Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7411/20.3T8LSB.L1-8
Relator: MARIA TERESA LOPES CATROLA
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
BENS IMÓVEIS
ÓNUS DA PROVA
AQUISIÇÃO DERIVADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: «1. Na ação de reivindicação de bens móveis cabe à autora o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a demonstrar o seu pretendido direito de propriedade sobre os objetos reivindicados.
2. No caso de aquisição derivada, como a sustentada pela autora, teria a autora de provar, não apenas o negócio, porque o mesmo não é constitutivo, mas meramente translativo, do direito de propriedade, mas também que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris).
3. Apenas um terceiro poderá ilidir a presunção estabelecida no art.º 623º do CPC, em homenagem ao princípio do contraditório, alegando factos e produzindo prova para demonstrar que o arguido não praticou os factos pelos quais foi condenado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
 A…. instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra o B…., pedindo ao Tribunal que  restitua à requerente, enquanto sua dona e legítima proprietária, todos os objetos apreendidos, que se encontram discriminados e numerados de 1 a 64, no ponto 1 da petição inicial, e que constam do auto de apreensão, datado de 15 de fevereiro de 2010.
O Réu, citado pessoal e regularmente, veio apresentar contestação, impugnando os factos alegados pela Autora e alegando que em sentença penal condenatória foi proferida decisão que assentou em pressupostos de facto diversos dos alegados por aquela quanto à propriedade dos objectos identificados, cabendo à Autora ilidir a presunção estabelecida quanto a tal factualidade Após aperfeiçoamento da petição inicial e respectivo contraditório, foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e selecionados os temas de prova.
A audiência de julgamento teve lugar com observância dos formalismos legais e a final foi proferida decisão nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo o Réu do pedido.
Custas pela Autora”.
Inconformado, veio a autora apelar desta decisão, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes conclusões:
“1 - Ascende à douta cognição deste Superior Tribunal “ad quem”, o presente recurso de apelação, sobre a Douta Sentença de fls...., que julgou a ação improcedente por não provada e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.
2 - Sentença com a qual a ora Recorrente não concorda e não se pode conformar, nem quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, nem quanto à decisão proferida de direito.
3 - A Autora intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B…., pedindo ao Tribunal a restituição de todos os objetos apreendidos e discriminados nos pontos 1 a 64 que constam do auto de apreensão datado de 15 de Fevereiro de 2010, por ser sua dona e legítima proprietária.
4 - O Réu contestou impugnando os factos alegados pela Autora e alegando que em sentença penal condenatória foi proferida decisão que assentou em pressupostos de facto diversos dos alegados por aquela quanto à propriedade dos objetos identificados, cabendo à Autora ilidir a presunção estabelecida quanto a tal factualidade.
5- Foi proferido despacho saneador e realizou-se a audiência de julgamento tendo sido proferida a sentença ora recorrida.
6- Nos termos constantes da sentença proferida, foram julgados provados os seguintes factos:
1. No âmbito do processo ….. – Juiz … do Tribunal Central Criminal de Lisboa foram apreendidos na alfândega do aeroporto da Portela, os seguintes artefactos de ourivesaria, joalharia e relojoaria (auto de apreensão de 15/02/2010):
1) Um relógio Time Vitoria;
2) Uma pulseira em ouro e prata com rosas coroadas, com 35,50 gramas;
3) Um set em ouro branco com diamantes, com o peso de 91,70 gramas;
4) Um set em ouro branco com diamantes, com o peso de 64,27 gramas;
5) Uma pulseira em ouro amarelo com diamantes, com o peso de 28 gramas;
6) Uma pulseira em ouro branco com diamantes, com o peso de 10 gramas;
7) Uma pulseira em ouro branco com diamantes, com o peso de 9,70 gramas;
8) Uma pulseira ouro branco com diamantes com 22,8 gr;
9) Pulseira ouro branco com diamantes com 23 gr;
10) Gargan4lha e brinco em ouro branco com diamantes com 29,3gr;
 11) Set ouro amarelo com pedras coloridas com 45,4gr
12) Set ouro branco com diamantes com 18,6gr
13) Gargantilha e brinco em ouro amarelo com diamantes com 28,4 gr
14) Gargantilha Ouro amarelo com diamantes com 27,6 gr
15) Gargantilha, ouro amarelo com diamantes com 23,8 gr 16) Gargantilha ouro branco com diamantes 20,2 gr
17) Gargantilha Ouro Branco com Perolas com 13.4gr
18) Gargantilha ouro branco com pérolas 12,1 gr
19) Pedantif em ouro amarelo com safiras e madrepérola com 27,7gr
20) Pedantif em ouro amarelo com safiras e madrepérola com 30,9gr
21) Pedantif em ouro branco com diamantes com 9,4 gr
22) Pedantif em ouro branco com diamantes com 19.3gr
 23) Anel ouro branco com pedras de cor e diamantes com 9,0 gr
 24) Anel ouro branco com pedras de cor e diamantes com 16.2 gr
 25) Set anel, gargan4lha e brincos com diamantes com 42,5 gr
26) Set anel, gargantilha e brincos com diamantes com 43,8 gr
27) Cruz prata ouro com rosas coroadas com 12,5 gr
28) Cruz prata ouro com rosas coroadas com 5 gramas
29) Cruz prata ouro com rosas coroadas com 6.5 gramas
30) Set anel brincos e pedan4f em ouro amarelo e safiras com 19,4gr
31) Set anel brincos e pedan4f em ouro amarelo e safiras com 20,2gr.
32) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 11,2 gr
33) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 15,1 gr
34) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 17,6 gr
35) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 11,2 gr
36) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 11,1 gr
37) Anel Estrela Ouro Branco com rubi com 21,0gr
38) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 13,6 gr
39) Anel estrela ouro branco com pedra /diamantes com 12,7gr
40) Anel estrela ouro branco com pedra /diamantes com 11,8gr
41) Anel estrela ouro branco com pedra /diamantes com 6,7 gr
42) Relógio Rolex em ouro com diamantes com 18 kilates
43) Conjunto van Cleef (gargantilha, brincos Pulseira e anel em Ouro Branco com diamantes) com 50,2 gr
44) Cruz Branco com 9 Kilats com 12,1 gr
45) Cruz ouro branco com 9 kilats co, 21,6 gr
46) Conjunto pedantif e brincos em ouro branco com diamantes
47) Pedantif em ouro branco com diamantes
48) Relógio roberto cavalli com diamantes
49) Anel ouro branco com diamantes
50) Relógio Pierre Balmain com diamantes
51) Conjunto Gargantilha, pulseira, anel e Brincos em ouro amarelo com diamantes
52) Conjunto gargantilha, brincos em prata e ouro com rosas coroadas com 73,3 gr
53) Conjunto Gargan4lha brincos em prata e ouro com risas coroadas 58,4 gr
54) Conjunto Cartier Pedantif e brincos em ouro de 18 kilates
55) Pedan4f ouro branco com brilhantes e pérola com 9 gramas
56) Relógio chopard em aço e diamantes
57) Par de brincos em prata e ouro com rosas coroada com 11,1 gr
58) Par de brincos em ouro branco com diamantes e pedras verdes com 10,0 gr
59) Par de brincos em ouro branco com pérolas com 13,6 gr
60) Par de brincos e pedan4f em ouro branco com diamantes com 31, 5 gr
61) Set (anel, brincos e pedantif em ouro branco e diamantes com 34,6 gr
62) Set (brincos anel e gargantilha em ouro branco e rubilite com 67 gr
63) Set de pedan4f e brincos em ouro branco com diamantes e pedras verdes com 36, 5 gr
64) Anel e um par de brincos em ouro branco com diamantes com 23, 3 gr
2. Tais objetos eram transportados pelo sobrinho da Autora, ….. quando este regressava a Lisboa, proveniente de Londres, no voo da TAP 359.
