Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2428/05.0TVLSB.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: ERRO DA ANÁLISE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS
CONTRATO COM EFICÁCIA DE PROTECÇÃO DE TERCEIROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I - O facto que se considera como causa não tem que, só por si, ter dado lugar ao dano, podendo outros factos terem concorrido para a ocorrência deste; não tem sequer que constituir a condição mais próxima do resultado. Por outro lado, a negligência de um terceiro não exclui a adequação; só uma actuação antijurídica intencional poderá conduzir à exclusão da imputação do facto.
II - A obrigação do médico no âmbito da execução de um contrato de prestação de serviços que se consubstanciam na obtenção de um resultado laboratorial, analisa-se – pelo menos na generalidade desses exames – numa obrigação de resultado e não de meios, bastando, por isso, que o laboratório forneça um resultado cientificamente errado para se entender que actuou culposamente por ter infringido os deveres de cuidado implicados na referida obrigação de resultado.
III - Em situações de contrato de prestação de serviços laboratoriais (ou ecográficos) a uma mulher grávida, não obstante ser esta apenas quem celebra o contrato, não repugna - porque as partes estão cientes de que, com ele se pretende, também um certo objectivo dirigido a terceiros, e porque o escopo do contrato na sua compleição externa, como nas suas projecções no espírito das partes, é o de avantajar interesses de pessoas não celebrantes - estender a protecção do mesmo ao pai do nascituro e ao próprio nascituro, apesar deste não ter à data do mesmo personalidade jurídica, pressupondo-se, no que respeita à respectiva protecção, que venha a ocorrer o respectivo nascimento completo e com vida.
IV - A responsabilidade civil contratual e a extra obrigacional podem coexistir, visto que o mesmo facto pode constituir simultaneamente violação de um contrato e um facto ilícito, o que sucede na situação dos autos: o mesmo facto – erro na análise – constituiu a um tempo violação de uma obrigação contratual e lesão do direito absoluto à integridade física ou à saúde da A. menor.
V - Se os AA. tivessem lançado mão apenas da responsabilidade civil por facto ilícito para obterem a condenação de todos os RR, esbarrar-se-ia com a problemática da indemnização dos danos não patrimoniais reflexos, pois que, na situação dos autos, lesado no seu direito à saúde foi apenas a A. menor.
VI - Nessa situação – e a não se admitir que nos pedidos de indemnização está sempre presente o duplo fundamento da responsabilidade civil contratual e extraobrigacional, como de todo o modo se deve admitir - restaria lançar mão do direito dos pais - também ele directamente violado e também ele absoluto - «ao são e harmonioso desenvolvimento físico do seu filho menor, direito que a lei lhes garante e reconhece através da atribuição/imposição do poder paternal e do reconhecimento da paternidade e da maternidade como valores fundamentais, de matriz constitucional».
VII -Há que concluir que na situação dos autos, quer os AA., progenitores da menor, quer esta, têm direito a verem-se ressarcidos dos danos não patrimoniais decorrentes do facto ilícito - contratual ou não - cometido pelo laboratório (necessariamente que através dos seus funcionários, nos termos do art 165º do CC), ao errar no resultado referente ao factor Rhesus da A.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

 I - “A” e “B”, por si, e em representação da sua filha menor, “C”, intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra,  “D”,  “E”  e “F”, este na qualidade de herdeiro de “G”, tendo requerido a intervenção principal passiva  do “Laboratório de Análises Clínicas Drª “D” Lda” e de incerto, na qualidade de quem efectuou as análises em causa nos autos, pedindo: que os RR sejam condenados:
a) a condenação dos RR. ao pagamento à A. mulher da quantia de € 30.000, ao A. marido da quantia de € 30.000, e à A. filha a quantia de € 40.000, ou outras que se venham a apurar nos termos do disposto no art 569º CC, acrescidas de juros de mora vincendos até integral pagamento, a titulo de indemnização pelo incumprimento contratual, ou caso assim não se entenda, pela violação extracontratual das obrigações a que estavam  adstritos; b) bem como ao pagamento de todas as quantias que vierem a ser despendidas pelos AA. no acompanhamento clínico e sustento da “C” que sejam consequência da conduta ilícita das 1º e 3º RR. e da directora técnica de quem o 2º R. é herdeiro, acrescidas de juros de mora vincendos até efectivo pagamento, de acordo com o disposto no art 471º/1 al b) CPC, a titulo de indemnização pelo incumprimento contratual, ou caso assim não se entenda, pela violação extracontratual das obrigações a que estavam adstritos;
 c) ou, subsidiariamente, a condenação dos intervenientes principais provocados no pagamento à A. mulher da quantia de € 30.000, ao A. marido da quantia de € 30.000, e à A. filha da quantia de € 40.000, ou outras que se venham  apurar nos termos do disposto no art 569º CC, acrescidas de juros de mora vincendos até integral pagamento, a titulo de indemnização pelo incumprimento contratual, ou caso assim não se entenda, pela violação extracontratual das obrigações a que estavam  adstritos e no  pagamento de todas as quantias que vierem a ser despendidas pelos AA. no acompanhamento clínico e sustento da “C” que sejam consequência da conduta ilícita das 1º e 3º RR. e da directora técnica de quem o 2º R. é herdeiro, acrescidas de juros de mora vincendos até efectivo pagamento, de acordo com o disposto no art 471º/1 al b) CPC, a titulo de indemnização pelo incumprimento contratual, ou caso assim não s entenda, pela violação extracontratual das obrigações a que estavam adstritos.
 Para tanto invocaram o cumprimento defeituoso do contrato celebrado com o laboratório clínico das RR. e da falecida “G”, configurando-o como um contrato com efeito de protecção para terceiros,  alegando terem as mesmas errado na determinação do factor RH do grupo sanguíneo da A. “A”, facto que determinou o aparecimento de icterícia e anemia na A. “C” após o respectivo nascimento, e que causou danos de natureza não patrimonial, quer nos AA., pai e mãe, quer na filha, desde o terceiro dia após o nascimento desta, até cerca dos seus nove meses de idade, sem prejuízo da possibilidade futura da existência de outros danos nesta.
As RR. “D” e “E” contestaram por excepção, invocando a respectiva ilegitimidade passiva, por entenderem que a responsabilidade a que os AA. se referem, a existir, pertencerá ao Laboratório de Análises Clínicas Dra “D” Lda e a por prescrição, impugnando, seguidamente, a factualidade invocada pelos AA.
O R. “F” contestou referindo que nenhuma das assinaturas ou rubricas apostas nas folhas que integram o doc nº 2 pertence à sua mãe, invocando ainda ter  recebido apenas da herança aberta por falecimento daquela bens no valor de 4.690,00 € e suportado encargos no valor de 4.464,00 €, pelo que, de todo o modo, não poderia ser condenado a suportar quantia superior a € 226,00, nos termos do art 2071º/2 CC, no mais impugnando a factualidade alegada pelos AA.

Tendo sido admitida a intervenção principal da sociedade Laboratório de Análises Clínicas Dra. “D” Lda., e do Incerto que efectuou as análises em causa nestes autos, a chamada sociedade veio declarar fazer seu o articulado de contestação das RR. “D” e “E”.

Foi dispensada a realização da audiência preliminar e, tendo sido proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, teve lugar o julgamento, vindo a ser proferida sentença que condenou a R. Laboratório de Análises Clínicas Dra. “D”, Lda. a pagar à A. “A”, a quantia de 15.000,00 €, ao A. “B”, a quantia de 15.000,00 € e à A. “C”, a quantia de 10.000,00 € ,todas acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação, absolvendo as RR. “E”, “D” e “F” do pedido.

            II – Do assim decidido, apelou a chamada Laboratório de Análises Clínicas Dra. “D”, Lda. que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos:
(…)
           
III - O demandado herdeiro da directora técnica do Laboratório, “F”, ofereceu contra-alegações e, prevenindo a possibilidade de se vir a entender que o recurso deva proceder pela atribuição de erro de análise à falecida “G”, sua mãe, veio requerer a ampliação do âmbito do recurso, tendo concluído nos seguintes termos:
(…)

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

 IV – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1º - “B” e “A” casaram um com o outro no dia 3 de Outubro de 1998.
2º - “I” nasceu no dia 15 de Janeiro de 2000, de cesariana, e é filha de “B” e “A”.
3º -”C” nasceu no dia 13 de Março de 2003, de cesariana, e é filha de “B” e “A”.
4º- “C” teve “alta com a mãe” no dia 14 de Março de 2003.
5º - “A” teve “alta” no dia 16 de Março de 2003, de manhã.
6º - No dia 16 de Março de 2003, de manhã, a Dra. “J” disse à Autora que lhe parecia que “C” estava ictérica.
7º -A bilirrubina é uma substância que resulta da destruição da hemoglobina e que dá a coloração amarela à pele, característica da icterícia.
8º -Fototerapia é um tratamento com raios ultravioleta, destinado a eliminar o excesso de bilirrubina.
9º - Na 2ª Consulta de Desenvolvimento, nove meses após o nascimento de “C”, foram afastadas as hipóteses daquela sofrer de uma patologia ao nível cerebral.
10º -”C” não foi sujeita a uma exsanguineotransfusão.
11º- O Laboratório de Análises Clínicas Dra. “D” é o estabelecimento comercial da sociedade por quotas Laboratório de Análises rg.pt Clínicas Dra. “D”, Lda., contribuinte fiscal n.º ..., com sede social na Av. ..., n.º ..., 1º Dtº, em Lisboa.
12º-Durante a primeira gravidez da Autora a médica obstetra, Dra. “J”, prescreveu-lhe análises clínicas para determinação do grupo sanguíneo e factor Rh.
13º- Para esse efeito, no dia 12/5/1999, a Autora efectuou colheita de sangue no Laboratório de Análises Clínicas Dra. “D”.
14º Na sequência de tal colheita, o Laboratório de Análises Clínicas Dra. “D” emitiu o Relatório, datado de 18/5/1999, cuja cópia se mostra a fls.35 a 38 dos autos, no qual consta que o grupo sanguíneo da Autora é o A RH+.
15º- Até essa data a Autora desconhecia qual era o seu grupo sanguíneo.
16º- Durante a primeira gravidez da Autora não foram detectados problemas fetais.
17º- (…) tendo o bebé, “I”, nascido sem sinais de icterícia.
18º- A gravidez de “C” decorreu de Junho de 2002 a
13 de Março de 2003.
19º-Durante esse período a Autora não fez análises para determinar o seu grupo sanguíneo.
20º- Durante essa gravidez não foram detectados problemas fetais.
21º- “C” nasceu às 38 semanas de gestação.
22º-No dia 16 de Março de 2003, de manhã, a pediatra, Dra. “L”, determinou que fosse feita colheita de sangue a “C”, para análise à bilirrubina.
            23º-Para esse fim a “C” teve de ser picada.
24º-No dia 16 de Março de 2003, à tarde, os Autores dirigiram-se à Maternidade ..., para repetição da análise ao sangue de “C”.
25º-Após observação, “C” ficou internada.
26-Fez novas recolhas de sangue.
27º-E iniciou a fototerapia.
28º -Sendo colocada numa incubadora, sob lâmpadas, com uma venda para evitar lesões nos olhos.
29º-”C” só podia sair da incubadora por minutos, para se alimentar.
30º-”C” foi sujeita ao tratamento de fototerapia de 16/3/2003 a 19/3/2003.
31º-Numa situação de icterícia provocada por imunização anti-RH da mãe a subida dos níveis de bilirrubina acima de determinados valores pode causar lesões a nível cerebral.
32º No período compreendido entre 16/3/2003 e 19/3/2003 a “C” foi sujeita a colheitas de sangue para verificar a evolução do teor da bilirrubina.
33º- Os Autores tomaram conhecimento em data não apurada mas posterior ao parto da “C” de que o grupo sanguíneo da autora “A”é A Rh negativo.
34º-No dia 16/3/2003 os Autores tomaram conhecimento que o grupo sanguíneo da “C” é o AB Rh+.
35º-E que o grupo sanguíneo da sua filha “I” é o A Rh+.
36º-No dia 16/3/2003 os Autores tomaram conhecimento que eram positivos o teste de Coombs directo (sobre o sangue da filha), e o teste de Coombs indirecto (sobre o sangue da mãe).
37º- O teste de Coombs visa detectar a presença no sangue de anticorpos anti-Rh.
38º-Depois da icterícia, a presença no sangue de um bebé com factor Rh+ dos anticorpos anti-Rh transmitidos pela mãe provoca a destruição dos glóbulos vermelhos do sangue do bebé.
39º-Comummente chamada anemia.
40º-Caso o nível de hemoglobina atinja ou se aproxime de 7 g/l é necessário proceder a uma transfusão de sangue.
41º-Níveis de hemoglobina no sangue abaixo de 7 g/l poderão causar problemas cardíacos transitórios e não definitivos.
42º-(…) e nos casos mais graves é necessário retirar totalmente o sangue do doente e introduzir-lhe sangue novo – exsanguineotransfusão.
43º-Em virtude dos factos referidos em 38º a 42º “C” necessitou de controlar os níveis de hemoglobina no sangue, para evitar que descessem abaixo de 7 g/l.
44º-A partir de Março (16/3/2003) a “C” fez os seguintes hemogramas: - 16/3/2003 - valor hemoglobina 14,1 g/l - 17/3/2003 - valor hemoglobina 14,4 g/Ln - 18/3/2003 - valor hemoglobina 13,0 g/l - 29/4/2003 - valor hemoglobina 7,3 g/l.
45º-No dia 29 de Abril de 2003 “C” foi internada para realizar uma transfusão de sangue.
46º-Entre 13/3/2003 e 28/11/2003 a “C” foi picada para recolher sangue para análise.
            47º-A transfusão demorou cinco horas.
48º-Na transfusão foi utilizado sangue do banco de sangue da Maternidade ....
49º-A 28 de Novembro de 2003 “C” teve alta da Consulta de Pediatria da Maternidade ....
50º A administração de uma injecção de imunoglobina nas 48 horas após o parto evita a produção de anticorpos anti Rh por parte da mãe.
51º-De 15 de Março de 2003 a 28 de Novembro de 2003 a Autora acompanhou “C” a consultas, exames e internamentos.
52º- Aquando do nascimento de “C” a Autora tinha anticorpos anti-Rh.
53º - (…) existindo a possibilidade de um terceiro bebé vir a padecer de icterícia.
54º-Para dar assistência a “C” os Autores deixaram a sua filha “I” entregue aos cuidados de familiares e amigos, por longos períodos de tempo.
55º-Os Autores sentiram angústia, sofrimento, ansiedade, desespero e dor em virtude da icterícia da filha “C” e dos tratamentos a que foi sujeita.
56º-Entre 12/5/1999 e 18/5/1999 “G” desempenhava funções de directora técnica do Laboratório de Análises Clínicas Dra.  “D”.
57º-Os anticorpos antieritrócitos imunes desenvolvem-se por gravidez e transfusão.
58º-A pesquisa de anticorpos antieritrocitários é efectuada através do teste de antiglobulina indirecto (Teste de Coombs indirecto).
            59º-A fototerapia é um tratamento indolor.
60º-O acompanhamento de uma anemia hemolítica determina o doseamento das hemoglobinas e das bilirrubinas.
61º-A anemia hemolítica pode ter outras causas além do factor Rhesus.
62º-O sistema Rhesus tem um conjunto de anticorpos avaliados no teste de Coombs.
63º-(…) apenas um desses anticorpos causa a anemia hemolítica.
64º-”C” foi submetida a uma transfusão de concentrado eritrocitário.
65º-O concentrado eritrocitário é obtido após a centrifugação do sangue total, separando-se em plasma e eritrócitos.
66º- Cada dádiva de sangue é submetida a um estudo imuno-hematológico que compreende o grupo sanguíneo nos sistemas ABO e Rh e pesquisa de anticorpos irregulares.
67º(…) e é feito um estudo de doenças transmissíveis pelo sangue.
68º- O tempo normal de gestação é entre 38 a 42 semanas.
69º-Uma grávida sujeita a partos por cesariana não é aconselhada a ter mais de 3 filhos.
70º-A colheita de sangue de um recém-nascido é indolor.
71º-A herança de “G” integrava mobílias no valor de € 600.
72º-A herança de “G” suportou despesas de funeral no valor de €4.464,00.

V – De acordo com as conclusões das alegações, constituem questões a apreciar no presente recurso, as de saber se a sentença enferma das nulidades a que se reportam as al b) e c) do nº 1 do art 688º CPC, porque algumas das respostas dadas pelo tribunal a quo à matéria de facto se apresentem como deficientes, obscuras ou contraditórias; se, em todo o caso, e nos termos do nº 2 do art 712º CPC, tais respostas deverão ser alteradas por este tribunal; se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia por não ter ponderado a aplicação à situação dos autos da disciplina do DL 217/99 de 15/6, cuja aplicação implicará - no caso de se manter a condenação da apelante - que também a  Directora Técnica do Laboratório, “G”, seja condenada; se, a assim ser, deverá, não obstante, o R. “F”, único herdeiro daquela, entretanto falecida, ser absolvido do pedido em função do disposto no art 2071º/2 CC; se, de todo o modo, a acção se deverá ter como improcedente por falta de nexo de causalidade; e se os valores indemnizatórios alcançados pela 1ª instância se mostram despropositados.

Pretende a apelante que a sentença recorrida é nula nos termos da al b) e c) do nº 1 do art 668º CPC, referindo, para assim concluir, que algumas das respostas à matéria de facto se mostram deficientes, obscuras ou contraditórias, estando a reportar-se – como se verifica em função do corpo das alegações - às respostas dadas aos arts  24º, 31º e 45º que constituem, respectivamente, os pontos 31º, 33º e 47 º da elencagem da matéria de facto na sentença.
Independentemente de outras considerações que se têm por desnecessárias, parece evidente que a apelante está a confundir conceitos, visto que a nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito – al b) do nº 1 do art 668º CPC – e a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão – al c) do nº 1 dessa mesma norma – nada têm a ver com a deficiência, obscuridade ou contradição na «decisão sobre pontos determinados da matéria de facto» a que alude o nº 4 do art 712º CPC.
As nulidades de sentença pressupõem vícios internos na estrutura da mesma, não confluindo em nada com o conteúdo concreto da matéria de facto que haja sido utilizada na mesma, o que significa que as respostas à matéria de facto podem configurar-se como deficientes, obscuras ou contraditórias que, nem por isso, aquelas nulidades existirão.

Ao que a apelante se pretenderá referir – como se vem a depreender do desenvolvimento das suas alegações – é à impugnação das respostas àquela concreta matéria de facto, isto é, às respostas que a 1ª instância deu aos artigos arts 24º, 31 e 45º da base instrutória.
Está, pois, em causa a modificabilidade da decisão da matéria de facto a que se reporta a al a) do nº 1 do art 712º CPC, sendo por isso que a apelante convoca a respeito de cada um daqueles pontos da matéria de facto concretos depoimentos testemunhais.
Este procedimento para além de mal caracterizado - consoante já se referiu e  resulta logo da 1ª conclusão das alegações  – acabou por em nada transparecer nas demais conclusões destas, apesar de, da 3ª à 7ª, a apelante fazer menção às razões por que pretenderá resposta diversa, concretamente ao art 31º da base instrutória, decerto por serem fundamentalmente as mesmas em função das quais defende, posteriormente, a inexistência de causalidade.

Estas confusões e deficiências no cumprimento dos ónus a que se refere o art 685º-B, para que remete a al a) do nº 1 do art 712º CPC levam a que o R. “F” – que lançou mão do mecanismo da ampliação do âmbito do recurso – sustente, drasticamente, que a apelante não merece o acréscimo do prazo das alegações que resulta do propósito que enunciou de proceder à reapreciação da prova gravada – nº 7 do art 685º CPC -  porque, na realidade, nenhuma reapreciação desta requer, devendo, em consequência, ter-se o seu recurso por inadmissível, porque interposto fora de prazo.
Trata-se de conclusão que não se pode subscrever pois que, pese embora as imprecisões e imperfeições em que se move a, em última análise, pretendida impugnação da matéria de facto, não haverá dúvidas, em face do corpo das alegações, que a recorrente desenvolveu esforço impugnatório mereceder do acréscimo de prazo de que dispôs para alegar, não sendo assim caso para se concluir pela intempestividade das alegações com a consequente conclusão da deserção do recurso [1].

Questão diversa é a de saber se, se deverá admitir a pretendida reapreciação da matéria de facto.
O mesmo é dizer se, se deverão ter como preenchidos os ónus a que se refere o já mencionado art 685ºB CPC.
Conhece-se jurisprudência mais ou menos exigente relativamente ao cumprimento destes ónus. [2]
Tem tido, no entanto, este tribunal a esse respeito, um entendimento algo condescendente, sempre no pressuposto de que, na dúvida, não serão de se coarctar direitos em função do não cumprimento rigoroso de regras processuais, admitindo a reapreciação da matéria de facto ainda que a mesma não se tenha feito constar das conclusões das alegações, desde que conste do corpo destas.

Ora, na situação concreta, apesar das confusões da apelante, é possível, sem esforço, perceber do texto das alegações quais os concretos pontos de facto que a apelante considera incorrectamente julgados  - al a) do nº 1 do art 685-B - e quais os concretos meios probatórios constantes da gravação que impunham decisão diversa sobre esses pontos da matéria de facto – al b) do nº 1 dessa norma - não sendo difícil também perceber que a apelante pretende que todos eles sejam  respondidos como não provados.
Por isso se entende dever-se admitir a referida reapreciação da matéria de facto.

No art 24º da base instrutória pergunta-se se, «numa situação de icterícia provocada por imunização anti RH da mãe a subida dos níveis de bilirrubina pode provocar lesões a nível cerebral», e foi respondido “provado”.
No art 31º pergunta-se se, «no dia 16/3/2003 os AA. tomaram conhecimento de que o grupo sanguíneo de “A” é o A RH negativo», e foi respondido,  que «os AA. tomaram conhecimento em data não apurada, mas posterior ao parto da “C” de que o grupo sanguíneo da A. “A”é “A RH negativo».
No art 45º pergunta-se se «a transfusão demorou cinco horas», e foi respondido “provado”.

