em nossa modesta opinião, não.
q)- Ainda que se possa dizer que em liberdade (condicional ou definitiva), o ora Recorrente possa requerer nova alteração, corre-se o risco de passaram, pelo menos, mais dois anos, a juntarem-se aos dois que já passaram, sem que o pai tenha qualquer tipo de contacto com os Menores, e que poderá nunca mais vir a ser recuperado, e o suficiente para que nunca mais consiga recuperar o afecto dos seus filhos.
r)- Neste momento, o que seria necessário era mesmo um regime que permitisse uma reaproximação entre pai e filhos, ainda que auxiliado e apoiado pela presença de técnicos, de forma que as desilusões e revoltas que os Menores possam sentir em relação ao pai, possam ser atenuadas, ainda que jamais esquecidas.
s)- No fundo, o ora Recorrente apenas quer uma oportunidade para pedir desculpas aos filhos, pelos erros que cometeu no passado, e mostrar que neste momento é uma pessoa diferente e tentar ser o pai que os Menores merecem.
Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser reposto o regime de visitas em vigor quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos menores, e consequentemente restabelecido o contacto entre pai e filhos.

Contra alegou a recorrida, formulando a final as seguintes conclusões:
(…)
d)- Nos termos do art. 640º do CPC, também aplicável aos presentes autos, na impugnação da matéria de facto o recorrente terá que obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
e)- Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
f)- Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
g)- Qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
h)- As alegações do Recorrente não cumprem minimamente os requisitos acima enunciados.
i)- Nos capítulos sob as epígrafes ”I -Da alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais e V – Da decisão de eliminar as cláusulas 2 a 6 do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais dos menores” o Recorrente ignora em absoluto os factos dados como provados e o conteúdo da Douta sentença e, à laia de desabafo e ao arrepio das mais elementares regras processuais, apresenta a sua versão e interpretação de um conjunto de factos novos que trás para o processo e do pedido de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais requerida pela Apelada.
j)- Senão vejamos:
A decisão recorrida, em total cumprimento dos preceitos legais, decidiu o seguinte: (…)
k)- Considerando os factos dados como provados pelo Douto Tribunal a quo, não se alcança onde foi o Recorrente buscar o “facto” de que o Tribunal e defesa, na pessoa da Defensora Oficiosa, conhecia os factos pelos quais o Recorrido se encontrava em prisão preventiva e, atualmente, a cumprir pena efetiva, aquando da realização do acordo relativo ao Exercício das Responsabilidades Parentais.
l)- Na verdade, tais supostos factos, totalmente inexistentes na
matéria dada como provada, mais não são do que a invocação de novos factos e meras conclusões e interpretações do Recorrente.
m)- O Recorrente ao longo das suas alegações tira ilações, que repete bastas vezes, esquecendo que, em sede de reapreciação da prova o que terá que ser sindicado é a decisão (do Douto Tribunal a quo) sobre os pontos da matéria de facto, face à prova produzida e não o que foi alegado pela ora Recorrida na petição inicial, e muito menos o que o Recorrente entende agora alegar ex novo no recurso.
n)- Não tendo o recorrente indicado os concretos pontos da matéria de facto dos quais discorda, não deu cumprimento ao art. 640º, nº1, al. a) do CPC.
o)- Falha também o Recorrente na indicação os concretos meios
probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida.
p)- Encontra-se demonstrado, na parte que respeita à impugnação da matéria de facto, não foi dado cumprimento aos requisitos legais, cumpre agora apreciar qual a consequência correspondente.
q)- A este propósito, o art. 640º, nº 1, CPC, é muito explícito quanto à obrigatoriedade do preenchimento cumulativo dos requisitos previstos nas suas alíneas a) a c). Por seu turno, quer o nº 1 quer o nº 2 do mesmo preceito legal, atribuiu como sanção para o não preenchimento desses requisitos a rejeição do recurso, pelo que deverá ser esse o destino dos Capítulos I e V da motivação das doutas Alegações e correspondentes números das conclusões.
r)- O Recorrente só agora, em sede de recurso, vem alegar não ter desenhado numa carta remetida à Recorrida, constante do Apenso A. a fls. 151 e 151v., o desenho de um caixão.
s)- O Recorrente alega um “facto” novo, tratando a presente peça processual como de uma mera contestação se tratasse.
t)- O Recorrente discorda que os menores tivessem ficado destabilizados depois das visitas ao Estabelecimento Prisional.
u)- As declarações da progenitora corroboradas pela informação prestada pelo menor, a não oposição do então Requerido, foram consideradas pelo Douto Tribunal a quo, como credíveis e verdadeiras abstendo-se de solicitar qualquer outro meio de prova.
v)- O Recorrido vem agora, em sede de recurso, alegar que não remeteu uma carta endereçada à menor SS Berenguer, constante a Fls. 152, na qual se pode ler:
“ (…) se precisares de alguma coisa, quando eu estiver em Angola, não hesites em ligar (..). Nunca te esqueças das minhas palavras nem das minhas brincadeiras. Fenistil”. Seguida do desenho de uma cara sorridente soltando gargalhadas.
w)- Ora, o Recorrente encontra-se a cumprir pena efectiva de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de crianças e, ainda, pela prática de um crime de actos sexuais com adolescente, cometidos na pessoa de SS Berenguer.
x)- Não solicitou perícia à letra e assinatura, bem sabendo que a mesma foi escrita e assinada pelo seu próprio punho.
y)- Só agora, em sede de recurso, alega não ter remetido a mesma à menor, o que é um “facto” novo e como tal não deve ser considerado.
z)- Em face do tudo quanto alegado, deve ser decretada a total improcedência da Apelação e confirmar-se a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.

Respondeu o MP, concluindo:
1.º– (…)
2.º– O Recorrente está em cumprimento de pena de prisão.
Conta várias condenações de jurisdição criminal. Entre estas, para o que o que ao caso mais diretamente importa, conta condenação por maus-tratos à mãe dos menores e por abuso sexual contra a irmã uterina mais velha destes últimos.
3.º– No dia 23.1.2014 foi homologado acordo segundo o qual os menores visitariam o pai no Estabelecimento Prisional onde está recluso, conduzidos ao local pela respetiva mãe — fls. 20 do processo principal.
No dia 19.1.2015 a progenitora dos menores juntou ao processo uma carta remetida pelo Recorrente a partir do Estabelecimento Prisional à filha menor AK, carta a qual consta de fls. 150-151 deste presente volume e em cujo verso vemos um desenho com um esqueleto, uma campa e uma lápide que, consoante a mãe dos menores explica a fls. 216, n.º 6, do Apenso B, tem o significado de ameaça de morte dirigida à sua pessoa.
No dia 26.3.2015 a mãe dos menores juntou ao processo a carta constante de fls. 152 deste presente apenso. Trata-se de texto dirigido à sua filha mais velha (a enteada contra a qual, desde os 8 aos 14 anos, o Recorrente praticou os atos de coito anal e vaginal por razão dos quais está preso). Nela encontramos passagens que o Ministério Público na comarca interpreta como proposta para, quando o Recorrente retomar a liberdade, repetirem os ditos atos.
4.º– No dia 26.3.2015, na Conferência cuja acta consta de fls. 82 e ss. do Apenso A, confrontado com a junção da carta recebida pela enteada, o Recorrente confirmou expressamente que a redigira e que a enviara.
Quanto à carta com o desenho, não negou tê-lo desenhado e remetido.
5.º– A carta com o desenho foi remetida da cadeia à filha menor AK; ou seja, com instrumentalização da possibilidade dos contactos paterno-filiais a partir do Estabelecimento Prisional para atingir a mãe dos filhos — ofendida por crime de maus-tratos pelo qual o mesmo fora também condenado.
6.º– Os menores — mormente a filha AK, de 15 anos de idade — declaram pretender não visitar o progenitor na cadeia.

7.º– Estão demonstrados incumprimentos, por ambos os progenitores, de deveres decorrentes da regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos:
• No Apenso A está verificado, e acumula-se, o incumprimento pelo Recorrente do dever de alimentos a favor dos filhos, e:
• No Apenso B foi confessado o incumprimento pela mãe dos menores do dever de conduzir os filhos à visita paterna no Estabelecimento Prisional.
8.º– De acordo com o disposto no art.º 42.º n.º 1 R.G.P.T.C. e no art.º 988.º C.P.C., cabe alterar uma R.E.R.P. quando a decisão em vigor não seja cumprida por ambos os pais e / ou quando circunstâncias ocorridas posteriormente à primeira decisão o tornem necessário.

No presente caso verifica-se cumulativamente o incumprimento da regulação anterior por ambos os progenitores e a superveniência de circunstâncias relevantes, mormente as seguintes:
• Ameaças dirigidas pelo Recorrente contra a mãe dos filhos a quem incumbe conduzir os menores à visita em ambiente prisional;
• Abordagem à irmã uterina dos menores, vítima de atos de abuso sexual protagonizados durante cerca de 6 anos, com proposta de retoma de tais atos, e:
• Recusa dos menores, mormente da filha mais velha, em visitarem o pai na cadeia.
Parecem assim reunidas as condições legais para que o Tribunal possa rever o regime de responsabilidades parentais anteriormente em vigor.