3. A autora na qualidade de lesada apresentou um requerimento perante o tribunal juiz …. (processo …. Central criminal de Lisboa invocado ser proprietária das joias do auto de apreensão de 15 de Fevereiro de 2010 no referido processo
4. Por acórdão proferido no dia 18 de Abril de 2017 pela …ª secção do Juízo Central Criminal de Lisboa, no processo …. foi o arguido ….. condenado pela prática do crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo art. 103º, nº1, alíneas a) e b) e 104º, nº1, alíneas a), d)e e), nº2, alíneas a) e b) e nº4 do Regime Geral das Infrações Tributárias aprovado pelo art. 1º, º1 da Lei 15/2001, com a redação introduzida pela Lei 64-B/2011 de 30 de dezembro, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período com a condição de proceder ao pagamento de 50.000,00 euros durante o período de suspensão, estando obrigado no primeiro ano ao pagamento de montante não inferior a 10.000,00 euros e no segundo ao pagamento de montante não inferior a 20.000,00 euros;
5. O referido acórdão transitou em julgado relativamente ao arguido …., no pretérito dia 9 de janeiro de 2019, tendo sido confirmado em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no dia 18 de janeiro de 2018.
6. O referido acórdão declarou perdidos a favor do Estado os objetos identificados nos presentes autos – nº 1 supra.
7. O mesmo acórdão assentou nos seguintes fundamentos de facto que foram julgados provados: - O Arguido …. e o seu filho …. deslocaram-se por diversas vezes ao Dubai no período compreendido entre o ano de 2006 e o mês de fevereiro de 2010 aí adquirindo artefactos de ourivesaria e de joalharia que fez transportar até Portugal com o intuito de os introduzir no circuito comercial ocultando tal procedimento da Autoridade Tributária não cumprindo as obrigações legais decorrentes, quer no que diz respeito aos direitos alfandegários, quer ao código do imposto sobre o valor acrescentado – facto provado nº 74;
- Considerando apenas aqueles em que ambos se deslocaram simultaneamente ao Dubai, constata-se que no ano de 2006 foram levadas a cabo seis viagens, no ano de 2007, cinco, no ano de 2008, oito viagens, no de 2009, oito viagens e no ano de 2010, concretamente até fevereiro desse ano, duas viagens – facto provado nº 75;
- No dia 15 de fevereiro de 2010 …. foi transportado para Lisboa no voo TAP 359 procedente de Londres, via Dubai, tendo-se apresentado no Canal/Circuito Verde do Aeroporto de Lisboa – facto provado nº 94
- Selecionado para revisão de bagagem foi constatado que o mesmo trazia consigo (além de outros) os bens acondicionados em invólucros de plástico, a saber:
1) Um relógio Time Vitoria;
2) Uma pulseira em ouro e prata com rosas coroadas, com 35,50 gramas;
3) Um set em ouro branco com diamantes, com o peso de 91,70 gramas;
4) Um set em ouro branco com diamantes, com o peso de 64,27 gramas;
5) Uma pulseira em ouro amarelo com diamantes, com o peso de 28 gramas;
6) Uma pulseira em ouro branco com diamantes, com o peso de 10 gramas;
7) Uma pulseira em ouro branco com diamantes, com o peso de 9,70 gramas;
8) Uma pulseira ouro branco com diamantes com 22,8 gr
9) Pulseira ouro branco com diamantes com 23 gr 21
10) Gargantilha e brinco em ouro branco com diamantes com 29,3gr
11) Set ouro amarelo com pedras coloridas com 45,4gr
12) Set ouro branco com diamantes com 18,6gr
13) Gargantilha e brinco em ouro amarelo com diamantes com 28,4 gr
14) Gargantilha Ouro amarelo com diamantes com 27,6 gr
 15) Gargantilha, ouro amarelo com diamantes com 23,8 gr
 16) Gargantilha ouro branco com diamantes 20,2 gr
17) Gargantilha Ouro Branco com Perolas com 13.4gr
18) Gargantilha ouro branco com pérolas 12,1 gr
19) Pedantif em ouro amarelo com safiras e madrepérola com 27,7gr
20) Pedantif em ouro amarelo com safiras e madrepérola com 30,9gr
21) Pedantif em ouro branco com diamantes com 9,4 gr
22) Pedantif em ouro branco com diamantes com 19.3gr
23) Anel ouro branco, com pedras de cor e diamantes com 9,0 gr
24) Anel ouro branco com pedras de cor e diamantes com 16.2 gr
25) Set anel, gargan4lha e brincos com diamantes com 42,5 gr
26) Set anel, gargan4lha e brincos com diamantes com 43,8 gr
27) Cruz prata ouro com rosas coroadas com 12,5 gr
28) Cruz prata ouro com rosas coroadas com 5 gramas
29) Cruz prata ouro com rosas coroadas com 6.5 gramas
30) Set anel brincos e pedantif em ouro amarelo e safiras com 19,4gr
 31) Set anel brincos e pedantif em ouro amarelo e safiras com 20,2gr.
32) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 11,2 gr
33) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 15,1 gr
34) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 17,6 gr
35) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 11,2 gr
36) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 11,1 gr
37) Anel Estrela Ouro Branco com rubi com 21,0gr
38) Anel Estrela Ouro Branco com diamantes com 13,6 gr
39) Anel estrela ouro branco com pedra /diamantes com 12,7gr
40) Anel estrela ouro branco com pedra /diamantes com 11,8gr
 41) Anel estrela ouro branco com pedra /diamantes com 6,7 gr
42) Relógio Rolex em ouro com diamantes com 18 kilates
43) Conjunto van Cleef (gargantilha, brincos, pulseira e anel em Ouro Branco com diamantes com 50,2 gr
44) Cruz Branco com 9 Kilats com 12,1 gr
45) Cruz ouro branco com 9 kilats co, 21,6 gr
46) Conjunto pedantif e brincos em ouro branco com diamantes
47) Pedantif em ouro branco com diamantes
48) Relógio roberto cavalli com diamantes
49) Anel ouro branco com diamantes
50) Relógio Pierre Balmain com diamantes
51) Conjunto Gargantilha, pulseira, anel e brincos em ouro amarelo com diamantes
52) Conjunto gargantilha, brincos em prata e ouro com rosas coroadas com 73,3 gr
53) Conjunto Gargantilha brincos em prata e ouro com risas coroadas 58,4 gr
 54) Conjunto Cartier Pedantif e brincos em ouro de 18 kilates
55) Pedantif ouro branco com brilhantes e pérola com 9 gramas
56) Relógio chopard em aço e diamantes
57) Par de brincos em prata e ouro com rosas coroada com 11,1 gr
58) Par de brincos em ouro branco com diamantes e pedras verdes com 10,0 gr
59) Par de brincos em ouro branco com pérolas com 13,6 gr
60) Par de brincos e pedantif em ouro branco com diamantes com 31, 5 gr
61) Set (anel, brincos e pedantif em ouro branco e diamantes com 34,6 gr
62) Set (brincos, anel e gargantilha em ouro branco e rubilite com 67 gr
63) Set de pedantif e brincos em ouro branco com diamantes e pedras verdes com 36, 5 gr
64) Anel e um par de brincos em ouro branco com diamantes com 23, 3 gr – facto provado nº 95
 – Enquanto se procedia ao referido controlo o arguido …., por seu turno, no voo BA502, proveniente do Dubai, via Londres, chegou ao aeroporto de Lisboa, tendo-se dirigido ao Canal vermelho, usado por quem tem mercadorias a declarar – facto provado 96
- Apresentando com tal finalidade, caixas vazias de relógios e de joias que alegou ter adquirido no Dubai exibindo para tanto um documento com os dizeres, entre outros, ”Ali Jewllery, Gold Souk, Dubai”, com o nº 1407 e um documento os dizeres “Al Badia Jewllery, Gold Market, Dubai”, nº 16614 – facto provado 97.