Relativamente à matéria do art 24º fundamenta-se a apelante para que a mesma seja tida como não provada, no depoimento da testemunha “L”, médica neonatologista/pediatra, quando a mesma refere «eu penso, nesta situação que os valores (da bilirrubina) não eram tão altos que pudessem provocar lesão cerebral».  
È verdade que essa testemunha emitiu essa opinião, mas também é verdade que se trata de opinião que se tornou possível “a posteriori”, não invalidando a circunstância – a cuja prova se destina o perguntado – de não se poder excluir que de um momento para o outro a bilirrubina da bebé pudesse atingir valores críticos a nível neurológico. 
A questão colocada no ponto da matéria de facto em apreciação está-o em abstracto, pretendendo saber-se se numa situação de icterícia provocada por imunização anti RH da mãe a subida dos níveis de bilirrubina é susceptível de provocar lesões a nível cerebral, e a testemunha em causa não respondeu negativamente, antes pelo contrário, quando conclui que – afinal – retroactivamente não houve valores que justificassem esse receio.
Por outro lado, houve vários depoimentos testemunhais a confirmaram claramente a possibilidade de «valores muito levados de bilirrubina poderem causar lesões cerebrais», «constituírem risco para a parte neurológica em geral».. Assim, se pronunciou a pediatra que acompanhou a “C”  - que explicou que a bilirrubina diminui a oxigenação do sangue e referiu ainda que «o sistema nervoso está em evolução até aos três anos», pelo que até essa idade a criança tem que estar em vigilância, «há um risco acrescido», frisando, em todo o caso que «à medida que a criança vai crescendo podemos ir afastando esse risco, assim com a verificação da motricidade fina, o receio foi diminuindo… pelo menos para os técnicos… os pais ficam sempre mais ansiosos».
Também o avó materno da “C” – médico cirurgião – em depoimento consistente e isento, pôs em relevo a possibilidade da bilirrubina poder afectar o sistema nervoso central e em consequência poder afectar o cérebro, possibilidade que tornou «a vida num inferno» (estando-se a referir, sobretudo à dos pais), acrescentando ainda que «durante algum tempo, pelo menos o primeiro ano de vida da miúda há risco neurológico, os pediatras de desenvolvimento também não garantiam nada, embora os médicos pareçam muito seguros, não é bem assim … há sempre receios de restarem deficits neurológicos…»
Por isso se mantém a resposta dada.

Relativamente ao art 31º, sustenta a apelante, em última análise, ser (absolutamente) inacreditável que só apenas depois da “C” nascer, os AA., seus pais, e sobretudo a A. “A”, tivesse(m) tido conhecimento que o grupo sanguíneo desta era A RH negativo, argumentando, em síntese, tal como consta das conclusões 3ª a 5ª: Uma cesariana é um acto cirúrgico e não é efectuado sem que o serviço de sangue da unidade onde a mesma vai ser efectuada determine o grupo AB0 e factor RH, mesmo que o paciente indique conhecer esses dados; uma cesariana tem riscos elevados e a paciente pode carecer de uma transfusão; a A. “A”fez duas cesarianas, uma em 1999 e outra em 2003; A A. “A”não podia ignorar desconhecer o seu grupo sanguíneo, tendo-se deslocado às urgências de obstectrícia do hospital de ..., durante a segunda gravidez; e menos ainda a médica assistente que acompanhou as duas gravidezes, pois fez duas cesarianas em hospitais, à paciente e não mandou repetir as análises de grupo AB0 e factor Rhesus na gravidez de 2003.

Não pode deixar de se partilhar a perplexidade da apelante a este respeito, pelas razões que a mesma adianta, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas de que ela lança mão.
Sucede que nenhuma dessas testemunhas veio dizer em tribunal que os AA. sabiam, ou que a A. sabia,  antes do nascimento da “C”, que o seu grupo sanguíneo era  RH negativo. A verdade é que não cabia à A. saber, ou não, qual era o seu grupo sanguíneo, pois bem podia acontecer que, mesmo que ela soubesse que o seu grupo sanguíneo era RH negativo, desconhecesse as complicações que daí poderiam advir numa segunda gravidez, sem que na primeira tal facto tivesse sido tido em consideração. O que é estranho e quase incrível, não é que a A. apenas viesse a saber que o seu grupo sanguíneo era RH negativo depois da “C” nascer, em consequência da icterícia desta, mas que o “sistema de saúde” que envolveu uma primeira e uma segunda gravidez da A. e duas cesarianas por parte desta, não tenha detectado ou, de todo o modo, absorvido, o real factor Rhesus do sangue da A. “A”, infirmando a sua categorização como “positivo”.
 Mas que assim foi… foi – e por isso a resposta ao ponto de facto em apreciação tem de manter-se.

Relativamente ao art 45º, onde se pergunta se a transfusão realizada à bebé demorou cinco horas, e foi respondido “provado”, a única testemunha que se pronunciou quanto a essa questão – a acima referida “L” – referiu efectivamente que essa transfusão teria demorado «para aí duas ou três horas», mostrando bem que, em todo o caso, não sabia exactamente qual tinha sido a concreta duração dessa intervenção.
De todo o modo, na falta de outra prova, altera-se a resposta em causa, passando a responder-se «a transfusão demorou tempo não inferior a duas horas».

Mantendo-se a matéria de facto tida como provada na 1ª instância – com a pequena e relativamente inócua alteração acabada de verificar – importa saber, por condicionar os demais aspectos que cumpre apreciar, se a mesma não permite que se conclua pela existência de nexo de causalidade relevante entre o erro da análise sanguínea e os danos sobrevindos aos AA.

A apelante pugna pela inexistência de nexo de causalidade, como acima já se aflorou, em função dos mesmos argumentos com que propugnava resposta negativa à matéria do art 31º, embora pretenda agora deles extrair a censurabilidade do comportamento da médica que acompanhou a segunda gravidez da A. – e que foi a mesma que acompanhou a primeira gravidez desta – bem como a dos médicos que terão intervindo na realização das duas cesarianas a que esta foi sujeita, referindo ter ocorrido omissão ilícita da sua parte ao não terem repetido análises ao sangue da A. para verificarem em concreto o factor Rhesus.
Já se referiu partilhar-se com a apelante a perplexidade relativamente à situação em causa.
Mas daí não pode resultar a pretendida falta de nexo de causalidade.

È sabido que o obrigado a indemnizar não deve ser obrigado a reparar todos e quaisquer danos, mas apenas os que se encontrem em determinado nexo causal com o acontecimento que dá lugar à indemnização, tendo a nossa lei aderido, para o efeito em questão, à teoria da causalidade adequada, no essencial, tal como ela foi delineada por Enneccerus – Lehmann: «O dano não pode ser considerado em sentido jurídico como consequência do facto em questão quando este, dada a sua natureza geral, fosse totalmente indiferente para o nascimento de tal dano, e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias excepcionais».
 Assim o agente só deverá responder pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada e não por aqueles para os quais, tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária, desde logo porque o agente não é obrigado a prever consequências extraordinárias da sua conduta.

Mas não é necessário que o facto que, dentro dos parâmetros atrás referidos, se considera como causa, tenha, só por si, dado lugar ao dano, podendo terem concorrido outros factos. Basta que o facto tido como causa seja uma condição sine qua non da produção do dano, e seja, além disso, causa adequada dele. Nem sequer é de exigir que o facto seja a condição mais próxima do resultado (como o afirmava Birkmeyer): o resultado pode ter outras condições mais importantes e próximas e, todavia, dever ser ligado a certo facto pelo laço da conexão causal.
Também a negligência de um terceiro não tem de excluir a adequação.
Apenas uma actuação antijurídica intencional pode conduzir à exclusão da imputação do facto que, à partida, revele a conexão causal adequada. [3].

Ora, o erro da análise efectuada no Laboratório de Análises Clínicas Drª “D” -  que se situa, não propriamente na determinação do grupo sanguíneo da A. “A” mas, mais especificamente, na determinação do factor Rhesus, cfr resultado da concreta análise junto a fls 35 dos autos – tem que se ter como adequado às lesões que se vieram a verificar no bem jurídico da saúde da A. “C”.
Com efeito, essas lesões, de acordo com os elementos de facto que conhecemos, não se teriam verificado sem aquele erro. E tal erro, no factor Rhesus, pela sua natureza geral, não pode ser tido como indiferente para a produção daqueles danos. Tão pouco se pode concluir que estes só vieram a ocorrer devido a circunstâncias completamente extraordinárias. È que, por muito extraordinário que possa considerar-se que aquele erro não tenha sido detectado e corrigido na sucessão de acontecimentos de carácter médico que sobrevieram relativamente à realização da análise em causa, a verdade é que, não fosse a existência desse erro, nada do que se passou, teria, naturalmente ocorrido.
Há nexo de causalidade relevante.

A conclusão antecedente torna-se porventura mais clara quando se considere, como o considera este tribunal e como o considerou o tribunal recorrido que, no âmbito da execução de um contrato de prestação de serviços, consubstanciados, como no caso dos autos, na obtenção de um resultado laboratorial, a obrigação do médico se analisa – pelo menos na generalidade desses exames – como uma obrigação de resultado e não de meios.
Como se refere no Ac STJ 4/3/2008 [4], «face ao acentuado grau de especialização técnica dos exames laboratoriais, estando em causa a realização de um exame, de uma análise, a obrigação assumida pelo analista é uma obrigação de resultado, isto porque a margem de incerteza é praticamente nenhuma». Estamos perante uma obrigação de resultado «com o que implica de afirmação de uma resposta peremptória, indúbia».

Com o que se transita para a questão da adequação das arbitradas indemnizações.
No pressuposto evidente de que, provado, como está, que na situação dos autos o Laboratório forneceu à A. um resultado cientificamente errado, actuou culposamente por ter infringido os deveres de cuidado implicados na referida obrigação de resultado.

Na sentença recorrida aborda-se muito de passagem a questão de saber se a causa de pedir na acção deverá ser colocada na perspectiva da responsabilidade extra-obrigacional a propósito da pretendida responsabilização das RR. pessoas singulares e da falecida “G” dizendo-se: «Aliás, assim sucederia igualmente mesmo se se considerasse a questão na perspectiva da responsabilidade civil extra-contratual já que o exposto afasta igualmente a prática pelas mencionadas Rés, e pela falecida “G” de facto – a realização da análise e das respectivas conclusões – lesivo do direito à integridade física ou à saúde da autora “C” (artigo 483º, nº 1, do C. Civil)».
            Do exposto na petição inicial decorre que os AA. terão pretendido, em primeira mão, a responsabilização de todos os RR., relativamente a todos eles, AA. - incluindo a menor “C” - no âmbito da responsabilidade contratual, recorrendo à figura dos contratos com efeito de protecção de terceiros – cfr maxime art 158º da petição – referindo no art 160º desta, «como é óbvio, as análises ao sangue de uma grávida visam detectar problemas que possam afectar a própria grávida, o feto e as pessoas que com estes convivam».
            É só em sede de pedido que adiantam uma outra qualificação da causa de pedir, mas apenas do ponto de vista da responsabilização dos RR., fazendo menção à «violação extracontratual das obrigações a que os RR. estavam adstritos».
 
            A respeito do contrato com eficácia de protecção em relação a terceiros refere Menezes Leitaõ [5] «que esta situação ocorrerá sempre que o terceiro apresente uma posição de tal proximidade com o credor, que se justificará a extensão em relação a ele do circulo de protecção do contrato [6] (…) Não se trata nestes casos de um contrato a favor de terceiro (art 443º), uma vez que o terceiro não adquire qualquer direito à prestação, sendo apenas tutelado pelos deveres de boa fé, que a lei impõe em relação às partes  e cuja violação lhes permite reclamar indemnização pelos danos sofridos», para concluir que, porque «neste caso essa indemnização não corresponde aos pressupostos da responsabilidade delitual, uma vez que não se reconduz a deveres genéricos de respeito, nem aos da responsabilidade obrigacional, uma vez que o devedor, em relação ao terceiro, tem apenas uma relação de protecção», se está aqui «manifestamente também no âmbito da terceira via da responsabilidade civil».
Também, Romano Martinez [7], inclui na chamada «terceira via» -  para além da culpa in contrahendo, da culpa post pactum finitum e das relações contratuais de facto - o contrato com eficácia de protecção de terceiros, «em que a responsabilidade será obrigacional ou extra-obrigacional em função dos danos».
            Menezes Cordeiro [8]  refere-se igualmente à existência de contratos com eficácia protectora de terceiros, referindo que Larenz, a quem se deve a ideia destes contratos, «defende um alargamento dos deveres acessórios de protecção a certos terceiros, na base das exigências da boa fé», em função dos quais haveria «um dever legal, mas semelhante aos resultantes do dos contratos de se protegerem esses terceiros». Referindo ainda que «com frequência, na celebração dos contratos, as partes estão cientes de que, com eles, pretende-se, também um certo objectivo dirigido a terceiros. O escopo do contrato na sua compleição externa, como nas suas projecções no espírito das partes, é o de avantajar interesses de pessoas não celebrantes».

            Em situações como a dos autos, de contrato de prestação de serviços laboratoriais (ou ecográficos) a uma mulher grávida, não obstante apenas esta celebrar o contrato, não repugna  - precisamente porque «as partes estão cientes de que, com ele se pretende, também um certo objectivo dirigido a terceiros», e porque «o  escopo do contrato na sua compleição externa,  como nas suas projecções no espírito das partes, é o de avantajar interesses de pessoas não celebrantes» - estender a protecção do mesmo ao pai do nascituro e ao próprio nascituro.
            Não se desconhece jurisprudência recente a inadmitir essa protecção no caso de erro num exame ecográfico a mulher grávida com fundamento na impossibilidade de se considerar «terceiro» o feto «pois não se pode aceitar, de todo em todo, que a criança, inexistente enquanto ser humano – em gestação apenas – face ao preceituado no normativo inserto no art 66º/1 CC , que prescreve que a personalidade se adquire (…) no momento do nascimento completo e com vida, possa ser tida como parte interessada num contrato havido entre aqueles que a conceberam e outrem, sendo a mesma na altura um nascituro e por isso carecida de personalidade jurídica, sem prejuízo da Lei lhe atribuir alguns direitos». [9]
            A verdade é que há jurisprudência a admitir a existência do direito à indemnização por parte do nascituro, pela morte de um progenitor [10].
            Evidentemente que nas circunstâncias em causa – de perspectivação de direitos/protecção relativamente a um nascituro - se pressuporá em relação ao mesmo, que sendo nascituro à data do facto gerador da responsabilidade civil (seja contrato, ou não) vem efectivamente a ocorrer o respectivo nascimento completo e com vida.

            A não se admitir esta figura do contrato com eficácia de protecção a terceiro relativamente a nascituros, nem por isso a A. “C” poderia resultar desprotegida na situação dos autos.
 
Pois que a responsabilidade civil contratual e extra obrigacional podem coexistir, visto que o mesmo facto pode constituir simultaneamente violação de um contrato e facto ilícito, como sucede na situação em análise: o mesmo facto – erro na análise – constitui a um tempo violação de uma obrigação contratual, como já se viu, mas foi também lesivo do direito absoluto à integridade física ou à saúde da A. “C” (art 483ºCC).

Nem se diga que a acção está interposta com base na responsabilidade contratual e que por isso não se poderia ter em consideração a responsabilidade civil por acto ilícito por tal configurar alteração indevida da causa de pedir, pois que tal entendimento é incorrecto, porque violador da teoria da substanciação adoptada na nossa lei [11].
A este respeito refere Romano Martinez [12]: «Há uma única causa petendi: o dano. E a qualificação de contratual ou extra-obrigacional não altera a identidade do pedido. Tal qualificação é um simples fundamento do direito para a prossecução do pedido indemnizatório, e como fundamento de direito é alterável em virtude do principio iura novit cúria. A acção não é interposta com um fundamento contratual ou delitual, mas antes como um pedido de indemnização. Há uma só pretensão com um duplo fundamento. Neste caso, o concurso é de normas de pretensão e não de acções. Processualmente, faz-se um único pedido, sendo irrelevante a pluralidade de qualificações jurídicas».
E conclui: «Deve, até, superar-se a rigidez dos conceitos jurídicos da responsabilidade contratual e delitual, sempre que essa superação seja necessária em beneficio da justiça. Esses conflitos de normas devem ser vistos com alguma flexibilidade, porque as diferenças e regime não têm uma base estrutural».

Haverá, de facto, necessidade de se superar a rigidez dos conceitos jurídicos que separam artificialmente a responsabilidade contratual e delitual, como o demonstra a circunstância de se constatar que, se, porventura, os AA. tivessem lançado mão apenas da responsabilidade civil por facto ilícito para obterem a condenação de todos os RR, se iria, então, esbarrar com a problemática da indemnização dos danos não patrimoniais reflexos, sabido como é que, salva a hipótese da morte da vitima, o direito a indemnização por danos não patrimoniais apenas cabe ao directamente lesado com o facto ilícito, como decorre desde logo do art 483º/1, só excepcionalmente se estendendo a terceiro, como sucede nas situações prefiguradas no art 495º do CC e no nº 2 e na segunda parte do nº 3 do art  496º do mesmo Código.

É que, na situação concreta destes autos, lesado no seu direito à saúde foi apenas a A. “C”.
Por isso, em função da responsabilidade aquiliana, como obter a indemnização dos danos não patrimoniais dos AA. seus pais?
Seria justo inadmitir a ressarcibilidade desses danos com o fundamento atrás referido?
È evidente que não.
A não se admitir que nos pedidos de indemnização está sempre presente o duplo fundamento da responsabilidade civil contratual e extraobrigacional, restaria na situação a que se está a fazer referência, lançar mão do direito («que é também dever») - também ele directamente violado e também ele  absoluto - dos pais «ao são e harmonioso desenvolvimento físico do seu filho menor, direito que a lei lhes garante e reconhece através da atribuição/imposição do poder paternal e do reconhecimento da paternidade e da maternidade como valores fundamentais, de matriz constitucional», como o fez exemplarmente o Ac STJ de 25/11/1998 [13]. Que refere ainda: «Enquanto titular do poder paternal, o progenitor tem não só o dever de garantir a segurança e a saúde do filho, como também o direito de o ver crescer e desenvolver-se em saúde, por força do nº 1 do art 68º da CRP. Tal direito, como direito absoluto é violado directamente pela acção ou pela omissão de que resultam, danos pessoais para o filho menor».

Com o que se veio de dizer acaba por se reconhecer que na situação dos autos, quer os AA., progenitores da “C”, quer a “C”, têm direito a verem-se ressarcidos dos danos não patrimoniais decorrentes do facto ilícito - contratual ou não -  cometido pela Laboratório (necessariamente que através dos seus funcionários, nos termos do art 165º do CC), ao errar no resultado referente ao factor Rhesus da A., estando-se agora em condições de ponderar o sustentado exagero das indemnizações arbitradas na 1ª instância.

Foram efectivamente parcas as considerações da sentença recorrida a respeito da fixação dessas indemnizações. Disse-se apenas:
«Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais o julgador deve recorrer a juízos de equidade, ponderando o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigos 496º, nº 3e 494º, C. Civil). No que respeita aos pais da autora “C” não suscita dúvidas a ressarcibilidade nos termos acima expostos do sofrimento e angústia que vivenciaram quer no período de internamento e tratamento da filha, quer até se mostrar afastada a possibilidade da mesma ter ficado a padecer de lesões cerebrais, afigurando-se adequado fixar o valor da indemnização respectiva em euros 15000,00 para cada um. Por outro lado, e considerando que a autora “C” foi logo de tenra idade submetida a reiterados tratamentos invasivos e dolorosos afigura-se adequado fixar a respectiva indemnização em 10.000,00 euros.»

Lembremos os factos que, com possível relevo para a indemnização dos danos de ordem não patrimonial da A. “C” e seus pais, se provaram:
A “C” nasceu no dia 13 de Março de 2003, de cesariana, às 38 semanas de gestação, sendo que o tempo normal de gestação é entre 38 a 42 semanas.
Teve alta hospitalar no dia 14 de Março de 200, mas continuou no Hospital porque  a mãe só teve alta no dia 16 de Março de 2003, de manhã.
Nesse dia, de manhã, a Dra. “J” disse à A. que lhe parecia que a “C” estava ictérica e a pediatra, Dra. “L”, determinou que fosse feita colheita de sangue  para análise à bilirrubina.
 Para esse fim a “C” teve de ser picada.
Nesse mesmo dia - 16 de Março de 2003 - à tarde, os AA. dirigiram-se à Maternidade ..., para repetição da análise ao sangue da “C”, e após observação, a mesma ficou internada.
 Fez novas recolhas de sangue.
E iniciou a fototerapia, sendo colocada numa incubadora, sob lâmpadas, com uma venda para evitar lesões nos olhos, só podendo sair dela por minutos, para se alimentar.
Foi sujeita ao tratamento de fototerapia de 16/3/2003 a 19/3/2003 e nesse período de tempo foi sujeita a colheitas de sangue para verificar a evolução do teor da bilirrubina.
A fototerapia é é um tratamento com raios ultravioleta, destinado a eliminar o excesso de bilirrubina, tratando-se de um tratamento indolor.
Depois da icterícia, a presença no sangue de um bebé com factor Rh+ dos anticorpos anti-Rh transmitidos pela mãe provoca a destruição dos glóbulos vermelhos do sangue do bebé, comummente chamada anemia.
Caso o nível de hemoglobina atinja ou se aproxime de 7 g/l é necessário proceder a uma transfusão de sangue e nos casos mais graves é necessário retirar totalmente o sangue do doente e introduzir-lhe sangue novo – exsanguineotransfusão
Níveis de hemoglobina no sangue abaixo de 7 g/l poderão causar problemas cardíacos transitórios e não definitivos.
 “C” necessitou de controlar os níveis de hemoglobina no sangue, para evitar que descessem abaixo de 7 g/l.
A partir de 6/3/2003 a “C” fez os seguintes hemogramas: - 16/3/2003 - valor hemoglobina 14,1 g/l - 17/3/2003 - valor hemoglobina 14,4 g/Ln - 18/3/2003 - valor hemoglobina 13,0 g/l - 29/4/2003 - valor hemoglobina 7,3 g/l.
A colheita de sangue de um recém-nascido é indolor.
No dia 29 de Abril de 2003 a “C” foi internada para realizar uma transfusão de sangue que demorou período de tempo não inferior a duas horas.
A “C” foi submetida a uma transfusão de concentrado eritrocitário, sendo que o concentrado eritrocitário é obtido após a centrifugação do sangue total, separando-se em plasma e eritrócitos.
Na transfusão foi utilizado sangue do banco de sangue da Maternidade ....
Cada dádiva de sangue é submetida a um estudo imuno-hematológico que compreende o grupo sanguíneo nos sistemas ABO e Rh e pesquisa de anticorpos irregulares sendo feito um estudo de doenças transmissíveis pelo sangue.
 Numa situação de icterícia provocada por imunização anti-RH da mãe a subida dos níveis de bilirrubina acima de determinados valores pode causar lesões a nível cerebral.
A 28 de Novembro de 2003, na 2ª Consulta de Desenvolvimento a “C” teve alta da Consulta de Pediatria da Maternidade ..., tendo sido afastadas as hipóteses de sofrer de uma patologia ao nível cerebral.
De 15 de Março de 2003 a 28 de Novembro de 2003 a A. acompanhou a “C”  a consultas, exames e internamentos.
Aquando do nascimento da “C” a Autora tinha anticorpos anti-Rh., existindo a possibilidade de um terceiro bebé vir a padecer de icterícia.
Para dar assistência à “C”, os AA deixaram a sua filha “I” entregue aos cuidados de familiares e amigos, por longos períodos de tempo.
Os AA. sentiram angústia, sofrimento, ansiedade, desespero e dor em virtude da icterícia da filha “C” e dos tratamentos a que foi sujeita.

A apelante reage relativamente ao valor da indemnização referente à A. “C”, frisando que a matéria de facto provada não permite concluir, como o fez o Exmo Juiz a quo, no sentido daquela «ter sido submetida a reiterados tratamentos invasivos e dolorosos».
E de facto, não parece que se possa concluir, tão simplesmente desse modo.
Sabe-se – porque resultou provado - que a fototerapia  é  um tratamento indolor e que a  colheita de sangue de um recém-nascido é igualmente indolor.
Mas mais nada se sabe.
Admite-se que o grau de dor física de um bebé não seja igual ao de um adulto, ou até ao de uma criança de três, ou mesmo de um ano de idade, intervindo a esse nível o desenvolvimento progressivo do sistema neurológico.
Mas os autos não fornecem dados bastantes para se apreciar com rigor este tipo de problemática.
No entanto, como é evidente e resulta da experiência corrente, algum significado se tem que atribuir à circunstância de um bebé de tenra idade facilmente chorar, até de forma compulsiva, com pequenas picadas ou outros incómodos, sendo razoável admitir-se que a sensibilidade de um bebé à dor não é elevada, mas o é, aos incómodos.
As idas ao hospital e a consultas, a transfusão de sangue – que se traduziu em muito mais do que uma picada - e, porventura, mais do que o restante, o reflexo da ansiedade da mãe no desenvolvimento da “C”, ter-se-ão traduzido em incómodos sucessivos, que se quer crer – em matéria tão delicada – que merecerão, ainda, a tutela do direito.
Porém, na falta de outros elementos de carácter cientifico ao nível em causa que os AA. não trouxeram aos autos, entende-se como equitativa uma indemnização de  € 2.500,00 relativamente à A. “C”.

Já quanto aos AA. pais da mesma, é evidente que os danos de ordem não patrimonial que sofreram se mostram consistentemente relevantes.
Se é certo que tudo não terá passado de um susto – com consequências, felizmente, muito menores do que as que poderiam ter advindo, decorrentes da “C” ter nascido às 38 semanas e de cesariana - a verdade é que terão sido, pelo menos, nove meses de «inferno», como o referiu o pai da A. “A”.
Decorre também da experiência comum a enorme ansiedade com que os pais- e porventura mais a mãe – vivenciam qualquer problema de saúde de um filho bebé.
“Os AA. sentiram angústia, sofrimento, ansiedade, desespero e dor em virtude da icterícia da filha “C” e dos tratamentos a que foi sujeita”.
Em virtude, sobretudo - acrescentamos nós - da perspectiva - apenas completamente arredada aos nove meses de idade da “C” - da mesma poder sofrer de qualquer problema mental.
A que haverá que fazer acrescer a circunstância de, para dar assistência à “C”, os AA. terem de deixar a sua filha “I” – de cerca de três anos - entregue aos cuidados de familiares e amigos, por longos períodos de tempo.
A indemnização à A. mãe haverá de ser superior à do A. pai.
Já sem entrar em consideração com outros elementos, porventura discutíveis, é incontroverso que a A., tendo saído de uma cesariana, necessitava de repouso e serenidade que não teve, tendo estado, decerto, disponível no hospital para alimentar a “C” nos três dias em que esta esteve sujeita à fototerapia.

De todo o modo, quem passa pelos tribunais e recorrentemente é chamado a decidir indemnizações em acidentes de viação, não poderá deixar de ser sensível à circunstância de todos os sofrimentos dos AA. pais da “C” se situarem, felizmente, ao nível de um, ainda que traumático, susto.
Por isso, se entendem muito excessivas as indemnizações arbitradas aos AA. pais na 1ª instância – de € 15.000,00 para cada um – e se substituem por € 8.000,00 e € 7.000,00, respectivamente para a A. “A”e para o A. “B”. 

Resta saber se a sentença enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, por não ter ponderado a aplicação à situação dos autos da disciplina do DL 217/99 de 15/6, e se, na consideração do regime decorrente desse diploma legal, se deverá somar à condenação do Laboratório, a da sua Directora Técnica ao tempo do resultado da análise em referência nos autos, a falecida Drª “G”, de quem é (único) herdeiro o demandado “F”.
A este nível disse-se na sentença recorrida:
«Ora, não restam dúvidas que entre a A. “A”e a Chamada foi estabelecida uma relação contratual onerosa e sinalagmática, traduzida na realização a pedido dessa A. de análises para identificação do grupo sanguíneo e do factor RH da mesma, e qualificável como contrato de prestação de serviços. Mais se apurou que tal contrato, não sujeito a forma especial, foi outorgado com a Chamada sociedade, pessoa colectiva com responsabilidade jurídica, e não com as Rés ou com a falecida “G”. Por outro lado, e ao contrário do sustentado pelos AA, não resultou provado que as RR, ou a falecida “G” tenham realizado tais análises (ou elaborado ou validado as respectivas conclusões), ficando por conseguinte afastada a respectiva responsabilização com esse fundamento».
 E mais adiante, como acima já se assinalou:
 ««Aliás, assim sucederia igualmente mesmo se se considerasse a questão na perspectiva da responsabilidade civil extra-contratual já que o exposto afasta igualmente a prática pelas mencionadas Rés, e pela falecida “G” de facto – a realização da análise e das respectivas conclusões – lesivo do direito à integridade física ou à saúde da autora “C” (artigo 483º, nº 1, do C. Civil)».
Concluindo-se na parte decisória da sentença pela absolvição das RR. «“E”, “D” e “F” do pedido.»

Há omissão de pronúncia quando «o juiz deixa de se pronunciar sobre questões  que devesse apreciar» - art 668º//1 al d) 1ª parte - sendo que «o juiz deve resolver todas as questões que a partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada  pela solução dada a outras».
Nos autos não foi equacionada como questão a aplicação do regime que decorre do DL 217/99 de 15/6 relativamente aos directores técnicos de um laboratório. E, consequentemente a sentença não tinha que apreciar a projecção do disposto nesse diploma na pedida responsabilização da directora técnica do laboratório ao tempo da análise em causa nos autos. O que a sentença tinha de apreciar era a responsabilidade dessa directora técnica, e nem por isso a mesma deixou de o fazer, como resulta as considerações acima transcritas, maxime,  «Por outro lado, e ao contrário do sustentado pelos AA, não resultou provado que as RR, ou a falecida “G” tenham realizado tais análises (ou elaborado ou validado as respectivas conclusões), ficando por conseguinte afastada a respectiva responsabilização com esse fundamento».
Por isso não houve omissão de pronúncia.

