Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10861/2007-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: REENVIO
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
Data do Acordão: 02/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 – Tendo a menor nacionalidade angola, embora residindo em Portugal com uma tia, e sendo os seus progenitores também angolanos e residentes em Angola, é aplicável à Regulação do Poder Paternal desta menor o Código de Família Angolano, face ao disposto no artigo 57º do Código Civil.
2 – Segundo a Lei Angolana, a regra é a autoridade paternal ser exercida conjuntamente pelo pai e mãe em caso de coabitação destes, pelo que o exercício em separado pressupõe e exige a ruptura do casamento ou da união de facto.
3 – Só excepcionalmente, quando nenhum dos pais se revele idóneo ou não esteja em circunstâncias para o exercício da autoridade paternal, ou quando estiver em perigo a segurança física ou moral da menor, pode o tribunal atribuir o seu exercício a terceira pessoa ou entregar o menor a estabelecimento de assistência.
4 – Coabitando os pais da menor e nem sequer tendo sido alegado que os mesmos não sejam idóneos, nem que a segurança física ou moral da menor esteja em perigo, não há, nestes termos, fundamento para a regulação do exercício do poder paternal, numa acção intentada em Portugal.
GF
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
O Ministério Público veio requerer a Regulação do Exercício do Poder Paternal relativamente à menor [I] contra os seus progenitores [O] e [E], alegando que a menor, sendo filha dos requeridos, vive, desde 2001, em Agualva – Cacém, com a sua tia materna, que dela cuida e zela, quando os seus progenitores, que residem em Luanda, Angola, dispõem de condições objectivas para o exercício do poder paternal e poderão e deverão fazê-lo nos termos tidos por mais adequados, mormente contribuindo para o seu sustento.

A Exc. ma Juiz indeferiu liminarmente a petição, por, in casu, não haver fundamento legal para a requerida Regulação do Exercício do Poder Paternal, atento o disposto no artigo 148º, n.º 1 do Código da Família Angolano.

Inconformado, recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1ª – A decisão recorrida violou o legal regime atinente, plasmado nas disposições conjugadas dos artigos 127º a 161º, verbi gratia, artigo 151º do Código de Família de Angola e artigos 31º, n.º 1, 52º e seguintes, 348º, n.º 1, do Código Civil Português, porquanto reunidos se mostram os requisitos de facto e de direito para o prosseguimento dos autos.
2ª – Efectivamente, não estabelecida a paternidade e os pais da menor residindo em Angola e esta vivendo em Portugal aos cuidados e guarda da tia materna desde o ano 2001, é no equacionado âmbito de “exercício (do poder paternal) por terceiro” que a situação deve decidir-se.
3ª – Afastados os legais requisitos do instituto da tutela por não verificação de não exercício “de facto da autoridade parental, há mais de um ano”, também se não vislumbra na legislação angolana normativo equiparável ao artigo 210º da OTM.
4ª – Sem embargo, sempre na vertente sede – jurisdição voluntária – se afiguraria legal e ajustado o prosseguimento dos autos na formulada matriz ou naquela que mais apropriada se houvesse, quer ab initio, quer ulteriormente.

A Exc. ma Juiz sustentou o despacho recorrido.

Cumpre decidir:
2.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, salvo se outras forem de conhecimento oficioso, interessa saber se, in casu, se verificam os pressupostos para que o exercício do poder paternal sobre a menor I possa ser exercido por terceira pessoa.
3.
Com interesse para a decisão da causa, além dos factos que constam do relatório, interessa salientar:
1º - [Isabel] nasceu no dia treze de Abril de 1990, em Luanda, Angola.
2º - É filha de [O] e de [E], cidadãos de nacionalidade angolana, residentes em Luanda.
3º - Os pais são solteiros, vivendo em união de facto.
4º – A menor reside, em Agualva – Cacém, com a tia materna [Maria].
4.


A menor, nascida a 13 de Abril de 1990, tem nacionalidade angolana. Também os seus progenitores são angolanos e residem em Angola.

Assim, é aplicável aos presentes autos, o Código de Família de Angola, Lei 1/88, de 20 de Fevereiro, face ao disposto no artigo 57º do Código Civil.
O exercício da autoridade paternal encontra-se regulado no capítulo II dessa Lei, determinando o artigo 135º que incumbe aos pais a guarda, a vigilância e o sustento dos filhos menores e a prestação de cuidados com a sua saúde.

Acrescenta o artigo 136º que os filhos menores devem viver com os pais, não podendo deixar a residência destes sem o seu consentimento.

A regra é, portanto, a de que a autoridade paternal será exercida conjuntamente pelo pai e mãe em caso de coabitação destes, embora caiba a cada um os poderes de representação comum do filho menor (artigo 139º).

O exercício em separado da autoridade paternal pressupõe e exige a ruptura do casamento ou da união de facto, pois que apenas no caso de não coabitação dos pais, seja por separação de facto, seja por anulação de casamento seja por divórcio, é possível o exercício da autoridade paternal por um dos cônjuges (cfr. n.º 1 do artigo 148º da Lei da Família).

Excepcionalmente, quando nenhum dos pais se revele idóneo ou não esteja em circunstâncias para o exercício da autoridade paternal ou quando estiver em perigo a segurança física ou moral do menor, pode o tribunal atribuir o seu exercício a terceira pessoa ou entregar o menor a estabelecimento de assistência (artigo 151º).

Reportando-nos ao caso sub judicio, consta-se que os pais da menor coabitam pelo que não se verificam os pressupostos para o exercício em separado da autoridade paternal.

Por outro lado, nem sequer foi alegado que os progenitores não se revelem idóneos ou não estejam em circunstâncias para o exercício da autoridade paternal como também não foi alegado que a segurança física ou moral da menor esteja em perigo.

Não se verificam, portanto, os pressupostos para que se possa proceder à Regulação do Exercício do Poder Paternal nem, consequentemente e por maioria de razão, para que possa ser atribuído a terceira pessoa o exercício da autoridade paternal (cfr. artigo 151º).

Concluindo:
Incumbe aos pais a guarda, vigilância e o sustento dos filhos menores e a prestação de cuidados com a sua saúde e educação (artigo 135º).
Os filhos menores devem viver com os pais, não podendo deixar a residência destes sem o seu consentimento (cfr. artigo 136º).
Os pais da menor não se encontram separados nem se verificam os pressupostos enunciados no artigo 151º da Lei da Família.

Não há, nestes termos, fundamento para a Regulação do Exercício do Poder Paternal, pelo que nenhuma censura merece a decisão que indeferiu liminarmente a petição.
5.
Pelo exposto, negando provimento ao agravo, confirma-se a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2008.
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira