Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | NUNO TEIXEIRA | ||
| Descritores: | RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS IMPUGNAÇÃO PROVA DOCUMENTAL PAGAMENTO ÓNUS DA PROVA SANEADOR-SENTENÇA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (do relator) – artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil I – Por lhe ser aplicável o artigo 595º, nº 1, alínea b) do CPC, é perfeitamente defensável que o despacho saneador a proferir nos termos do nº 3 do artigo 136º do CIRE, conheça “imediatamente do mérito da causa (…) sem necessidade de mais provas”, ou seja, que verifique os créditos (homologando total ou parcialmente a lista dos créditos reconhecidos) e os gradue em harmonia com as disposições legais, nomeadamente, se os créditos reclamados estiverem todos documentados. II – Se a impugnação do crédito reclamado se limitar apenas ao montante (e não à existência do crédito), o credor continua obrigado a comprovar os elementos que suportam o valor reclamado, designadamente contratos, facturas, extractos contabilísticos ou outros documentos probatórios adequados. III – Pese embora pertença ao credor, que pretenda ver reconhecido o seu crédito, a incumbência de o reclamar e de o provar, é ao impugnante devedor que alega ter efectuado o pagamento, que cabe o ónus de provar esse pagamento, uma vez que, segundo determinam as regras de distribuição do ónus da prova, incumbe ao impugnante a prova dos factos impeditivos ou extintivos, como é o pagamento (artigo 342º, nº 2 do Código Civil). IV – No processo de insolvência subsequente a processo especial para acordo de pagamentos, a lista de créditos reconhecidos neste processo (PEAP), tem apenas o efeito de dispensa de nova reclamação, não impedindo a reapreciação judicial dos créditos, pois carece de força de caso julgado material. V – É inútil prosseguir com o apenso das reclamações para julgamento, quando todos os créditos reclamados estão provados por documentos juntos aos autos e demais apensos. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa, 1. Por apenso ao processo de insolvência com o nº 10091/23.0T8LSB, em que foi declarada insolvente CG, vieram os respectivos credores reclamar os seus créditos. Em 16/05/2024 o Administrador da Insolvência (AI) apresentou a lista dos credores reconhecidos, dando ainda cumprimento ao disposto no artigo 129º, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). A lista dos créditos reconhecidos foi objecto de impugnação por parte da devedora, que incidiu sobre os valores dos créditos reconhecidos aos credores, BTL IRELAND ACQUISITIONS II DAC, CONDOMÍNIO TORRE SUL e MERCEDES-BENZ FINANCIAL SERVICES PORTUGAL – SOCIEDADE FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A.. A insolvente aponta incoerências entre os montantes dos créditos reclamados no Processo Especial para Acordo de Pagamentos (PEAP) de 2022 e os valores constantes da lista, sendo que os supra mencionados aumentaram substancialmente sem explicação fundamentada. Assim, quanto à BTL IRELAND ACQUISITIONS II DAC, alega que enquanto no PEAP de 2022 havia reclamado € 140.000,00, agora apresenta um montante de € 188.562,69, sem justificar adequadamente o aumento, ressalvando, no entanto, que pagou 36 prestações no valor total de € 22.839,84, que não foram deduzidas no crédito reclamado. No que se refere ao CONDOMÍNIO DA TORRE SUL – que reclama € 7.865,83 – , a insolvente argumenta que, após considerar as penhoras realizadas e juros vencidos, o valor devido seria de € 5.348,77, alegando que as penhoras realizadas deveriam ser abatidas primeiro nos juros e depois no capital, conforme o Código Civil. Por fim, relativamente à credora MERCEDES-BENZ FINANCIAL SERVICES PORTUGAL – que reclama € 14.874,77 – a insolvente sustenta que o valor correcto seria € 11.846,07, considerando os montantes já pagos e os juros vencidos, considerando, assim, que o valor reclamado não corresponde ao apuramento final de contas do processo executivo. A impugnação mereceu resposta de cada um dos credores impugnados. A BTL alega que o crédito de € 140.000,00 foi inicialmente indicado pela própria impugnante no PEAP (processo n.º 23300/22.4T8LSB) e agora é reclamado pela credora, pelo que o valor total da dívida, incluindo juros de mora e imposto de selo, é de € 206.475,60, conforme a reclamação de créditos apresentada. Por sua vez, o CONDOMÍNIO TORRE SUL argumenta que a dívida, antes da suspensão da ação executiva, era de € 6.531,14, incluindo despesas, e como só recebeu € 794,98 – que foi abatido –, o montante total em dívida, incluindo juros e taxas, soma € 7.865,83, valor este que inclui os encargos do Agente de Execução, que totalizam € 722,20. Já a credora MERCEDES-BENZ FINANCIAL SERVICES PORTUGAL explicou que o valor reclamado inclui a quantia de € 6.248,70, correspondente ao valor de € 23,58 x 265 dias de atraso na devolução do veículo objecto do contrato resolvido por carta enviada em 13/04/2017, conforme resulta da cláusula 13ª do referido contrato. Por fim, após realização de uma tentativa de conciliação, que resultou frustrada, e considerando o tribunal que estavam reunidos os pressupostos para ser proferida decisão de mérito, em 23/04/2025 (refª 444367518) foi proferido saneador-sentença de verificação e graduação de créditos, que decidiu, entre o mais, julgar verificados os créditos dos credores BTL IRELAND ACQUISITIONS II DAC, CONDOMÍNIO TORRE SUL e MERCEDES-BENZ FINANCIAL SERVICES PORTUGAL – SOCIEDADE FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., respectivamente, nos valores de 217.939,20 € (11.463,60 €, comum e 206.475,60 € garantido), 7.865,83 € (comum) e 14.874,77 € (comum). Inconformada com a sentença proferida, no que respeita aos valores verificados dos mencionados credores, veio a insolvente interpor recurso, cujas alegações termina com as seguintes conclusões que ora se reproduzem: 1. O presente recurso tem como objeto a apreciação da matéria de facto que sustenta a decisão do douto Tribunal a quo, porquanto, ao não sujeitar os presentes autos ao “fogo da prova” (mormente, a prova testemunhal), a Primeira Instância acaba por incorrer em erro de julgamento de facto. 2. A Recorrente considera, ressalvando o devido e merecido respeito por entendimento diverso, que os presentes autos ainda não se encontravam devidamente preparados para a prolação da decisão final, conhecendo de imediato do mérito da causa. 3. Venerandos Juízes Desembargadores, salvo o devido respeito - que imenso é - pela MM.ª Juiz de Direito que proferiu a referida sentença, e não obstante o respeito que todas as decisões judiciais, sempre e em qualquer circunstância, merecem, não pode a Recorrente conformar-se com a douta decisão do Tribunal a quo, por esta se revelar manifestamente precipitada e precoce, não estando os presentes autos, em condições – sem haver lugar à produção de prova – julgar com a certeza e segurança que se impõem julgando procedente os créditos postos em crise pela Recorrente em sede de impugnação da lista de credores. 4. Ademais, a Recorrente entende que a apreciação e o conhecimento do mérito da causa sempre deveria passar pela realização da Audiência Final ou de Julgamento. 5. Deste modo, considerando que a fundamentação da decisão que aqui se coloca em crise consiste na fixação definitiva dos créditos reclamados pelos credores, e não havendo consenso relativamente aos mesmos, impunha-se sujeitar os presentes autos à produção de prova testemunhal em sede de julgamento, dado que as pessoas indicadas no rol afiguram-se como imparciais e idóneas a prestar o seu depoimento, tendo plena consciência dos factos em contradição. 6. Aquando da apresentação do requerimento probatório, em sede de impugnação da lista provisória de créditos, requerendo, entre outros meios de provas, a produção de prova testemunhal, tendo cumprido com os requisitos ínsitos na lei processual civil, a Recorrente criou a legítima expectativa que se iria realizar a audiência de julgamento, tendo em vista o apuramento judicial dos créditos reclamados. 7. Além da produção de prova testemunhal, a Recorrente juntou, igualmente, prova documental que terá sido desconsiderada pelo douto Tribunal a quo. 8. Tal configura um cerceamento do direito de defesa da Recorrente. 9. Em nossa modesta opinião, deverá, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, ser apreciado o mérito da causa, porquanto, essa é a fase, por excelência, onde efetivamente se produz prova e se decide do mérito das questões alegadas. 