Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1572/2004-1
Relator: FOLQUE DE MAGALHÃES
Descritores: ARRESTO
PENHORA
VALOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/08/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. RELATÓRIO:
1.1. Das partes:
1.1.1. Agravante:
1º - PUBLINTER – PUBLICIDADE E SERVIÇOS COMERCIAIS, S.A.
1.1.2. -Agravada:
1º - CARAT PORTUGAL COMUNICAÇÃO, LDA.
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1.2. Acção e processo:
Providência cautelar de arresto.
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1.3. Objecto do agravo:
O despacho de fls. 44 deste apenso de recurso, pelo qual foi deferido o pedido de reforço dos bens arrestados, dada a insuficiência do valor dos já arrestados em face do valor do crédito em causa.
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1.4. Questões a decidir: enunciado sucinto:
1. Da não aplicabilidade das regras do reforço da penhora ao arresto.
2. Da natureza de ampliação do pedido de arresto, ao pedir-se o reforço dos bens arrestados.
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2. SANEAMENTO:
O despacho recorrido foi mantido.
Foram colhidos os vistos.
Não se vislumbram obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso, pelo que cumpre apreciar e decidir.
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3. FUNDAMENTOS:
3.1. De facto:
Factos que este Tribunal considera provados:
1. Foi decretado o arresto nos bens indicados pela Requerente.
2. O valor do crédito a garantir pelo arresto eleva-se a € 2.550.256,18.
3. Os bens apreendidos, por força do decretado arresto eleva-se a € 31.253,89.
4. Com fundamento na insuficiência do valor dos bens arrestados, a Requerente do arresto requereu, nos termos e em conformidade com o disposto no art. 834º nº 3 b), por remissão do disposto no art. 405º nº 2 do C.P.C., que seja decretado o reforço do arresto, relacionando créditos da Requerida constituídos após a data do decretamento do arresto, o estabelecimento comercial da Requerida, bem como depósitos bancários e aplicações financeiras de que a Requerida seja titular, tudo até ao valor da dívida requerida.
5. O requerimento aludido mereceu o seguinte despacho: “face ao já arrestado e o montante do crédito, com os fundamentos constantes da decisão inicial, determino o respectivo reforço e o arresto requerido (...)”.
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3.2. De direito:
1. A primeira questão que importa apreciar é a da não aplicabilidade das regras do reforço da penhora ao arresto.
2. Dispõe o art. 406º nº 2 do C.P.C. que o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção. A disposição invocada, o art. 834º nº 3 b) do C.P.C., refere poder ser a penhora reforçada ou substituída quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados. Tal disposição não tem aplicação ao arresto, segundo o entendimento da Recorrente.
3. Em abono da sua tese a Recorrente alega apenas que não faz sentido aplicar ao arresto as disposições que regem a penhora, pois esta é apenas uma medida destinada a proporcionar a realização do direito do exequente, enquanto que aquele é apenas uma medida destinada a assegurar ao requerente a garantia do seu direito.
4. Aquilo que a Recorrente diz é verdade, mas não justifica a conclusão, ou seja, não justifica não ser admissível o reforço dos bens arrestados, ao contrário dos bens penhorados. É certo que a penhora é desde logo um acto mais forte do que o arresto, visto ela própria começar, no que se refere aos imóveis, pela comunicação ao registo que vale como apreensão (art. 838º nº 1 do CPC), quanto aos móveis pela apreensão efectiva com remoção imediata para depósitos (art. 848º nº 1) e quanto a direitos pela notificação ao devedor (art. 856º), enquanto que o arresto, estando também sujeito a registo (art. 2º nº 1 n) do C.R.P.) é meramente convertível em penhora (art.822º nº 2 do C.Cv.). Porém, em tudo o mais a posição jurídica de intangência relativamente aos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados (art. 819º C.Cv.) ou arrestados (art. 622º nº 1 C.Cv.), praticados pelo seu dono, é igual, e o mesmo se diga relativamente aos actos materiais.
5. Por outro lado, note-se que, com a penhora, verdadeiramente ainda não se está a realizar o direito do exequente: está-se a indisponibilizar os bens penhorados, a fim de, pela adjudicação ou venda, afectar o respectivo produto, então sim, à realização do direito do exequente. Lugar paralelo se dá com o arresto: aqui também há uma indisponibilização dos bens arrestados.
6. E o fim imediato de ambos os actos – penhora ou arresto – materialmente coincide, pois que em ambos os casos converge para a apreensão de bens. O fim mediato é que é diferente, como acima se viu.
7. Por sua vez, além do art. 406º nº 2 do C.P.C. prescrever a aplicação das disposições relativas à penhora, em tudo o que não contrariar o preceituado na subsecção em que a referida disposição está inserta, e não se descortina qualquer oposição entre as demais disposições insertas nessa subsecção e a relativa ao reforço dos bens apreendidos, ainda o art. 622º nº 2 do C.Cv. prescreve a aplicação ao arresto dos demais efeitos da penhora. Ou seja, o paralelismo das instituições é enorme e flagrante: assegurar a satisfação do interesse do credor.
8. Por isso, não se vê motivo para não aplicar o disposto no art. 834º nº3 b) ao arresto.
9. Dir-se-á mesmo mais. Tendo em consideração o disposto no art. 408º nº 2 do C.P.C., segundo o qual, se o arresto houver sido requerido em mais bens do que os suficientes para segurança normal do crédito, reduzir-se-á a garantia aos justos limites, ainda antes da nova redacção do art. 834º nº 3 permitir o reforço dos bens apreendidos, também já seria de aplicar o mesmo regime, embora não se encontrasse expressamente consagrado na lei, pois que tal regime constitui a outra face da referida norma do nº 2 do art. 408º: se a lei admite a redução da apreensão em ordem a adequar o valor dos bens apreendidos ao valor do crédito a garantir, numa perspectiva de justiça para com o devedor, o mesmo se impõe em sentido inverso, ou seja, permitir a apreensão de bens para além dos indicados, seja inicialmente seja supervenientemente, se o valor destes não for suficiente para garantir o crédito, agora fazendo jus ao fim da providência e à posição do credor.
10. Por tudo o exposto, julga-se improcedente a posição da Recorrente no que concerne a esta questão.
11. A segunda questão consiste no apuramento da natureza do pedido de reforço dos bens arrestados. Segundo a Recorrente, esse pedido consiste numa verdadeira ampliação do pedido de arresto, o que a lei não permite, sem acordo da contraparte. Mas crê-se que não assiste razão à Recorrente pela argumentação que se passa a expor.
12. No caso da providência cautelar de arresto, o pedido consiste realmente na apreensão de certos bens que o Requerente deve indicar (art. 407º nº 2 CPC). Porém, o escopo principal da providência não é constituído pela apreensão dos bens concretamente indicados. O escopo principal é a apreensão de bens, quaisquer que eles sejam, de valor suficiente para garantir o crédito invocado. Ou seja, é pelo valor do crédito invocado que se aquilata da quantidade e valor dos bens a apreender, uma vez que deve haver uma correspondência entre um e os outros, de tal modo que o já referido nº 2 do art. 408º do C.P.C. manda reduzir a apreensão aos bens suficientes para a segurança normal do crédito. A obrigatória indicação dos bens a apreender no requerimento de arresto tem apenas por razão de ser o princípio dispositivo, deixando às partes a iniciativa da indicação dos bens que em seu entender servem o desiderato proposto com o pedido de arresto, bem como de celeridade processual, uma vez que, doutro modo, teria de ser o tribunal a indagar quais os bens a apreender o que se tornaria certamente mais moroso, não sendo, aliás, vocação deste órgão de soberania. Numa situação como a de arresto não é naturalmente configurável como adequado deixar ao devedor a faculdade de indicar os bens a arrestar, como está bem de ver. Daí que caiba ao requerente da providência a indicação dos bens a arrestar.
13. Nesta linha de pensamento, o pedido relevante é o da apreensão de bens, não necessariamente apenas e só os indicados no requerimento inicial pelo credor, mas os que se mostrem suficientes para assegurar o valor do crédito em causa. Ou seja, o mais importante para se apurar quais são os bens a apreender é o valor do crédito.
14. Por outro lado, importa ter presente que não é facilmente determinável o valor dos bens que se indicam como bens a apreender, ao menos em certos casos. Por isso, bem pode acontecer que se julgue adequado certos bens para assegurar o crédito, e se venha a verificar, no momento da apreensão, que o seu valor excede ou é insuficiente para tal fim, sendo, por isso, necessário corrigir o inicialmente solicitado.
15. Em consequência, no caso do arresto, a ampliação do pedido consistiria em invocar-se um crédito de valor superior ao indicado no requerimento inicial, isso sim, pois que então ter-se-ia de apreender mais bens por causa do novo valor a assegurar.
16. Não é, porém, essa a hipótese dos presentes autos. Aqui, mantendo-se constante o valor do crédito indicado no requerimento inicial, o que se pediu foi a apreensão de mais bens, além dos inicialmente indicados, por se ter apurado que os apreendidos tinham valor insuficiente para garantir o crédito indicado.
17. Devendo considerar-se a relação intrínseca entre o pedido de apreensão de bens e o valor a garantir pela apreensão, no caso de arresto, não pode considerar-se que houve ampliação de pedido no caso dos autos.
18. Razão porque se julga improcedente a posição da Recorrente também no que se refere a esta questão.
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4. DECISÃO:
1. Por tudo o exposto, nega-se provimento ao agravo, e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido.
2. Custas pela parte que decaiu.
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Lisboa, 8 de Julho 2004

Relator (Eduardo Folque de Sousa Magalhães)
1º Adjunto (Flávio Joaquim Bogalhão do Casal)
2º Adjunto (Rogério Sampaio Beja)