9.º– O Relatório Social elaborado pela D.G.R.S.P. no âmbito do processo criminal à ordem do qual o Recorrente está privado de liberdade (fls. 56 deste Apenso C) avalia-o tecnicamente do seguinte modo:
• Como pessoa instável, instabilidade essa com reflexos laborais e emocionais que contribuem para a prática dos consecutivos atos penalmente proibidos que lhe são conhecidos;
• Está em território nacional em regime de clandestinidade administrativa, tem dificuldade de estabilizar em termos laborais e tem registos de etilismo e de contactos com o sistema de justiça;
• Na cadeia está procurando adquirir competências pessoais e adere a apoios técnicos que poderão atenuar a reincidência e facilitar a reintegração social.

10.º– Neste conjunto de circunstâncias, o Ministério Público na 1.ª instância manifesta-se no sentido de que o caso não reúne condições para que se mantenha em vigor o regime inicialmente fixado, de visitas dos menores ao progenitor no Estabelecimento Prisional.
Diferentemente, avistamos razões para concordar com o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que o interesse dos filhos orienta-se no sentido da interrupção desses contactos.
              
Foram dispensados os vistos nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC.

II.–Direito.
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
1ª– saber se o regime de visitas instituído só podia ter sido revisto, como o foi, no sentido da sua supressão, desde que tivessem ocorrido factos supervenientes e desde que não existisse acordo das partes.
2ª– reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, no sentido de se darem como não provados os factos constantes dos pontos 8 (quanto ao conteúdo da carta eventualmente remetida), e dos pontos 25 e 34.
3ª– saber se perante as declarações contraditórias do ora recorrente e da ora recorrida, o tribunal devia ter ordenado a realização de perícia médico-legal para averiguar as competências parentais do ora recorrente, bem assim como para averiguar se qualquer contacto entre pai e filhos seria prejudicial, ou até mesmo para averiguar se aquilo que os menores verbalizaram não lhes foi induzido ainda que de forma inconsciente.
4ª– saber se a reposição do regime de visitas é a solução que melhor respeita o superior interesse dos menores.

III.–Matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido é a seguinte:
“Encontram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1.- AK nasceu a 29 de Maio de 2002:
2.- NS nasceu a 7 de Janeiro de 2007;
3.- Sendo ambos filhos da Requerente e do Requerido.
4.- Por sentença transitada em julgado, proferida a 23 de Janeiro de 2014 nos autos principais de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, foi homologado o acordo de exercício das responsabilidades parentais dos menores, nos termos do qual os menores ficaram a residir com a mãe, exercendo a mesma as responsabilidades parentais;
5.– Tendo sido estipulado, quanto ao regime de visitas, que o progenitor, enquanto estiver em situação de reclusão, estará com os menores uma vez por mês, devendo a progenitora levar os menores ao estabelecimento prisional, a fim de as visitas ocorrerem (cláusula 2.);
6.– E que: “Após a saída do progenitor da situação de reclusão, o mesmo estará com os menores quinzenalmente aos fins-de-semana, indo buscá-los à sexta-feira ao final do dia a casa da progenitora e entrega-os no mesmo local no final do dia de Domingo” (cláusula 3).
7.– Mais ficou estipulado (cláusulas 4. a 6.) que: nas férias escolares o progenitor passará 15 dias de férias com os menores, em período a combinar com a progenitora; a época de Natal e passagem de ano, seria passada alternadamente com cada um dos progenitores; no dia de aniversário dos menores, os mesmos tomarão uma refeição principal com cada um dos progenitores.
8.– No Incumprimento do apenso “A”, onde a progenitora tinha vindo pedir o pagamento da pensão de alimentos e onde se fez intervir o FGADM, o progenitor levantou a questão do incumprimento das visitas, a fls. 53, tendo a progenitora respondido invocando mau comportamento do progenitor dentro da cadeia, e que tinha ela própria sido ameaçada através de um desenho que o requerido entregou à filha AK, com o teor de fls. 151 e 151v., que aqui se dá por integralmente reproduzido.
9.– Em 26.3.2015, teve lugar uma conferência efectuada nesse apenso, tendo os menores declarado “que não pretendem mais ir ver o pai porque ele manda cartas a ameaçar a mãe” e que “cada vez que vão à Carregueira, o pai diz-lhes que já espancou lá uma pessoa e que iria acontecer o mesmo à família da mãe”.
10.– A partir de 26.3.2015, os menores deixaram de visitar o requerido no Estabelecimento Prisional.
11.– Em 26.11.2015, o progenitor instaurou incumprimento do regime de visitas contra a progenitora, tramitado sob o apenso “B”, onde pediu que as visitas no EP fossem cumpridas nos termos consagrados no regime de regulação das responsabilidades parentais;
12.– Em 16.05.2016, foram ouvidas as crianças AKe NS Manuel no âmbito do referido Incumprimento, após o que foi proferido despacho, ao abrigo do art. 28.º do RGPTC, com o seguinte teor: “As crianças visitarão o progenitor no dia 25 de Junho (sábado) entre as 15h até às 16h, devendo para o efeito a progenitora deslocar as crianças ao EP”.
13.– Na diligência realizada em 16.5.2016 no referido apenso “B”, o tribunal teve conhecimento de alegadas condenações do progenitor por crimes sexuais contra uma irmã uterina ainda menor dos seus filhos, com quem vivia desde os 6 meses de idade da criança, e também de violência doméstica contra a mãe, tendo sido solicitadas certidões das respectivas decisões e relatório à DGRSP sobre o comportamento prisional do progenitor.
14.– Em 11.7.2016, realizou-se nova conferência de pais no âmbito do referido Incumprimento do apenso “B”, precedida da audição da menor AK;
15.– A menor reiterou a sua oposição às visitas, invocando violência por parte do pai, ameaças à mãe e a violação da irmã uterina.
16.– Por despacho proferido em acta dessa conferência, foi suspenso cautelarmente o regime de visitas dos menores ao progenitor.
17.– Do referido despacho foi interposto recurso pelo progenitor, admitido como apelação a subir com a decisão final, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
18.– Por decisão proferida em 10.04.2014, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Loures, transitada em julgado em 27.8.2014, no processo n.º 484/13PBLRS, o progenitor foi condenado em seis anos e seis meses de prisão, pela prática, entre 2006 e 2009, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 177.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, e dois anos de prisão, pela prática, entre 2010 e 2011, de um crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelos arts. 173.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;
19.– Tais crimes foram cometidos na pessoa de SS, filha mais velha da requerente e com ele residente desde os 6 meses de vida, a partir dos 8 anos de idade da criança.
20.– O progenitor já tinha sido condenado pelo crime de maus-tratos na pessoa da progenitora (hoje violência doméstica), por factos continuados praticados quando viviam juntos entre 2001 e 2005, em pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução, no âmbito do processo n.º 3894/08.8TALRS, do então 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Loures.
21.– Nesse processo, foi dado como provado que, na sequência desses actos contra si praticados, a progenitora ficou com sequelas permanentes num dos ouvidos, que a obrigou a fazer transplante de um tímpano;
22.– E que é uma mulher que tem pânico do progenitor dos seus filhos, tendo nesses autos ficado provado que o então seu companheiro a ameaçou de morte, com agressões quase diárias “com murros, chapadas e pontapés por todo o corpo”, para além de agressões verbais.
23.– Em 30.06.2016, o Supremo Tribunal de Justiça apreciou o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao requerido e determinou que fosse aplicada ao progenitor das crianças as penas únicas, a cumprir sucessivamente, de 2 anos de prisão e 120 dias de multa e ainda de 7 anos e 6 meses de prisão (Proc. 484/13.7PBLRS), penas que se encontra a cumprir.
24.– De acordo com a avaliação das Téc. do DGRSP que acompanham a situação
do preso, o pai das crianças é "descrito como um indivíduo manipulador, com dificuldade em controlar os impulsos e agressividade dentro e fora do núcleo familiar e detentor de hábitos de consumo excessivo de álcool”.
25.–Depois das visitas que chegaram a ser efectuadas ao pai no Estabelecimento Prisional, as crianças ficaram destabilizadas;
26.–Tendo a progenitora sido chamada à escola por mau comportamento do NS, tendo a criança reprovado o ano escolar de 2015/2016.
27.–AK nunca gostou de visitar o pai no Estabelecimento Prisional e sempre se sentiu assustada quando ali se deslocava, por ver muitos presos;
28.–A menor apenas efectuava as visitas ao pai no Estabelecimento Prisional por a tal ser obrigada pela mãe.
29.–A menor recorda-se de, quando o pai estava em casa, lhe ter batido várias vezes e não a deixar usar saias;
30.–AK não sente falta de estar com o pai e verbaliza não ter saudades do mesmo;
31.–E sente tristeza por ter percebido que a irmã SS foi vítima de abusos sexuais por parte do requerido, que lhe foram descritos pela própria irmã.
32.–Actualmente, AK recusa-se a entrar no Estabelecimento Prisional para visitar o pai.
33.–O menor NS demonstra perturbação por se recordar de o pai lhe ter batido uma vez com um cinto e por ter visto o pai a bater na irmã.

34.O requerido remeteu à irmã dos menores, SS, ofendida no processo-crime supra mencionado, a partir do Estabelecimento Prisional onde cumpre pena, uma carta, fotocopiada a fls. 152, onde se pode ler:
“(…) se precisares de alguma coisa, quando eu estiver em Angola, não hesites de ligar (…). Nunca te esqueças das minhas palavras nem das minhas brincadeiras.
Fenistil.”,
Seguida do desenho de uma cara sorridente soltando gargalhadas.

35.–O requerido remeteu aos menores AKe NS, a partir do Estabelecimento Prisional onde cumpre pena, as cartas, fotocopiadas a fls. 5 a 13 do apenso “B”, cujo teor se dá por reproduzido para os devidos efeitos.

36.–Para além das já referidas em 18. e 20., o requerido sofreu ainda as seguintes condenações:
– pena de 300 dias de multa, pela prática, em 25.5.2013, de um crime de falsificação e documentos, p. e p. pelo art. 199.º da Lei n.º 1/2001, de 14-08, no âmbito do proc. 4736/13.8TALRS;
- pena de 80 dias de multa e proibição acessória de conduzir veículos motorizados, pela prática, em 9.2.2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 199.º da Lei n.º 1/2001, de 14-08, no âmbito do proc. 4736/13.8TALRS do 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures;
- pena de 90 dias de multa e proibição acessória de conduzir veículos motorizados, pela prática, em 30.10.2010, de dois crimes de ofensas à integridade física grave qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.ºs 1 e 2 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, com referência ao 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, e um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 69.º, n.º 1, al. c9 e 348.º, n.º 1, al. a), ambos do C.P. e 152.º, do Código da Estrada, no proc. 1329/10.5PGLRS do 2.º Juízo Criminal de Loures;  

37.–A progenitora dos menores não tem antecedentes criminais.
*

Factos não provados:
Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa, designadamente
que:
a)- era o Requerido quem cuidava os filhos antes de se encontrar em reclusão;
b)- em momento algum o Requerido bateu ou deu chapadas aos filhos;
c)- o Requerido nunca falou aos filhos da sua vida prisional ou de desacatos com outros reclusos.
*

Motivação:

Os factos tidos como provados resultaram da consulta dos autos principais e seus apensos, designadamente, face ao teor das certidões de assentos de nascimento dos menores, sentença homologatória do acordo de responsabilidades parentais e despachos de fixação de regime provisório de convívios e de suspensão de visitas, conjugados com o teor dos documentos juntos por cópia a fls. 150 a 152 dos presentes autos, bem como das certidões extraídas dos processos-crime mencionados nos n.ºs 18, 20 e 36 dos factos provados, as quais foram juntas a fls.59 a 149, e, ainda, com a análise do teor do relatório da DGRSP junto por cópia a fls. 56 a 58 e teor dos certificados de registo criminal de fls. 48 e 157 a 163, respectivamente.
De extrema relevância foram, ainda, as declarações prestadas pelos menores quando ouvidos em Tribunal, em 26.3.2015, no âmbito do apenso “A”, 16.5.2016 e 11.7.2016, no âmbito do apenso “B”, e, por último, em 14.9.2017, no âmbito dos presentes autos, conforme gravações efectuadas e actas de fls. 82/83 do apenso “A”.
Tais declarações foram prestadas de forma espontânea, viva e emocionada pelas crianças, tendo o menor NS chegado a chorar ao relembrar o comportamento que o pai mantinha para consigo quando estava em casa e a menor AK evidenciado forte comoção e resistência quanto a eventual nova visita ao pai no E.P., relatando, de forma dolorosa, as anteriores deslocações àquele local e não aceitando realizar visitas ao pai naquele contexto. Também a progenitora dos menores, quando ouvida pelo Tribunal, em 14.9.2017, mencionou as alterações de comportamento dos filhos associadas à prisão do pai e visita ao mesmo no E.P. e reconheceu que os mesmos estão mais calmos desde que deixaram de acontecer tais visitas, tendo o seu depoimento sido prestado de forma calma e sincera, não nos suscitando dúvidas quanto à sua credibilidade.
*

Quanto aos factos não provados, o referido sob a al. a) ficou a dever-se à ausência de prova testemunhal ou outra que permitisse ter a sua ocorrência como demonstrada, sendo que, relativamente aos mencionados sob as alíneas b) e c), o depoimento dos menores foi em sentido contrário, tendo sido valorado como credível pelo tribunal”.

IV.–Apreciação.

1ª Questão:        
Esgrime o recorrente que nos termos do artigo 42º do RGPTC, as decisões proferidas no âmbito dos processos de alteração das responsabilidades parentais, só podem ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes, e desde que não exista acordo das partes.
De facto, nos termos do nº 1 de tal preceito, “(…) Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, (…) ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”.

Deste modo, o que interessa saber no caso dos autos, posto que provada está a reciprocidade de incumprimentos (apensos A e B) de ambos os progenitores, é se ocorreram ou não circunstâncias supervenientes que sustentem a necessidade de alteração do regime fixado, neste caso, quanto à visita mensal dos filhos ao pai no estabelecimento prisional, e quanto a dever ser a mãe a levá-los a esse estabelecimento, e ainda quanto ao regime estabelecido para após a libertação do pai, em que este passará fins-de-semana de quinze em quinze dias com os filhos, e ainda para a época de férias, Natal, passagem de ano, e para a ocasião dos aniversários, tudo como melhor resulta das cláusulas 2ª a 6ª do regime anteriormente fixado.
              
Uma primeira observação se impõe desde já:
Aparentemente, no que toca a tudo o que extravasa o regime estabelecido para a pendência da reclusão, a decisão tomada é precipitada.
Se a reclusão continua, nada se sabe sobre o que se passará após a cessação da reclusão, a qual aliás, em vista das penas aplicadas ao recorrente, não ocorrerá tão cedo.
Nada se sabe sobre quais serão as condições quer do recorrente, quer dos próprios menores, visto o tempo que há-de ainda decorrer. Não se sabe, designadamente, se os progressos do recorrente, ao nível da aquisição de competências escolares e laborais, acompanhamento psiquiátrico e eventual ingresso em programa técnico para agressores sexuais, a que se candidatou, não limitarão consideravelmente as tendências manipuladoras e a dificuldade de contenção da agressividade; não se sabe se um acréscimo de maturidade por parte dos menores não lhes tornará mais simples, ou mais aceitável, perceber ou relativizar os eventos traumáticos do seu agregado familiar, os seus próprios, e a compreensão do outro.
Deste modo, se essa parte do regime nem sequer chegou a entrar em vigor, não haveria, seguramente, nada que pudesse produzir a sua revogação antecipada.
Mas o recorrente, sobre isto, em específico, nada diz.
E a utilidade duma revogação antecipada da totalidade do regime de visitas instituído, só pode encontrar-se num tamponamento, a partir dos factos que possam sustentar a revogação do regime de visitas em vigor na pendência da reclusão, da possibilidade de o recorrente, imediatamente após a sua libertação, exigir o regime de visitas em fim-de-semana quinzenal, com pernoitas, e identicamente em férias.
A revogação total do regime de visitas significará afinal que o recorrente, uma vez em liberdade, terá de promover junto do tribunal a fixação de novo regime de visitas, obrigando e possibilitando a este, na ausência de acordo da recorrida, o controlo das condições não só de vida económica como sobretudo das condições psicológicas subjacentes às competências de correcto exercício parental por ocasião de contactos mais prolongados e sem controlo de terceiros. 
Por isso, relativamente a esse tempo futuro, e considerando a utilidade preventiva mencionada, nada, autonomamente – isto é, exclusivamente pela razão da referida aparente precipitação – vamos alterar.

Isto posto, vejamos se há circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração do regime, desde logo do regime em actualidade, ou seja, da questão das visitas no estabelecimento prisional.
              
Dois aspectos há a considerar:
Por um lado, o recorrente queixa-se de que a explicação maior para a revogação do regime de visitas é a impressão – falamos por palavras nossas – que o tribunal sentiu quando foi confrontado com o certificado de registo criminal do recorrente, que sendo um aspecto negativo, não é motivo de orgulho para o recorrente. 
Mas a verdade é que a ora recorrida, conhecedora, à data do acordo de responsabilidades parentais, em 23.1.2014, não só de que o ora recorrente já estava detido (preventivamente) como da razão por que estava detido, como ainda de que os factos de que era acusado e pelos quais veio a ser condenado, haviam decorrido entre 2006 e 2012 (e os factos relativos à própria violência doméstica sobre a recorrida se reportavam a 2001 a 2005), nada disso a impediu de chegar a acordo no sentido tanto de levar os menores às visitas mensais ao estabelecimento prisional, como no sentido destas mesmas visitas, como no sentido até do futuro regime de visitas já com o recorrente em liberdade.
Por isso, reconhecendo os sentimentos negativos que a recorrida possa justificadamente ter para consigo, o recorrente apenas encontra como justificação para o pedido de alteração do regime de visitas, uma retaliação ao incumprimento que ele próprio imputou à recorrida, e substancialmente, o facto da recorrida ter refeito vida com outra pessoa. Ora, isto é não é – porque nada tem a ver com os menores – uma alteração de circunstância superveniente.

Num segundo aspecto, invocando a passagem, feita pela recorrida, dos seus próprios sentimentos, aos menores, não é, ou pelo menos não é, objectivamente, na atitude destes, na própria pessoa destes, que se pode encontrar a circunstância superveniente de alteração, pelo menos numa primeira vista e sem recorrer à certificação objectiva que uma perícia médico-legal poderia trazer aos autos. 

Ora bem, no que toca ao primeiro aspecto, não há nos autos comprovação de que a recorrida, à data de Janeiro de 2014 soubesse em rigor de toda a extensão de comportamentos do recorrente que vieram a ser alvo de condenação. Evidentemente sabia da violência de que tinha sido ela própria alvo, mas não está provado que soubesse da extensão, duração e repetição dos crimes cometidos contra a sua filha mais velha. Por outro lado, embora possa parecer estranho que a mesma recorrida tenha levado os filhos ao estabelecimento prisional por cerca de um ano e três meses (Janeiro de 2014 a Março de 2015), haverá que concatenar isto com a própria evolução que os menores possam ter tido, na sua própria vontade (ou crescimento da falta de vontade de verem o pai, sobretudo em ambiente de reclusão), ou seja, não podemos retirar do cumprimento da obrigação, por parte da recorrida, e do seu fim, a conclusão de que tal incumprimento só se deve à mesma ter refeito a sua vida.

Quanto ao segundo aspecto, o tribunal recorrido, ponderando essencialmente a audição dos próprios menores, e credibilizando-a, entendeu, e a nosso ver bem, que os menores apresentavam vontade livremente formada, por si mesmos, no sentido de não quererem ver o pai, em função do que o tribunal veio a entender que a perícia médico-legal não era necessária.

E, ao menos neste aspecto, podemos ver decisivamente uma circunstância que se altera após a fixação do regime de visitas em Janeiro de 2014: - é que os menores, à medida que foram crescendo, começaram a não querer visitar o pai. AK porque lhe fazia particular impressão ir a um sítio com tantos reclusos, e ambos porque a lembrança que tinham do pai era afinal a da violência que este tinha imposto à sua mãe, a si mesmos, e sobretudo no caso de AK, o conhecimento da violência imposta à sua irmã SS. Note-se que, no caso de NS, a lembrança pode ser construída e não directa, mas em todo o caso as fontes dessa construção (que tanto podem ser a mãe, como as duas irmãs), ou melhor, da construção do trauma familiar, podem ser suficientemente plurais e fortes ao ponto de originar uma imagem que o menor, por si mesmo, perante ela, totalmente rejeita.

Mas o facto, puro e simples, da mudança, da superveniência, encontra-se a nosso ver na atitude que os menores revelam, nas suas audições, no sentido de não quererem visitar o pai.

Entende-se assim que improcede esta primeira questão, havendo incumprimento recíproco e circunstância alterada, em superveniência, que autorizavam a alteração do regime de visitas nos termos do artigo 42º do RGPTC.  

2ª–Questão:
Não se conforma o recorrente com ter-se dado como provado o constante do facto nº 8 (quanto ao conteúdo da carta eventualmente remetida) e dos factos nº 25 e 34.
Argumenta, em síntese, que não admitiu ter desenhado a campa na carta de fls. 151 e 151 v. dos autos, que em consequência de ter tomado conhecimento desse desenho, as cartas entre si e os menores passaram a ser remetidas para o escritório da sua patrona para serem fotocopiadas, e desde então não apresentou a recorrida mais cartas e que as cartas constantes de fls. 5 a 13 do apenso B nada têm a ver com o conteúdo da carta de fls. 151 e 151º v. Conclui que não pode ser dado como provado o conteúdo da carta, no que se refere ao desenho da campa.

Quanto ao facto 25 “Depois das visitas que chegaram a ser efectuadas ao pai no Estabelecimento Prisional, as crianças ficaram destabilizadas”, o recorrente refere que o tribunal se baseia apenas nas declarações da recorrida, e que, ainda que se possa vir fundamentar o facto com o facto do menor NS ter reprovado, não se encontra nos autos documentação quanto à evolução do seu percurso escolar.

Quanto ao facto 34 “O requerido remeteu à irmã dos menores, SS Berenguer, ofendida no processo-crime supra mencionado, a partir do Estabelecimento Prisional onde cumpre pena, uma carta, fotocopiada a fls. 152, onde se pode ler:
“(…) se precisares de alguma coisa, quando eu estiver em Angola, não hesites de ligar (…). Nunca te esqueças das minhas palavras nem das minhas brincadeiras.
Fenistil.”, o recorrente argumenta que nunca admitiu ter enviado tal carta e que nunca podia por isso ser considerado provado o facto sem que tivesse sido feita uma perícia à carta.

Nas suas contra-alegações a recorrida suscita a questão do incumprimento dos ónus previstos no artigo 640º do CPC, mas tais contra-alegações reportam-se à versão inicial do recurso, antes da resposta ao convite do tribunal para o seu aperfeiçoamento, sendo certo que nas conclusões de recurso transcritas supra se entende qual a matéria a alterar, o porquê dessa alteração e qual o sentido da nova decisão, pelo que se consideram minimamente cumpridos tais ónus.

Vejamos:
Quanto ao facto nº 8 e no que diz respeito ao desenho constante da carta, a mera observação do mesmo revela um desenho duma campa, em cuja lápide se encontram diversos dizeres, sendo que a comparação, a olho nu, da letra de tais dizeres com a letra constante da parte escrita da carta imediatamente antecedente faz concluir, sem grande dificuldade, que a letra é a mesma, e que por isso não é crível que o desenho tenha sido feito por outrem que não o recorrente. Aliás, os dizeres da lápide são ilustração do próprio desenho, e neles se lê: “Aqui jaz Cemitério da Silva, Eterna Saudade de sua esposa Manteiga Flora, sua Amante Carcaça, seus filhos Doxes, seus netos Doxinhos e sua sogra Margarina. Nasceu – 26-12-2014. Morreu – 30-12-2082”.
Não se vê pois razão para concluir que o desenho da campa, encimada a lápide por uma cruz, vendo-se na mesma o desenho dum homem, no lugar habitual da foto ou imagem do falecido, e vendo-se na superfície da campa desenhado um esqueleto, não tenha sido feito pelo recorrente.
Por outro lado, a verdade é que o facto referido no nº 8 não refere que o desenho em si seja uma ameaça do recorrente à recorrida, mas sim que esta invoca que o entendeu como tal. E portanto, o tribunal fica livre, a partir do facto provado nº 8, que reproduz a carta e desenho, de formular o entendimento que melhor lhe aprouver sobre a relevância do desenho, designadamente sobre a sua não relevância enquanto ameaça – doutro modo o tribunal teria dado como provado que o recorrente havia ameaçado, por desenho, a recorrida, o que não fez – tanto assim que o texto que antecede o desenho, dirigido à filha AK, de todo não revela qualquer tipo de ameaça.
Não se altera pois o facto.

Quanto ao facto nº 25, se é verdade que não há prova da evolução escolar do NS, basta ouvir as declarações dos menores neste mesmo apenso C, tanto de AK, que revela bem quanto se sentia perturbada pelas visitas ao estabelecimento prisional – sendo de resto que o recorrente não impugna o que consta dos factos provados 27 a 32 – como basta ouvir as declarações de NS, o seu choro e aflição, ainda que não se lembre das visitas e ainda que no que toca à vivência da família com o pai o seu conhecimento possa ser indirecto. A verdade é que, mesmo indirecto, o trauma que a família viveu é motivo de grande aflição para o menor. Nem que a sua posição ou aflição venha do que suponha ser o seu modo de defender a mãe – porque neste caso não há dúvida, para o tribunal, nem para o recorrente, que este foi condenado por violência doméstica contra aquela, praticada em diversas ocasiões e com grande violência, como consta dos factos provados na respectiva decisão judicial.
Ou seja, não é imperioso saber a evolução escolar do NS – sabe-se e não está impugnado que reprovou – nem estabelecer a ligação desta reprovação às visitas (das quais o menor nem sequer se lembra), para aceitar que os menores ficavam desestabilizados após as visitas. AK é claríssima sobre o quanto lhe custavam as visitas e é absolutamente clara sobre não querer realizá-las e sobre não ter saudades do pai (até porque AK sabe do abuso sexual que o recorrente praticou na sua irmã mais velha). Em bom rigor, de facto, o recorrente não diz que a AK não ficasse desestabilizada, mas sim que não há prova que o NS ficasse. Ora, como ouvimos na sua audição neste apenso C, o menor mostrou-se (no que toca a toda a relação com o pai) absolutamente aflito e perturbado. Podemos assim concluir que também quanto a ele, as visitas ao estabelecimento prisional terão sido desestabilizadoras, ainda que com uma sensibilidade menos afinada atenta a sua pouca idade.
Não vemos pois que haja erro notório por parte do tribunal recorrido ao dar o facto nº 25 por provado.

Relativamente ao facto nº 34, afigura-se a este tribunal de recurso que melhor ficaria ao recorrente admitir que escrevera a carta à menor SS, tanto assim quanto nos presentes autos a carta a AK se encontra a fls. 151 e 151 vº e a carta a SS a fls. 152, isto é, numa espécie de texto corrido realizado com a mesma caligrafia, ou seja, quem leia ambas as cartas fica absolutamente convencido que foram escritas pela mesma pessoa. Admitindo o recorrente que escreveu a carta à filha AK, bem poderia, pois, admitir também que escreveu a carta à enteada SS.
Melhor lhe ficaria ainda admitir ter escrito a carta, na medida em que o fez nas primeiras alegações que apresentou neste processo – fls. 13 deste apenso C, nº 12 a 15, e designadamente “13. Salvo o devido respeito por opinião diversa, esta é a interpretação que a ora requerente faz destas palavras escritas na carta. 14. Que efectivamente não foram escritas com essa intenção. 15. Aliás, veja-se que desde os 6 meses de idade que a menor SS passou a residir com o ora requerido, e só quando esta tinha 8 anos de idade é que foram cometidos os factos pelos quais veio a ser condenado”. Ou seja, quererá o ora recorrente dizer que as brincadeiras que escreveu a SS para não se esquecer, não são os actos sexuais, mas brincadeiras anteriores à data do começo deles. 
Em todo o caso, a versão da mesma carta que o tribunal recorrido entendeu reproduzir, por não ressalvar a reprodução de todo o texto[3] e verdadeira imagem da carta, corre o risco[4] de ser apreciada sob um prisma que desconsidera o contexto geral, razão pela qual, oficiosamente, se altera o teor do facto provado nº 34 para:
“34.- O requerido remeteu à irmã dos menores, SS Berenguer, ofendida no processo-crime supra mencionado, a partir do Estabelecimento Prisional onde cumpre pena, uma carta, fotocopiada a fls. 152, que aqui se dá por integralmente reproduzida”.

3ª–Questão:
Na decisão ora sob recurso, o tribunal consignou: “Por considerar que os autos reúnem já os elementos necessários e suficientes à prolação de decisão conscienciosa quanto à matéria da causa, indefiro a realização de perícias médico-legais aos menores, por desnecessárias, e passo a proferir a seguinte decisão:”.

Nestes autos o ora recorrente requereu sucessivamente a realização de perícia médico-legal aos menores, e aos menores e aos progenitores, a partir da admissão de que a progenitora tenha sentimentos de angústia, insegurança, dor e tristeza, e que os tenha comunicado aos filhos, ainda que não intencionalmente, e que por isso os sentimentos que estes nutrem pelo pai sejam afinal os que lhes foram transmitidos pela progenitora.
Ora bem, comprovada a violência doméstica do recorrente para com a recorrida pela respectiva condenação criminal e factos provados dela constantes, consideramos, tal como o recorrente o faz, que é perfeitamente natural que a recorrida tenha os referidos sentimentos.
Deste modo, parece absolutamente claro que uma perícia médico-legal à recorrida não tem qualquer utilidade. Por outro lado, uma perícia às condições de parentalidade do recorrente é também, salvo o devido respeito, prematura e por isso inútil: até ao termo da situação de reclusão, tal parentalidade, no que passa por uma transmissão de afectos, exerce-se nos estritos limites da sua possibilidade, isto é, pelo tempo permitido de visitas, por cartas, por telefonemas ou mensagens ou comunicações electrónicas possíveis. Após a libertação do recorrente fará sentido sim, perante uma eventualidade de maior convívio, apurar das suas condições psicológicas, até porque, para bem ou para mal, todo o período de reclusão terá necessariamente efeitos psicológicos no recorrente.
E relativamente aos menores, justifica-se a perícia?
Com o devido respeito, relativamente à menor AK, pensamos que não. Ela tem, nesta data, quase 16 anos de idade. Da sua audição resulta já um razoável grau de maturidade. Por outro lado, o conhecimento de AK sobre o comportamento do pai relativamente à sua irmã uterina, resulta do que esta lhe contou, e não do que a mãe de ambas lhe tenha contado. E estamos, neste preciso domínio da intimidade sexual, num campo profundamente marcante, sobretudo para uma jovem, que, independentemente de nunca ter havido qualquer abuso do pai para consigo, pode sentir, pode irmanar-se, digamos, à vivência da ofendida. Deste modo, consideramos que há um fundamento pessoal de AK para os sentimentos que nutre pelo pai e pelas visitas ao mesmo, que tem uma justificação objectiva e razoável, normal, digamos, pelo que a perícia se não justifica.
Quanto ao menor NS, conforme já apontámos nas duas questões anteriores, a construção da imagem do pai e da família, em que intervém a operação de reconstrução duma memória, tem naturalmente mais a ver com o que é contado do que com o que foi apercebido de modo consciente (sem embargo do apercebimento inconsciente), na medida em que o menor era, até à data em que o pai foi detido, 2013, bastante pequeno (teria nesta data cerca de seis anos). Repare-se, por exemplo, que à data da violência doméstica (alvo de condenação – factos de 2001 a 2005) contra a mãe, não era sequer nascido (7.1.2007). Igualmente, quando se iniciou a agressão sexual à sua irmã mais velha (2006) não era também nascido, e à data de termo da mesma (Maio de 2013) também não teria condições para conscientemente dela se aperceber. O que é possível a NS é ter-se apercebido dum clima geral de violência (e inerente medo) que a agressividade dificilmente contida do progenitor (conforme resulta do relatório a este realizado e que acima deixámos transcrito em nota de rodapé) mais ainda propiciada pelo consumo excessivo de álcool, seguramente aportaria ao seio da vivência diária da família. Se NS se recorda exactamente do pai lhe bater com um cinto, ou se o afirma porque lho contaram, a verdade é que para NS essa agressão existiu e essa agressão, senão mesmo a pessoa do pai, ou melhor ainda, a violência inerente ao pai, é genuinamente aflitiva.
Por isso, em bom rigor, a questão não é saber se os sentimentos que NS expressa lhe foram transmitidos, para no fundo se aceder aos seus verdadeiros sentimentos, mas sim saber como ajudar NS a lidar com os sentimentos que expressa (que ainda que os seus verdadeiros sentimentos possam ser outros, esses expressos são também sentimentos que o afligem e por isso determinam a sua vontade), ou dito de outro modo, a questão não é a da utilidade duma perícia médico-legal com valência última, para o caso dos autos, em termos probatórios – reduzindo a prova às declarações contraditórias de ambos os pais, eliminando a relevância das declarações dos filhos, de modo a obter-se assim a não alteração de factualidade que venha a garantir o direito do pai às visitas, direito que de resto não pode ser assim perspectivado como absoluto – mas sim a da utilidade de NS, e de resto, da sua irmã, vir a ter, se possível e no âmbito de procedimentos outros que estes autos, acompanhamento psicológico.  
Entende-se assim, tal como o tribunal recorrido, que a partir das audições dos menores é possível concluir pela desnecessidade da realização de perícia médico-legal aos menores, sendo igualmente tal perícia desnecessária quanto aos progenitores.
Improcede pois esta questão.

4ª–Questão:
Sustenta o recorrente, e opõe-se-lhe a recorrida e o Ministério Público, que não devia ter sido revogado o regime de visitas, porquanto é importante na vida dos menores o estabelecimento e manutenção de laços afectivos com ambos os progenitores, não é relevante o desconforto da visita em estabelecimento prisional, não são os seus antecedentes criminais que devem ser entendidos como razão suficiente para impedir os contactos e que o tempo de reclusão ainda pendente, sem qualquer tipo de contacto, pode acabar por não permitir qualquer recuperação de afectos, sendo por isso necessário, no momento, um regime que permitisse a aproximação entre pai e filhos, ainda que apoiado ou auxiliado por técnicos “de forma que as desilusões e revoltas que os Menores possam sentir em relação ao pai, possam ser atenuadas, ainda que jamais esquecidas”.
Termina o recorrente por alegar “s) No fundo, o ora Recorrente apenas quer uma oportunidade para pedir desculpas aos filhos, pelos erros que cometeu no passado, e mostrar que neste momento é uma pessoa diferente e tentar ser o pai que os Menores merecem”. 
O Ministério Público, escudando-se além do mais no relatório feito ao recorrente – donde resulta a instabilidade com reflexos laborais e emocionais que contribuem para a prática dos consecutivos actos penalmente proibidos, a clandestinidade e o alcoolismo – invoca não estarem reunidas as condições para as visitas ao estabelecimento prisional.
                             
A sentença recorrida discorreu:
Vejamos, então, se corresponde ao interesse dos menores a alteração do regime de convívios com o progenitor nos termos peticionados.

O direito de visita é um direito-dever ou direito-função, um direito a ser exercido não no exclusivo interesse do seu titular mas, sobretudo, no interesse da criança. Logo, não é um direito de carácter absoluto, visto que está subordinado ao interesse da criança. Por isso, pode ser suspenso provisoriamente, ou mesmo limitado ou excluído, quando o seu exercício for incompatível com o bem-estar da criança.
O interesse da criança é um conceito vago e indeterminado, que deve ser interpretado e valorado em conexão com a garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem o desenvolvimento estável das crianças, à margem da tensão e dos conflitos que eventualmente oponham os progenitores.
O “superior interesse da criança” deve ser valorado no âmbito da concreta família em que a criança se insere, atendendo às características daqueles progenitores e ao circunstancialismo fáctico e vivencial experimentado pela situação familiar em apreço.
No caso sub judice, está sobejamente demonstrado na factualidade provada que o requerido se encontra a cumprir pena de prisão por crimes de natureza sexual que praticou na pessoa da enteada, SS, irmã uterina dos menores dos autos, AKe NS, e que este últimos se mostram perturbados com a situação de reclusão do pai, sabendo, pelo menos, a criança mais velha (AK), que a prisão do progenitor se deve a ter abusado sexualmente da irmã (porque esta própria lhe contou). Para além disso, ambos os menores recordam comportamentos violentos do pai para consigo e temem o comportamento do pai relativamente à mãe ou família materna.
Apesar de, na carta que o progenitor dos menores remeteu à Requerente, e que se encontra fotocopiada a fls. 151, a alusão a uma campa não poder ser entendida como ameaça de morte à Requerente, a referência ali inscrita a esse título é, no mínimo, mórbida, e demonstrativa de pensamentos perturbados por parte do progenitor. Acresce que este enviou à filha da Requerente (que foi ofendida no processo por crimes sexuais) uma missiva de tom jocoso e susceptível de ser interpretada como proposta de continuação da pática dos gravíssimos actos pelos quais está recluso, não evidenciando arrependimento pelos actos ilícitos cometidos. E não se pode esquecer que o Requerido também praticou maus-tratos na pessoa da mãe dos filhos, quando viveu com a mesma, sendo a traumatização vicariante um novo conceito que traduz a exposição à violência inter-parental. Ou seja, constitui uma forma de mau trato à criança (cf. “A exposição da criança à violência interparental”, Ana Isabel Sani e Diana Cardoso, in Revista Julgar, disponível para consulta na Julgar on line in http://julgar.pt/wpcontent/uploads/2014/07/A-EXPOSI%C3%87%C3%83O-DA-CRIAN%C3%87A-%C3%80-VIOL%C3%8ANCIA-INTERPARENTAL-Ana-Sani-e-Diana-Cardoso.tif.pdf).
A consideração da vontade da menor AK, que tem já 15 anos de
idade é, também, de atender, considerando o estado de desenvolvimento e amadurecimento em que se a menor se encontra, sendo desnecessária a realização de qualquer avaliação psicológica ou de outro índole pois não existem quaisquer indícios de que a menor tenha sido objecto de coacção moral e indução psicológica da mãe - o que, de resto, não seria comprovável através de perícia, mas, quando muito, mediante produção de prova testemunhal. Por outro lado, também o seu irmão NS, apesar de mais novo, manifesta grande desconforto em voltar a estar com o Requerido, não sendo aconselhável o estabelecimento de visitas separadas.
Conclui-se, pois, que a vontade dos menores em se recusarem a ver o pai foi livremente determinada e, por isso, tem de ser respeitada, podendo ser reavaliada a situação quando o progenitor se encontrar em liberdade (condicional ou definitiva), caso este pretenda, então, a estipulação de um regime de convívios com os filhos. De outro modo, a imposição de um regime de reaproximação ao progenitor, mesmo que auxiliado e apoiado pela presença de técnicos, acarretaria para os menores sentimentos de constrangimento e de intranquilidade, susceptíveis de causar danos no seu desenvolvimento e personalidade.
Estando nós face a um processo de jurisdição voluntária (art. 12.º do RGPTC.),
não nos encontramos sujeitos a critérios de legalidade estrita, antes se devendo adoptar, em cada caso, a solução que se julgue mais oportuna (art. 987.º do CPC). Assim, no caso, a situação que melhor se ajusta aos interesses dos menores NS e AKpassa pela eliminação das visitas/convívios com o pai – o que deverá ser decretado”.

Concorda-se que a carta com o desenho não pode ser interpretada como uma ameaça, e os seus integrais termos bem revelam o afecto que o ora recorrente nutre pelos filhos. O desenho da campa ou do esqueleto tem tanto de mórbido como de divertido, do mesmo modo se entendendo o conselho à filha AK para que bem alimente o cão, a fim de dar um belo petisco (palavras nossas). Que o recorrente experimente sentimentos de perturbação e que eles trespassem para as cartas é perfeitamente compatível com o seu quadro emocional. Salvo o devido respeito, a referência, na missiva enviada à filha da recorrida, das brincadeiras e o desenho duma cara a rir com a ilustração de gargalhadas não pode, dum ponto de vista da matéria de facto provada, ser interpretado como provocação ou convite à prática de novos actos sexuais após a libertação do recorrente nem como ausência de arrependimento. O teor de tal carta, entre texto e desenho, tem demasiadas possibilidades de interpretação, ao tribunal não cumprindo senão ignorar qualquer uma delas.

Em concreto, o que temos quanto ao recorrente, é tudo o que consta do seu certificado de registo criminal e do teor das decisões judiciais condenatórias e respectivos factos provados, nos quais se deve também considerar a parte relativa a motivação e circunstâncias pessoais do recorrente, e tudo isto é, sem dúvida, reportado a factos passados relativamente à data em que se coloca o problema de saber se o regime de visitas deve ou não ser revogado. Também temos, para a resolução da mesma questão, mas agora já com menos antiguidade, digamos, o relatório que foi feito sobre o recorrente, no qual, de par com a instabilidade emocional, da inicial agressividade para com outros reclusos, se nota a vontade e o empenho de inserção quer na aquisição de competências escolares, aliás com sucesso e assiduidade, quer na aquisição de competências laborais, quer finalmente na aquisição de modos de resolução ao nível psiquiátrico e comportamental, ou seja, no acompanhamento e medicação psiquiátrica e na candidatura a programa de intervenção especificamente destinado a agressores sexuais.

Depois, é absolutamente claro que no contexto de visitas a estabelecimento prisional, nenhum mal físico pode advir aos menores por banda do recorrente.

Depois, é ainda claro que a intervenção de técnicos especializados poderia facilitar o constrangimento dos menores por ocasião das visitas e agilizar ou diplomatizar o estabelecimento ou restabelecimento de um diálogo entre o pai e os filhos, do mesmo modo que poderia de pronto interromper qualquer tipo de comunicação do pai aos filhos em que se evidenciasse aparente ou subliminar violência psicológica.

Portanto, todos estes escolhos afastados, aquilo com que ficamos é a recusa dos filhos em visitarem o pai.

E é perante esta e perante o quadro que a justifica, que temos de perguntar se a continuação ou restabelecimento de visitas dos filhos ao pai serve ou não o superior interesse dos menores.

Não ignorando que é fundamental o convívio com ambos os progenitores, via de transmissão de diferentes personalidades e por isso de conhecimento da diversidade do mundo e da diversidade de abordagens, o que é fundamental também para se poder lidar ou responder com facilidade a toda essa diversidade que faz o mundo, não ignorando também que faz parte da aprendizagem, ou seja, da formação da personalidade de cada um, o conhecimento de que nem tudo é perfeito e a aceitação das imperfeições – e que ter um pai preso é um cenário longe de perfeito, mas é um cenário com o qual tem de se aprender a viver, que visitar alguém numa cadeia é constrangedor não só por quem se visita, mas pela presença arquitectónica de controlo e repressão e pela presença de guardas e de reclusos, a levantarem a ponta do véu sobre o mundo de comportamentos indevidos que ali levou os últimos – a questão de saber se AK deve voltar a visitar o pai no estabelecimento prisional tem, para nós, salvo o devido respeito e melhor opinião, e sem prejuízo, naturalmente, da reponderação que o caso possa ter tanto mais quanto a situação se alterar quando o progenitor for libertado, a resposta que passamos a tentar dar.

AK tem quase 16 anos, revela maturidade, e rejeita completamente a ideia de visitas ao pai, de quem não tem saudades e de quem recorda um tratamento violento e castrador, e de quem, veio a saber, foi afinal por longo tempo agressor sexual da sua irmã, a partir dos oito anos de idade desta. E de quem, sabe também, foi autor de repetida violência doméstica sobre a sua mãe.  

Ora, parece-nos, é fundamental que nesta altura da sua vida, com maior maturidade e consciência de si enquanto mulher, e consciência da posição das mulheres no mundo, Ana não seja confrontada com qualquer exercício de violência que possa ser sentida como violência contra as mulheres. Tal exercício provirá tanto da revisitação do pai – com a noção da razão pela qual está preso a surgir imediatamente como fonte de acesso ao mundo da violência contra as mulheres – como do próprio contexto de visita a estabelecimento prisional, como finalmente do próprio exercício autoritário duma decisão judicial.

Além disto, parece-nos, pela sua idade, Ana estará numa fase em que inicia a possibilidade de relacionamento amoroso e importará que possa acreditar, ou melhor, que possa confiar que há muitos padrões de homens, muitos padrões comportamentais, mas sobretudo, que o universo dos homens não se reconduz ao da extrema violência que levou seu pai à cadeia, e afastar a suspeita de que, mesmo debaixo do mais cândido dos homens, estará a possibilidade da mesma violência.

Se é assim verdade que temos de conhecer as diversas facetas do mundo, e que do seu conhecimento só pode resultar benefício para nós, a verdade é também que há um tempo (que corresponde ao da aquisição das possibilidades de entendimento crítico, de valoração da distância) de conhecimento de cada faceta do mundo. Na actual fase de AK parece-nos mais benéfico que a mesma não seja confrontada, renovadamente confrontada, com o lado violento das coisas.

Repare-se que o direito de visitas serve, mas não é só para isso que serve, para o progenitor pedir desculpa aos filhos ou lhes demonstrar o seu arrependimento, o que pode fazer por meios outros do que um olhar directamente nos olhos. É que, precisamente pelas múltiplas facetas constitutivas da vida e da personalidade, e enquanto esforço educativo/afectivo, além do arrependimento o que interessará aos menores perceber é que o seu pai cometeu erros, expia as penas que lhe foram impostas, e que o consegue fazer de modo responsável, mesmo com a dificuldade acrescida do contexto violento duma prisão, e mais do que isso que se consegue superar e sublimar, adoptando uma atitude positiva, pois se empenha na aquisição de competências para se estabilizar e se empenha em se tratar.

Como dissemos, em relação a AK, o que se passa é que a sua fase de crescimento actual desaconselha a revivescência da violência (em geral e contra as mulhres), e pensamos que dificilmente, no contexto de visitas mensais e de curta duração, se poderá aperceber – sequer terá o crescimento necessário para perceber – essa outra vantagem educativa que poderia provir dum pai que sucedesse a transmitir-lhe a mensagem de voluntária e esforçada sublimação de si próprio e do seu passado.

Já quanto ao menor NS, a sua capacidade de compreensão destes assuntos será ainda menor, pela sua idade, mas evidentemente não se lhe comunica, ao menos directamente, a vitimização por violência especificamente masculina contra feminina.

Só que, o conhecimento ou a imagem de violência que tem ou a comunicação destes, do pai contra a mãe e contra sua ou suas irmãs, enquanto figuras de referência, de apoio imprescindível, acaba por ser também uma actuação contra tal apoio e por isso uma ameaça de violência a si mesmo, do mesmo modo que desponta necessariamente sentimento de necessidade de defesa das referidas figuras femininas dum agressor masculino agora externo.

Portanto, levar NS à visita significa levá-lo ao confronto com esse (para si) agressor e por isso representa levá-lo à fonte da violência, ou seja, obrigá-lo a um confronto com a violência.

Por outro lado, isto mesmo prejudica uma adesão ou cumplicidade na masculinidade em relação ao pai, e a sua idade não lhe suscita ainda também uma espécie de compreensão física, interna, dessa mesma cumplicidade.

Assim, e porque concordamos com a decisão recorrida quando refere que, não havendo razão para obrigar AK a visitar o pai, NS também não o deverá fazer sozinho (precisamente porque se quebra um leque de defesa perante um agressor, ainda que não de si mesmos, AK e NS, mas das respectivas figuras femininas de referência) sob pena de a visita se revelar, para ele, ainda mais violenta.

A grande e eventual vantagem, para NS, no convívio com o pai – e é absolutamente claro que, outras figuras parentais masculinas à parte, a do pai é verdadeiramente a mais essencial na formação da personalidade dum rapaz – será a de mais tarde poder ele mesmo entender que o pai cometeu erros, os pagou, e ainda por cima, com grande dificuldade, voluntariamente se entregou à sua sublimação, à modificação de quanto em si estava mal, e se transformou a si mesmo, se o ora recorrente tanto o vier a conseguir. Tal será um exercício de grande humanidade dum pai que é talvez a melhor lição educativa a dar a um filho.

Mas o acesso de NS à compreensão disto mesmo, se acontecer, é, no seu actual estado de crescimento, ainda não possível.

Como dissemos, ideal seria se os menores pudessem receber acompanhamento psicológico para lidar com toda a situação, e se NS, em especial, pudesse ir sendo preparado para a eventualidade dessa lição, porém isso está fora do nosso alcance, limitado pelas questões que nos são postas para resolver.

Para já, e em termos muito práticos, entende-se que também NS não deve ser obrigado a visitar o pai no estabelecimento prisional.

Improcede assim o recurso.

Tendo nele decaído, é o recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

V.–Decisão.
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso interposto e em consequência confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique.



Lisboa, 19 de Abril de 2018



Eduardo Petersen Silva – (Processado por meios informáticos e revisto pelo relator)
Cristina Neves
Manuel Rodrigues


             
[1]A fundamentação indiciária e respectiva convicção do tribunal foi a seguinte:
“1. A Requerente e o Requerido são pais dos menores AK e NS, de 14 e 9 anos.
2. Por sentença de 23 de Janeiro de 2014, proferida nos autos de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, deste tribunal, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais dos menores, nos termos do qual os menores ficaram a residir com a mãe, exercendo a mesma as responsabilidades parentais, contudo, ficando estipulado quanto ao regime de visitas que o progenitor enquanto estiver em situação de reclusão estaria com os menores uma vez por mês, devendo a progenitora levar os menores ao estabelecimento prisional. Após a saída do progenitor da situação de reclusão, o mesmo estará com os menores quinzenalmente aos fins de semana, indo busca-los à sexta feira ao final do dia a casa da progenitora e entrega-los no mesmo local no final do dia de Domingo. Mais ficou estipulado que nas férias escolares o progenitor passará 15 dias de férias com os menores, em período a combinar com a progenitora. A época de Natal e passagem de ano, seria passada alternadamente com cada um dos progenitores. No dia de aniversário dos menores, os mesmos tomarão uma refeição principal com cada um dos progenitores.
3. Já no incumprimento do apenso A, onde a progenitora tinha vindo pedir o pagamento da pensão de alimentos, e onde se fez intervir o FGADM, tinha o progenitor levantado a questão do incumprimento das visitas a fls. 53, tendo a progenitora respondido invocando mau comportamento do progenitor dentro da cadeia, e que tinha ela própria sido ameaçada através de um desenho que o requerido entregou à Tatiana, uma carta com desenhos da sua uma campa e esqueleto e caveira, de acordo com o teor que consta a fls. 56 e 56 vs., que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Em declarações recolhidas às crianças na conferência efetuada nesse apenso A, em 26-3-2015, após estarem findos e apenas para proteger as crianças destes comportamentos documentados em 3, as mesmas declaram que o pai lhes tinha dito que tinha lá dentro espancado uma pessoa e que iria acontecer o mesmo à mãe dele (cfr. ata a fls. 82), tendo aí sido convidada a progenitora para intentar uma alteração do regime, pois naquele processo não era possível, sem ser por acordo, alterar o regime nos termos que queria.
5. A progenitora optou por simplesmente incumprir o regime, não mais levando os filhos ao EP, pelo que o progenitor deduziu em 26-11-2015 incidente de incumprimento, que constitui o apenso B, onde o progenitor pedia que as visitas no EP fossem cumpridas nos termos consagrados no regime de regulação das responsabilidades parentais – cfr. fls. 3 e ss. do apenso B.
6. Na diligência de 16-5-2016 – cfr. fls. 39-41 do apenso B -, o tribunal teve conhecimento alegadas condenações do progenitor por crimes sexuais contra uma irmã uterina ainda menor dos seus filhos, com quem vivia desde os 6 meses de idade da criança, e também de violência doméstica contra a mãe, e pediu-se certidões das respetivas decisões, e pediu-se também relatório à DGRSP sobre o comportamento prisional do progenitor (elementos juntos a fls. 57 e ss., e a fls. 88 e ss.).
7. Na diligência de 11-7-2016, foi novamente ouvida a Tatiana, que reiterou a sua oposição às visitas, invocado violência por parte do pai, ameaças à mãe, a violação da irmã uterina, etc. Ponderando todos esses elementos, foi aí, cautelarmente, decidido provisoriamente suspender as visitas das crianças ao pai no EP – cfr. fls. 70-71.
8. O progenitor foi condenado pelo crime de atos sexuais com adolescente agravado e crime de abuso sexual de crianças agravado cometido na pessoa de Suse Berenguer (coito anal), filha mais velha da requerente e com ele residente desde os 6 meses de vida, que tratava e sentia como sua filha fosse, tendo os crimes sido cometidos a partir do 8 anos de idade da criança, no espaço temporal de 2006 a 2011. Foi condenado nas penas de 6 anos e 6 meses e de 2 anos de prisão – cfr. acórdão de 10-4-2014, processo n.º 484/13PBLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Poures, e que transitou em 18-7-2016 – cfr. fls. 117 e ss.
9. O progenitor havia já sido condenado pelo crime de maus-tratos na pessoa da progenitora (hoje violência doméstica), por fatos continuados praticados quando viviam juntos entre 2001 e 2005, numa pena de 2 anos de prisão suspensa no processo 3894/08.8TALRS, do mesmo tribunal, do então 2.º juízo criminal. Na sequência destes atos contra si praticados, a progenitora ficou com sequelas permanentes num dos ouvidos, que a obrigou a fazer transplante de um tímpano (cfr. fato indicado a fls. 174), e é uma mulher que tem pânico do progenitor dos seus filhos, pois já nesses autos o então seu companheiro a ameaçou de morte, com agressões quase diárias “com murros, chapadas e pontapés por todo o corpo”, para além de agressões verbais, de acordo com os fatos provados nesse processo, e reproduzidos no acórdão do STJ junto a fls. 174 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzidos.
10. Em cúmulo jurídico todos esses crimes os demais indicados a fls. 168 e ss., que aqui damos por reproduzidos, determinou que fosse aplicada ao progenitor das crianças as penas únicas, a cumprir sucessivamente, de 2 anos de prisão e 120 dias de multa e ainda de 7 anos e 6 meses de prisão, penas que se encontra a cumprir.
11. De acordo com a avaliação das Téc. do DGRSP que acompanham a situação do preso, o pai das crianças é "descrito como um indivíduo manipulador, com dificuldade em controlar os impulsos e agressividade dentro e fora do núcleo familiar e detentor de hábitos de consumo excessivo de álcool” – cfr. fls. 73.
12. Depois das visitas que chegaram a ser efetuadas as crianças ficaram destabilizadas. A progenitora foi chamada à escola por mau comportamento do Nelson Silva, tendo a criança reprovado o ano escolar de 2015/2016. A AK rejeita as visitas ao progenitor, e apresenta marcas emocionais profundas das chapadas que o pai lhe dava, por exemplo, porque queria que ela não usasse calças, e também das memórias das agressões do pai à mãe, a que assistiu, e receio do que poderá acontecer à mãe, pois o pai continua atualmente a ameaçar a mãe, como o fez na carta com os desenhos e que foram descritos em 3. Acresce a estes aspetos, a profunda tristeza em que ficou quando se apercebeu que a irmã foi vítima dos atos sexuais por parte do requerido e supra descritos, que lhe foram descritos pela própria irmã.
Convicção:
A realidade indiciada dos fatos apurados resulta das peças processuais indicadas nos fatos, e nas declarações da progenitora e das crianças nas diligências supra identificadas nos fatos, que, conjugadas com os fatos apurados nas decisões criminais, confirmam que as declarações das crianças e da progenitora, que já se afiguravam, na imediação, como sinceras, não deixassem, nesse confronto, qualquer dúvida, pecando até por escassas as que aqui foram verbalizadas, sendo notório que há nestas pessoas muito medo e desproteção ao longo de tantos anos (2001-2011), que explicam a foram temerária como se comportaram no processo principal e depois.
[2]Consta do referido relatório, além do mais, o seguinte:
“(…) é natural de Angola (…) Com a separação dos progenitores imigrou para Portugal, quando tinha cerca de 14 anos. Fixou-se na residência de um irmão e começou a trabalhar com o mesmo na construção civil, embora o seu projecto fosse imigrar para estudar, o que não se verificou. Após a aquisição da sua independência económica fixou-se na zona de (…) e iniciou um relacionamento afectivo com a mãe dos filhos. De acordo com os registos da DGRSP, o relacionamento afectivo foi pautado por desentendimentos, motivados por ciúmes, controlo (impedimento do arguido em permitir que a companheira se relacione com terceiros) e agressões (…) com queixas nos Órgãos de Polícia Criminal. A ex-companheira referiu que teve necessidade de recorrer a instituições estatais, alegadamente, chegando a pernoitar em pensões, financeiramente suportadas pelo Instituto de Segurança Social. O recluso é descrito como um indivíduo manipulador, com dificuldade em controlar os impulsos e a agressividade dentro e fora do núcleo familiar e detentor de hábitos de consumo excessivo de álcool, tendo tido acompanhamento no Centro Regional de Alcoologia e com lacunas ao nível do pensamento do reconhecimento e dos limites internos/externos nos relacionamentos.
(…)
Quando entrou neste estabelecimento prisional, apresentava-se dotado de fracas competências literárias e, neste sentido, ingressou no primeiro ciclo da escola. O ano lectivo transacto concluiu o segundo ciclo, tendo transitado para o terceiro (…). Os professores avaliam-no como um indivíduo assíduo, empenhado, disponível e colaborante. Paralelamente à escola, trabalha na oficina de montagem de componentes eléctricos desde 10 de Abril de 2015, sendo também responsável na execução das suas tarefas laborais. (…)
Para além das tarefas que desempenha, apresenta motivação para integrar programas técnicos de intervenção, designadamente, efectuou o pedido para ser integrado no programa de intervenção técnica direccionado para agressores sexuais (…)
Em termos de saúde, tem acompanhamento na consulta de psiquiatria, com medicação prescrita para este foro e para a hipertensão (…)
Ao nível do comportamento, em 25 de Novembro de 2014 foi punido em 12 dias de internamento em cela disciplinar, por agressões entre reclusos. Desde então tem mantido um comportamento regular. Apresentando um relacionamento reservado e de respeito quer para com os pares quer para com os funcionários.
(…)
Conclusão:
Do apurado, verificamos estar perante um indivíduo revelador de alguma instabilidade pessoal que se reflecte quer ao nível laboral, quer mesmo em termos emocionais, factor que terá contribuído para os vários contactos com o sistema de justiça que tem registado ao longo da vida. Como factores de risco, (…) apresenta a falta de título de residência para a sua permanência em Portugal, a dificuldade de se estabilizar em termos laborais e os registos existentes relativamente aos hábitos de consumo excessivo de álcool e contactos com o sistema de justiça. Como factores de protecção, apresenta o seu percurso prisional investido na aquisição de competências pessoas e a disponibilidade para integrar programas de intervenção técnica, que poderão atuar como factores dissimuladores da reincidência e facilitadores da sua reinserção social, a qual só será possível se este envidar esforços para alterar a sua conduta e adquirir maior sentido critico relativamente aos comportamentos (…) do passado”.
[3]“Olá Suse!
Espero que esteja tudo bem contigo.
Antes de mais nada, quero pedir as minhas sinceras desculpas, espero que passes também o próximo ano e que controles o teu irmão e a tua irmã e vai ajudando a tua mãe no que for preciso.
Não deixes que ela sofra mais. Espero que esteja tudo bem contigo e com ela, se precisares de alguma coisa, quando eu estiver em Angola, não hesites em ligar, que eu vou dar o meu número à tua mãe e à tua irmã. E que Deus te vai ajudar muito a te tornares uma grande mulher e terás muita sorte na vida. Nunca te esqueças das minhas palavras nem das minhas bricadeiras. Fenistil.
Segue-se o desenho de uma cara sorridente com a ilustração “Ha! Ha! Ha!” e a carta termina com “Beijinhos do Francisco. Adeus até um dia e que Deus te proteja”. Na parte final da carta vê-se um desenho de duas mãos com um coração no meio, numa estando escrito “Perdão” e noutra “Paz”, sugerindo que a mão do perdão que uma entrega o coração à mão que fica, assim, em paz.
[4]Aliás concretizado, como resulta da fundamentação da sentença recorrida.