10. Neste conspecto, Venerandos Juízes Desembargadores, salvo o devido e merecido respeito por entendimento diverso, cremos que os presentes autos ainda não se encontravam devidamente preparados para a prolação de decisão final, menos ainda, ao considerar e formar convicção preterindo à produção de prova testemunhal. 11. Por conseguinte, a douta decisão do Tribunal a quo, por se revelar manifestamente precipitada e precoce, não estando os presentes autos, em condições – sem haver lugar à produção de prova testemunhal – julgar com certeza e segurança que o nosso ordenamento jurídico impõe. Nenhum dos credores impugnados apresentou contra-alegações. Foi proferido despacho a admitir o recurso interposto como apelação, a subir de imediato nos próprios autos de reclamação de créditos e com efeito devolutivo. Colhidos os vistos, cumpre decidir. 2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pela recorrente define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil). Segundo sustenta a Recorrente, a decisão de o tribunal proferir saneador-sentença a julgar improcedente a impugnação da devedora, sem a produção de prova testemunhal, é “precipitada e precoce”, por os autos não reunirem as condições para o tribunal julgar com certeza e segurança. Assim, face ao teor das conclusões recursivas, cumpre verificar se os autos devem prosseguir, para instrução, por se mostrarem controvertidos factos relevantes para a decisão segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. 3. No saneador-sentença deram-se por assentes os seguintes factos: 1. No processo principal foi declarada, por sentença de 28.09.2023, a insolvência de CG, (…). 2. CG apresentou um processo especial para acordo de pagamento, que correu termos no Juiz 4 do Juízo de Comércio de Lisboa sob o n.º 23300/22.4T8LSB, cujo acordo não foi aprovado pelos credores. 3. O Administrador Judicial Provisório emitiu o parecer previsto no artigo 222.º-G n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas no sentido de que a Devedora se encontrava em situação de insolvência. 4. Notificada a Devedora nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 222.º-G do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, veio apresentar incidente de plano de pagamentos a que alude o artigo 251.º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 5. Ao abrigo do disposto nos artigos 8.º, n.º 1 e 255.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas foi declarado suspenso o presente processo de insolvência. 6. O incidente de plano de pagamentos aos credores não foi aprovado, e reaberto o processo, foi declarada a insolvência. 7. Na lista do artigo 129.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas junta a 16.05.2024 foram reconhecidos os seguintes créditos: a. BTL Ireland Acquisitions II DAC: i. 11 463,60€, comum; ii. 206 475,60€, garantido; b. Condomínio da Torre Sul: i. 7 865,83€, comum; c. Fazenda Nacional: i. 11 080,66€, comum; d. EOS Credit Funding, DAC: i. 44 939,19€, comum; e. IG___: i. 500,00€, comum; f. Mercedes-Benz Financial Services Portugal – Sociedade Financeira de Crédito, S.A.: i. 14 874,77€, comum. 8. A Insolvente celebrou com a Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., com o NIPC 500.792.615, a 25 de Novembro de 2005, contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, da fracção autónoma designada pela letra “BB”, correspondente ao 9.º andar E do prédio sito no Passeio do Levante, n.º 4, pertencente à freguesia do Parque das Nações, concelho de Lisboa, registado na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º … e inscrito na matriz urbana ….º (cfr. escritura junta à reclamação de créditos req. de 29.01.2025). 9. Através daquele contrato a devedora recebeu, a título de empréstimo, o montante de € 265.000,00, concedido pela Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., nos termos e condições constantes da escritura pública da qual é parte integrante o documento complementar a ela anexo, junto sob o documento n.º 4 da reclamação de créditos. 10. Em 29 de Março de 2022 foi celebrado contrato de cessão de créditos entre a “Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.” e a sociedade “BTL Ireland Acquisitions II DAC” – doc. 1 junto com a reclamação de créditos. 11. O crédito encontra-se garantido por hipoteca constituída sobre a fracção autónoma designada pelas letras “BB”, supra identificada. 12. A referida hipoteca encontra-se registada a favor da Credora Reclamante pela inscrição Ap. 1103 de 2022/04/12 (averbamento à AP. 34 de 2005/12/22) – certidão predial. 13. Nos termos da escritura pública a Insolvente confessou ser devedora da quantia de € 265.000,00 – cfr. Escritura junta. 14. E comprometeu-se a pagar juros sobre o capital em dívida, que, em caso de mora, seriam acrescidos de uma sobretaxa de 3% a título de cláusula penal – cfr. Escritura junta. 15. Ficou convencionado que o empréstimo seria pago em 465 prestações mensais, de capital e juros, vencendo-se a primeira prestação um mês após a celebração dos contratos em apreço e as restantes em igual dia dos meses seguintes – cfr. Escritura junta. 16. No âmbito do Processo Especial para Acordo de Pagamentos com o n.º 23300/22.4T8LSB [actual Apenso A], a devedora indicou no requerimento inicial que o valor do crédito do credor BTL Ireland Acquisitions II DAC era no montante de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros) – cfr. lista de credores junta a 11.11.2022. 17. No Apenso de Reclamação de Créditos ao Processo de Execução n.º 13998/17.0T8LSB [actual Apenso H], a Caixa Económica Montepio Geral apresentou reclamação de créditos, a 06.05.2019, com fundamento em falta de pagamento da prestação vencida em 25.05.2018, mantendo-se em incumprimento. 18. Reclama, por referência à data de 03.05.2019, o montante global de € 209.620,81 (duzentos e nove mil, seiscentos e vinte euros e oitenta e um cêntimos) - O capital em dívida quanto ao contrato junto como DOC. 1 ascende a € 202.728,93 (duzentos e dois mil, setecentos e vinte e oito euros e noventa e três cêntimos), a que acrescem € 5.273,15 (cinco mil, duzentos e setenta e três euros e quinze cêntimos) a título de cláusula penal calculada a uma taxa de 3%, € 1.296,81 (mil, duzentos e noventa e seis euros e oitenta e um cêntimos) a título de seguros, € 16,82 (dezasseis euros e oitenta e dois cêntimos) a título de juros moratórios sobre seguros, € 293,37 (duzentos e noventa e três euros e trinta e sete cêntimos) a título de mutuários conta despesas e ainda € 11,73 (onze euros e setenta e três cêntimos) a título de imposto sobre despesas. 19. Na sentença proferida, naquele apenso de Reclamação de Créditos a 26.06.2019, foram reconhecidos os identificados créditos, que não foram impugnados. 20. O Condomínio da Torre Sul intentou a 12 de Novembro de 2021, ação executiva no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Lisboa - Juiz 6, com o número de processo 26611/21.2T8LSB para cobrança de comparticipação nos encargos e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento dos serviços de interesse comum (aquecimento e águas quentes) da responsabilidade da devedora, até Setembro de 2020 – requerimento inicial. 21. No requerimento inicial indicou como valor da quantia exequenda 4 455,93 €, sendo 503,39 € de juros de mora contabilizados àquela data. 22. A 04 de Maio de 2022, foi realizada penhora de saldo bancário no valor de € 1.603,75 (mil seiscentos e três euros e setenta e cinco cêntimos) – Auto de Penhora junto como Doc. n.º 3 da impugnação de 20.11.2023. 23. E, a 23 de Setembro de 2022, penhora no valor de € 771,30 (setecentos e setenta e um euros e trinta cêntimos) – Auto de Penhora junto como Doc. n.º 4 da impugnação de 20.11.2023. 24. A 13.09.2022 o Condomínio da Torre Sul recebeu naquele processo executivo o valor de 794,98€ e o agente de Execução, a 06.05.2022, o valor de 722,20 a título de honorários – doc. 3 do requerimento de 04.12.2023. 25. O valor de 769,11 foi apreendido para a massa insolvente – cfr. verba 6 do auto de apreensão de 18.03.2025. 26. As comparticipações relativas ao condomínio do remanescente do ano de 2020 e anos de 2021, 2022 e 2023 até à presente data, perfazem o montante em dívida de €2.834,34 (dois mil oitocentos e trinta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos) – doc. 4 do requerimento de 04.12.2023. 27. A que acrescem juros de mora à taxa legal em vigor no montante de 196,73€ (cento e noventa e seis euros e setenta e três cêntimos). 28. A Insolvente e a Credora Mercedes-Benz Financial Services Portugal – Sociedade Financeira de Crédito, S.A., celebraram em 15 de Abril de 2015 um Contrato de Aluguer de Longa Duração no montante total de € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros), sendo que teria como forma de pagamento a modalidade 4-3-2-1. 29. No momento da entrega da viatura a Insolvente liquidou 40% do valor da mesma, acrescendo outras despesas, que totalizou € 18.518,60 (dezoito mil, quinhentos e dezoito euros e sessenta cêntimos). 30. Passados 11 meses, liquidou mais 30% da viatura, no montante de € 12.750,00 (doze mil, setecentos e cinquenta euros). 31. A 20 de Março de 2017, deveria realizar o pagamento de mais 20% da viatura, no montante de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), que não foi feito. 32. A Credora considerou o contrato resolvido em virtude de incumprimento definitivo e apresentou a livrança a pagamento. 33. E, deu entrada de acção judicial a 15 de Agosto de 2017, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa no Juízo de Execução de Lisboa - Juiz 6, processo n.º 18584/17.2T8LSB. 34. Processo em que foi penhorado o ordenado da Insolvente, entre Outubro de 2018 e Setembro de 2019, na quantia total de € 6.843,17 (seis mil, oitocentos e quarenta e três euros e dezassete cêntimos) – Auto de Penhora junto como Doc. n.º 5 e recibos de vencimento e juntos como Doc. n.º 6 da impugnação. 35. Foi penhorado também o saldo bancário no montante de € 118,79 (cento e dezoito euros e setenta e nove cêntimos) – Doc. n.º 7 da impugnação. 36. Da Nota Discriminativa elaborada pelo Agente de Execução junta como Doc. n.º 8, resulta como valor em dívida o montante de € 11.374,87 (onze mil, trezentos e setenta e quatro euros e oitenta e sete cêntimos). 37. O veículo objeto da locação é o veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, GLA 200 CDI, com a matrícula …-…-…, identificado na factura junta como Doc. 2 da resposta da credora. 38. O referido veículo automóvel foi efetivamente entregue à Insolvente – cfr. auto de recepção junto como Doc. 3 da resposta da credora. 39. Nos termos do contrato, pela locação do veículo automóvel, eram devidos, pela Insolvente, quatro alugueres anuais e sucessivos cujos montantes inicialmente contratados constam das Condições Particulares do contrato já junto como Doc. 1 da impugnação. 40. O aluguer que se venceu em 20 de Março de 2017, no montante de € 8.570,80 (oito mil quinhentos e setenta euros e oitenta cêntimos), não foi liquidado, nem as prestações referentes ao contrato de seguro do veículo automóvel que se venceram em Setembro, Outubro e Dezembro de 2016 e Fevereiro de 2017. 41. A Insolvente procedeu à devolução do veículo, posteriormente, a 23 de Janeiro de 2018. 42. Por cada dia de atraso na devolução da viatura, a Insolvente estava obrigada a pagar a quantia de € 23,58. 4. Face à factualidade descrita cumpre agora responder à questão colocada pela Recorrente. 4.1. Como resulta dos autos, após ter realizado uma tentativa de conciliação, que se frustrou, o tribunal a quo passou de imediato a proferir decisão de verificação e graduação de créditos, a qual se iniciou pela análise da impugnação deduzida à lista dos créditos reconhecidos, julgando-a improcedente. Não inquiriu as testemunhas arroladas, como pretendido pela Recorrente, porque se bastou com a prova documental junta aos autos e apensos. Na verdade, a tramitação seguida no apenso das reclamações de créditos ora em análise não deixou de cumprir o preceituado nos artigos 128º e seguintes do CIRE. Como determina o nº 3 do artigo 136º do CIRE, “concluída a tentativa de conciliação, o processo é imediatamente concluso ao juiz, para que seja proferido despacho, nos termos previstos nos artigos 595º e 596º do Código de Processo Civil.”. Trata-se do despacho saneador, que tem a forma e o valor de sentença, quanto aos créditos reconhecidos (sem a necessidade de prova para a sua verificação), que os declara verificados e os gradua em harmonia com as disposições legais (artigo 136º, nº 6 do CIRE). Sendo assim, nada impede que o juiz, caso entenda que não necessita de produção de mais prova – designadamente se os créditos reclamados estiverem todos documentados –, profira de imediato despacho saneador que proceda à verificação e graduação de todos os créditos, incluindo os que tenham sido objecto de impugnação. Por lhe ser aplicável o artigo 595º, nº 1, alínea b) do CPC, é perfeitamente defensável que o despacho saneador a proferir nos termos do nº 3 do artigo 136º do CIRE, conheça “imediatamente do mérito da causa (…) sem necessidade de mais provas”, ou seja, que verifique os créditos (homologando total ou parcialmente a lista dos créditos reconhecidos) e os gradue em harmonia com as disposições legais. Tal acontecerá, nomeadamente, quando: a) toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento; b) quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos; c) quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental, e esta já conste dos autos ou, quando não esteja, já o devesse estar.[1] [2] Ora, pese embora se reconheça ao administrador da insolvência a possibilidade de reconhecer créditos não reclamados (artigo 129º, nº 1 do CIRE), pertence ao credor que pretenda ver reconhecido o seu crédito a incumbência de o reclamar e de o provar. Por sua vez, o interessado (incluindo o devedor) que pretenda impugnar um crédito não reconhecido por sentença, incluído na lista dos créditos reconhecidos, poderá fazê-lo, invocando qualquer fundamento de impugnação do crédito (indevida inclusão, incorrecção do montante ou qualificação), qualquer excepção a ele oponível ou qualquer circunstância relativa às condições de reclamação do crédito.[3] Por isso, de acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova prevista no nº 1 do artigo 342º do Código Civil, se um crédito é impugnado com fundamento na sua inexistência, é sobre o credor reclamante que recai o ónus da prova de que o crédito existe.[4] E, se a impugnação se limitar apenas ao montante (e não à existência do crédito), o credor continua obrigado a comprovar os elementos que suportam o valor reclamado, designadamente contratos, facturas, extractos contabilísticos ou outros documentos probatórios adequados. O impugnante, por sua vez, não tem de provar que o crédito tem outro valor; basta-lhe pôr em causa a suficiência da prova apresentada pelo reclamante. Essa impugnação transfere o debate para o juiz, que decidirá com base nas provas apresentadas, seguindo os termos previstos nos artigos 131.º e 136.º do CIRE. 4.1.1. Assim, no que respeita ao crédito da BTL, tendo em conta que esta reclamante, ao ter celebrado com a “Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.” a escritura de cessão de crédito, se havia sub-rogado na posição de credora da insolvente relativamente ao crédito que esta havia contraído naquela instituição bancária, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, incumbia-lhe alegar os factos constitutivos do seu direito de crédito, designadamente: que a insolvente havia recebido da Caixa o empréstimo e qual o seu valor e respectivas condições contratuais; indicar o valor em dívida à Caixa no momento da celebração da escritura de cessão de créditos; e, eventualmente, o valor pago pela cessionária como contrapartida pela cedência do crédito. Mas, sendo ambos os contraentes (cedente e cessionária) instituições financeiras, todos estes factos dependiam de prova documental. Na verdade, a inquirição de testemunhas redundaria na prática de um acto inútil – o que a lei processual proíbe (artigo 130º do CPC) –, em virtude de tanto o mútuo bancário que a insolvente celebrou com a Caixa, como a cessão de créditos celebrada entre esta e a ora reclamante depender de prova documental.[5] Ora, com a respectiva reclamação, aquela credora juntou vários documentos, nomeadamente, escritura pública de cessão de créditos celebrada entre a Caixa e a BTL, que teve por objecto vários créditos com o saldo global de 139.745.228,00 €, dois documentos complementares que fazem parte daquela escritura, um deles com a identificação dos créditos cedidos, uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrada entre a Caixa e a insolvente e uma certidão permanente do registo predial. Apesar de a Recorrente ter alegado que no Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP) a credora havia reclamado apenas o montante de 140.000,00 €, o tribunal a quo esclareceu que tal valor foi indicado pela própria devedora e que a lista de credores do PEAP não tem por finalidade a fixação dos valores para outros efeitos que não o da atribuição de votos aos credores.[6] Referiu ainda que, no apenso de Reclamação de Créditos ao processo de execução nº 13998/17.0T8LSB, que constitui o actual apenso H, foi proferida sentença a 26/06/2019, que lhe reconheceu um crédito no valor global de 209.620,81 €, sendo o capital em dívida de 202.728,93 €. Por isso, conclui que o capital em dívida, ora reclamado, de 188.562,69 €, já inclui os pagamentos, entretanto, realizados pela devedora, que foram imputados aos capital em dívida e também aos juros vencidos. Com efeito, aquela factualidade resulta dos documentos juntos nestes autos e no apenso H – como podemos verificar –, pelo que passou a integrar os factos provados descritos sob os nºs 8 a 19. Ademais, entre esses documentos, conta-se a sentença proferida no processo executivo que passou a integrar o apenso H, onde consta que o crédito da então credora, Caixa Económica Montepio Geral, no montante global de 209.620,81 € mais juros, foi tido por reconhecido, por estar devidamente documentado e por não ter sido impugnado pela aí reclamada, ora Recorrente. Assim, se apenas foi reclamado o valor de 188.562,69 €, de capital em dívida por referência à data da declaração de insolvência, podemos concluir, como conclui a sentença recorrida, que “a diferença do valor de capital em dívida reflete a consideração dos pagamentos realizados pela devedora, que foram imputados ao capital em dívida e também aos juros vencidos”. Cremos, pois, que aqueles “elementos de prova contidos nos autos” (artigo 136º, nº 5 do CIRE) bastavam para a prova do crédito reclamado pela credora BTL IRELAND ACQUISITIONS II DAC, não ocorrendo qualquer discrepância entre os valores apresentados pela credora na sua reclamação de créditos e a lista de créditos reconhecida em sede PEAP, que no processo de insolvência subsequente tem apenas o efeito de dispensa de nova reclamação, não impedindo a reapreciação judicial dos créditos, pois carece de força de caso julgado material.[7] 4.1.2. Com respeito ao crédito reclamado pelo CONDOMÍNIO DA TORRE SUL alega a Recorrente que aquele credor desconsiderou as quantias já penhoradas em sede de instância executiva e que, relativamente às comparticipações devidas na pendência do processo executivo e no decurso do processo de insolvência, não juntou prova documental que sustentasse o seu incumprimento. Mas, contrariamente ao alegado pela Recorrente, todos os factos cuja prova incumbia a este credor resultam da documentação junta por este, designadamente actas da assembleia de condóminos, autos de penhora, extracto de conta-corrente de fracções e duas ordens de pagamento do agente de execução, uma a favor do Condomínio da Torre Sul, no valor de 794,98 € e outra a favor de JS, no valor de 722,20 €. Assim, contrariamente ao alegado pela impugnante, em resultado das penhoras realizadas, o Condomínio da Torre Sul apenas recebeu do agente de execução o valor de 794,98 €, sendo as demais quantias distribuídas, uma a título de honorários e outra apreendida para a massa insolvente. Quanto às quantias reclamadas a título de comparticipações de condomínio remanescentes dos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, a impugnada não alegou, nem provou que as havia pago. Na verdade, pese embora pertença ao credor, que pretenda ver reconhecido o seu crédito, a incumbência de o reclamar e de o provar, é o impugnante devedor que nega o incumprimento das sua obrigação que tem o ónus de provar esse pagamento, uma vez que, segundo determinam as regras de distribuição do ónus da prova, incumbe ao impugnante a prova dos factos impeditivos ou extintivos, como é o pagamento (artigo 342º, nº 2 do Código Civil). Em suma, também quanto ao valor deste crédito se pode sustentar o respectivo reconhecimento perante os documentos juntos nestes autos. Consequentemente, seria inútil a inquirição de testemunhas, nomeadamente do agente de execução nomeado. 4.1.3. Por fim, quanto ao crédito reclamado por MERCEDES-BENZ FINANCIAL SERVICES PORTUGAL – SOCIEDADE FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., sustenta a ora Recorrente que no PEAP apenas ficou reconhecido o valor de 11.374,87 €, e não os reclamados 14.874,77 €. Contudo, como bem se refere na sentença, após as penhoras realizadas no processo executivo que a credora deduziu contra a executada, ora insolvente, “foi elaborada nota discriminativa apurando-se ainda em dívida o valor de 11.374,87 €”, que esta aceita, “ao qual acresce o valor pelo atraso da entrega da viatura não incluído no requerimento executivo”. Ora, a Recorrente, nem antes na impugnação, nem agora nas suas alegações, alega ter entregue o veículo à credora na data da resolução do contrato, nem nega o efectivo atraso naquela entrega. Por isso, tal como decorre do contrato entre ambas celebrado, constitui-se na obrigação de pagar a quantia de 23,58 €, por cada dia de atraso na devolução do veículo. Assim, face à prova documental junta aos autos, seria de todo inútil a pretendida audição do agente de execução, até porque a prova dos valores em dívida, para além dos confessados 11.374,87 €, resulta do teor do contrato celebrado e do facto aceite de que o veículo foi devolvido apenas em 23/01/2018. Quanto ao facto de o crédito ter sido reconhecido no PEAP pelo valor de 11.374,87 €, valem os considerandos antes expostos relativamente ao crédito da credora BTL. Em suma, a decisão recorrida não se mostra “manifestamente precipitada e precoce”, uma vez que os elementos de prova já contidos nos autos eram mais do que suficientes para os julgar reconhecidos pelos valores reclamados. Improcedem, assim, as alegações deduzidas pela Recorrente 5. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo na íntegra o saneador sentença recorrido. * Custas da apelação a cargo da Recorrente. Lisboa, 28 de Outubro de 2025 Nuno Teixeira (Relator) Manuela Espadaneira Lopes (1ª Adjunta) Elisabete Assunção _______________________________________________________ [1] Segundo o nº 1 do artigo 128º do CIRE, o requerimento de reclamação de créditos dever “acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem: a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros; b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas; c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável; d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; e) A taxa de juros moratórios aplicável; f) O número de identificação bancária ou outro equivalente.” [2] Cf. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2ª Edição, Coimbra, 2020, pp. 721-722. [3] Cf. TEIXEIRA DE SOUSA, “A Verificação do Passivo no Processo de Insolvência”, in Revista da FDUL, volume XXXVI, Lisboa, 1995, pág. 366. [4] Cf. neste sentido, TRP, Acs. de 26/06/2014 (proc. 1040/12.2TBLSD-C.P1) e de 02/12/2021 (proc. 3407/18.3T8STS-A.P2), e ainda TRC, Acs. de 24/03/2015 (proc. 78/13.7TBNLS-D.C1) e de 26/01/2016 (proc. 4240/12.1TBLRA-C.C1), todos disponíveis em www.direitoemdia.pt. [5] O mútuo bancário está sujeito a forma escrita, por força do artigo 1143º do Código Civil e das regras especiais previstas para a actividade bancária, designadamente, as constantes do artigo único do DL nº 32.765, de 29 de Abril de 1943, do artigo 12º do DL nº 133/2009, de 2 de Junho (contratos de crédito aos consumidores) e do parágrafo 1 do artigo 102º do Código Comercial. Por sua vez, a cessão de crédito garantido por hipoteca sobre bem imóvel, não sendo feita em testamento, deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado (artigo 578º, nº 2 do Código Civil) e está sujeita a registo (artigo 2º, nº 1, alínea i) do Código de Registo Predial). [6] Segundo o entendimento de SOVERAL MARTINS, “o artigo 222º-G, nº 9 do CIRE não proíbe a reclamação de créditos no processo de insolvência: apenas a considera dispensável” (cfr. Um Curso de Direito da Insolvência, volume II, 3ª Edição, Coimbra, 2022, pág. 391. Com efeito, em sede de PEAP, a reclamação de créditos não visa liquidar dívidas nem verificar créditos para efeitos de pagamento imediato, mas sim identificar e delimitar o conjunto de credores que podem participar nas negociações, determinar o direito de voto de cada credor no acordo de pagamento, definir quem pode opor-se à homologação do acordo, apurar a base de cálculo das maiorias necessárias para aprovar o plano. Ou seja, a reclamação de créditos destina-se a formar a lista de credores com legitimidade processual no PEAP e a fixar o peso de cada um no processo negocial (cfr. JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA e FERNANDO TAÍNHAS, Processo Especial para Acordo de Pagamento: Novas e velhas questões, pp 14-15, disponível em https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/114821280/PEAP.pdf, consultado em 20/10/2025). [7] Cfr. JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA e FERNANDO TAÍNHAS, Ob. cit. na nota 6. |