- Tais caixas, confrontando as respetivas descrições, correspondem a bens que … havia, na mesma altura, embora em voo diferente, trazido consigo – facto provado 99.
- Na altura e tal como havia sido previamente combinado, …., apresentou como justificativo da proveniência dos bens apreendidos 4 Guias de Remessa/Consignação com um logo4po cujos dizeres são os seguintes: “….– Rua….  – 1º esq. ….Lisboa – tel. …. contribuinte nº ….” com os n.º 39, n.º 40, n.º 43 e n.º 44, todas datadas de 11 de fevereiro de 2010 (…)” – facto provado nº 102
- Tendo ainda em peça processual entregue nesses mesmos autos, alegado que os bens eram mercadoria usada, pertença de A…., que os havia adquirido a …., seu irmão, como forma de pagamento de uma dívida deste, destinando-se a permuta com seus familiares residentes no Reino Unido, que não havia sido concretizada e da qual o arguido se havia encarregue, em conformidade com o que haviam igualmente, previamente combinado – facto provado nº 103.
- …. não havia no momento da saída apresentado declaração às autoridades aduaneiras de modo a comprovar que já possuía tais objetos, de uso pessoal e os transportava consigo nesse momento – facto provado nº 104
- E não o fez porque os bens haviam sido, efetivamente, por si transportados desde o Dubai, com o propósito de serem comercializados pelo seu pai …. – facto provado nº 105
- O arguido …. e o seu filho ….. haviam permanecido no Dubai entre os dias 12 e 15 de fevereiro de 2010 – facto provado nº 106.
- Submetidos que foram os bens acima indicados a exame pericial levado a cabo pela Contrastaria de Lisboa, tendo a respetiva guia de entrada tomado o nº 000939/2010 CLI, resulta que, com exceção de um relógio de marca Rolex, que se encontrava devidamente legalizado- descrito sob o lote 5, todos os artefactos de ouro e prata descritos sob os lotes 9 a 99 não tinham apostas quaisquer marcas – de fabrico ou equivalente (de responsabilidade) ou de Contrastaria – facto provado nº 107.
- O arguido …. no período compreendido entre o ano de 2006 e o ano de 2010 procedeu ao levantamento de quantias em dinheiro nos dias que antecediam as suas viagens para o Dubai com o propósito de comprar nesse país os artefactos em ouro e joias que trazia para Portugal – facto provado nº 114
- Os bens comprados pelo Arguido …. eram vendidos em Portugal aos Arguidos …. e ….– facto provado nº 127
 - Os Arguidos ….. e ….. indicaram os artefactos em ouro e as joias que mais lhes interessavam ao Arguido …. quando este se deslocou em viagem ao Dubai no mês de fevereiro de 2010 – facto provado nº 128
- As supra citadas peças quando chegavam a Portugal oriundas do Dubai eram entregues para marcação designadamente ao Arguido …. – factos provados 129 e 131
 - Que atuava em representação da empresa ….., Ldª – facto provado nº 135
- À Arguida …. que se prevalecia da sua condição de retalhista de ourivesaria – facto provado nº 134
- E o Arguido …. que atuava em representação da empresa Arguida …., Ldª – Facto provado nº 135
7. Nos termos constantes da sentença proferida foram julgados não provados os seguintes factos:
1. Os artefactos referidos haviam sido adquiridos em vários anos pela Autora, quer por compra que a própria foi fazendo sucessivamente durante o período em que esteve a prestar serviço como funcionária na Região Administra4va de Macau, ainda, por lhe terem sido entregues pelo seu irmão, Sr. …., a título de pagamento de uma dívida que este tinha para com a aqui Requerente
2. A autora e o seu marido residiram em Macau como os seus dois filhos no período de 1984 a 1997.
3. A autora e o seu marido residiram em Macau como os seus dois filhos no período de 1984 a autora trabalhou como técnica auxiliar especialista com funções de chefia, na secção da sisa e Imposto Sucessório.
4. Devido aos elevados rendimentos auferidos pelo casal no período em que residiram em Macau permitiu-lhes adquirir um acervo considerável de joias em Joalharias de Macau e Hong Kong como também em Casas de Penhores.
 5. Tendo a autora adquirido em Macau as peças de ourivesaria que constam nos seguintes pontos do facto provado com o nº 1 (1-2); (4-7); (10-11); (14-41); (43-47); (49-50); (52-55) e (57-64);
 6. Como Investimento pessoal do da autora e do seu marido, e também com a finalidade (após saída da Região Autónoma de Macau) de vir a autora montar uma joalharia de compra e venda em 2ª mão que era o seu desejo.
 7. E que concretizou posteriormente, após o seu regresso a Portugal criando o seu negocio na área da Joalharia no ano de 2005, sito nas …., em Lisboa.
8. No período compreendido entre 1998-2008, a autora também adquiriu algumas das peças que constam do auto de apreensão, por via de compras efetuadas ao Sr. …., e também ao Sr. …..
9. Tendo sido adquiridas ao senhor ….. no ano de 2007 a 2009, as peças de ourivesaria que constam nos seguintes pontos do facto provado nº 1 (12 e 13)
10. E ao senhor …. no ano de 2004 a 2007 peças de ourivesaria que constam dos seguintes pontos do facto provado nº 1 - 8 e 9.
11. A autora também possuía um crédito em relação ao seu irmão Sr. ….. que o mesmo terá sido liquidado através do pagamento de joias no ano de 2010, e que igualmente apreendidas e que constam no processo (peças de ourivesaria que constam do lote nº 42).
12. A Requerente solicitou ao seu sobrinho ….. que lhe fizesse o favor de fazer chegar ao seu filho …., radicado no Reino Unido, na cidade de Newcastle, o acervo de artefactos para serem, aí, permutados por um possível apartamento com a tipologia T0, com era seu desejo.
13. Anuindo ao pedido que a sua tia lhe fizera, …. recebeu os artefactos e procedeu a emissão das guias de remessa /consignação com os números 39, 40, 43 e 44 (doc. nº 3)
14. Tendo o Sr. …. viajado num voo comunitário Da TAP (Lisboa – Londres) no dia 11 de Fevereiro de 2010 para entregar ao seu primo …. os objetos acima identificados para serem permutados ou vendidos para uma possível entrada para a compra de um apartamento no Reino Unido (docs. nº 2 e 4).
15. Quando chega a Londres o Sr. …, sai fora do aeroporto passando pela alfândega.
16. Efetuada a entrega daqueles artefactos ao seu primo, fora do perímetro das instalações aeroportuárias (a alguns quilómetros de distância.
 17. Após a entrega dos objetos e após ter estado algum tempo em convívio com o seu primo …. regressa de novo para o aeroporto de Heathrow e aproveita para fazer um novo check in em viagem intercontinental (bilhete independente de Londres Dubai / Dubai – Londres em companhia do seu pai o Sr …. que se encontrava em transito dentro do aeroporto de Heathrow a sua espera).
18. Posteriormente o Sr. ….. junta-se ao seu pai no aeroporto de Heathrow em Londres e viajam juntos para o Dubai.
19. O Sr. … viajou com o seu pai o ( Sr…..) por precaução e aconselhamento medico ,devido aos problemas de saúde que o mesmo padece ( hipertensão ,insuficiência cardíaca e doença de Meniere).
20. No regresso do Dubai dia 15 Fevereiro de 2010, …. termina a sua viagem em Londres e segue para o exterior do aeroporto de Heathrow passando pela alfândega com o intuito de se encontrar com àquele familiar (o seu primo ….) o qual já lhe havia previamente comunicado que o negócio de permuta, não se realizara.
21. No regresso à capital do Reino Unido no dia 15 de Fevereiro de 2010 o Sr. …., o único artefacto proveniente do Dubai que o mesmo trouxe consigo, e foi no seu pulso um relógio, em ouro de marca Rolex.
22. Já em Londres, novamente a alguns quilómetros de distância do aeroporto, o Sr. ….. encontra-se com o seu primo (….) e do qual recebeu as joias que este não conseguira permutar, com exceção de algumas que ficaram em poder daquele familiar e que foram vendidas no Reino Unido.
8 -Vem a Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na medida em que considera que foram julgados provados factos sem que tenha ocorrido qualquer prova dos mesmos, e considera, por outro lado, que foram julgados não provados factos sobre os quais a prova é de tal forma inquestionável e concludente que obriga à consideração desses factos como totalmente provados.
 9 - Quanto ao facto julgado provado sob o n.º 6, considera a Recorrente que o mesmo não tem qualquer suporte na prova documental e testemunhal produzida nos autos, devendo ser excluído da matéria de facto julgada provada, e, pelo contrário, ser considerado não provado.
10 – Da leitura do mencionado acórdão não resulta que os objetos identificados nos presentes autos, e descritos no facto julgado provado sob o n.º 1, foram declarados perdidos a favor do Estado.
11 - Do mencionado acórdão resulta apenas que “Por terem sido destinados à prática de crime deverão ser declarados perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos ao arguido …. com exceção daqueles pertencentes a … constantes de fls. 635-639 (astrolábios, moedas e relógio) (art.º 109.º n.º 1 do Código Penal). Os restantes objetos apreendidos nos autos por não ter sido demonstrada a sua utilização na prática de crime serão restituídos a quem tiverem sido apreendidos ou a quem se demonstrarem pertencer.”
12 - Considerando que objetos identificados nos presentes autos, e descritos no facto julgado provado sob o n.º 1 foram apreendidos a …., e não ao identificado arguido …., tais objetos não foram declarados perdidos a favor do Estado como o Tribunal a quo aqui deu como provado.
13 - A identificação da pessoa a quem foram os identificados objetos apreendidos resulta por de mais clara do auto de apreensão respetivo da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, do Ministério das Finanças e da Administração Pública, emitido em 15 de Fevereiro de 2010. A saber, …, portador do passaporte n.º …. emitido em 21/08/2008 pelo G. Civil de Lisboa, nascido em …, casado, empresário com residência na …., Lisboa.
14 - Facto este, que para além do que consta do próprio documento que titula a apreensão, foi ainda confirmado em audiência de julgamento pelo próprio …., quando relatou o consigo sucedido quando regressou a Lisboa vindo de Londres, no mencionado dia 15 de Fevereiro de 2010 (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 14:21:22 a 16:51:37) (20230913142121_19973524_2871024 - Minutos: 7:51 e ss.).
15 - Pelo que, tal facto julgado provado deve ser julgado não provado e retirado do rol de factos julgados provados.
16- Face ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas …. (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 14:21:22 a 14:51:37) e …. (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 14:51:38 a 15:10:26) resulta provado que a Autora adquiriu ou recebeu de presente parte dos objetos descritos no ponto 1 dos factos julgados provados, pelo que deve ser julgado provado que: 1. Os artefactos referidos haviam sido adquiridos em 25 vários anos pela Autora, quer por compra que a própria foi fazendo sucessivamente durante o período em que esteve a prestar serviço como funcionária na Região Administrativa de Macau, quer por ofertas que foi recebendo.
17- Face ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas … (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 14:21:22 a 14:51:37) e … (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 14:51:38 a 15:10:26), que confirmaram expressamente que a Autora residiu vários anos em Macau com a família, e tinha uma situação económica bastante boa, deve ser julgado provado que: 2. A autora e o seu marido residiram em Macau como os seus dois filhos. 3. A autora e o seu marido residiram em Macau com os seus dois filhos e a autora trabalhou como técnica auxiliar especialista com funções de chefia, na secção da sisa. 4. Devido aos elevados rendimentos auferidos pelo casal no período em que residiram em Macau permitiu-lhes adquirir um acervo considerável de joias.
 18 - Face ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas …. (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 14:21:22 a 14:51:37), … (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 14:51:38 a 15:10:26) e …. (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 15:10:48 a 15:19:08), que confirmaram que a Autora teve uma loja de compra e venda de joias em 2ª mão nas …., deve ser julgado provado que: 6. Como Investimento pessoal da autora e do seu marido, e também com a finalidade (após saída da Região Autónoma de Macau) de vir a autora montar uma joalharia de compra e venda em 2ª mão.7. E que concretizou posteriormente, após o seu regresso a Portugal criando o seu negócio na área da Joalharia no ano de 2005, sito nas …., em Lisboa.
19 - Face ao teor do depoimento prestados pela testemunha …. (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 15:10:48 a 15:19:08) que explicou como se relacionavam as poucas pessoas que na altura estavam no negócio de compra e venda de objetos de ourivesaria em 2ª mão, deve ser julgado provado que: 8. No período compreendido entre 1998-2008, a autora também adquiriu algumas das peças que constam do auto de apreensão, por via de compras efetuadas ao Sr. …., e também ao Sr. …...
20 - Face ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas …. (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 14:21:22 a 14:51:37) e …. (depoimento gravado em 13/09/2023 entre os minutos 14:51:38 a 15:10:26) que relataram o sucedido quanto ao transporte dos objetos da Autora de Lisboa para Londres e de Londres para Lisboa, devem passar a constar dos factos julgados provados, os seguintes:12. A Requerente solicitou ao seu sobrinho …. que lhe fizesse o favor de fazer chegar ao seu filho …., radicado no Reino Unido, na cidade de Newcastle, o acervo de artefactos para serem, aí, permutados por um possível apartamento.14. Tendo o Sr. …. viajado no dia 11 de Fevereiro de 2010 para entregar ao seu primo …. os objetos acima identificados para serem permutados ou vendidos  para uma possível entrada para a compra de um apartamento no Reino Unido.15. Quando chega a Londres o Sr. …., sai fora do aeroporto passando pela alfândega.16. Efetuada a entrega daqueles artefactos ao seu primo, fora do perímetro das instalações aeroportuárias, na zona de Picadelli. 17. Após a entrega dos objetos e após ter estado alguma tempo em convívio com o seu primo ….) viajou para o Dubai. 20. No regresso do Dubai dia 15 Fevereiro de 2010, …. termina a sua viagem em Londres e segue para o exterior do aeroporto de Heathrow passando pela alfândega com o intuito de se encontrar com àquele familiar (o seu primo ….) o qual já lhe havia previamente comunicado que o negócio de permuta, não se realizara.
21. No regresso à capital do Reino Unido no dia 15 de Fevereiro de 2010 o Sr. …., o único artefacto proveniente do Dubai que o mesmo trouxe consigo, e foi no seu pulso um relógio, em ouro de marca Rolex. 22. Já em Londres, novamente a alguns quilómetros de distância do aeroporto, o Sr. …. encontra-se com o seu primo (….) e do qual recebeu as joias que este não conseguira permutar, com exceção de algumas que ficaram em poder daquele familiar e que foram vendidas no Reino Unido. 21 - Face à necessária e devida alteração da decisão sobre a matéria de facto nos termos pugnados, não podem subsistir quaisquer dúvidas que a decisão a proferir deverá ser diametralmente oposta à decisão proferida pela Mm.ª Juiz a quo.
22 - Considerou a Mm.ª Juiz a quo que a única prova feita foi a que resultou do auto de apreensão dos objetos, e dos acórdãos proferidos no processo-crime, assim como o requerimento ali apresentado pela Autora com vista a obter a entrega dos objetos iden4ficados.
23 – Mas dos mencionados documentos não resulta provado que os objetos em causa tenham sido declarados perdidos a favor do Estado pelo facto de terem sido destinados à prática de crime pelo arguido …..
24– Dos mencionados documentos resulta clarividente que apenas foi considerado que deveriam ser declarados perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos ao arguido …... Assim como resulta clarividente que tais objetos foram apreendidos a …..
 25 - Facto que, só por si, naturalmente afasta a aplicação do disposto no art.º 623.º do C.P.C..
26 - Dos mencionados documentos também não resulta provado que os objetos em causa “foram adquiridas pelo seu irmão …., na viagem que fez ao Dubai entre os dias 12 a 15 de fevereiro de 2010” tal como afirmado na sentença ora recorrida.
27 - Basta confrontar os factos aqui julgados provados e em concreto o facto julgado sob o ponto 7 onde se referem os fundamentos de facto que foram julgados provados no processo-crime 27 identificado, para se perceber de forma evidente que ali nenhum facto foi julgado provado no sentido de que tais objetos foram adquiridos por …. no Dubai.
28 - Por referência a estes bens os únicos factos ali considerados provados foram:
 - …. não havia no momento da saída apresentado declaração às autoridades aduaneiras de modo a comprovar que já possuía tais objetos, de uso pessoal e os transportava consigo nesse momento – facto provado nº 104
- E não o fez porque os bens haviam sido, efetivamente, por si transportados desde o Dubai, com o propósito de serem comercializados pelo seu pai …. – facto provado nº 105
 - O arguido…. e o seu filho …. haviam permanecido no Dubai entre os dias 12 e 15 de fevereiro de 2010 – facto provado nº 106.
29 - Contrariamente ao afirmado pelo tribunal a quo, dos fundamentos de facto que foram julgados provados no processo-crime não consta nenhum que corrobore que tais objetos foram adquiridos por …. no Dubai.
 30 - Facto este que, também só por si, naturalmente afasta a aplicação do disposto no art.º 623.º do C.P.C..
 31 - Da sentença condenatória invocada, nem resulta que os objetos em causa tenham sido declarados perdidos a favor do Estado, nem resulta que esses concretos objetos foram adquiridos por…., no Dubai, pelo que ao caso em concreto não é aplicável a presunção estabelecida no art.º 623.º do C.P.C..
32 - Nenhum dos factos ali dados como provados e nenhum segmento da decisão condenatória proferida contende com o direito de propriedade e com a reivindicação da posse dos objetos da aqui Autora e recorrente que foram apreendidos ao seu sobrinho …..
33 -Para todos os devidos efeitos, logrou a Autora fazer prova de que os objetos em causa eram objetos pessoais e sua propriedade, parte adquirida por si própria em Macau, parte adquirida por via de ofertas que recebeu, igualmente enquanto viveu em Macau, e parte resultante do negócio de compra e venda de artigos de ourivesaria que teve em Lisboa, nas …..
34 – À Autora não era exigível que apresentasse documentos a comprovar as referidas aquisições, já que foi há mais de 25 anos que a Autora residiu em Macau e aí adquiriu muitos dos referidos objetos para seu uso pessoal, sendo que alguns foram mesmo resultado de ofertas recebidas pela mesma.
35 - Mesmo em relação aos objetos que resultaram do negócio de ourivesaria que manteve, também não é exigível que mantenha qualquer documento, pois há muito que encerrou tal negócio, tendo após liquidação, ficado com algumas das peças provenientes daquele.
 36 - Contrariamente ao igualmente considerado pela Mm.ª Juiz a quo não se vê qualquer contradição nas declarações prestadas pelas testemunhas, nomeadamente no facto por ambas declarado de que as peças foram entregues pela Autora ao sobrinho para este as levar para o seu filho no intuito de serem permutadas e permitir àquele dar uma entrada para aquisição de uma casa, e que, se a mesma não se concretizasse, seriam de novo devolvidas à mesma.
37 - Muito embora a Mm.ª Juiz a quo tenha fundamentado a decisão proferida no facto de alegadamente inexistir explicação para que o pai de …. na viagem de regresso do Dubai, ter consigo as caixas das joias que ele transportou, o certo é que esta afirmação não tem respaldo em qualquer prova que tenha sido feita, nem sequer no aludido processo-crime.
38 - Nem assim poderia deixar de ser, já que estamos a falar de mais de 100 peças, e de um total de 18 caixas. Além de que do total das peças apreendidas ao…. constar apenas um relógio Rolex e um relógio Chopard, e nas 18 caixas mencionadas se encontrarem duas caixas de relógio Rolex, e duas caixas de relógio Chopard.
39- Inexistindo assim, e ao contrário do afirmado pela Mm.ª Juiz a quo, qualquer correspondência entre os objetos/joias apreendidas ao … e as caixas que o pai deste transportava.
40- Nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 607.º do C.P.C. “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
41 -O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, ou com a íntima convicção do julgador.
42 -Salvo o devido respeito, entende a Autora que a apreciação feita da prova foi arbitrária, pois não se vislumbra que tenha sido feita uma conscienciosa ponderação de todos os elementos e circunstâncias envolventes e que tenha sido devidamente valorada.
43 - Pelo que por maioria de razão, e mesmo que não se devesse considerar afastada a presunção constante do art.º 623.º do C.P.C., o certo é que para todos os efeitos e em face da prova produzida sempre se terá que considerar ter sido ilidida qualquer prova que resulte do aludido processo-crime.
44- A autora alegou e provou o direito de propriedade dos bens que reivindica.
45 - O Réu Estado não apresentou qualquer titulo que lhe legitime a detenção ou posse de todos os identificados bens, porque, reitera-se tais bens não constam da decisão de “perda” constante da sentença penal condenatória invocada.
46- Face ao que se torna indubitável que a Autora ilidiu, para todos efeitos, qualquer presunção que pudesse para a mesma resultar do decidido na sentença penal condenatória invocada, já que alegou e provou ser proprietária de todos os bens cuja posse reivindicou.
 47- Razão pela qual, quer porque ao caso em concreto não pode ser considerada aplicável a presunção estabelecida no art.º 623.º do C.P.C., porque nenhum dos factos ali dados como provados e nenhum segmento da decisão condenatória proferida contende com o direito de propriedade e com a reivindicação da posse dos objetos da aqui Autora e recorrente que foram apreendidos ao seu sobrinho ….., quer porque fez a Autora prova de que tais bens efetivamente são sua propriedade, outra não pode ser a decisão a proferir no âmbito do presente recurso, senão a de revogar a sentença proferida e substituir a mesma por outra que julgue a ação totalmente procedente.
48 – A sentença recorrida violou assim o disposto nos art.ºs 623.º, 607.º do C.P.C. e 1311.º do CC.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente recurso merecer total provimento e a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente”.
O réu contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões:
“1ª – O ponto 6 da matéria de facto provada deverá permanecer inalterado, por refletir uma adequada apreciação da decisão proferida no Acórdão condenatório penal sobre o destino a dar aos bens apreendidos;
2ª – Não obstante a apreensão ter sido feita a …., os factos com ela conexos serviram de fundamento à condenação do arguido …., pelo que tendo aqueles objetos servido à prática do crime pelo qual foi condenado, não deverá este ponto da matéria de facto provada sofrer qualquer alteração;
 3ª – No mais, a decisão proferida sobre os pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 20, 21 e 22 da matéria de facto não provada deverá permanecer inalterada, por refletir a justa valoração da prova pessoal produzida em audiência, à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida, sem que o tribunal tenha extravasado os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova;
4ª – Por outro lado, a sentença recorrida ateve-se ao Acórdão condenatório penal, no que toca a parte dos seus factos constitutivos, aplicando corretamente o disposto no artigo 623.º do C.P.C.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, em consequência, a douta sentença recorrida.
O recurso foi admitido e mostrando-se cumpridos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
                                                *
II. Âmbito do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões da Recorrente, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; e
- reapreciação da decisão de mérito.
III. Fundamentação de Facto
A fundamentação de facto a considerar é a constante da decisão recorrida, que acima consta nas conclusões da recorrente, e aqui se dá por reproduzida.
                                                     *
IV. Fundamentação de Direito
4.1. Admissibilidade do recurso da impugnação da matéria de facto
O actual Código de Processo Civil introduziu um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, sujeitando a sua admissão aos requisitos previstos pelo art.º 640º do Código de Processo Civil.
Embora tal reapreciação tenha alcançado contornos mais abrangentes, não pretendeu o Legislador que se procedesse, no Tribunal Superior, a um novo Julgamento, com a repetição da prova já produzida nem com o mesmo limitar de alguma forma o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção acerca de cada facto controvertido.
Apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o Tribunal de recurso não pode já recorrer.
Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada convicção, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Posto isto, para que o Tribunal Superior assim se possa pronunciar sobre a prova produzida e reapreciar e decidir sobre a matéria de facto, sem que tal acarrete na verdade todo um novo julgamento e repetição da prova produzida, impõe-se à parte que assim pretende recorrer que cumpra determinados requisitos, previstos no citado art.º 640º do Código de Processo Civil.
Lidas a motivação e as conclusões de recurso, verifica-se que a recorrente cumpriu com o ónus que se lhe impunha, nomeadamente, indicou os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente provado e não provados; especificou relativamente a cada facto qual os meios de prova que, em seu entender, fundamentariam decisão diversa; formulou a decisão que, em seu entender, seria ser aquela que o Tribunal deveria ter tomado em relação aos concretos pontos de facto sobre os quais discorda.
Na reapreciação da matéria de facto há ainda que levar em consideração o que dispõe o art.º 662º do Código de Processo Civil, tendo a Relação autonomia decisória “competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com a observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (conf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., pg. 287).
4.2. Impugnação da matéria de facto
Para apreciação desta matéria este Tribunal procedeu à análise crítica da prova documental junta aos autos, e referida pela recorrente nas suas alegações, e ouviu a prova pessoal produzida na audiência final.
Antes de entrar na avaliação crítica da prova produzida, tendo em consta a matéria impugnada pela recorrente, enunciemos os traços essenciais da prova pessoal produzida em audiência final, e referida pela recorrente nas suas alegações:
- depoimento da testemunha ….., que se identificou como ….., e sobrinho da autora. Disse que no ano de 2010, em fevereiro, fez uma viagem para o Dubai, na companhia do seu pai Lisboa-Londres-Dubai. No regresso, dia 15 de fevereiro, saiu em Londres. A pedido da tia, levou joias para Londres, saíu do aeroporto e entregou as joias ao seu primo, para ele vender, sendo que no regresso, 4 dias depois, o primo devolveu-lhe as joias que não conseguiu vender. Disse que a tia adquiriu  joias ao longo de uma vida, no tempo em que viveu em Macau, sendo algumas oferecidas, e outras adquiridas também na loja que teve nas …., onde comercializava artefactos de joalharia em 2.ª mão. A tia residiu em Macau, onde trabalhava como chefe de departamento de Impostos “de qualquer coisa” em Macau. No dia 15 de fevereiro, ao chegar a Lisboa, vindo de Londres, onde apanhou um outro voo, levaram-no para uma sala e apreenderam-lhe tudo, embora tenha dito que as joias eram da tia. No aeroporto fez questão de especificar todas as peças apreendidas. Algumas joias eram de uso pessoal da tia, outras foram adquiridas a outras pessoas. Algumas peças estavam marcadas. Foi um depoimento vago e evasivo.
- depoimento da testemunha …., que se identificou como …. e filho da autora. Disse que em 2010 residia em Inglaterra. Em 2010 o primo entregou-lhe umas joias de sua mãe, para vender, e conseguir adquirir uma casa. Pediu ajuda à mãe para adquirir a casa. Estava à espera do primo em Kingscross, em Picadilly, ele entregou-lhe as joias, “dentro de uma malita” e “dentro de uns saquitos” e disse-lhe que ia tentar fazer a permuta para a casa. Se não conseguisse, o primo traria de volta as joias para Portugal. O primo seguiu viagem para o Dubai, para acompanhar o pai.  Vendeu algumas peças a uns amigos seus. Três ou quatro dias depois o primo regressou a Londres, vindo do Dubai, e devolveu-lhe as joias e o primo seguiu viagem para Lisboa. Em 2014 mudou-se para a Noruega e já não investiu numa casa em Inglaterra. Em Macau a mãe era técnica das finanças, chefiava a parte da sisa.
-depoimento da testemunha …., que se identificou como …... Teve um escritório de compra e venda de ouro no Rossio e teve relações comerciais com a autora. Adquiriram um ao outro algumas peças de ouro. A autora tinha a loja na ….. Não se recorda da autora lhe ter adquirido duas pulseiras em ouro branco, sabe que lhe adquiriu diversos objetos, entre trocas e compras. Acha normal a autora ter 50/60/70 peças de ouro.
4.2.1. - O facto dado como provado com o n.º 6 deve ser considerado como não provado?
O ponto 6 tem a seguinte redação: “O referido acórdão declarou perdidos a favor do Estado os objetos identificados nos presentes autos- n.º 1 supra”.
A autora, apoiando-se no Acordão criminal, no auto de apreensão e no depoimento da testemunha …, entende que não resulta que os objetos identificados nos autos  e descritos no ponto n.º 6, foram declarados perdidos a favor do Estado, e por isso tal facto deve ser considerado como não provado.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão de facto, na parte impugnada pela recorrente, da forma que segue:
A motivação do Tribunal quanto aos factos provados resultou dos documentos juntos ao processo crime identificado, onde constam quer o auto de apreensão dos objectos, quer os acórdãos mencionados, assim como o requerimento ali apresentado pela Autora com vista a obter a entrega dos objectos identificados”.
Analisemos a prova junta aos autos:
- Na sentença proferida no processo comum colectivo n.º … no ponto 5 “DA PERDA” consta o seguinte: “Por terem sido destinados à prática de crime deverão ser declarados perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos ao arguido …. com excepção daqueles pertencentes a …. constantes de fls. 635-639 (astrolábios,  moedas e relógios) (art. 109/1 do Código Penal).
Os restantes objetos apreendidos nos autos por não ter sido demonstrada a sua utilização na prática de crime serão restituídos a quem tiverem sido apreendidos ou a quem se demonstrarem pertencer”.
- No auto de apreensão elaborado em 15 de fevereiro de 2010, junto com a petição inicial, consta, para além do extenso rol de objetos apreendidos, a seguinte afirmação “os itens 65 a 75 da relação de objetos apreendidos são do passageiro …., como meio de prova ao alegado, no auto de notícia n.º 149/2010”.
- No seu depoimento a testemunha …. não refere nem identifica concretamente qualquer joia, de entre as identificadas no auto de apreensão, como sendo da autora.
Do teor do Acórdão de 1.ª instância e também o Acórdão da 2.ª instância consta que apenas os objetos não utilizados na prática de crime deverão ser devolvidos a quem tiverem sido apreendidos ou a quem se demonstrarem pertencer. Ora, como flui dos referidos Acordãos todos os objetos apreendidos, quer a …. quer a …. foram utilizados na prática do crime praticado por …. (e por ele condenado). A aquisição dos identificados objetos em ouro no Dubai, com o objetivo de os introduzir em Portugal e os vender como objetos em 2.ª mão, eximindo-se ao pagamento dos direitos aduaneiros devidos na importação e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado respetivo, era parte do seu plano, em articulação com os demais arguidos envolvidos.
Logo se conclui que os bens identificados no artigo 1 dos factos provados, por terem sido utilizados na prática de um crime, foram declarados perdidos a favor do Estado.
Está por isso correcto o facto n.º 6 dos factos provados, assim devendo manter-se.
Improcede, nesta parte, a impugnação da recorrente.
4.2.2. - Os factos dados como não  provados com os n.ºs 1, 2, 3, 4, 7, 8, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 20, 21 e 22 devem ser considerados como  provados?
É a seguinte a redação dos identificados factos não provados:
“1. Os artefactos referidos haviam sido adquiridos em vários anos pela Autora, quer por compra que a própria foi fazendo sucessivamente durante o período em que esteve a prestar serviço como funcionária na Região Administrativa de Macau, ainda, por lhe terem sido entregues pelo seu irmão, Sr. …, a título de pagamento de uma dívida que este tinha para com a aqui Requerente
2. A autora e o seu marido residiram em Macau como os seus dois filhos no período de 1984 a 1997.
3. A autora trabalhou como técnica auxiliar especialista com funções de chefia, na secção da sisa e Imposto Sucessório.
4. Devido aos elevados rendimentos auferidos pelo casal no período em que residiram em Macau permitiu-lhes adquirir um acervo considerável de joias em Joalharias de Macau e Hong Kong como também em Casas de Penhores.
7. E que concretizou posteriormente, após o seu regresso a Portugal criando o seu negocio na área da Joalharia no ano de 2005, sito nas …, em Lisboa.
8. No período compreendido entre 1998-2008, a autora também adquiriu algumas das peças que constam do auto de apreensão, por via de compras efetuadas ao Sr. …., e também ao Sr. …..
12. A Requerente solicitou ao seu sobrinho ….. que lhe fizesse o favor de fazer chegar ao seu filho …., radicado no Reino Unido, na cidade de Newcastle, o acervo de artefactos para serem, aí, permutados por um possível apartamento com a tipologia T0, como era seu desejo.
13. Anuindo ao pedido que a sua tia lhe fizera, … recebeu os artefactos e procedeu a emissão das guias de remessa /consignação com os números 39, 40, 43 e 44 (doc. nº 3)
15. Quando chega a Londres o Sr. …., sai fora do aeroporto passando pela alfândega.
16. Efetuada a entrega daqueles artefactos ao seu primo, fora do perímetro das instalações aeroportuárias (a alguns quilómetros de distância.
 17. Após a entrega dos objetos e após ter estado algum tempo em convívio com o seu primo ….) regressa de novo para o aeroporto de Heathrow e aproveita para fazer um novo check in em viagem intercontinental (bilhete independente de Londres Dubai / Dubai – Londres em companhia do seu pai o Sr ….. que se encontrava em transito dentro do aeroporto de Heathrow a sua espera).
18. Posteriormente o Sr. …. junta-se ao seu pai no aeroporto de Heathrow em Londres e viajam juntos para o Dubai.
20. No regresso do Dubai dia 15 Fevereiro de 2010, ….. termina a sua viagem em Londres e segue para o exterior do aeroporto de Heathrow passando pela alfândega com o intuito de se encontrar com àquele familiar (o seu primo …..) o qual já lhe havia previamente comunicado que o negócio de permuta, não se realizara.
21. No regresso à capital do Reino Unido no dia 15 de Fevereiro de 2010 o Sr. …., o único artefacto proveniente do Dubai que o mesmo trouxe consigo, e foi no seu pulso um relógio, em ouro de marca Rolex.
22. Já em Londres, novamente a alguns quilómetros de distância do aeroporto, o Sr. …. encontra-se com o seu primo (….) e do qual recebeu as joias que este não conseguira permutar, com exceção de algumas que ficaram em poder daquele familiar e que foram vendidas no Reino Unido.
A autora, socorrendo-se dos depoimentos das testemunhas …. (facto 1, 2, 3 4, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21 e 22), …. (factos 1, 2, 3, 4, 6, 7, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21 e 22) e …. (factos 6, 7, 8) entende que tais factos deverão ser considerados provados.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão de facto, na parte impugnada pela recorrente, da forma que segue:
“A versão dos factos apresentada pela Autora não obteve qualquer suporte probatório.
Não apresenta quaisquer documentos que comprovem as aquisições, o negócio que diz ter mantido nas … ou sequer a dívida do seu irmão para consigo.
A versão dos factos apresentada pelas testemunhas …., seu sobrinho e …., seu filho, para além de não coincidirem integralmente com a sua (….declara que a mãe lhe deu as peças de ourivesaria para entregar como entrada para a aquisição duma habitação para si) são incongruentes e rebuscadas. Com efeito, declarando ambas as testemunhas que as peças de ourivesaria seriam para entregar ao …., para este vender e dar como entrada para a compra de uma casa, declara este igualmente que logo combinou com o … que este levaria as peças para Portugal no regresso do Dubai.
Esta versão dos factos não explica porque razão tinha o pai de …., na viagem de regresso do Dubai, as caixas das joias, nem porque razão, se se tratava de peças usadas, como afirmaram as testemunhas, não tinham as peças que foram apreendidas qualquer marca de contrastaria, tal como se extrai da fundamentação de facto da sentença penal.
Assim, estes depoimentos, inverosímeis, não foram considerados para prova. Em conclusão se extrai que não ficou ilidida a presunção dos factos resultante da sentença penal condenatória – art. 623º CPC.
 A testemunha …., apesar de ter declarado que a Autora teve em tempos um negócio de venda de jóias usadas, explorando uma loja na …., e que com ela teve alguns negócios, não identifica nenhuma das peças apreendidas como tendo sido objecto de tais negócios, não tendo o seu depoimento qualquer relevância probatória”.
Merecerá provimento a pretensão da autora?
Entendemos que não e por isso bem andou a sentença recorrida em considerar tais factos como não provados.
Após audição da prova efectuada em audiência final, o Tribunal de recurso constata que nenhuma das testemunhas ouvidas foi confrontada com o auto de apreensão (no qual se discriminam vários objetos em ouro), nenhuma das testemunhas  referiu especificamente qualquer um desses objetos, limitando-se a referir que a autora possuía objectos em ouro, uns comprados, outros ofertados, mas sem estabelecerem qualquer ligação concreta entre estes e os objetos apreendidos.
Acresce ainda, relativamente ao facto n.º 1 não provado, que não foi feita qualquer prova de quais os objetos comprados pela autora, datas da compra ou de que o irmão da autora tinha para com esta uma dívida e lhe pagava em objetos de ouro.
Relativamente ao facto n.º 2 não provado, nenhuma testemunha se referiu ao período em que a autora e família tinha residido em Macau. E a redação deste facto diz respeito ao período temporal aí referido, e não mencionado pelas testemunhas.
Idêntico raciocínio se aplica ao facto n.º 3 não provado, pois não foi feita qualquer prova de que a autora trabalhava em Macau como técnica auxiliar especialista com funções de chefia, na secção da sisa e Imposto SucessórioA afirmação da testemunha … de que a tia trabalhava como chefe de departamento de Impostos “de qualquer coisa” em Macau ou a afirmação de que esta era “técnica das finanças, chefiava a parte da sisa”, não permitem concluir pela especialidade da função atribuída à autora que, por isso, se considera não provada.
Relativamente aos pontos 4, 7 e 8 não provados, também não foi feita qualquer prova de que a autora e o marido, no período em que estiveram em Macau, tivessem auferido elevados rendimentos e que com estes tivessem adquirido várias joias em Joalharias de Macau e Casas de Penhores ou que esses rendimentos lhes tivessem permitido abrir o negócio na ….. A afirmação da testemunha … “Tiveram lá uma vida espectacular” não permite concluir a existência de rendimentos elevados, a compra de joias com estes rendimentos e, sublinha-se, que essas joias são as que foram apreendidas.
A testemunha …. apenas afirmou que fez negócios com a autora, não se recordando da autora lhe ter adquirido duas pulseiras em ouro branco. Sabe que  adquiriu à autora  diversos objetos, entre trocas e compras, sem especificar qualquer data, não tendo feito referência a qualquer um dos objetos constantes do auto de apreensão.
Relativamente aos factos n.ºs 12, 13, 15, 16, 17, 18, 20, 21 e 22 não provados, os mesmos assentam na não provada versão da autora. E, relativamente a esta matéria, dos depoimentos prestados por …., …. e …. não resulta qualquer afirmação que permita infirmar a decisão tomada relativamente a considerar estes como não provados.
No caso de reapreciação da prova pelo Tribunal Superior, entende Ana Luísa Geraldes, Impugnação, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610, que “(…) em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte (…) O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.”
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, “(…) tal não impede a Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida(…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada” (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
Esta matéria de facto não provada encontra-se devidamente fundamentada, não se encontrando qualquer “anomalia” que justifique a sua alteração.
Em consequência das razões expostas, nenhuma modificação se introduziria nestes factos dados como não provados, mantendo-se inalterados estes pontos da matéria de facto não provada.
Assim, improcede o recurso da matéria de facto.
V. Da reapreciação do mérito
- O artigo 623 do CPC.
Dispõe este artigo, sob a epígrafe “oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória” que “A condenação definitiva proferida em processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção
O artigo 623.º do CPC refere-se aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como aos respeitantes às formas do crime.
Reconhecendo-se que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, não poderá, em todo o caso, recusar-se também que essa eficácia se encontra necessariamente limitada aos factos – efectivamente – apurados na acção penal.
Não se trata aqui, diretamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes. A presunção estabelecida difere das presunções stricto sensu, na medida em que a ilação imposta ao juiz cível resulta do juízo de apuramento dos factos por um ato jurisdicional com trânsito em julgado; não está, porém, em causa a eficácia do caso julgado (ao contrário do que a inserção dos artigos que regulam a matéria poderia levar a supor), mas a eficácia probatória da sentença penal. (Ver Maria José Capelo, “A sentença entre a autoridade e a prova: em busca de traços distintivos do caso julgado civil”, Coimbra, Almedina, 2015, ps. 149-224 e 394: afastada a ideia de que a vinculação do juiz cível à sentença penal constitua um fenómeno de caso julgado, a autora entende que nos encontramos perante uma "situação sui generis, cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos "presumidos", mas sim uma "confiança” na averiguação dos factos feita pelo juiz penal”).
Por isso, aquela mesma autora (in ob cit, p. 169) refere que Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, no CPC Anotado, Vol. II, reconduzem o fenómeno a uma questão de “ distribuição de prova”, explicitando, por exemplo, a propósito da eficácia de uma sentença penal condenatória que “ o titular do interesse ofendido não tem ónus de provar na ação civil subsequente o ato ilícito praticado nem a culpa de quem praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e nexo de causalidade”.
Sem embargo, e seja qual for a teoria utilizada para classificar a situação (ou a do efeito reflexo do caso julgado ou a teoria da extensão do caso julgado ou da eficácia probatória da sentença penal, enquanto questão de distribuição de prova), cremos que ainda assim se poderá dizer com toda a propriedade o seguinte:
-em relação ao arguido condenado no processo penal opera plenamente e sem quaisquer restrições a autoridade do caso julgado da sentença penal no que tange à matéria da autoria, da ilicitude e da culpa, estando vedado ao arguido num subsequente processo cível entre as mesmas partes ilidir a presunção decorrente da sentença penal. Dito de outro modo: os factos que foram considerados provados na sentença penal, têm de ser atendidos na sentença cível como factos provados, não sendo admissível contrariá-los por qualquer meio de prova.
-apenas um terceiro é que poderá ilidir a presunção estabelecida no art.º 623º do CPC, em homenagem ao princípio do contraditório, alegando factos e produzindo prova para demonstrar que o arguido não praticou os factos pelos quais foi condenado”.
Portanto, o preceito estabelece que a sentença penal condenatória tem força probatória plena quanto a certos factos em resultado da atribuição de valor de presunção legal ilidível ao que nela foi decidido. Trata-se de fazer uso, em acções cíveis, dos factos assim presumidos. Naturalmente que se trata de prova cujo grau é de prova stricto sensu e não de mero princípio de prova: o facto considera-se provado, não sendo necessário mais prova que confirme o sentido probatório (Rui Pinto, Valor Extraprocessual da Prova… cit., pág. 1172).
Na sentença penal condenatória resultou provado que o ali arguido …., após proceder ao levantamento de quantias em dinheiro nos dias que antecediam as suas viagens para o Dubai com o propósito de comprar nesse país os artefatos em ouro e joias que trazia para Portugal (facto provado n.º 114), deslocou-se, por várias vezes, com seu filho …. a esse país, no período compreendido entre o ano de 2006 e o mês de fevereiro de 2010 aí adquirindo artefactos de ourivesaria e de joalharia que fez transportar até Portugal com o intuito de os introduzir no circuito comercial ocultando tal procedimento da autoridade tributária (facto provado n.º 74).
Por causa desta conduta, … foi condenado pela prática do crime de fraude fiscal qualificada. 
A autora pretende com esta ação reivindicar a propriedade, peticionando a sua restituição, das joias “que constam do auto de apreensão de 15/2/2010”.
Na estrutura da acção de reivindicação, identificam-se dois pedidos: o pedido de reconhecimento do direito e o pedido de restituição da coisa objeto desse direito.
Tinha  a autora que ilidir a presunção de propriedade dos objetos identificados no auto de apreensão, fazendo prova de que tais objetos eram seus.
Cabia à autora o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a demonstrar o seu pretendido direito de propriedade sobre os objetos reivindicados, e no caso de aquisição derivada, como a sustentada pela autora,  teria a autora de provar, não apenas o negócio, porque o mesmo não é constitutivo, mas meramente translativo, do direito de propriedade, mas também que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris).
Contudo, a autora não fez qualquer prova relacionada com esta matéria. E por isso, o juízo apenas podia ser o de improcedência da ação.
Resta assim concluir pela manifesta improcedência do recurso interposto, devendo manter-se a decisão recorrida.

VI. Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora e, em consequência, confirmar a  decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique e registe.

Lisboa, 18 de abril de 2024
Maria Teresa Lopes Catrola
Octávio Diogo
Maria Carlos Calheiros