Questão diversa é a de saber se a consideração do constante naquele diploma implicaria decisão diversa ao nível da absolvição do pedido daquela (falecida) directora técnica  o que já constituiria  erro de julgamento.
Ora o diploma em causa, como decorre do seu art 1º, «aprova o regime jurídico do licenciamento e da fiscalização dos laboratórios privados que prossigam actividades de diagnóstico, de monitorização terapêutica e de prevenção no domínio da patologia humana, independentemente da forma jurídica adoptada, bem como os requisitos que devem ser observados quanto a instalações, organização e funcionamento».
Nas disposições em que o mesmo faz referência aos directores técnicos  - arts 28º/al a) e 29º -  não resulta a sua responsabilização directa pelos danos que sobrevierem a terceiros em função de incumprimento imperfeito dos exames laboratoriais.
Sem uma norma desse tipo não se crê como possível a responsabilização do director técnico de um laboratório que se constituiu como sociedade por quotas, ainda que se tivesse provado que a rubrica ou a assinatura constante do relatório da análise em causa nos autos pertencia à falecida “G”.
Coincidisse essa qualidade de director técnico com a de gerente da pessoa colectiva “Laboratório” e a responsabilidade deste – enquanto gerente -  pelos danos directamente causados a terceiros no exercício das suas funções poderia ser equacionada ao abrigo do disposto no art 79º/1 do CSocC.
Mas não é o caso.
Pelo que se entende dever manter-se a absolvição de “G”, não chegando a colocar-se a questão da responsabilização da sua herança.



VI – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar parcialmente a sentença recorrida condenando a R. Laboratório de Análises Clínicas Dra. “D”, Lda. a pagar à A. “A”, a quantia de 8.000,00 €, ao A. “B”, a quantia de 7.000,00 € e à A. “C”, a quantia de 2.500.,00 €, todas acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação, mantendo no demais tal sentença.

Custas na 1ª instância e nesta pelos AA. e pela chamada Laboratório de Análises Clínicas Dra. “D”, Lda, na proporção do decaimento.

Lisboa, 14 de Novembro de 2013

Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto
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[1] - «Destinando-se o prazo adicional de 10 dias previsto no 698.º, n.º 6, do CPC a facilitar o cumprimento do ónus estabelecido no art. 690.º-A do CPC, mas não tendo a recorrente cumprido esse ónus, impõe-se concluir que as alegações do recurso de apelação deram entrada fora de prazo, pelo que é acertada a decisão de o julgar deserto» - Ac STJ 14-11-2006 – Agravo n.º 1891/06 - 1.ª Secção – Borges Soeiro (Relator)
[2] - Por exemplo: «A possibilidade de se ordenar o aperfeiçoamento, em sede recursal, reporta-se às alegações do recorrente e respectivas conclusões nos casos previstos no art. 690.º, n.º 4, do CPC, não sucedendo o mesmo quanto ao recurso da matéria de facto (art. 690.º-A, n.ºs 1 e 2, do CPC).» Ac 14-09-2006 – Revista n.º 1998/06 - 2.ª Secção – Bettencourt de Faria (Relator); «Se o recurso tiver por objecto a decisão de facto e se no corpo das alegações o recorrente deu cumprimento aos ónus impostos pelo art. 690.º-A, n.ºs 1 e 2 do CPC, mas não formulou conclusões, ou as que formulou se revelam insuficientes, complexas ou pouco claras, não há que rejeitar o recurso, antes deverá convidar-se o recorrente a formular conclusões ou a corrigir as que apresentou, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 690.º do CPC. A rejeição pura e simples do recurso, sem prévio convite de correcção, está reservada para os casos em que, no corpo das alegações, o recorrente não deu satisfação às exigências do referido art. 690.º-A, n.ºs 1 e 2» -Ac STJ 12-06-2007 – Revista n.º 1530/07 - 1.ª Secção – Moreira Alves (Relator)
[3] - Vaz Serra, “Estudo”, BMJ  nº 84, que se tem vindo a acompanhar de perto
Cfr também, a respeito da causalidade, o Ac STJ 21/1/2010 (Álvaro Rodrigues)  citado no Ac STJ de 17/12/2013 (Ana Paula Boularot), adiante melhor referido, e que ele próprio refere também a esse respeito: «O facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e tenha sido produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais, sendo que no caso o comportamento dos RR. foi determinante no plano jurídico, enquanto comportamento juridicamente censurável para desencadear o resultado danoso (…) Dívidas não se suscitam em que a conduta dos RR. ao fornecerem à A. uma falsa representação da realidade fetal, através dos resultados dos exames ecográficos que lhe foram feitos, contribuíram e foram decisivos, para que a mesma, de forma descansada e segura, pensando que tudo corria dentro da normalidade, levasse a sua gravidez ate ao termo; estamos em sede de causalidade adequada, pois a conduta dos RR. foi decisiva para o resultado produzido».
[4] - Acórdão relatado por Fonseca Ramos. A respeito da distinção entre obrigação de resultados e de meios em matéria de prestação de serviços de carácter médico, cfr para além desse acórdão, muitos outros, por exemplo o já referido de 15/12/2011 (Gregório Jesus).
[5] - «Direito das Obrigações», I, 8ª ed , 363 e ss
[6] - Continua nestes termos: «Têm sido apresentados a este propósito os exemplos de fornecimentos defeituosos a determinados empresários, que vêm a causar danos nos seus trabalhadores, do incumprimento de prescrições de segurança contratualmente impostas que causem danos a terceiros, ou do arrendamento da habitação sem condições que vem a lesar os familiares do inquilino».
[7] - «Direito das Obrigações – Apontamentos», 2ª ed, 2004, 86 e ss
[8] - «Da Boa Fé no Direito Civil»,  1997, p  619
[9] - Ac STJ 17/12/2013 (Ana Paula Boularot)
[10]- «O nascituro tem um direito próprio à indemnização por danos não patrimoniais emergentes da morte do seu progenitor Ac STJ 28-06-2007 – Revista n.º 2348/06 - 7.ª Secção (Pires da Rosa) Ac STJ 08-05-2008 – Revista n.º 726/08 - 2.ª Secção (Serra Baptista), em que se refere, no pressuposto da ressarcibilidade em causa: «Entende-se como adequada à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais próprios da autora, ocasionados pela morte do pai sinistrado no acidente de viação, ocorrida poucos meses antes do seu nascimento, a atribuição da quantia de € 20.000,00».
Em sentido contrário, referindo «O nascituro não é titular originário de um direito de indemnização, por danos não patrimoniais próprios, provenientes da morte de seu pai, em consequência de facto ilícito ocorrido antes do seu nascimento, à margem do fenómeno sucessório da herança da vítima, direito esse que apenas é reconhecido aos filhos, e estes, na acepção legal, são, tão-só, os nascidos com vida e que existam, à data da morte da vítima. O facto gerador do alegado direito próprio do autor menor consiste na morte da vítima do acidente de viação, seu pai, ocasião em que aquele, ainda nascituro, não estava em condições de adquirir esse direito, por não dispor de personalidade jurídica, nem o tendo adquirido, aquando do seu nascimento, embora, então, já tivesse personalidade jurídica, por não haver lei que lho reconhecesse, à data do acidente», Ac STJ. 17-02-2009 – Revista n.º 2124/08 - 1.ª Secção (Hélder Roque).
[11] - Para esta teoria, causa de pedir, são acontecimentos concretos sem qualificação jurídica. São factos jurídicos (por isso, necessariamente, juridicamente relevantes) mas, sem qualificação jurídica. São factos concretos, que, à luz do sistema jurídico, têm de se configurar como geradores do direito invocado, independentemente da sua qualificação jurídica.
 Causa de pedir para esta teoria é «o facto jurídico genético do direito - acontecimento concreto correspondente a qualquer  “fattispecie” jurídica, que a lei admite como criadora do direito, abstracção feita da relação juridica que lhe corresponda» -  na definição de  Luso Soares.
[12] - Obra referida, p 96
[13] - Relatado por Quirino Soares e publicado no BMJ 481-470.
Decisão Texto Integral: