Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1382/24.4T8VFX.L1-1
Relator: ANA RUTE COSTA PEREIRA
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
CESSÃO DE QUOTAS
ENTRADA EM ESPÉCIE
DIREITO DE PREFERÊNCIA
DIREITO DE INFORMAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: SUMÁRIO (art. 663º, n.º7 do Código de Processo Civil).
1 A alteração de titularidade das participações sociais que, pela via da entrada em espécie em sociedade terceira, passam a ser tituladas por esta e a fazer parte do seu capital social, com um específico valor que aproveita aos credores sociais e que corresponde a um elemento que deve necessariamente constar do contrato (art. 9º, n.º1, al. h) do CSC) - sendo ineficazes as estipulações do contrato de sociedade relativas a entradas em espécie que não satisfaçam tal requisito (art. 9º, n.º2) -, torna pouco defensável a tese de que não estamos perante uma cessão de quotas.
2 A entrada em espécie tem a relevância societária diretamente correspondente ao valor atribuído ao bem ou direito com o qual se realiza a entrada e, reconduzindo-se a um valor, não existe motivo para se negar que as operações translativas da titularidade das quotas que foram objeto de deliberações, pelas quais se autoriza que estas sejam usadas para realizar entradas em espécie em sociedade terceira, correspondem a uma cessão de quotas, já que existe uma transmissão voluntária das quotas, realizada entre vivos, com natureza onerosa (com valor patrimonial associado).
3 A aferição da existência ou não de direito de preferência (ou da prévia necessidade de obtenção de consentimento da sociedade e da relevância útil deste) não pode ser feita na ótica subjetiva do sócio cedente ou do concreto objetivo (comum) deste e da sociedade terceira que beneficia do aumento de capital pela entrada em espécie. Pelo contrário, terá sempre que ser analisada na perspetiva objetiva da sociedade a que respeitam as quotas cedidas e dos sócios que integram esta última, que acautelaram, por disposição estatutária, esse mesmo direito.
4 O interesse da sociedade ré/apelante não pode ser confundido com o interesse dos sócios cedentes que, em situação inversa, seriam igualmente tutelados pela norma estatutária que visou, bem ou mal, mas de forma ainda eficaz e vigente, evitar a entrada de terceiros na sociedade. Esta entrada não se vê como um prejuízo para a gestão da ré ou para o desenvolvimento da sua atividade, mas foi acautelada nos estatutos, que obriga todos os sócios, cedentes e não cedentes, não cabendo aos tribunais “atualizar” o interesse social quando os sócios não cuidaram de atualizar os estatutos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.a. G V M instaurou ação de anulação de deliberações sociais contra PATRIMÓNIO – EMPRESA DE CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO, LDA, pedindo, a final (versão retificada), que:- sejam declaradas inexistentes ou, quando não, nulas as deliberações da Assembleia Geral da ré que determinaram o consentimento da sociedade Ré para transmissão, por parte de B e G V, das respetivas quotas na sociedade Ré à sociedade SVPAR;
- caso assim não se entenda, devem as referidas deliberações ser anuladas, porquanto:
1) não precedidas de informações prévias exigíveis e solicitadas;
2) obtidas com votos nulos, de sócios que estavam impedidos de votar por conflito de interesses;
3) obtidas com votos abusivos;
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- titula uma quota com o valor nominal de € 269.350,86 na sociedade ré, que se dedica à construção civil e aquisição e revenda de imóveis, constituída em 10/10/1971; a sociedade tem um total de 10 sócios, correspondentes a fundadores ou descendentes destes;
- os sócios foram convocados para a realização de uma assembleia geral (AG) a decorrer na sede social da ré às 15h00 do dia 05/12, com dois pontos na ordem de trabalhos - deliberar sobre a contribuição da quota G V e da quota B V  no âmbito de um aumento de capital da SVPAR-Investimentos, Lda. (SVPAR) a subscrever parcialmente e a realizar em espécie, respetivamente, por G V e B V ;
- a SVPAR tem 4 sócios, todos eles sócios da sociedade ré e herdeiros de Am V (fundador), visando, com as deliberações, ceder as quotas tituladas na ré para uma sociedade de que também são sócios e da qual é gerente o sócio C V;
- a sócia M R procurou exercer o seu direito a aceder às informações preparatórias da AG (sobre o cessionário e condições da cessão), tendo obtido em resposta a disponibilização dos documentos para consulta em morada indicada, que, uma vez consultada, correspondia apenas à certidão permanente e modelo 22 referente ao ano de 2022 da sociedade cessionária;
- na AG o autor consignou em ata a existência de um conflito de interesses que impedia os sócios da sociedade cessionária de votarem os pontos da ordem de trabalhos, o que requereu que fosse decidido e veio a ser indeferido pela presidente da mesa, A C V;
- os dois pontos da ordem de trabalhos foram aprovados por maioria, incluindo votos de três sócios, simultaneamente, da ré e da sociedade cessionária (A C V, C V e B V), abstendo-se na votação de cada um dos pontos o sócio cuja quota era cedida;
- o autor, em seu nome e dos sócios M R e R V, consignou em ata que consideravam ser inválida a deliberação, por incluir votos de sócios impedidos de votar e salientou que os sócios cedentes se encontravam obrigados pelos estatutos a dar preferência à sociedade, em primeiro lugar, e aos sócios, em segundo lugar, devendo ser concedido para o efeito, o que foi negado pelo sócio C V que considerou não haver qualquer transmissão ou alienação, mas apenas uma transferência para a sociedade SVPAR, após o que foi encerrada a AG;
- considera que as deliberações são anuláveis, porque não precedidas de prestação de elementos mínimos de informação aos sócios, nem da prestação da informação solicitada por uma sócia e considerada imprescindível, bem como são inexistentes porque foram tomadas com votos nulos e impedidos por conflito de interesses;
- subsidiariamente, sempre seriam as deliberações anuláveis porque tomadas no intuito de satisfazer os propósitos pessoais e individuais dos sócios cedentes e da cessionária, com prejuízo dos restantes sócios, pessoas singulares e até então titulares de participações paritárias com os demais, passarem a estar numa situação de sujeição a entrada de um sócio preponderante, através da compra da sociedade SVPAR cujo aumento de participação jamais voltará a estar sujeito ao controle (consentimento) desses sócios pessoas singulares 
b. Citada veio a ré apresentar contestação, concluindo a final por pedir que sejam julgados improcedentes todos os pedidos de declaração de invalidade (inexistência, nulidade e anulabilidade) relativos às deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral da Ré realizada em 5.12.2023.
Alega, em síntese, após enquadramento factual da situação da ré e da relação entre os sócios, que:
- por impossibilidade de alcançar consensos entre os seus sócios, a Ré encontra-se, desde 2006, em termos operacionais e de atividade, em estado de letargia, parada no tempo, desativada, bloqueada e sem perspetivas de futuro, sendo a dissolução e liquidação da Ré com distribuição do ativo desta aos sócios é a realidade mais provável com que os sócios da Ré se irão confrontar num futuro próximo;
- no cumprimento do desiderato de planeamento fiscal legítimo quanto ao seu património, os sócios da Ré, B V e G V, propõem-se participar num aumento de capital da sociedade SVPAR – Investimentos, Lda. (“SVPAR”) por entrada em espécie a realizar por via da transferência das quotas que cada um detém no capital social da Ré, planificando o cenário de liquidação da sociedade Ré e a inerente distribuição de ativos de valor económico, com a preocupação de acautelar o impacto fiscal decorrente do cenário da eventual distribuição pela Ré de dividendos e reservas aos sócios e/ou de mais-valias;
- impugna, no mais, a invocada falta de prestação de informações, não tendo sido solicitada pelo autor qualquer informação, carecendo, por isso, de legitimidade para arguir o vício referente à suposta omissão da ré; a sócia que solicitou à gerência informações é ela própria gerente, tendo acesso direto a todas as informações, cujo pedido não efetuou em sede de AG;
- as operações objeto de deliberação não eram abarcadas por direito de preferência, pelo que não estava a ré obrigada a prestar as informações pretendidas, tendo sido cumprida a obrigação de fornecer os elementos mínimos de informação;
- há falta de concretização factual e ausência de fundamento para o invocado conflito de interesses;
- no exercício dos direitos de voto em causa não se verifica qualquer propósito ilícito, ilegítimo, abusivo ou lesivo do interesse social, ou sequer de algum dos sócios, pelo que inexiste qualquer natureza abusiva das deliberações, nem das mesmas advém qualquer dano para a ré.
c. O autor apresentou o requerimento de 17/06/2024, no qual toma posição em relação a documentos e a parte do articulado da ré.
d. Foi designada data para realização de audiência prévia, que teve lugar em 18/11/2024, no contexto da qual foi admitido o requerimento do autor de 16-04-2024, em que o autor introduziu retificações ao articulado inicial, foi certificada a validade e regularidade da instância, bem como foi definido o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Foram apreciados os requerimentos de prova e designada data para realização da audiência de julgamento, que teve lugar em 16/12/2024, 06/01/2025 e 03/02/2025.
e. Em 15/03/2025 foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“(…) 4. Decisão
Pelo exposto, Julga-se a presente acção interposta por G V M, contra Património – Empresa de Construções e Comércio, Lda., procedente, porque provada, e, em consequência, anulam-se as deliberações tomadas na reunião da Assembleia Geral da sociedade R. realizada em 05 de Dezembro de 2023.
Custas da acção a cargo da R. (art. 527º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Registe e Notifique”.
f. Da decisão referida em I.e. veio a ré interpor o presente recurso de apelação, pedindo a respetiva revogação, aduzindo fundamentos que sintetiza nas seguintes conclusões:
A. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO AO INCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS PROCEDIMENTAIS DO PEDIDO DE CONSENTIMENTO À SOCIEDADE FIXADOS NO Nº 1 DO ART. 230º DO CSC
a) Não existiu violação do nº 1 do art. 230º do CSC atenta a natureza da operação em causa e os interesses dos sócios cedentes subjacentes a tal operação, encontrando-se impossibilitado, em caso de recusa do consentimento, o cumprimento do disposto na al. d) do nº 2 e 4 do art. 231º do CSC.
b) Se o respetivo negócio subjacente não é uma compra e venda mas, como sucede aqui, uma troca ou permuta de participações sociais para entrada em espécie dos cedentes em subscrição de aumento de capital na sociedade cessionária, o que é feito com um intuito de reorganização de património numa ótica de planeamento fiscal lícito e legitimo quanto às quotas a transmitir, não há uma contrapartida em dinheiro ou em qualquer outro bem fungível.
c) O “valor” (no sentido de interesse, finalidade ou utilidade) do negócio encarado pelo cedente não se reconduz ao recebimento de um preço pelas suas quotas mas à troca das mesmas, ou recebimento em espécie, de quotas da SVPAR que lhe facultem continuar a deter, ainda que indiretamente, tais quotas da sociedade Ré no seu património.
d) Só por esta via lograrão os sócios cedentes satisfazer o seu interesse, legal e legitimo, de reorganização do seu património numa ótica de planeamento fiscal que se encontra subjacente a tal operação (cfr. Pontos 55 e 56 da matéria assente).
e) Uma eventual proposta de aquisição das quotas dos cedentes decorrentes de uma (eventual hipotética) recusa de consentimento seria insuscetível de “oferecer uma contrapartida em dinheiro igual ao valor resultante do negócio encarado pelo cedente” (cfr. al. d) do nº 2 do art. 231º do CSC).
f) E esta impossibilidade de oferecer contrapartida, que no fundo se reconduz à impossibilidade de fazer atuar o mecanismo ínsito na preferência do “tanto por tanto”, não é inócua, pois a mesma sempre determinaria, em caso de (eventual e hipotética) recusa de consentimento, e dado que os cedentes detêm na sua titularidade as quotas a transmitir há mais de três anos, que a cessão para o qual o consentimento foi pedida “torna-se-ia livre” (cfr. al. d) do nº 2 e nº 3 do art. 231º do CSC).
g) Em caso de recusa da prestação de consentimento, não é possível – sem alterar a substância e fisionomia das operações em causa e dos interesses subjacentes à transmissão – apresentar uma proposta “tanto por tanto” de aquisição por parte da Ré ou de qualquer outro sócio (cfr. nº 4 do art. 231º do CSC).
h) Neste contexto, a avaliação por ROC das quotas, com as quais o sócio cumpre a sua obrigação de entrada em espécie na subscrição do aumento de capital, não só não transforma a entrada em espécie em entrada em dinheiro como não assume a natureza de um preço.
i) A avaliação feita pelo ROC destina-se tão só a permitir obter uma declaração sobre se os valores encontrados atingem ou não o valor nominal da participação social atribuída ao sócio que efetuou tais entradas, bem como, se for o caso, o valor dos prémios de emissão ou do ágio (cfr. al. d) nº 3 do art. 28º do CSC).
j) Assim se tutelando os interesses da generalidade dos sócios e dos credores sociais e cumprindo a exigência legal de que os bens com os quais o sócio compõe a sua entrada sejam penhoráveis (cfr. al. a) do art. 20º CSC).
k) Resultaria indiferente (logo inútil) que tivesse sido prestada informação sobre os termos concretos da contrapartida [o que os sócios cedentes vão receber em troca], a qual, nos termos legais, poderá consistir ou no aumento do valor nominal das quotas dos cedentes na sociedade cessionária ou na atribuição de novas quotas que serão criadas para esse efeito, conforme seja deliberado pela sociedade cessionária (cfr. nº 3 do art. 92º do CSC).
l)  E a indicação quanto a saber se a cessão seria total ou parcial, tal indicação no sentido de que a transmissão abrangia a totalidade da quota decorre já quer do texto da convocatória “Ponto Um: Deliberar sobre a contribuição da Quota G V (…) Ponto Dois: Deliberar sobre a contribuição da Quota B V  (…)”, quer da circunstância dos sócios cedentes serem apenas titulares de uma quota e de não ter sido pedido consentimento para a divisão de quota (cfr. Ponto 3 e 8 da matéria de facto assente).
B. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À NÃO INFUNGIBILIDADE DAS PRESTAÇÕES E CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
m) A posição do Tribunal a quo no sentido da não infungibilidade das prestações e que a operação em causa não obsta à constituição ou ao exercício do direito de preferência louva-se na posição extraída do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.06.2016, a qual, não só é minoritária e contrária à jurisprudência que, nesta matéria, se encontra firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça como, sobretudo, não tem aqui aplicação dado que a mesma não contempla duas relevantes circunstâncias factuais que ocorrem no caso sub judice:
i. A cláusula de preferência constante dos Estatutos da sociedade Ré há muito que perdeu a sua finalidade de proteção do caráter familiar da sociedade e de defesa contra entrada de terceiros indesejados [ou seja, a natureza societária do pacto de preferência perdeu-se há muito em razão do conflito societário existente e que perdura há mais de 15 anos]; e,
ii. Os cedentes prosseguem um interesse comprovadamente lícito e legitimo insuscetível de se traduzir numa contrapartida em dinheiro, num preço [ou seja, estamos perante uma prestação verdadeiramente infungível que tem subjacente um interesse lícito e legitimo que obsta à constituição do direito de preferência sem que se possa formular qualquer juízo ou suspeição de fraude].
n) A posição sufragada pelo Tribunal a quo desconsidera e descaracteriza a natureza jurídica das operações em causa – transmissão de quota que integra a entrada em espécie de um sócio que subscreve um aumento de capital numa sociedade por quotas -, subverte ou anula a distinção entre entradas em espécie de entradas em dinheiro bem como subverte ou anula o mecanismo “tanto por tanto” ínsito ao direito de preferência e que resulta do seu recorte legal (art. 414º CC).
o) Bem como parte de um preconceito ou suspeição generalizada de que tais operações são potencialmente fraudulentas pois visam afastar o exercício do direito de preferência, suspeição que não é sequer partilhada pelo CSC (nº 1 do art. 266º do CSC).
p) Mas mais, a posição do Tribunal a quo levaria ainda a que se atribuísse mais do que um direito de preferência aos sócios não cedentes, na medida em que seriam estes a determinar como é que os sócios cedentes deveriam participar no aumento de capital da SVPAR, no fundo a determinar o conteúdo e tipo de negócio que estes devem realizar.
q) Não estaríamos já perante um mero direito de preferência entendido como um direito de se substituir um contraente por outro, mas sim um direito a determinar o tipo de contrato a celebrar e tal interferiria de forma intolerável com princípios estruturantes do nosso sistema como o da autonomia da vontade e da liberdade contratual (art. 405º do CC).
r) O interesse (ou utilidade) dos sócios cedentes não reside no recebimento de um preço pela venda das suas quotas mas na troca das mesmas, ou recebimento em espécie, de quotas da SVPAR que lhes facultem continuar a deter, ainda que indiretamente, tais quotas da sociedade Ré no seu património.
s) O interesse dos sócios cedentes não é o de obter liquidez com a transmissão das quotas mas, através da referida troca, reorganizar o seu património através da reunião das suas participações numa só sociedade pertencente ao seu ramo familiar.
t) O interesse dos cedentes também não é simplesmente participar no aumento de capital da SVPAR, sociedade de que são sócios e que é detida pelo seu ramo familiar, pois para tal sempre o poderiam fazer, e em qualquer altura, com entrada em dinheiro.
u) Só por essa via de subscrição do aumento de capital por entrada em espécie integrada pelas quotas da sociedade Ré lograrão os sócios cedentes satisfazer o seu interesse, legal e legítimo, de planeamento fiscal do seu património e que se encontra subjacente a tal operação.
v) No caso sub judice estamos perante uma verdadeira e própria situação de infungibilidade de prestações, a qual não apenas é impeditiva da constituição do direito de preferência como, com anterioridade a esse direito de preferência mas pelas mesmas razões, mas agora para efeitos de prestação de consentimento, também é impeditiva de, em caso de recusa de consentimento, ser oferecida “contrapartida em dinheiro igual ao valor resultante do negócio encarado pelo cedente” (cfr. al. d) do nº 1 do art. 231º do CSC).
w) E se isto é assim, então forçoso se torna concluir que a indicação de “todas as condições” prevista no nº 1 do art. 230º do CSC, para que possa ter um sentido útil, tem de ser modelada em razão do negócio subjacente à cessão e dos interesses legítimos e lícitos prosseguidos pelos cedentes
x) Sabendo-se ab initio que não é possível à sociedade, em caso de recusa, deliberar a aquisição da quota (nº 4 do art. 231º do CSC) qual o sentido útil de exigir, como elemento obrigatório, a indicação de “todas as condições da cessão” quanto a condições que se revelam inócuas?
y) A obrigatoriedade de tal exigência, neste quadro, afrontaria a própria teleologia da norma.
z) Visando o mecanismo de consentimento da sociedade proteger o caráter personalístico das sociedades por quotas, introduzindo uma limitação à livre transmissão de quotas, o que está, antes de mais e em primeiro lugar, em causa é determinar se a sociedade consente que um determinado terceiro passe a integrar o seu núcleo de sócio.
aa) Ora, para uma deliberação de consentimento o que se revela essencial é o conhecimento da identidade do terceiro cessionário e não o conhecimento de condições da cessão, as quais apenas se revelam úteis caso seja possível à sociedade, em caso de recusa de consentimento, deliberar a aquisição da quota.
C. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À RELEVÂNCIA INVALIDANTE DA VIOLAÇÃO DO Nº 1 DO ART. 230º DO CSC
bb) O incumprimento de requisito procedimental relativo ao nº 1 do art. 230º do CSC, tal como entendido pelo Tribunal a quo, não afetou a formação da vontade social da sociedade Ré quanto a tal matéria pois, com independência das condições que se pudessem ter indicado no pedido de consentimento, o Autor teria mantido o seu sentido de voto e a aprovação das deliberações em causa teria resistido e ficado incólume.
cc) Os vícios de procedimento só devem gerar anulabilidade quando a falha verificada possa influenciar o sentido da deliberação (nesse sentido, art. 195º, nº 1 do CPC; princípio da proporcionalidade; da sobrevivência ou aproveitamento das deliberações sociais, orientados para o favor societatis; princípio do limiar da relevância e da prova da resistência).
dd) As circunstâncias reais e concretas em que a sociedade Ré e os seus sócios se encontram sempre obstaria à invalidade da deliberação por incumprimento dos requisitos procedimentais do nº 1 do art. 230º do CSC.
ee) A proteção constitucional do direito a uma tutela jurisdicionalmente efetiva bem como a exigência legal da decisão judicial ser orientada para a justa composição do litígio, sempre imporia, se outras razões não existissem uma abordagem menos formalista do Tribunal a quo e mais direcionada para a realização de uma justiça material e, no caso sub judice, mais orientada para a proteção do interesse social da sociedade Ré, privilegiando uma orientação mais favor societatis.
ff) O raciocínio desenvolvido pelo Tribunal a quo acerca da articulação do disposto no nº 1 do art. 230º do CSC com art. 231º do CSC e de que estaria em causa uma violação do art. 231º do CSC, apresenta-se como um exercício totalmente teórico, abstrato, formal e desligado das coordenadas factuais reais e concretas do caso sob julgamento e contrário à própria irrelevância que lhe atribuiu o bloco de sócios nos quais o Autor se integra.
gg) Caso se viesse a confirmar (o que não se concede e apenas como mera hipótese de raciocínio se equaciona) a violação dos requisitos procedimentais do nº 1 do art. 230º do CSC, a intervenção do abuso de direito (art. 334º do CC), quer na modalidade de venire contra factum proprium quer por afrontar o princípio da materialidade subjacente, sempre paralisaria a eficácia invalidante de tal vício procedimental.
hh) Em sede da Assembleia Geral de 05.12.2013, o Autor, que se encontra também a representar os demais sócios que integram o seu bloco (a sua mãe e irmão), em ponto algum da sua técnico-jurídica, detalhada e previamente preparada (seguramente com apoio dos seus assessores jurídicos) intervenção, suscita a questão da “falta da indicação das condições da cessão” para efeitos de sustentar uma qualquer proposta de aquisição da quota por parte da sociedade Ré ou sequer para efeitos de esclarecimento do seu sentido de voto [cfr. Ponto 21 dos factos assentes].
ii) E podia (e devia) tê-la suscitado nessa declaração ou na discussão quanto aos pontos da ordem de trabalhos submetidos a votação (cfr. neste sentido, art. 290º, nº 1 e 2 do CSC aplicável às sociedades por quotas ex vi nº 7 do art. 214º do CSC) mas nada foi suscitado, nenhum esclarecimento foi pedido!
jj) Até porque se encontravam presentes na Assembleia Geral de 5.12.2023 o sócio- gerente da SVPAR, bem como presentes, ou devidamente representados, os demais sócios da SVPAR, incluindo os sócios cedentes, ou seja, todos aqueles que lhe podiam prestar as indicações sobre as condições que o Tribunal a quo entende estarem em falta.
kk) Apresentando-se ainda como contrário à boa-fé, e como tal abusivo, permitir que o Autor se prevaleça da falta da indicação das condições a que alude o nº 1 do art. 230º do CSC, obtendo a invalidade da deliberação, quando tal falta de indicação de condições em nada afetou o sentido das deliberações, o sentido de voto do Autor ou sequer o direito do Autor participar, de forma informada e esclarecida, na votação das deliberações em causa.
ll) Assim como se apresenta contrário à boa-fé, e como tal abusivo, permitir que o Autor em tais condições materiais de irrelevância para a sua posição jurídica, nas quais não se vislumbra quais as vantagens [relevantes] que o Autor poderia obter caso tivessem sido indicadas as condições a que alude o nº 1 do art. 230º do CSC, obtenha a invalidade da deliberação e, dessa forma, dê causa a um dano máximo para a sociedade Ré.
D. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À VIOLAÇÃO DO DIREITO À INFORMAÇÃO
mm) Ainda que se entendesse que as informações referentes “ao valor atribuído à cessão se integra nas informações mínimas a serem transmitidas aos sócios com vista às deliberações em apreço”, as mesmas não só podiam como deviam ter sido solicitadas pelo Autor no decurso da Assembleia Geral de 5.12.2023 (nesse sentido, art. 290º nº 1 ex vi art. 214º, nº 7 do CSC).
nn) Encontra-se provado que nenhum pedido ou solicitação de quaisquer elementos (mínimos ou não) de informação ou sequer qualquer pedido de esclarecimento sobre a documentação facultada foi formulado pelo Autor, quer antes quer no decurso da Assembleia Geral de 5.12.2023 (cfr. pontos 58 e 59 da matéria assente), ou seja, não tendo o Autor exercido esse seu direito no decurso da Assembleia geral sibi imputet!
oo) Ainda que, sem conceder e por mera hipótese de raciocínio, se entendesse que ocorreu violação do direito de informação nos termos da al. c) do nº 1 do art. 58º do CSC, o certo é que, também aqui, tratando-se de um vício procedimental e pelas razões aduzidas a propósito da violação do nº 1 do art. 230º do CSC (als. bb) a ee) das Conclusões e que aqui, por razões de economia processual, se dão por integralmente reproduzidas), tal não teria relevância invalidante.
pp) A informação sobre as pretendidas condições das cessões não foram relevantes ou essenciais para que o Autor pudesse participar e votar nas deliberações ora impugnadas defendendo os seus legítimos interesses, como se comprova pelo comportamento concludente adotado pelo próprio Autor na Assembleia Geral na qual foram tomadas as deliberações impugnadas.
E. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À IMPROCEDÊNCIA DO ABUSO DE DIREITO DO AUTOR.
qq) Caso se entendesse que a falta das pretensas informações foi impeditiva da formação da vontade esclarecida e informada do Autor quanto aos assuntos sujeitos a deliberação, a circunstância do Autor não ter solicitado a prestação de quaisquer informações nem invocado a violação de direito à informação, designadamente em sede de Assembleia Geral na qual estavam presentes todos aqueles que poderiam ter prestado as informações que reclama estarem em falta, configuraria uma atuação manifestamente abusiva, quer na modalidade de venire contra factum proprium quer na modalidade de violação do princípio da primazia da materialidade subjacente (aplicando-se aqui mutatis mutandis as als. kk) e ll) das Conclusões e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
rr) O pedido escrito de informações requerido e assinado pela sócia M R não se pode ter por extensível ao Autor, tal contrariaria não só a vontade de tal sócia e do Autor, como afronta a natureza pessoal e individual de tal direito.
ss) Consubstanciando a resposta da sociedade Ré a tal pedido de informações de que se encontravam disponíveis documentos para consulta, impunha-se à sociedade Ré, em observância de um princípio de igualdade de tratamento dos sócios, o dever legal de facultar essa informação aos demais sócios que dela não tenham já conhecimento (cfr. nesse sentido o nº 7 do art. 291º do CSC), sem que tal os transforme em requerentes do pedido de informação [que não fizeram, subscreveram ou assinaram].
tt) No quadro factual que se encontra dado por assente, afigura-se razoável e legitimo que a sociedade Ré pudesse razoavelmente contar, face aos elementos disponibilizados e à inexistência de qualquer pedido de informações ou de esclarecimentos feitos em sede de Assembleia Geral, que o Autor (bem como a sócia sua mãe e irmão) se considerasse devidamente esclarecido e informado para exercer o seu direito de voto.
uu) Afigura-se razoável e legítimo que a sociedade Ré pudesse interpretar a ausência de qualquer referência ao direito de informação por parte do Autor em sede da reunião de assembleia geral como sendo de conformação e aceitação, sem reservas, da completude e suficiência dos elementos e informação que podia retirar da documentação disponibilizada.
vv) Caso o Autor entendesse de forma verdadeira e genuína que não dispunha de elementos bastantes para formar a sua vontade de forma esclarecida e informada para votar nas deliberações em causa, podia e deveria tê-los solicitado no decurso dos trabalhos da Assembleia Geral (cfr. art. 290º, nº 1 ex vi nº 7 do art. 214º do CSC), tanto mais que se encontravam presentes, ou devidamente representados, os sócios da Ré simultaneamente sócios da SVPAR, bem como os sócios cedentes, que poderiam prestar tais informações.
ww) Não se extrai da intervenção do Autor no ponto 25 da matéria de facto assente qualquer argumento válido que permita afastar o abuso de direito em que este incorre, pois não só a interpretação dessa intervenção deve considerá-la no seu todo ou na sua integridade (incluindo a declaração efetuada pelo Autor antes da discussão dos pontos da ordem do dia) como tal interpretação deverá ser feita à luz dos critérios normativos do art. 236º e sgts. do CC, a qual, tendo em conta o sentido que um declaratário normal, na posição do real declaratário, poderia atribuir à integralidade da declaração efetuada pelo Autor na Assembleia Geral de 5.12.2013, não permite sustentar a tese do Tribunal a quo.
xx) Caso a decisão do Tribunal a quo se mantivesse, tal redundaria na cobertura, por via judicial, de uma própria e verdadeira instrumentalização ilícita e abusiva do direito à informação.
g. Em 13-06-2025 o autor/apelado veio apresentar contra-alegações ao recurso interposto pela ré, referido em I.f., pedindo a improcedência do recurso ou, não o sendo, a ampliação do objeto do recurso (art. 636º, n.º1 do Código de Processo Civil), formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. O recurso a que ora se responde tem por objecto a decisão, incensurável no entender do Recorrido, datada de 15/03/2025, e que determinou a anulação das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da sociedade Património Empresa de Construções e Comércio, Lda. do dia 5 de Dezembro de 2023.
B. A aludida decisão, adiante Decisão Recorrida, determinou as aludidas deliberações anuláveis por violação do disposto nos art.º 228/2, 230/1 e 2 e 58/1 al. a) e c), todos do CSC, isto porque o pedido de consentimento para a cessão de quotas deve encontrar-se acompanhado de indicação de todas as condições da cessão.
C. No caso concreto, apenas foi informado aos sócios quem era a cessionária, bem como foi junta certidão de registo comercial da mesma e ainda o modelo 22 do ano de 2022 da mesma.
D. A Recorrente insurge-se contra esta decisão, sustentando que a Decisão Recorrida proferida pelo tribunal a quo padece de erros de julgamento.
E. A este propósito vem a Recorrente referir que, atenta a natureza da operação em causa e os interesses subjacentes à mesma, bem como a impossibilidade de exercer o direito de preferência em caso de recusa, essa violação não ocorreu.
F. Sobre a natureza da Operação em causa, como bem refere a Decisão Recorrida no ponto B.1m independentemente da qualificação dada na convocatória, trata-se de uma transmissão das quotas que estes dois sócios detêm na sociedade R. para a sociedade SVPAR, através de um aumento de capital a realizar nesta última sociedade, consubstanciado na transmissão de tais quotas, ou seja, em espécie, em conformidade com o valor que, nesta, seja atribuído às mencionadas quotas.
G. Mais refere, Deste modo, que independentemente do modo como as quotas da R. serão tratadas internamente na SVPAR, em sede de aumento de capital, a verdade é que estamos perante uma cessão de quotas para terceira entidade, na perspectiva da R. e seus sócios.
H. Já, relativamente à impossibilidade do exercício do direito de preferência, também a esse respeito a Decisão Recorrida cuidou de esclarecer que a contrapartida em valor é o que configura uma proposta “tanto por tanto”, ou seja equivalente, através dos quais poderiam os sócios subscrever o aumento de capital no qual “entrariam” com a quota.
I. Em adição ao que já se referiu supra, e que se dá por integralmente, reproduzido, cumpre recordar que a violação de uma norma legal não é susceptível de ser afastada por quaisquer conflitos.
J. É disso que se trata a violação do disposto no n.º 1 do art.º 230.
K. Vêm, ainda, as Alegações da Recorrente constatar, desde logo (“em primeiro lugar”), que o parâmetro do tribunal foi a mera constatação da falta das indicações da cessão.
L. O Recorrido não vê que mais parâmetros seriam convocáveis.
M. Mas mais, a Recorrente vem falar em estratégia e premeditação do Autor e família: O que dizer da construção de uma teoria de que uma cessão de quotas é, afinal, uma entrada em espécie e portanto não sujeita a consentimento, preferência etc?!
N. Em segundo lugar, vem a Recorrente referir que a violação é uma questão meramente procedimental, relativa a vício de formalidades.
O. Como é bom de ver, a Recorrente compara a inobservância de todo um regime legal com uma mera irregularidade.
P. Sendo que a mera irregularidade sanável sempre pressuporia que essas condições existiam e apenas não tinham sido comunicadas, tudo o que não sucedeu, in casu.
Q. Resulta da matéria assente (pontos 18 e 19) que não existiam quaisquer condições comunicáveis, que a família do Gerente organizou aquelas deliberações de molde a que pudessem sustentar que não se enquadravam nas regras da cessão e que tais informações que instruiriam as condições nem sequer chegaram a ser apuradas, o que o Gerente confessou.
R. Mas a alegação da Recorrente vem ainda apontar, em terceiro lugar, que as reais circunstâncias sempre impediriam a constatação da violação do disposto no n.º 1 do artigo 230 -aqui fazendo referência à existência de conflitos societários.
S. Sempre cumprirá referir que, ao contrário do que pretende a Ré, nenhum conflito é susceptível de deixar de fazer exigir o cumprimento da lei à sociedade.
T. Sendo, in casu, uma situação de flagrante violação procedimental sem qualquer ligação com a situação subjacente: não obstante os conflitos, nada impediria a comunicação das condições projectadas.
U. A Recorrente acusa, ainda, o tribunal de um raciocínio abstracto, em quarto lugar, e de ter articulado, precocemente o art.º 230 com o art.º 231.
V. A Decisão Recorrida é irrepreensível a este respeito quando justifica a articulação do art.º 230/1 com o 231/1 e 2 al. d), que sendo uma interpretação sistemática do artigo nada tem de precipitação.
W. Por fim, e em quinto lugar, sustenta a Recorrente que a Decisão Recorrida é abusiva porquanto, constatando-se a verificação do Abuso de Direito por si invocado deveria obstar à anulação da deliberação. Abuso que consistiria na falta de invocação das informações em falta em Assembleia.
X. Sem prejuízo do que se desenvolverá melhor infra, a Decisão Recorrida não merece qualquer censura, até porque a informação relativa a essas condições já tinha sido pedida, conforme documentação constante dos autos.
Y. Por fim, vem a Recorrente pugnar pela constatação do abuso de direito por parte do ora Recorrido, por duas ordens de argumentos, desde logo: falta de subscrição da comunicação a exigir a informação sobre as condições da cessão pelo Autor; e a menção expressa à subscrição conjunta no momento da Assembleia, em acta.
Z. Sucede que, como já se referiu, a Ré violou a sua obrigação de informação indispensável à deliberação sobre o consentimento para a cessão de quotas, i.e., a informação exigida pelo artigo 230.º, n.º 1, do CSC.
AA. Violou-a mesmo quando a sua sócia gerente, em face do incumprimento da sociedade, solicitou a mesma.
BB. Como é bom de ver, todos (sublinhado nosso) os sócios foram afectados pela falta dessa informação.
CC. Ou seja, a deliberação não foi precedida de informações prévias legalmente exigíveis, nem mesmo quando solicitadas pela sua sócia gerente, que é Mãe do Autor.
DD. Como bem considerou a Decisão Recorrida, a falta de informações prévias legalmente exigíveis torna as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 5 de Dezembro de 2023 anuláveis, por vício de procedimento, uma vez que não foram precedidas da prestação da informação exigida por lei (artigo 230.º, n.º 1, do CSC) e que, inclusivamente, fora solicitada por uma sócia, em antecipação da Assembleia, por ser imprescindível à realização da Assembleia para deliberação sobre o tema proposto.
EE. Mais. O artigo 58º, nº 1, alínea c) do Código das Sociedades Comerciais (CSC) estabelece que são anuláveis as deliberações que "não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação”.
FF. Ora, sendo legalmente exigíveis, é inequívoco que os “mínimos” não foram cumpridos e que, não obstante ter havido solicitação extra para a sua prestação, a mera falta dessas informações já tornaria que fossem anuláveis.
GG. Pelo que não releva que tenha sido o Autor ou qualquer outro sócio a solicitá-las.
HH. Releva, sim, em primeiro lugar, que eram obrigatórias e, em segundo lugar, que não foram prestadas. Tendo, assim, prejudicado todos os sócios votantes, e não apenas quem solicitou a informação.
II.  Mais releva que, em matéria de legitimidade (art.º 59) ambos, quer o Autor, quer a sócia sua Mãe votaram contra as aludidas deliberações – o que é condição legal.
Da ampliação do âmbito do recurso
JJ. Sucede que, não obstante a anulação da deliberação obtida pela Decisão Recorrida, in casu, o Autor aduziu uma série de fundamentos relativamente aos quais decaiu.
KK. Assim e de modo a prevenir a necessidade da sua apreciação, vem, nos termos do n.º 1 do art.º 636, requerer que sejam conhecidos, caso proceda o recurso da Recorrente.
LL. Nomeadamente relativamente ao ponto 3. dos Temas da Prova (tratados em B.3 na Decisão Recorrida) que tratavam da existência de conflito de interesses nas deliberações aprovadas na Assembleia Geral de 5 de Dezembro; e da verificação relativamente ao facto de as mesmas se tratarem de deliberações abusivas.
MM. No entender do Recorrido, resulta da matéria de facto provada nos pontos 1, 3, 7, 8, 10, 11, 12, 30, 31, 44, 45, 47, 51, 55, 56 e 65, matéria suficiente para se concluir diversamente.
NN. A propósito da finalidade das deliberações, a mesma devia ter sido em consideração pelo tribunal como uma confissão relativa ao interesse pessoal que esses sócios teriam na operação levada a deliberação e que nada tinha a ver com a vida societária da Requerida.
OO. E que contendia, tão só e apenas, com a conveniência de duas pessoas singulares suas sócias pagarem mais ou menos impostos em caso de dissolução (o que, diga-se, não deixa de levantar pertinentes dúvidas sobre a eventual simulação – para não dizer de fraude à lei – subjacente à constituição de uma sociedade comercial com objectivos de puramente de “minimizar custos fiscais” advenientes da actividade de outra sociedade que, essa sim, está activa e gera rendimentos).
PP. Mas mais, ainda que não se considerasse que a alínea a) do aludido artigo seria a identificadora do conflito em causa, sempre seriam os votos impedidos.
QQ. É suficiente a primeira parte do art.º quando refere que “O sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade.”
RR. O que constitui o conflito de interesses nesta acção é o facto de determinados sócios (os controladores da cessionária), ao invés de terem presentes unicamente os interesses da Recorrente no exercício do seu direito de voto, estarem a usar o seu voto para viabilizar um negócio do seu exclusivo interesse (comprar a quota para a sociedade terceira, que controlam).
SS. Os sócios não cedentes, quer A C V e C V quer, dependendo do ponto a votação, B V ou G V, estão a deliberar um negócio em seu próprio e exclusivo benefício – são eles os beneficiários nesse negócio, através da sociedade cessionária, que controlam, assim passando a reunir nessa sociedade terceira um conjunto de quotas da Requerida que eles, sem qualquer restrição, necessidade de consentimento prévio, preferência, etc., poderão alienar a quem queiram, através da venda do capital da sociedade cessionária.
TT. É, dessa forma, que a sua deliberação fica “contaminada” pelo conflito de interesses: deliberar enquanto sócios da Património (ou, antes, enquanto sócios da sociedade SVPAR, que vê o seu capital aumentado por essa via) para prosseguir o exclusivo interesse da sociedade SVPAR, na qual eles têm directos e pessoais interesses. Foi isto que a Decisão Recorrida não considerou e impunha apreciar.
UU. Considerando-se, assim, que não andou bem a Decisão Recorrida na interpretação e aplicação que realiza do nº 1 do art. 251º do CSC à situação sub judice.
VV. As deliberações são, assim, inexistentes porque foram tomadas com votos nulos, porquanto impedidos– votos expressos em conflito de interesses nos termos do art.º 251 do CSC – e que, como tal, deveriam ter sido, ou impedidos pela Presidente da Mesa, ou não exercidos pelos seus titulares.
WW. Pelo que só se pode concluir que tais votos foram nulos, já que as normas do art.º 251 são imperativas (cfr. Os arts.º 294 e 295 do Código Civil).
XX. A consequência de tais deliberações terem sido “compostas” de votos nulos torna as mesmas inexistentes: é que, afectadas de votos nulos, as mesmas nunca se chegaram a conformar. O que se requer declarado por parte do douto tribunal.
YY.  Ainda que não fossem consideradas inexistentes, as deliberações sempre seriam, pelo menos, nulas, já que tomadas sem maioria e a violarem o art.º 250.º/n.º3, são nulas por força da alínea d) do n.º1 do art.º 56.º do CSC
ZZ. E apenas, caso assim não se entenda, devem as aludidas deliberações ser anuladas, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 58 do CSC
AAA. Mas a Decisão Recorrida rejeita, ainda e ao limite do absurdo, que possam haver prejuízos resultantes da execução das deliberações e vantagens para os sócios cedentes.
BBB. É inequívoca, porque confessada e reconhecida em sede de Decisão Recorrida, a vantagem patrimonial destes sócios em “mover” sua participação na sociedade cessionária através da entrada em espécie com a quota da sociedade Ré. Pelo que é, do mesmo modo, inequívoco que tal é feito no intuito de satisfazer os seus propósitos pessoais e individuais.
CCC. Além de ser em prejuízo da sociedade Ré por ser contrário ao seu interesse social e à natureza da sociedade tal como desenhada nos estatutos vigentes – uma sociedade de pessoas singulares com participações, individualmente, minoritárias -a inclusão de não sócios, já que não foi por acaso que nunca foi consagrado nos estatutos o afastamento da regra que exige o consentimento da sociedade para a cessão de quotas a não sócios, e por ter sido, inclusivamente, estipulado um direito de real de preferência na aquisição a favor da sociedade e dos restantes sócios.
DDD. Mas mais, o prejuízo da sociedade materializa-se, desde logo, pela entrada no seu capital de uma sociedade que é sua concorrente (cfr. Docs. N.ºs 1 e 4), a qual assim fica habilitada a observar a actividade da aqui Ré, obter informação reservada aos sócios, e usá-la como bem entender, para prosseguir a sua própria actividade comercial, concorrente com a da Ré!
EEE. O prejuízo dos restantes sócios (além dos decorrentes de passarem a ter como sócia uma concorrente) consubstancia-se, também, no facto de pessoas singulares e até então titulares de participações paritárias com os demais, passarem a estar numa situação de sujeição a entrada de um sócio preponderante, através da compra da sociedade SVPAR, cujo aumento de participação jamais voltará a estar sujeito ao controle (consentimento) desses sócios pessoas singulares.
FFF. O que desvaloriza, de imediato, o valor da participação dos restantes sócios, pessoas singulares, minoritários face a uma sócia pessoa colectiva, concorrente, e que concentra em si uma parte muito relevante (que facilmente passará a ser uma maioria) do capital social da Ré, assim podendo a seu bel-prazer conduzir os destinos da Ré consoante o que mais convenha à actividade comercial e interesses da SVPAR.
GGG. Também não é possível, in casu, dizer (como o Recorrente) que a aludida deliberação não é anulável uma vez que seria tomada mesmo sem os votos abusivos, nos termos desse art.º. Sem os votos considerados abusivos, sempre haveria um empate, portanto, o consentimento à transmissão não teria sido aprovado. Devendo, assim, e também por esta razão, as aludidas deliberações ser anuladas, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 58 do CSC.
HHH. Aqui chegados, já se pode referir que a existência de conflitos entre os sócios apontada pela Decisão Recorrida e a inactividade alegada pela Recorrente - que não foi provada nem consta dos factos assentes da Decisão Recorrida, não poderia ter sido considerada pela Decisão Recorrida como o foi.
III. Mais. As deliberações conduzem à constituição de coligação de sociedades na modalidade de simples participação: a SVPAR fica com 10% do capital social da Requerida – artigo 483º/1 do Código das Sociedades Comerciais – que não é figura consonante com sociedades familiares, intuitu personae. Especialmente, quando tal caráter pessoal foi vincado no pacto social, através da criação de direitos de preferência, com contrapartida limitada.
JJJ. Atente-se que permitir/facilitar/expor à entrada de estranhos na composição societária da Ré foi algo que a Decisão considerou vantajoso, face aos conflitos existentes. O Recorrido não aventa qual a possibilidade de a entrada de estranhos ir sanar ou terminar esses conflitos, nem a Decisão Recorrida o demonstra.
KKK. Do mesmo modo que, não configurar estas deliberações como último momento possível em que deve ser analisada a possibilidade de se deixar, irremediavelmente, de poder obstar à entrada de estranhos, não é aceitável: é que uma vez constando a SVPAR do elenco de sócios, dispensado está o consentimento da Requerida para as cessões a seu favor – artigo 228.º/2, do Código das Sociedades Comerciais.
LLL. Só que a Decisão Recorrida considerou, ao invés, que a SPVAR é ela própria uma sociedade familiar e que pertence a sócios da Recorrente: ora, como é bom de ver, com a simples efectivação da transmissão deliberada, torna-se sócia a sociedade Cessionária, dispensando futuros consentimentos de transmissão das restantes quotas – e convertendo em sócia uma sociedade que não é descendente, cônjuge ou ascendente e sem o consentimento ou preferência da sociedade – em manifesta violação dos estatutos da Recorrente e da lei.
MMM. E o que impedirá os sócios da SVPAR (esta detentora de uma parte significativa do capital social da Requerida) de, no futuro, venderem a SVPAR a qualquer estranho, que assim passará a controlar a Requerida? Nada, absolutamente nada.
NNN. Não é aceitável que tudo o que foi alegado e provado não contribua para a percepção de que o que trata a presente acção é de uma manobra gizada pelos sócios cedentes para, no futuro, alienarem livremente as suas quotas, com o pretexto, agora, de que não se trata de uma verdadeira cessão. A perda desse controlo é, em si mesma, o prejuízo
OOO. Também a jurisprudência, a respeito das limitações às transmissões de quotas a pessoas estranhas à sociedade, reconhece o direito das sociedades a evitar estranhos na sua composição.
PPP. Reconhecendo, assim, como um prejuízo a interferência de terceiros e perda de controlo da composição da sociedade. A este respeito, e sobre o art.º 228 do CSC, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/07/2017 , disponível em dgsi.pt.
QQQ. E não é o facto de, como entendeu a Decisão Recorrida, essa abertura a terceiros ser feita em duas fases (primeiro, cedendo as quotas a uma sociedade ainda “familiar” – claro que, convenientemente, pertencente apenas a um dos blocos familiares – e só depois cedendo livremente essa segunda sociedade “familiar” aos ditos terceiros) que esconde ou elimina o referido prejuízo.
RRR. À Decisão Recorrida impunha-se ainda atender à situação de concorrência pela sobreposição parcial dos objetos sociais, conforme resulta da matéria de facto provada (pontos 1 e 11), tal situação configuraria um prejuízo para a Sociedade.
SSS. E nem se diga que já partilham sócios e gerência, como faz a Decisão Recorrida. Mais uma vez, a Decisão Recorrida atende ao momento presente e desconsidera, in totum, que é no momento presente que se criam as condições prejudiciais à Recorrente, para todo o sempre.
TTT. Em suma, a entrada de uma sociedade terceira, ainda por cima como configurada pela Decisão Recorrida, implica vários prejuízos para a Recorrente: desde logo pela interferência (ainda para mais por uma entidade concorrente) num grupo de pessoas que escolheram e determinaram que a sociedade seria familiar, implica um prejuízo imediato de perda de controlo de entradas futuras, etc.
UUU. E nem se aceita, como refere a Decisão Recorrida, que a falta de actividade da SVPAR impossibilitaria tudo o que se relatou. É que a situação de falta de actividade, mesmo que se considere verificada, não há uma garantia de que se mantenha.
h. Por requerimento de 30-06-2025 veio a ré/apelante apresentar resposta à pretensão de ampliação do objeto do recurso expressa nas contra-alegações da autora/apelada, com os fundamentos que sintetiza nas seguintes conclusões:
A. QUANTO AO [PUTATIVO] CONFLITO DE INTERESSES
a. Em primeiro lugar, o Recorrido carece de razão ao procurar sustentar a verificação do impedimento de voto previsto na al. a) do nº 1 do art. 251º do CSC.
b. As deliberações em causa não recaem, não incidem nem têm por objeto, qualquer pedido que se traduza numa liberação ou exoneração de obrigação ou responsabilidade, de qualquer natureza, dos sócios cedentes perante a sociedade Ré e, muito menos, perante a Autoridade Tributária.
c. As obrigações ou responsabilidades de que trata a al. a) do nº 1 do art. 251º do CS são obrigações ou responsabilidades do sócio, quer nessa qualidade quer como gerente ou membro do órgão de fiscalização, mas constituídas perante a sociedade.
d. Em segundo lugar, o Recorrido carece de razão ao procurar sustentar o impedimento de voto nos termos do nº 1 do art. 251º do CSC.
e. O Recorrido falha na identificação de situação fáctica reveladora de incompatibilidade ou oposição de interesses geradora de conflito de interesses relevante (entre o interesse do sócio votante e o interesse da sociedade Ré) suscetível de impedir o exercício do direito de voto.
f. Para que se possa falar, em geral, de um conflito de interesses relevante entre o interesse do sócio e o interesse da sociedade é necessário que se verifique uma situação objetiva de verdadeira incompatibilidade, uma situação na qual os interesses fundamentais das partes em questão sejam verdadeiramente inconciliáveis, na justa medida em que a prossecução de um importa a exclusão, ou pelo menos, o prejuízo sério do outro.
g. A falha do Recorrido não é apenas quanto à omissão do quadro factual que relevaria para apreciação da questão em causa, também quanto à fundamentação jurídica para suportar a sua tese a mesma, na interpretação que faz do nº 1 do art. 251º do CSC, resulta claramente equivocada.
h. A doutrina mais autorizada que se tem pronunciado nesta matéria entende que, no quadro de uma deliberação para obter o consentimento a uma cessão de quotas, o sócio cedente, bem como o sócio cessionário, não estão impedidos de votar. A jurisprudência, apoiada na doutrina acima, tem seguido e aplicado pacificamente tal entendimento.
i. Carece de razão o Recorrido ao sustentar que os sócios não cedentes C V e A C V, por serem sócios “controladores” da cessionária SVPAR, estariam, por esse motivo, impedidos de votar em tais deliberações.
j. Desde logo, tal “controle” não foi sequer alegado e muito menos se encontra provado pelo que, tal tese do Recorrido, caso não existissem outras razões, que existem, sempre estaria destinada a improceder.
k. Mas, de qualquer modo, e por aplicação de um argumento a maiori ad minus, não se alcança como poderiam estar impedidos dado que nem os próprios sócios cedentes G e B V , partes na projetada operação e titulares das quotas em causa, bem como já sócios da cessionária SVPAR, estavam impedidos de votar quanto às deliberações em causa.
l. A circunstância de tais sócios não cedentes deterem na SVPAR uma participação de valor nominal superior à dos sócios cedentes não altera os termos em que a questão se coloca e deve ser apreciada, pois, o elemento conflitual a relevar (que não releva, como se demonstra) seria apenas o cumular da qualidade de sócio da sociedade Ré com a qualidade de sócio da SVPAR, com independência da percentagem de capital social detido.
m. O facto de um sócio deter uma participação maioritária no capital social de uma sociedade por quotas (por referência ao valor nominal da respetiva quota) não significa necessariamente e só por si que o mesmo tenha uma posição de controle dessa sociedade.
n. O Recorrido falha ainda na alegação e prova sobre o benefício da sociedade cessionária e o prejuízo para a sociedade Ré, suscetível de fundamentar o pretenso conflito de interesses gerador de impedimento do exercício do direito de voto.
o. Bem como falha na conceção que adota quanto ao interesse social da Ré.
p. Todas as elaborações do Recorrido nesta matéria são insuscetíveis de contrariar o bem decidido pelo Tribunal a quo.
B. QUANTO AO [PUTATIVO] VOTO ABUSIVO
q. Em primeiro lugar, também aqui, o Recorrido falha na concretização de acervo factual material e concreto que tenha sido alegado e provado por forma a que dele se pudesse concluir pela densificação e preenchimento dos elementos necessário à verificação do vício que procura imputar às deliberações.
r. E, quanto à aplicação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 58º do CSC, o Recorrido confunde “vantagem especial” com a mera contrapartida (normal e licita) da cessão de quotas, a qual, neste caso, tem subjacente uma troca ou permuta de participações sociais, e seria concedida a todos aqueles que hipoteticamente se encontrassem na posição dos sócios cedentes.
s. Já quanto ao interesse social da Ré verifica-se um total desacerto da posição do Recorrido ao pugnar pelo caráter fechado e familiar da Ré, não tendo nada sido aduzido que permita colocar em crise o (bem) decidido pelo Tribunal a quo.
t. Igual desacerto se verifica quanto à reiteração do argumento da “concorrência” e supostos prejuízos associados, tratando-se, mais uma vez, de um exercício, para além de errado, meramente formal, abstrato e, nessa medida, inócuo para sustentar o vício em causa.
u. Em segundo lugar, improcede totalmente a tese do Recorrido no sentido das deliberações em causa conduzirem a uma coligação de sociedades, na modalidade de simples participação, e que tal figura não é consonante com sociedades familiares.
v. Desde logo, a conceção do interesse social da Ré preconizado pelo Recorrido, e que perpassa em todos os seus argumentos, como reclamando que a sociedade se feche e não permita a transmissão de quotas a terceiros para salvaguardar o seu caracter fechado e familiar estabelecido há mais de 50 anos, corresponde a uma conceção totalmente inaplicável à concreta e atual circunstância da sociedade e dos seus sócios, tal qual a mesma se encontra provada nos autos.
w. Todavia, encontrando-se a SVPAR no perímetro familiar, a aludida figura de participação intersocietária ainda ocorreria entre sociedades da família.
x.  Em terceiro lugar, quanto às demais teses desenvolvidas para sustentar o voto abusivo, tratam-se, no essencial, de meras conjeturas assentes numa espiral especulativa, a qual por sua vez assenta em pressupostos errados e que afronta a circunstância concreta e atual em que a sociedade Ré se encontra.
y.  E, como é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, para que se possa falar em deliberação abusiva é necessário que o seu contexto envolva as proporções de um excesso manifesto, abrindo margem a uma situação de clamorosa injustiça, de flagrante e marcada iniquidade. Tudo o que não se verifica in casu.
z. Termos em que se impõe concluir, também quanto à inexistência de voto abusivo, que a decisão do Tribunal a quo se deverá manter.
i. Por despacho que 23-09-2025, foi admitido o recurso interposto e, sendo caso disso, a ampliação de recurso interposta, como apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Tal despacho, a requerimento da ré/apelante, veio a ser objeto de retificação de lapso quanto à identificação das partes (apelante e apelado) por parte da aqui relatora.
Foram colhidos os vistos legais.
Importa apreciar.
II.
Dado que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), importa apreciar e decidir:
i. se existe erro de julgamento por parte do tribunal recorrido:
a. quanto à extensão do direito de informação dos sócios e requisitos procedimentais do pedido de consentimento à sociedade;
b. quanto à constituição do direito de preferência da sociedade ou dos restantes sócios em relação aos atos de transmissão objeto de deliberação;
c. quanto à relevância invalidante do conhecimento das condições de transmissão para efeito do consentimento previsto o art. 230º, n.º1 do CSC;
d. quanto à violação do direito à informação dos sócios;
e. quanto à existência de abuso de direito do autor;
ii. caso se conclua pela existência de erro de julgamento em alguma das vertentes assinaladas em i. (art. 636º, n.º1 do Código de Processo Civil), apreciar:
a. se existe conflito de interesses impeditivo do exercício do direito de voto em relação a parte dos sócios da sociedade ré;
b. se existem prejuízos para a sociedade ré resultantes da execução das deliberações impugnadas.
III.
O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:
FACTOS PROVADOS
1. A Ré, Património-Empresa de Construções e Comércio, Lda., é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social indústria de construção civil, nomeadamente, a construção de edifícios e seu comércio, e a aquisição e revenda de imóveis, conforme certidão de registo comercial junta como documento 1 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2. A sociedade Ré foi constituída em 11/10/1971 e tem, desde o momento da sua constituição, sido uma sociedade familiar, conforme certidão de registo comercial e escritura de Constituição juntas como documentos 1 e 2 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. De acordo com a certidão de registo comercial junta como documento 1 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o capital social da Ré encontra-se distribuído pelos seguintes sócios:
a) O Autor, G V M, filho de M R e irmão de R V, titular de uma quota com o valor nominal de € 269.350,86;
b) M R, mãe de G V M e de R V, irmã de M O e de Am V, titular de uma quota com o valor nominal de € 59.855,76;
c) R V, filho de M R e irmão de G V M, titular de uma quota com o valor nominal de € 269.350,86;
d) M O, mãe de A C B e de C B e irmã de M R e de Am V, titular de uma quota com o valor nominal de € 98.557,48;
e) A C B, filha de M O e irmã de C B, titular de uma quota com o valor nominal de € 250.000,00;
f) C B, filha de M O e irmã de A C B, titular de uma quota com o valor nominal de € 250.000,00;
g) A C V, irmã de C V e filha de Am V, titular de uma quota com o valor nominal de € 299.278,74;
h) C V, irmão de A C V e filho de Am V, titular de uma quota com o valor nominal de € 109.278,73;
i) G V, filho de C V e irmão de B V, titular de uma quota com o valor nominal de € 95.000,00;
j) B V, filha de C V e irmã de G V, titular de uma quota com o valor nominal de € 95.000,00;
4. Os 10 sócios referidos em 3. são, em alguns casos, fundadores e, em outros, descendentes dos fundadores da sociedade, conforme certidão de registo comercial e escritura de Constituição juntas como documentos 1 e 2 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
5. A sociedade foi constituída tendo como fundadores quatro irmãos e um filho de um destes: J V e o filho J G V, Am V, M R e M O, conforme Escritura de Constituição junta como documento 2 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido
6. J V e J G V saíram da sociedade R.;
7. Através da Convocatória junta como documento 3 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tomaram os sócios da sociedade R. conhecimento da realização de uma Assembleia Geral, a decorrer no escritório sito na Av, n.º,  freguesia de, concelho de , às 15:00 horas do dia 5 de Dezembro de 2023.
8. Da ordem de trabalhos para a Assembleia Geral referida em 7. constavam dois pontos: “Ponto Um: Deliberar sobre a contribuição da Quota G V, no âmbito de um aumento de capital da SVPAR-Investimentos, Lda. (SVPAR) a subscrever parcialmente e a realizar em espécie por G V; e Ponto Dois: Deliberar sobre a contribuição da Quota B V , no âmbito de um aumento de capital social da SVPAR a subscrever parcialmente e a realizar em espécie por B V .”, conforme convocatória junta como documento 3 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. Chegando, assim, ao conhecimento dos sócios G V M, aqui A., M R e R V, que estes dois sócios pretendiam transmitir as suas quotas à sociedade SPVAR-Investimentos, Lda., sob a forma de entrada em espécie, realizando um aumento de capital na sociedade SPVAR, caso em que as quotas detidas pelos sócios G e B V  na sociedade Ré, passariam a ser detidas pela sociedade SVPAR;
10. A sociedade SVPAR é uma sociedade comercial por quotas com o número de identificação de pessoa colectiva 515167339, com um capital social de € 5.000,00 e sede no Passeio das Âncoras n.º 13, em Lisboa, conforme certidão de registo comercial junta como documento 4 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
11. A sociedade SVPAR tem por objecto social a compra e venda de bens imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e administração imobiliária e, ainda, à recuperação, reabilitação, restauro e construção civil, conforme certidão de registo comercial junta como documento 4 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
12. A sociedade SVPAR tem quatro sócios, conforme certidão de registo comercial junta como documento 4 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
a) A C V, sócia da sociedade aqui Ré, titular de uma quota no valor de € 2.500,00;
b) C V, sócio da sociedade aqui Ré, titular de uma quota de € 1000,00;
c) B V, sócia da sociedade aqui Ré e cedente no negócio referido para deliberação no ponto dois da ordem de trabalhos para a Assembleia Geral da Ré de 5 de Dezembro de 2023, titular de uma quota no valor de € 750,00; e
d) G V, o sócio da sociedade aqui Ré e cedente no negócio referido para deliberação no ponto um da ordem de trabalhos para a Assembleia Geral da Ré de 5 de Dezembro de 2023, titular de uma quota no valor de € 750,00;
13. Dos Estatutos da Ré não consta a dispensa de consentimento para que as transmissões de quotas, que não feitas a favor de cônjuge, ascendentes ou descendentes, sejam eficazes perante a sociedade, conforme Estatutos da Sociedade R. juntos como documento 5 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
14. Os Estatutos da sociedade R. estabelecem no artigo quarto, um direito de preferência com eficácia real a favor da própria sociedade, em primeiro lugar, e dos sócios não cedentes, em segundo, na cessão de quotas, total ou parcial, conforme Estatutos da Sociedade R. juntos como documento 5 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
15. Em 24/11/2023, a sócia M R dirigiu uma comunicação à sociedade, por email e carta registada, requerendo que a acta da Assembleia Geral do dia 5 de Dezembro de 2023 fosse lavrada por notário em instrumento avulso, nos termos previstos no art.º 63, n.º6 do Código das Sociedades Comerciais, conforme documento 6 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
16. Em 29/11/2023, a sócia M R, na qualidade de sócia da Ré, remeteu ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade R., por email e carta registada, uma missiva com o seguinte teor, conforme documento 7 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido: “(…) tendo em conta o conteúdo dos pontos constantes da Ordem de Trabalhos e para que a assembleia possa, nos termos legais e estatutários, deliberar de forma esclarecida sobre a prestação ou recusa do consentimento para a transmissão da quota e, em caso de consentimento, sobre o exercício do direito de preferência na aquisição (o qual cabe em primeiro lugar à sociedade e depois aos sócios), venho requerer a prestação, por escrito e em tempo útil, da seguinte informação: 1. Identificação completa da pretendida transmissária das quotas, isto é, da SVPAR – Investimentos, Lda., incluindo NIPC, data da constituição, sede, capital social, objecto social e actividade que desenvolve, bem como a identificação de todos os respectivos sócios e beneficiário(s) efectivo(s); 2. Indicação de todas as condições de transmissão, incluindo, designadamente, tanto o valor nominal como o valor contabilístico das participações da SVPAR – Investimentos, Lda., que serão atribuídas aos sócios cedentes, G e B V , em contrapartida da projectada cessão por entrada em espécie no capital social da SVPAR – Investimentos, Lda., devendo ainda ser indicado, para efeitos de apuramento da contrapartida, qual o valor do projectado aumento de capital e se o mesmo será subscrito ao valor nominal ou com ágio, neste caso se indicando qual o valor do ágio”;
17. Em resposta à comunicação referida em 16., recebeu a sócia M R, em 4 de Dezembro de 2023, às 10:30 Horas, um e-mail da gerente da R., M O, que também foi remetido ao aqui Autor e ao sócio R V, com o seguinte teor: “Relativamente ao solicitado na carta recebida na passada quinta-feira, dia 30 de Novembro, informa-se que desde o dia em que foram remetidas as convocatórias para a Assembleia Geral de ambas as sociedades, se encontram à disposição de todos os sócios, para consulta, os documentos oficiais da SVPAR - Investimentos, Lda., nos escritórios da Av, nº  - 1º. Os referidos documentos encontram-se, visivelmente depositados dentro de uma mica, na secretária no antigo funcionário da Cerâmica Vala, Lda., Senhor V. Sem outro assunto, M O”;
18. Na morada indicada em 17. estiveram disponíveis para consulta, antes da Assembleia Geral da sociedade R. de 05.12.2023, a certidão permanente da sociedade SVPAR e a Declaração Modelo 22 referente ao ano de 2022, conforme documento 8 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
19. Das informações prévias solicitadas por M R, esta não foi informada das condições da projectada cessão e qual a contrapartida e respetivo valor da cessão de quotas;
20. Na data da Assembleia Geral da Ré, a 5 de Dezembro de 2023, todos os sócios estavam presentes ou devidamente representados, conforme acta junta como documento 9 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
21. Conforme resulta da Acta da Assembleia Geral da Ré de 5 de Dezembro de 2023, junta como documento 9 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, antes da discussão dos pontos da ordem de trabalhos, o sócio G V m, aqui Autor, no uso da palavra, em seu nome e dos sócios M R e R V, referiu “eu e os sócios M R e R V, queremos chamar a atenção da presidência da mesa para o facto de existir um conflito de interesses que, nos termos da lei, impede, neste caso, os sócios A C V, C V, B e G V, de votarem em qualquer dos pontos da ordem de trabalhos. O artigo 251.º, número um, do Código das Sociedades Comerciais estabelece que o sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade. Neste caso, não só os sócios G e B V , por serem os cedentes das quotas que pretendem alienar, são parte interessada e, por isso mesmo votariam sempre a favor da pretendida alienação, ainda que tal fosse contrário ao interesse social, como os quatro sócios que nomeei há pouco, A C V, C V, B e G V estão, com especial incidência, em situação de conflito de interesses com a sociedade, porque são os sócios da SVPAR, a sociedade adquirente nesta projectada alienação. Esses quatro sócios prosseguem, assim, o interesse de uma outra sociedade, a SVPAR, que é alheio ao interesse da Património e, neste caso, contrário ao seu interesse social, nomeadamente porque a SVPAR está interessada em adquirir as quotas de G e B V  e essa transmissão é contrária ao interesse social da Património, como entendemos que é, pelo carácter familiar e fechado da Património. Os ditos quatro sócios não podem, por definição, prosseguir o interesse de uma sociedade sem prejudicar o da outra. São dois interesses incompatíveis. A vontade da Património sobre estes dois pontos da reunião de hoje deve, assim, ser formada apenas com os votos de quem é independente e não se encontra nesta situação de conflito de interesses, para não prosseguir com interesses seus nem de sociedades de que sejam sócios, que sejam alheios aos interesses da Património. Requeremos, assim, que a presidência da mesa, ainda antes da discussão e votação de cada um destes dois pontos, decida e faça constar da acta que os quatro ditos sócios estão impedidos de votar os dois pontos da ordem de trabalhos desta assembleia, nos termos do artigo 251.º, número 1, do Código das Sociedades Comerciais.”;
22. Em resposta ao referido em 21., a presidente da mesa disse “indefiro o requerimento, atenta a nota introdutória que o antecede, uma vez que não há cessão de quotas nem conflito de interesses entre os sócios e as duas sociedades”, conforme acta junta como documento 9 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
23. O ponto um da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de 5 de Dezembro de 2023, foi aprovado por maioria, com os seguintes votos, conforme acta junta como documento 9 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
– Votos contra, do aqui Autor, G V M, e de M R e R V;
- Abstenção, do sócio Cedente, G V; e
- Votos favoráveis de M O, A C B, C B, A C V, C V e B V .
24. O ponto dois da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de 5 de Dezembro de 2023, foi aprovado por maioria, com os seguintes votos, conforme acta junta como documento 9 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
– Votos contra, do aqui Autor, G V M, e de M R e R V;
- Abstenção, da sócia Cedente, B V ; e
- Votos favoráveis de M O, A C B, C V, A C V, C V e B V .
25. Na sequência do constante em 23. e 24., na Assembleia Geral de 05.12.2023, retomou palavra o Autor, referindo, em seu nome e dos sócios M R e R V , “Consideramos que é inválida esta deliberação, por ter sido tomada com a soma de votos de sócios que estavam legalmente impedidos de votar, por manifesto conflito de interesses. Em qualquer caso, chamamos a atenção para o facto de, nos termos do artigo 4.º dos estatutos, os sócios cedentes estarem obrigados a dar preferência à sociedade, em primeiro lugar, e aos sócios, em segundo lugar, sendo o preço fixado nos termos desse artigo 4.º, que, por sua vez remete para o art.º 8, ou seja, para o valor resultante do último balanço aprovado, devendo ser concedido à sociedade e aos sócios um prazo, nos termos legais, para declararem se pretendem ou não exercer o seu direito de preferência. Assim, independentemente desta deliberação inválida, que não deixaremos de impugnar, é para nós evidente que nenhuma cessão de quotas poderá ser feita sem que seja dado a todos o direito de preferência, nos termos legais e estatutários”, conforme acta junta como documento 9 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
26. Ao referido em 25., na Assembleia Geral de 05.12.2023, o sócio C V respondeu “neste caso não se verifica nenhuma transmissão ou alienação mas, tão somente, uma transferência de quotas para a sociedade SVPAR, efectuando um aumento de capital em espécie. Como tal é nosso entendimento que não existe qualquer direito de preferência nesta operação. A título de exemplo, na Cerâmica Vala, a D. M O, a D. M R e a D. A C V procederam a um aumento de capital em espécie, através de um imóvel, precisamente para evitar qualquer direito de preferência. O G V e a B V apenas pretendem gerir, com melhor eficiência e rentabilidade, os ativos/quotas que detêm nesta sociedade e, com bom senso e racionalidade, transferir as quotas que detêm para a SVPAR, através de um aumento de capital, realizado em espécie, com as referidas quotas, minimizando riscos e consequências nefastas de uma estrutura que consideram retrógada, negligente e de elevado prejuízo para a sociedade, bem como para todos os seus sócios”, conforme acta junta como documento 9 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
27. O, aqui, Autor requereu que fosse decretada a providência cautelar de suspensão das duas deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral da R., de 5 de Dezembro de 2023, através de procedimento cautelar que correu termos no Juiz … do Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte, sob o n.º de processo …T8VFX, apensada aos presentes autos como apenso A, tendo a providência sido decretada por sentença, conforme documento 10 junto com a petição inicial e apenso A a estes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
28. No âmbito do processo referido em 27. a, aqui e ali R., recorreu, sendo revogada a decisão recorrida e julgado improcedente o procedimento cautelar, por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 11.07.2024, transitado em julgado, conforme apenso B a estes autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
29. A sociedade R. não dispunha da demais informação solicitada por M R e mencionada no ponto 16., para além do referido em 18., por não lhe ter sido facultada pelos sócios cedentes aquando do pedido de consentimento;
30. A sociedade R., constituiu, e continua a constituir, o negócio de grande valor da família V;
31. A Ré foi constituída com o objetivo primordial de promover e desenvolver um relevante, dada a considerável dimensão da área do prédio rústico afeta ao loteamento em causa, projeto imobiliário para habitação, comércio e serviços, sendo tal urbanização designada por “Quinta do Património”;
32. A saída dos sócios J V e J G V da R., em 1986, ocorreu em resultado de conflitos familiares, envolvendo alguns deles a sócia M R;
33. Os conflitos entre sócios, no seio da sociedade Ré, iniciaram-se, pelo menos, há mais de 15 anos e perduram até hoje;
34. A gerência da Ré encontra-se atribuída aos sócios M R, M O e a C V, conforme certidão de registo comercial junta como documento 1 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
35. A gestão efetiva dos assuntos da Ré e a respetiva dinamização e prossecução de atividade social tem sido exercida e conduzida maioritariamente pelo gerente C V;
36. Na sociedade R. existe falta de diálogo e dificuldade em obter consensos e conciliar objetivos quanto à gestão da sociedade, entre a sócia-gerente M R e os sócios gerentes M O e a C V, o que se reflete negativamente na actividade e no desenvolvimento futuro da Ré;
37. Inexiste qualquer relacionamento pessoal ou profissional entre os sócios da R., M R e seus filhos, G V M e R V, com os restantes sócios da sociedade R., o que inviabiliza qualquer tentativa de trabalho ou projecto comum;
38. Em documento denominado de “acta” assinado pelos sócios gerentes da R.  M R e C V, reportando-se a uma reunião de gerência da Ré, realizada em 06.03.2012, consta que C V fez as seguintes declarações: “(…) lembrou que face à sua sugestão no final da década dos anos noventa em vender parte significativa dos lotes da urbanização da Quinta do Património, a sócia gerente M R se manifestou claramente contra, levando a que a sua posição tivesse sido adotada e determinante na estratégia de desenvolvimento de uma urbanização cujas dimensões desaconselhavam claramente ser construída apenas pelo seu promotor, tendo em conta o enorme período de tempo necessário e consequentes resultados que daí adviriam. De facto, ao tornar-se num estaleiro de obras permanente ao longo destes anos, inviabilizou o desenvolvimento estruturado com a criação de infraestruturas, equipamentos e serviços de necessidade premente para os moradores, levando a que estes se tivessem que deslocar para adquirir ou usufruir dos meios necessários que permitem uma maior comodidade quando se encontram disponíveis nas imediações das suas residências. A referida estratégia impediu que tivessem sido realizados à data mais-valias de largas de dezenas de milhões de euros, e impossíveis de voltar a atingir, para além dos encargos fiscais que incidem, e continuarão a incidir, sobre aquele património e que aumentam todos os anos. (…)” e  “(…) A cada vez maior dificuldade em obter consensos e conciliar objetivos dos gerentes M O e C V com a gerente M R, tem vindo a desenvolver um clima de elevada instabilidade e que se tem refletido negativamente na gestão diária e com repercussão negativa no futuro da empresa. Tal postura inviabiliza qualquer entendimento ou solução e por isso aconselha a redução de atividade da sociedade e que apenas se continuem a desenvolver situações relacionadas com arrendamentos ou eventual venda de imóveis ou mesmo equipamentos propriedade da mesma. (…)” e “Com o argumento de não se lembrar se as actas das reuniões anteriores refletiam fielmente os assuntos tratados, a gerente M R não devolveu nenhuma das actas das reuniões anteriores que recebeu já devidamente assinadas pelos outros dois gerentes”, conforme documento 1 junto com a contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
39. A sócia-gerente M R não assina as actas das reuniões de gerência da Ré que lhe foram entregues para assinar;
40. A conflitualidade entre os sócios estende-se à outra sociedade detida pelos mesmos sócios, a Cerâmica Vala, Lda., conforme certidão de registo comercial desta sociedade junta como 2 com a contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
41. O A. interpôs procedimento cautelar contra Cerâmica Vala, Lda., que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz …, processo nº …T8LSB, requerendo a suspensão de deliberações sociais com idêntico teor às impugnadas nestes autos, mas relativamente a quotas desta sociedade, tendo sido proferida sentença em 01.03.2024, da qual foi interposto recurso, a julgar improcedente o procedimento cautelar, conforme documento 3 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
42. A acção de anulação de deliberações sociais, subsequente ao procedimento cautelar referido em 41., foi instaurada pelo A. em 12.04.2024 e corre os seus termos pelo Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz … e sob o processo nº …T8LSB;
43. A situação de conflitualidade entre os sócios da sociedade R. estende-se a outras situações de compropriedade familiar;
44. A Ré, entre 1986 e 2004, no âmbito da sua atividade referente à urbanização da “Quinta do Património”, construiu e concluiu para venda cerca de 366 frações autónomas de diversas tipologias para habitação e 13.000 m2 para comércio e serviços;
45. O último investimento que a Ré efetuou, desde o projeto até à venda final, reporta-se ao lote 26 da urbanização “Quinta do Património”, o qual obteve licença de construção em 2002 e licença de utilização em 2004, tendo a Ré obtido o valor total de € 8.715.000,00 com a venda de todas as frações, das quais 48 apartamentos e 2 lojas;
46. Em Dezembro de 2006 foram vendidos 4 outros edifícios em fase de construção a um Fundo de Investimento Imobiliário criado pelos sócios da R., e desde então, a sociedade R. não procedeu ao licenciamento de novos empreendimentos para promoção própria;
47. A partir de 2006, e até à presente data, a atividade da Ré concentra-se no arrendamento e venda das frações ainda em carteira, as quais, na sua totalidade, se encontram afetas ao comércio e serviços, pois as fracções afectas a habitação foram todas vendidas até 2022;
48. A Ré não tem trabalhadores, nem remunera a gerência;
49. A Ré não dispõe de instalações próprias para o funcionamento da sua sede social, utilizando desde há muitos anos o escritório e o apoio dos serviços administrativos da Cerâmica Vala, sitos na sede social desta, na Av. …;
50. Quer reuniões de gerência quer Assembleias Gerais da Ré, realizam-se nos escritórios referidos em 49;
51. A Ré, no exercício de 2006 apresentou um montante de vendas no valor de € 16.717.000, na rúbrica 71 do Balancete de Dezembro de 2006, e no exercício de 2022 tal montante é de €375.000,00, na rúbrica 71 do Balancete de 2022, conforme balancetes juntos como documentos 6 e 7 com a contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
52. Quanto aos lotes de terreno que a Ré ainda detém no seu activo, o objectivo dos sócios da R. C V, A C V, e C B, é lograr obter a sua venda;
53. No contexto referido nos pontos 36. e 37., os sócios da R. C V, A C V, e C B equacionam a dissolução e liquidação da R., com distribuição do ativo desta aos sócios;
54. Não há perspectivas de prossecução do objeto social da R., face ao constante dos pontos 36. e 37.;
55. Os sócios C V, A C V, G V e B V preocupam-se em acautelar o impacto fiscal decorrente da eventual distribuição pela Ré de dividendos e reservas aos sócios e/ou de mais-valias, na eventualidade da amortização de quotas;
56. Foi com o objectivo de planeamento fiscal quanto ao seu património, que os sócios da Ré, B V e G V, se propõem participar num aumento de capital da sociedade SVPAR – Investimentos, Lda. (“SVPAR”) por entrada em espécie na mesma, a realizar por via da transferência das quotas que cada um detém no capital social da Ré;
57. Foram dadas instruções aos funcionários administrativos do escritório da Av. para que estes, caso os sócios da Ré assim o solicitassem, disponibilizassem a consulta à documentação depositada para esse efeito e relativa à sociedade SVPAR – certidão comercial permanente, contas relativas ao exercício de 2022 e documentos de identificação dos sócios da SVPAR;
58. O Autor, não solicitou, antes da Assembleia Geral de 05.12.2023, a prestação de qualquer informação à Ré atinente aos pontos da ordem de trabalhos constantes da convocatória de tal Assembleia Geral;
59. O Autor, no decurso da Assembleia Geral de 05.12.2023, não solicitou, em seu nome ou em nome da sócia M R, a prestação de qualquer informação atinente aos diversos pontos da ordem de trabalhos, conforme acta junta com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
60. No decurso da Assembleia Geral de 05.12.2023, não ocorreu qualquer intervenção da sócia M R, nem diretamente nem através do Autor, no sentido de transmitir que considerava a resposta que tinha sido dada à sua comunicação datada de 29.11.2023, e/ou os elementos e documentos cuja consulta lhe foi facultada, como insuficientes para o seu cabal esclarecimento, conforme acta junta com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
61. A sócia M R não impugnou as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 05.12.2023.
62. As quotas detidas por G V e B V  na Ré, com o valor nominal de € 95.000,00 cada, resultam da divisão e transmissão, por doação, da quota de C V, no valor nominal de € 299.278,73, ocorrida em 2020 e registadas em 04.09.2020, conforme certidão de registo comercial da Ré junta como documento 1 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
63. A SVPAR não exerce qualquer atividade comercial;
64. A SVPAR não tem trabalhadores, nem remunera a gerência;
65. A R.  continua a apresentar resultados anualmente.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
a) A Assembleia Geral de 05.12.2023 decorreria na sede social da sociedade R., segundo a convocatória referida no ponto 7 dos factos assentes;
b) M R dirigiu-se à morada indicada em 17. para consultar os documentos;
c) A sociedade R. dispunha da informação referida em 29. e subtraiu-a ao conhecimento dos sócios;
d) Os conflitos no seio da R. são gerados, apenas, por M R com os seus irmãos mais velhos, enquanto sócios da Ré;
e) Há uma antiga e continuada atuação de bloqueio promovida pela sócia-gerente M R;
f) A Cerâmica Vala encontra-se paralisada em consequência de prolongado e insanável conflito de natureza pessoal e familiar existente e referido em 40.;
g) A situação de conflitualidade é promovida por M R e secundada pelos seus filhos, incluindo o ora Autor;
h) Nunca mais se verificaram condições de estabilidade entre os sócios da Ré que permitissem a prossecução da sua actividade empreendedora;
i) As instruções constantes do ponto 57 dos factos assentes foram dadas na data em que a convocatória para a realização da Assembleia Geral de 05.12.2023 foi remetida aos sócios da Ré.
IV.
A partir da análise do extenso leque de questões que integram o objeto do recurso, evidencia-se como essencial, enquanto base de definição da perspetiva sob a qual serão apreciados os vícios apontados à decisão recorrida, aferir se a projetada operação de transmissão objeto das deliberações impugnadas se inclui entre os atos previstos no art. 228º do CSC e, consequentemente, se está sujeita a consentimento da sociedade e autoriza o exercício do direito de preferência pela sociedade ou pelos sócios não cedentes/transmitentes em caso de recusa de consentimento (artigos 229º a 231º do CSC).
Importa ter presente, conforme se reproduz no facto provado sob o n.º14, que os Estatutos da sociedade R. estabelecem no artigo quarto, um direito de preferência com eficácia real a favor da própria sociedade, em primeiro lugar, e dos sócios não cedentes, em segundo, na cessão de quotas, total ou parcial.
As deliberações integradas na ordem de trabalhos da Assembleia Geral do dia 05-12-2023, que vieram a ser aprovadas e se encontram sob impugnação, tinham o seguinte conteúdo: Ponto Um: Deliberar sobre a contribuição da Quota G V, no âmbito de um aumento de capital da SVPAR-Investimentos, Lda. (SVPAR) a subscrever parcialmente e a realizar em espécie por G V; e Ponto Dois: Deliberar sobre a contribuição da Quota B V , no âmbito de um aumento de capital social da SVPAR a subscrever parcialmente e a realizar em espécie por B V .
Assim, sendo este o ponto nevrálgico de dissenso das partes, o que teremos que apreciar é se o ato de destinar a quota a constituir entrada em espécie em aumento de capital de sociedade terceira (de que são sócios os cedentes juntamente com outros sócios da sociedade ré) constitui uma transmissão de quotas entre vivos e, como tal, uma cessão de quotas que carece de consentimento da sociedade e se encontra abrangida pelo direito de preferência. Tal direito permite que o preferente que o exerce ingresse na posição jurídica do terceiro que figura como transmissário/cessionário, conquanto respeite e cumpra as condições negociadas para a transmissão.
A discordância da ré/apelante quanto ao sentido da decisão recorrida assenta, precisamente, na possibilidade de cumprimento das condições negociadas para a transmissão por parte do autor ou dos demais sócios, já que a contrapartida que o sócio que realiza a sua entrada para subscrever o aumento de capital numa sociedade por quotas será o aumento do valor nominal da sua quota ou nova quota que será criada para esse efeito, não sendo dinheiro ou outro bem fungível.
Na decisão objeto de recurso, o tribunal recorrido seguiu de perto o entendimento plasmado no Acórdão do TR de Lisboa de 02-06-2016 (processo n.º153/04.9TYLSB.L1-6, rel. Teresa Soares, disponível para consulta nesta ligação), que a ré apelante diz corresponder a um entendimento minoritário, citando jurisprudência em sentido contrário.
Podemos aceitar que a questão não se encontra tratada de forma estável, mas já não poderemos afirmar que existe uma posição firme e maioritária em qualquer dos sentidos.
Socorre-se a apelante da doutrina e jurisprudência que se posicionam em sentido contrário ao defendido pelo tribunal a quo, citando o Acórdão do TR de Guimarães de 04-02-2021 (proc.º n.º982/20.6T8VRL.G1, rel. António Barroca Penha, disponível para consulta nesta ligação), no contexto do qual se conclui que “Não pode considerar-se nem compra e venda, nem dação em pagamento, o ato pelo qual um sócio (ou futuro sócio) realiza em espécie a sua entrada na constituição de uma sociedade ou no aumento do capital social desta, nomeadamente transferindo para a sociedade, como entrada e de acordo com o originariamente convencionado, um imóvel de que é titular”. Esse aresto cita, na fundamentação do decidido e em corroboração do sentido decisório (referindo ser “a conclusão que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a sufragar uniformemente”), Aragão Seia [Arrendamento Urbano, Almedina, 6ª edição, pág. 293 (em anotação ao art. 47º do RAU], que concluiu que “não existe direito de preferência na transmissão de propriedade sobre prédio arrendado feita pelo proprietário e senhorio como entrada em sociedade comercial, porque o preferente não pode substituir-se ao sócio.”
Ainda no apontado acórdão, são citados Pires de Lima e Antunes Varela [Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2º edição, pág. 368 (em anotação ao art. 1409º)], conquanto defendem que: “Não pode qualificar-se como venda, nem como dação em cumprimento, a realização, pelo sócio de uma sociedade, do valor da sua quota no capital social com uma coisa sujeita a prelação. Trata-se de um negócio diferente, que em caso algum possibilita o exercício do direito de preferência …”
O referido Ac. do TRG de 04-02-2021, apoia-se, por último, ao nível jurisprudencial, no acórdão do STJ de 16.11.2006 [Proc. 06B3596, relator Alberto Sobrinho, que localizámos nesta ligação], no qual se sumaria: “Não assiste direito de preferência ao inquilino de um prédio urbano quando a propriedade desse prédio foi transmitida como activo na entrada do capital social em sociedade comercial, por esse negócio jurídico não consubstanciar contrato de compra e venda nem dação em cumprimento”, verificando-se que, nesse acórdão, são citados como proferidos no mesmo sentido, o Ac. STJ de 22.01.2009, proc. 08B2918, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. RL de 22.04.2008, proc. 1552/2008-1, relatora Alexandrina Branquinho; Ac. RL de 14.01.2010, proc. 1821/06.6YXLSB.L1-2, relator Farinha Alves; e Ac. RP de 28.04.2011, proc. 1156/09.2TBPVZ.P1, relatora Maria Catarina.
A doutrina e jurisprudência supra referidas reportam-se, invariavelmente, a entradas em espécie efetuadas com imóveis ou estabelecimentos comerciais, negando-se o direito de preferência, respetivamente, ao arrendatário em relação ao imóvel arrendado ou ao senhorio em relação ao estabelecimento comercial transmitido, quando estes sejam destinados à realização de entradas em espécie em sociedades comerciais.
Cumprirá realçar que o direito de preferência do arrendatário se encontra atualmente previsto no art. 1091º, n.º1, al. a) do Código Civil, que preceitua (como já preceituava nas diferentes previsões legislativas vigentes ao longo do tempo, analisadas na doutrina e jurisprudência citadas) que o arrendatário tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos.
Em relação ao estabelecimento comercial, prevê o art. 1112º, n.º4 do Código Civil que o senhorio tem direito de preferência no trespasse por venda ou dação em cumprimento, salvo convenção em contrário
Ou seja, a lei delimita, de forma clara e expressa, os negócios translativos de propriedade do imóvel ou do estabelecimento comercial que são abarcados pelo direito de preferência do arrendatário ou do senhorio.
Essa delimitação não existe em relação à cessão de quotas, em que o contrato de sociedade pode exigir o consentimento da sociedade para a cessão de quotas (art. 229º, n.º3 do CSC) e em que os estatutos da ré genericamente estabeleceram um direito de preferência com eficácia real a favor da própria sociedade, em primeiro lugar, e dos sócios não cedentes, em segundo, na cessão de quotas, total ou parcial.
O direito de preferência não tem, assim, origem legal.
Como se refere no Ac. deste TR de Lisboa de 28-11-2023 [proc.º n.º17851/20.2T8LSB.L1, rel. Amélia Sofia Rebelo), “A cláusula de preferência na transmissão da participação social prevista no pacto social tem a sua génese em negócios jurídicos e constitui manifestação do exercício da liberdade de contratar e da autonomia na definição do seu conteúdo, precisamente, o oposto da natureza da preferência legal, que é imperativamente modelada pela lei e constitui “[u]ma derrogação excepcional do princípio da liberdade contratual”.
Nesta vertente, a jurisprudência seguida pelo tribunal recorrido distingue-se da citada pela apelante, na medida em que tem o seu campo de aplicação diretamente centrado em questão similar à que aqui se discute: a entrada em espécie realizada com participações sociais.
O já mencionado Ac. do TR Lisboa de 02-06-2016 cita, em benefício da posição ali adotada (ainda que centrada na apreciação da eficácia real do direito), concretamente, rebatendo a tese da infungibilidade das obrigações a que apela a ré/apelante, o Ac. do STJ de 12-09-2013 – bem como o parecer do professor Coutinho de Abreu mencionado nesse processo [proc.º 388/04.4TYLSB.L1.S1, acessível para consulta nesta ligação].
Refere-se no mencionado acórdão do TRL, citando o Parecer do prof. Coutinho de Abreu [citações incluídas na decisão recorrida] que: “- a cláusula de preferência tem natureza societária, não se reduzindo a um civilístico pacto de preferência; - tal cláusula, porque tem a finalidade de impedir a entrada na sociedade de sujeitos indesejados pelos sócios e porque está registada, é oponível a terceiros, gozando de eficácia real; - o carácter não fungível das acções recebidas como contrapartida da quota cedida não obsta ao exercício do direito de preferência”.
Mais adiante, ainda citando a argumentação desenvolvida no Parecer citado, refere o mencionado aresto que neste parecer se pode ler “ainda que se admita que a preferência  de certo negócio exige, no direito civil, paridade de condições (“tanto por tanto”), o mesmo não sucede a respeito da preferência em cessão em participações sociais [i]. Finalidade primeira desta preferência é, repita-se, possibilitar aos sócios evitar a entrada de estranhos indesejados na sociedade. Depois, quanto à contrapartida a prestar pelo preferente, não se exigirá mais, nem menos, do que o valor equivalente ao da contrapartida (sem simulação) oferecida pelo terceiro contratante (ou, em certos caso, o valor real da participação social.)…o valor comercial da quota cedida foi, como por lei tinha que ser regularmente fixado por ROC. E foi esse valor que determinou naturalmente, a contrapartida em acções da J... SGPS, SA. Está assim encontrado o preço da aquisição a quota a pagar pela A”. Tal citação é precedida da conclusão de que não estamos perante uma prestação infungível que obste à preferência.
O reconhecimento ou não do direito de preferência assenta apenas na circunstância de podermos afirmar, com segurança, que a realização de entradas em espécie em sociedade terceira através da “contribuição” da quota no âmbito de um aumento de capital social corresponde a uma cessão da quota, não sendo invocável nesta sede qualquer analogia com o direito de preferência do arrendatário que, como se disse, está legalmente delimitado a duas tipologias contratuais específicas – venda e dação em cumprimento.
Analisando a questão das entradas em espécie, prevê o art. 20º, al. a) do CSC, que o sócio é obrigado a entrar para a sociedade com bens susceptíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja permitido, com indústria”.
Refere o professor Jorge Coutinho de Abreu [Curso de Direito Comercial, Volume II, Das Sociedades, 3ª edição p. 270] que «As entradas em bens diferentes de dinheiro (e de indústria) são designadas “entradas em espécie” (v. a epígrafe do art. 28.º e o art. 179.º). Consistem, por exemplo, em imóveis, empresas (em sentido objectivo), móveis corpóreos, patentes, marcas, créditos, participações sociais (…)», referindo adiante [p. 272] que o art. 20.º, a), «com referência às entradas em dinheiro ou em espécie, fala, recorde-se, de “bens susceptíveis de penhora”. Mas não devia falar. Pois o art. 7.º da 2ª Directiva (embora aplicável somente às sociedades anónimas) estatui, de caso pensado, que “o capital subscrito só pode ser constituído por elementos de activo susceptíveis de avaliação económica”. Apesar dos dizeres do enunciado normativo português, ele deve ser interpretado – em harmonia com o direito comunitário – de modo a serem permitidas também as entradas com bens que, não obstante serem impenhoráveis, são suceptíveis de avaliação económica, contribuindo para o exercício da atividade social e aproveitando, assim, aos credores sociais»
A alteração de titularidade das participações sociais que, pela via da entrada em espécie em sociedade terceira, passam a ser tituladas por esta e a fazer parte do seu capital social, com um específico valor que aproveita aos credores sociais e que corresponde a um elemento que deve necessariamente constar do contrato (art. 9º, n.º1, al. h) do CSC) - sendo ineficazes as estipulações do contrato de sociedade relativas a entradas em espécie que não satisfaçam tal requisito (art. 9º, n.º2) -, torna pouco defensável a tese de que não estamos perante uma cessão de quotas. Tal é corroborado pela exigente verificação das entradas em espécie prevista pelo art. 28º do CSC.
A entrada em espécie traduz-se num valor que esta acrescenta ao capital social, sendo esse valor que contribui para definir o equivalente valor nominal da participação social do sócio e, na sequência do aumento de capital social para o qual contribui, definir a alteração daí sobrevinda para a delimitação dessa participação, à sua quota, cujo valor nominal não pode exceder o valor da sua entrada ou o valor atribuído aos bens no relatório do revisor oficial de contas (art. 25º, n.º1 do CSC), pertencendo a cada sócio uma quota correspondente à sua entrada (art. 219º, n.º1 do CSC) e, em caso de aumento de capital, podem ser atribuídas ao sócio tantas quotas quantas as que já possuía, que podem ser unificadas, sendo a medida dos direitos e obrigações inerente a cada quota determinado segundo a proporção entre o valor nominal desta e o do capital (art. 219º, n.º2, 4 e 6 do CSC).
Em suma, qualquer que seja a perspetiva em que se analise a questão, a entrada em espécie tem a relevância societária diretamente correspondente ao valor atribuído ao bem ou direito com o qual se realiza a entrada e, reconduzindo-se a um valor, não existe motivo para se negar que as operações translativas da titularidade das quotas que foram objeto das deliberações impugnadas correspondem a uma cessão de quotas, já que existe uma transmissão voluntária das quotas, realizada entre vivos, com natureza onerosa (com valor patrimonial associado).
O argumento de que uma prestação pecuniária não é idóneo a cumprir uma obrigação de entrada em espécie não merece a nossa concordância, já que o que se analisa não é o interesse que a sociedade cessionária (ou os sócios cedentes) poderão ter na concreta entrada em espécie que constitui opção de participação no aumento de capital, mas sim a possibilidade de atribuir um valor a essa participação e, ao concluir-se que essa possibilidade não só é real como tem particular definição na lei societária, que existe um equivalente pecuniário que satisfaz o mesmo fim (aumento de capital e definição da proporção da quota do sócio que realiza a entrada), permitindo ao preferente entregar prestação idêntica àquela que o cedente se propõe realizar – não se substitui na qualidade de sócio da sociedade em que os cedentes pretendem realizar a entrada, mas na qualidade de adquirentes das quotas transmitidas mediante entrega do valor correspondente que assegura a inalterada participação do cedente no aumento de capital.
Assim, existindo uma cessão de quotas, será incontornável a previsão estatutária que estabelece um direito de preferência com eficácia real a favor da própria sociedade, em primeiro lugar, e dos sócios não cedentes, em segundo, na cessão de quotas, total ou parcial.
Efetuada esta primeira abordagem, analisemos, em pormenor, os vícios que a apelante imputa à decisão recorrida, ainda que parte deles sejam prejudicados pela opção de análise preliminar ora desenvolvida, em benefício (cremos) da maior inteligibilidade da decisão.
a. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO AO INCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS PROCEDIMENTAIS DO PEDIDO DE CONSENTIMENTO À SOCIEDADE FIXADOS NO Nº 1 DO ART. 230º DO CSC.
Em primeiro lugar, defende a apelante que a natureza da operação em causa e os interesses dos sócios cedentes subjacentes a tal operação, impossibilitam, em caso de recusa de consentimento, o cumprimento do disposto no art. 231º, n.º2, al. d) e n.º4 do CSC – isto é, a apresentação pela sociedade de uma proposta que ofereça uma contrapartida em dinheiro igual ao valor resultante do negócio encarado pelo cedente e, caso seja deliberada a aquisição da quota, o direito ser atribuído aos sócios que declarem pretendê-la no momento da respetiva deliberação, proporcionalmente às quotas que então possuírem.
Isto porque, refere a apelante, o negócio subjacente é “uma troca ou permuta de participações sociais para entrada em espécie dos cedentes em subscrição de aumento de capital na sociedade cessionária, o que é feito com um intuito de reorganização de património numa ótica de planeamento fiscal lícito e legítimo quanto às quotas a transmitir e que lhes facultem continuar a deter, ainda que indiretamente, tais quotas no seu património, não há uma contrapartida em dinheiro ou em qualquer outro bem fungível”, não podendo qualquer proposta de aquisição das quotas dos cedentes ser passível de oferecer a estes últimos uma contrapartida em dinheiro igual ao valor resultante do negócio.
Face a essa impossibilidade, conclui a apelante, em caso de recusa de consentimento, não podendo ser oferecida a contrapartida, a cessão para a qual se entendeu necessário o consentimento seria livre (231º, n.º2, al. d) do CSC), não tendo qualquer sentido útil exigir esse consentimento, que resultaria indiferente.
Para além das considerações já acima tecidas em relação à relevância do valor da entrada em espécie enquanto meio de definição da real contrapartida a que equivale a transmissão operada, a argumentação da apelante parte do errado pressuposto de que a definição da possibilidade de exercício do direito de preferência deve atender às finalidades subjetivas que presidiram à decisão de alienação tomada pelos sócios cedentes.
A aferição da existência ou não de direito de preferência (ou da prévia necessidade de obtenção de consentimento e da relevância útil deste) não pode ser feita na ótica subjetiva do sócio cedente ou do concreto objetivo (comum) deste e da sociedade terceira que beneficia do aumento de capital pela entrada em espécie. Pelo contrário, terá sempre que ser analisada na perspetiva objetiva da sociedade a que respeitam as quotas cedidas e dos sócios que integram esta última, que acautelaram, por disposição estatutária, esse mesmo direito.
Se os cedentes pretendem transferir as quotas para uma sociedade terceira para, desse modo, efetuarem um melhor planeamento fiscal e manterem, indiretamente, a sua posição na sociedade ré, esse objetivo não debilita, nem afeta as razões que estiveram na base da consagração do direito de preferência no contrato social.
Não existe, objetivamente, uma qualquer impossibilidade – ainda que possa existir uma acrescida dificuldade – na definição da contrapartida.
Como refere Alexandre de Soveral Martins [Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume III, anotação ao art. 231º, p. 491] «A cessão onerosa compreende a compra e venda de quotas, mas também abrange muitos outros negócios. Lembramos apenas a troca ou a entrada em sociedade. Se o que se pretende é realizar uma compra e venda, o montante da contrapartida em dinheiro a oferecer na proposta está logo determinado. Tudo se complica se a cessão projetada resulta, por exemplo, de uma troca ou de uma entrada em sociedade. Como encontrar então “uma contrapartida em dinheiro igual ao valor resultante do negócio encarado pelo cedente”. Nem sempre isso será uma tarefa fácil. O que importa antes de mais realçar é que o valor a encontrar é o valor que se reconhece à contraprestação que iria ser recebida pelo cedente», ali se citando Raúl Ventura referindo-se que, no caso de entrada para capital de uma sociedade, o valor será o das coisas recebidas.
Deste modo, em coerência com o que se referiu na parte introdutória da presente decisão, não estamos perante deliberações subtraídas à prestação de consentimento pela sociedade ou em face de uma inutilidade deste consentimento, sendo plenamente aplicáveis os requisitos procedimentais do pedido de consentimento à sociedade.
b. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À NÃO INFUNGIBILIDADE DAS PRESTAÇÕES E CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
Nesta vertente, pouco teremos a acrescentar ao que ficou dito a título introdutório, em que foi já apreciada a jurisprudência invocada pela apelante como fundamento de um sentido decisório maioritário desenvolvido em contrário do decidido pelo tribunal a quo.
Acrescenta, porém, a apelante, para além da defesa da infungibilidade das prestações, em relação à qual já concluímos negar-lhe razão, um outro argumento em que baseia a defesa de inatendibilidade do direito de preferência: invoca que a “cláusula de preferência constante dos Estatutos da sociedade Ré há muito que perdeu a sua finalidade de proteção do caráter familiar da sociedade e de defesa contra entrada de terceiros indesejados”.
Refere ainda que a perspetiva do tribunal recorrido de reconhecimento do direito de preferência permitiria aos sócios não cedentes “determinar como é que os sócios cedentes deveriam participar no aumento de capital da SVPAR, no fundo a determinar o conteúdo e tipo de negócio que estes devem realizar”.
Mais uma vez, porém, a apelante analisa a questão na perspetiva do interesse dos sócios cedentes, sendo que estes não são os tutelados pela previsão estatutária que estipulou o direito de preferência, não constituindo argumento juridicamente atendível apelar à eventual frustração dos objetivos que indiretamente presidiram à opção dos cedentes.
O que se deve evitar é que, pela definição de um tipo contratual distinto possam os sócios cedentes contornar o direito de preferência da sociedade e dos sócios não cedentes, não se tratando aqui de uma arbitrária interferência na vontade negocial dos primeiros, mas na atuação do interesse social e do objetivo que esteve na base do clausulado do contrato social, a que aderiram e que vincula todos os sócios.
Também não se trata de partir de uma presunção de suspeição generalizada de que as entradas em espécie efetuadas com participações sociais cumprem um desígnio de fraude à lei ou de defraudar o direito de preferência dos sócios. Antes se pretende é evitar que tal tentação exista, ou que se encontrem mecanismos substitutivos que, em cumprimento da lei, tenham por objetivo alcançar um objetivo que esta visou evitar. Essa prevenção não corresponde a qualificar o ato como fraude à lei, antes incumbindo aos tribunais atentar aos interesses protegidos pela norma e verificar se, em concreto, o tipo negocial afronta essa tutela, evitando que seja alcançada uma finalidade que os sócios, por disposição estatutária que permaneceu inalterada ao longo de todo o período de atividade da sociedade ré, procuraram evitar.
Sobre esta matéria, com particular interesse, sugere-se o artigo de Ana Perestrelo de Oliveira e Madalena Perestrelo de Oliveira [Direito de preferência na compra e venda de participações sociais e fraude ao contrato, Revista de Direito Comercial, 2024-07-24, disponível para consulta em PDF nesta ligação), que aborda, qualquer que seja a fonte de preferência na transmissão de participações sociais, os conhecidos “riscos de fraude (objetiva ou subjetiva) ao direito de preferência, os quais podem ser incrementados no direito societário, especialmente pela possibilidade de recurso a sociedades-veículo, constituídas ou já existentes, que servem de instrumento à detenção da participação social e cujo capital pode circular nos termos gerais”.
Se a entrada de terceiros na sociedade não constitui, em si mesma, uma qualquer opção em absoluto desaconselhada ou vedada, tal não significa que o argumento de a atividade da ré estar bloqueada por conflitos familiares apenas possa ser ultrapassado por essa via, já que o exercício do direito de preferência e a aquisição das quotas pelos sócios não cedentes pode permitir que se alcance uma alteração na situação de impasse fundada no comprovado conflito.
O interesse da sociedade ré/apelante não pode, assim, ser confundido com o interesse dos sócios cedentes que, em situação inversa, seriam igualmente tutelados pela norma estatutária que visou, bem ou mal, mas de forma ainda eficaz e vigente, evitar a entrada de terceiros na sociedade. Esta entrada não se vê como um prejuízo para a gestão da ré ou para o desenvolvimento da sua atividade (nem isso foi afirmado pela decisão recorrida), mas foi acautelada nos estatutos, que obriga todos os sócios, cedentes e não cedentes, não cabendo aos tribunais “atualizar” o interesse social quando os sócios não cuidaram de atualizar os estatutos.
Decai, em consequência, o vício apontado pela apelante.
c. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À RELEVÂNCIA INVALIDANTE DA VIOLAÇÃO DO Nº 1 DO ART. 230º DO CSC
Os argumentos aduzidos pela apelante quanto à existência deste vício assentam num exercício especulativo quanto ao sentido de voto do autor ou dos demais sócios não cedentes caso fossem observados os requisitos em falta no pedido de consentimento para a transmissão das quotas, concluindo que a falha verificada não influenciaria o sentido da deliberação, dada a irrelevância que o bloco de sócios, entre os quais o autor se integra, atribuiu à suposta violação do art. 231º do CSC, não sendo suscitada, na assembleia geral, qualquer questão relacionada com a falta de indicação das condições da cessão. Acrescenta que não se anteveem quaisquer vantagens que o autor poderia obter caso tivessem sido indicadas essas condições, sendo contrário à boa-fé que este obtenha a invalidade da deliberação, causando dano à sociedade ré.
Estas conclusões não têm, contudo, sustentação nos factos provados.
Tanto o teor da missiva enviada por uma sócia não cedente, como a posição assumida pelo autor na assembleia geral, não permitem extrair as conclusões interpretativas avançadas pela ré/apelante, não podendo a suposta ausência de vantagens servir de alicerce à inaplicabilidade de normas legais ou ao cumprimento de disposições estatutárias.
Por um lado, em data prévia à realização da assembleia geral (29-11-2023) uma sócia não cedente – M R – remeteu uma missiva ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade R., por email e carta registada, em que referia, face aos pontos constantes da ordem de trabalhos que “para que a assembleia possa, nos termos legais e estatutários, deliberar de forma esclarecida sobre a prestação ou recusa do consentimento para a transmissão da quota e, em caso de consentimento, sobre o exercício do direito de preferência na aquisição (o qual cabe em primeiro lugar à sociedade e depois aos sócios)”, requeria a prestação, por escrito e em tempo útil, de elementos de informação que contemplavam dados que autorizariam a proposta prevista no art. 231º (“condições de transmissão, incluindo, designadamente, tanto o valor nominal como o valor contabilístico das participações da SVPAR – Investimentos, Lda., que serão atribuídas aos sócios cedentes, G e B V , em contrapartida da projectada cessão por entrada em espécie no capital social da SVPAR – Investimentos, Lda., devendo ainda ser indicado, para efeitos de apuramento da contrapartida, qual o valor do projectado aumento de capital e se o mesmo será subscrito ao valor nominal ou com ágio, neste caso se indicando qual o valor do ágio”) – facto provado sob o n.º16 -, não tendo sido informada das condições da projetada cessão ou da contrapartida e respetivo valor da cessão de quotas (facto 19).
Por outro lado, tal como se refere na decisão recorrida, o autor, no decurso da assembleia geral, expressamente referiu “que a cessão de quotas não deveria ser realizada sem que fosse dada a possibilidade a todos (sociedade e sócios) de exercerem o direito de preferência supra mencionado, pelo que o mesmo manifestou, em tempo, a necessidade de lhe ser concedida a possibilidade de preferir no negócio em apreço”, chamando a atenção “para o facto de, nos termos do artigo 4.º dos estatutos, os sócios cedentes estarem obrigados a dar preferência à sociedade, em primeiro lugar, e aos sócios, em segundo lugar, sendo o preço fixado nos termos desse artigo 4.º, que, por sua vez remete para o art.º 8, ou seja, para o valor resultante do último balanço aprovado, devendo ser concedido à sociedade e aos sócios um prazo, nos termos legais, para declararem se pretendem ou não exercer o seu direito de preferência”, acrescentando que “nenhuma cessão de quotas poderá ser feita sem que seja dado a todos o direito de preferência, nos termos legais e estatutários” – facto 25.
O presidente da mesa (C V, sócio da ré e da sociedade cessionária das participações transmitidas) negou a existência de cessão de quotas e de direito de preferência (factos 22 e 26).
Face a este elenco de factos, parece evidente que o autor chamou a atenção para a violação do art. 231º, não se antevendo qualquer conformação que valide o sentido interpretativo em que a apelante sustenta o vício sob apreciação, do mesmo modo que é indiferente para a decisão a vantagem que o autor pretendia obter, antes relevando o pressuposto que lhe é prévio de reconhecimento do direito a conhecer das condições que lhe poderiam ou não permitir alcançar qualquer vantagem.
Impunha-se dar cumprimento ao pedido de consentimento e, em caso de recusa, fornecer as condições para que o procedimento previsto no art. 231º pudesse ser desenvolvido, como bem considerou o tribunal recorrido, ao concluir que foi violado dispositivo legal que impõe que o pedido de consentimento à sociedade contenha as condições da cessão – art. 230º, n.º1 do CSC -, como consequente preenchimento de previsão do art. 58º, n.º1, al. a) do CSC.
A tese da apelante, desenvolvida no sentido de que os vícios de procedimento apenas dariam causa à anulabilidade da deliberação (eficácia invalidante) caso se demonstrasse que esta não teria sido tomada de igual forma se o vício não se tivesse verificado, realçando a relevância do vício para a invalidade da deliberação, apenas tem previsão no direito societário português quando em causa estejam deliberações “abusivas” – art. 58º, n.º1, al. b) do CSC -, em que as deliberações são anuláveis “a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”.
Esta questão é tratada de forma particularmente fundamentada por Pedro Maia [Invalidade de Deliberação Social por Vício de Procedimento, Revista da Ordem dos Advogados, ano 61, volume II, abril de 2001, págs. 735 a 740], ao referir «(…) Já o vício que atinge o procedimento deliberativo nem sempre se revelará “causal” do negócio: pode ser viável a prova de que, mesmo sem se ter verificado aquele vício no procedimento, a deliberação sempre teria sido tomada de igual forma», identificando o problema da exigência de nexo de causalidade entre o vício ocorrido e a deliberação tomada como específico das deliberações inquinadas no seu procedimento, com particular relevância prática já que, “a exigir-se esse nexo de causalidade, os vícios de procedimento que não interfiram com a tomada da deliberação deixam de importar a anulabilidade desta”. Após abordar essa questão como pacífica no direito alemão, refere que, no direito societário português, fora dos casos das deliberações abusivas, “a lei não reconhece, ao menos expressamente, em termos gerais, qualquer importância ao facto de o vício se mostrar irrelevante para a deliberação tomada”, ainda que suponha ser inegável que, ao menos em certos casos, a doutrina em questão deve valer também nos casos de impedimento de voto (conflito de interesses), para lá da qual a doutrina do art. 58º, n.º1, al. b) do CSC não pode fundar “a afirmação de um princípio geral de necessidade de relevância do vício de procedimento na tomada da deliberação para que esta se torne anulável, mas, apenas a consagração do princípio – bastante mais restrito do que aquele – de que a invalidade que afecte apenas uma parte dos votos só determina a invalidade da respectiva deliberação se tais votos tiverem sido essenciais para a sua aprovação”.
Seguindo este entendimento, único compatível com a lei vigente, concluímos pela não verificação do vício apontado, sempre sem prejuízo da apreciação, a realizar infra, da eventual verificação de abuso de direito, única válvula de segurança que permitiria arredar o entendimento sufragado e autorizar a não aplicação da lei.
d. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À VIOLAÇÃO DO DIREITO À INFORMAÇÃO.
Em suporte do apontado vício, refere a apelante estar provado que «nenhum pedido ou solicitação de quaisquer elementos (mínimos ou não) de informação ou sequer qualquer pedido de esclarecimento sobre a documentação facultada foi formulado pelo Autor, quer antes quer no decurso da Assembleia Geral de 5.12.2023” – pontos 58 e 59 dos factos provados -, concluindo que tal sucedeu “porque verdadeiramente o Autor entendia que não necessitava que lhe fossem prestadas quaisquer informações (incluindo “o valor atribuído à cessão”) para participar, de forma esclarecida e informada, na votação das deliberações em causa, ou seja, para “formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação”».
Mais alega que, ainda que houvesse violação do direito à informação nos termos da al. c) do n.º1 do art. 58º do CSC, a mesma não teria relevância invalidante, porquanto “a informação sobre as pretendidas condições das cessões não foram relevantes ou essenciais para que o Autor pudesse participar e votar nas deliberações ora impugnadas defendendo os seus legítimos interesses”.
Dispõe o art. 21º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais, que todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato.
Trata-se de um direito social autónomo e não meramente instrumental, corolário do risco de entrada na sociedade, traduzindo-se numa “ferramenta de controlo social”, permitindo a reclamação de dados essenciais à salvaguarda da posição financeira e social do sócio, sendo o direito à informação stricto sensu um direito que pode ser exercido dentro e fora das assembleias gerais [Margarida Costa Andrade, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coord. Jorge Coutinho de Abreu, Volume I, 2010, págs. 360 e 361].
Nos termos do art. 58º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais, são anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
Os elementos mínimos de informação devem ser entendidos “como elementos adequados e necessários para que o sócio forme livremente a sua convicção quando se vai pronunciar em deliberações colectivas, designadamente quando vai contribuir para a formação de actos sociais”, sendo esse conhecimento reputado de fundamental para uma adequada construção da deliberação da sociedade, ainda que, obtida essa informação “o sócio não inflita o sentido da sua tomada de decisão, por não motivar uma oposição suficiente à proposta em apreciação” [Paulo Olavo Cunha, Deliberações Sociais Formação e Impugnação, 2020, p.240-241]
Refere-se na decisão recorrida o seguinte: “(…) No caso concreto, verifica-se que as informações mínimas em apreço reportam-se à cessão de quotas – às duas submetidas a deliberação - e às condições das mesmas como supra expostas, pelo que se impõe concluir que estamos perante uma violação do dever de informação, considerando que não foi indicado o valor atribuído à mencionada cessão de quotas, sendo tal valor elemento essencial e mínimo a transmitir aos sócios, atendendo a que, como se viu supra, não só um consentimento informado pressupõe tal informação, como para efeitos de recusa de consentimento por parte da sociedade, esta tem de saber qual o valor da cessão projectada para efeitos de apresentação de proposta quanto à mesma. E, salienta-se que a questão da existência ou não do direito de preferência não é determinante nesta sede, mas sim a questão do consentimento para a cessão, pois mesmo que se concluísse que não existia direito de preferência, ainda assim os sócios tinham de estar devidamente informados para efeitos de consentimento na cessão de quotas projectada. Com efeito, ao contrário do que pugna a R. nos arts. 115.º e segs. da contestação, as condições da cessão têm de ser informadas aos sócios para efeitos de consentimento, nos termos dos arts. 228.º, n.º 2 e 230.º, n.º 1 e 2, ambos do CSC, não por causa do exercício do direito de preferência – mas para este também, como se viu supra – pelo que não releva nesta sede se a contrapartida para o cedente é ou não quantia em dinheiro ou bem fungível. Confunde a R. consentimento para que a cessão de quotas seja eficaz perante a sociedade e exercício de direito de preferência quanto à mesma. Ora, o que aqui está, em primeiro lugar e de forma relevante, em causa é a falta de indicação das condições da cessão para efeitos de consentimento e é exactamente a forma de pagamento e o seu valor que estão em falta”.
Também no que respeita à concreta solicitação de informações pelo autor, acrescenta a decisão recorrida “se é certo que o A. não formulou qualquer pedido de informação directamente, este pedido foi efectuado pela sócia-gerente M R que, como está assente nos autos é mãe do A. e com este e o seu irmão formam um bloco de sócios que se opõe aos demais, pelo que consabidamente, a sociedade R. sabia que aquele pedido de informações formulado pela Mãe do A. a este também aproveitava. Acresce, a reforçar este ponto, que a R., ao responder ao pedido de informações a M R envia esse e-mail também ao A. (e seu irmão) – ponto 17 dos factos assentes -, pelo que sabia que as informações pretendidas o eram pelos 3. Aliás, note-se que, perante tal pedido de informações, não carecia o A. de formular outro, tanto mais que a resposta da sociedade R. ao pedido de informações foi enviada por e-mail na véspera da Assembleia Geral. Por fim, o A. em sede de Assembleia Geral, na sua intervenção constante do ponto 25. dos factos assentes refere expressamente que deve ser concedida a possibilidade do exercício do direito de preferência à sociedade em primeiro lugar e aos sócios em segundo lugar, encontrando um critério legal para fixação do valor das quotas, como o mesmo ali refere (…)”
Cremos que a fundamentação aduzida é bastante para arredar os fundamentos em que a ré/apelante suporta o vício sob apreciação.
Não será senão por estar ciente dos blocos familiares de sócios formados no interior da sociedade ré, que mantêm relações conflituosas entre si e que, como a apelante reafirma, constituem obstáculo persistente ao desenvolvimento da atividade da sociedade, que, ao responder ao pedido de informação da sócia M R, efetuado em 29-11 por referência a uma assembleia geral que teria lugar em 05-12, a gerente da ré envia uma resposta, em 04-12 – véspera da assembleia geral -, referindo que “desde o dia em que foram remetidas as convocatórias” se encontram à disposição de todos os sócios, para consulta, os documentos oficiais da SVPAR, acrescentando que tais documentos se encontram dentro de uma mica, remetendo essa resposta também ao autor e ao sócio R V, nada referindo em concreto quanto ao conteúdo dos documentos em questão ou às específicas pretensões informativas que haviam sido pedidas pela sócia M R (factos 15 a 17), correspondendo, a final, as informações disponibilizadas a uma certidão permanente e à declaração de modelo 22 da empresa referente ao ano de 2022, sem qualquer informação no que respeita às condições da projetada cessão ou à contrapartida contratada ou ao seu valor (factos 18 e 19).
Ao defender a ré que o autor não pediu quaisquer informações quando a informação solicitada pela ré M R obteve resposta na véspera da assembleia geral e foi remetida ao autor, estará aquela a validar um argumento de prática de atos sem qualquer sentido útil, tendo esta inutilidade sido gerada pela própria ré.
Não só a ré não fornece as informações que lhe foram solicitadas e que lhe incumbia prestar em cumprimento de um dever legal, como dá resposta a todos os sócios que presume terem interesse na informação e, a final, não responde ao que lhe foi solicitado. Reiterar que o autor não solicitou qualquer informação quando a inutilidade desse pedido é gerada pela resposta que lhe foi remetida, corresponde à defesa de um argumento audacioso.
Já no decurso da assembleia geral, perante a perentória afirmação do presidente da mesa de que “não há cessão de quotas”, que acrescido sentido útil haveria em pedir as informações que claramente lhe declaravam serem desnecessárias ou impertinentes?
O autor reiterou que os sócios cedentes estavam obrigados a dar preferência à sociedade, em primeiro lugar, e aos sócios, em segundo lugar, esclarecendo os termos de fixação de preço para que seja permitido o exercício do direito, a que não renunciou, não obstante merecer novamente, como resposta, que não existe transmissão ou alienação, logo, não existe qualquer direito de preferência (factos 25 e 26).
À luz dos factos provados, temos por claro que não houve qualquer manifestação de desinteresse pela informação, ou omissão quanto à necessidade desta. Houve, isso sim, o incumprimento da obrigação de pedir o consentimento da sociedade para a cessão e de fornecer todos os elementos mínimos de informação necessários para que, em caso de recusa de consentimento, pudesse ser formalizada uma proposta, em obediência ao disposto nos artigos 230º e 231º do CSC.
Quanto ao argumento de que “a informação sobre as pretendidas condições das cessões não foram relevantes ou essenciais para que o Autor pudesse participar e votar nas deliberações ora impugnadas defendendo os seus legítimos interesses”, este apenas se pode aceitar como argumento caso se siga, como seguiu a ré, o entendimento convicto de que não existe cessão de quotas ou direito de preferência e se estivesse perante uma deliberação com a simplicidade defendida ao longo de todo o processo. Concluindo, como se concluiu, no sentido contrário, e considerando que em causa está uma cessão de quotas e que nenhum sócio teve a possibilidade de apresentar qualquer proposta por desconhecer, em absoluto, as condições da cessão, não existe qualquer condição mínima para que o sócio não cedente “defenda os seus legítimos interesses”.
Assim, não merece censura a decisão recorrida na parte em que considerou violado o direito à informação, com consequente preenchimento da previsão do art. 58º, n.º1, al. c) do CSC, com consequente anulabilidade das deliberações, isto é, com eficácia invalidante.
e. ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À IMPROCEDÊNCIA DO ABUSO DE DIREITO DO AUTOR.
Por último, elenca a apelante as razões de discordância quanto à decisão do tribunal recorrido de julgar improcedente a exceção perentória de abuso de direito oportunamente invocada pela ré.
Fundamenta tal discordância no facto de:
- o autor não ter solicitado a prestação de quaisquer informações com anterioridade em relação à impugnação judicial da deliberação;
- o seu sentido de voto seria sempre contra a aprovação das deliberações;
- sabia, ou não podia ignorar, que, que em conjunto com a sócia sua mãe e com o sócio seu irmão, não dispunham de maioria suficiente para lograr obter a não aprovação das deliberações em causa;
- centrou a sua atuação, em sede de assembleia geral, no sentido de procurar obter o impedimento de voto dos sócios cedentes e dos sócios C V e A C V, por alegado conflito de interesses, não sendo a falta de informações impeditiva da formação da sua vontade esclarecida, não pedindo informações, designadamente em sede de Assembleia Geral, na qual estavam presentes todos aqueles poderiam ter prestado as informações que reclama estarem em falta;
- mesmo para efeitos de exercício de direito de preferência, o autor não faz qualquer referência a que sejam facultados elementos de informação ou condições das cessões, mas tão somente que seja concedido prazo;
- afigura-se razoável e legitimo que a sociedade Ré pudesse razoavelmente contar, face aos elementos disponibilizados e à inexistência de qualquer pedido de informações ou de esclarecimentos feitos em sede de Assembleia Geral, que o Autor (bem como a sócia sua mãe e irmão) se considerasse devidamente esclarecido e informado para exercer o seu direito de voto;
- afigura-se razoável e legítimo que a sociedade Ré pudesse interpretar a ausência de qualquer referência ao direito de informação por parte do Autor em sede da reunião de assembleia geral como sendo de conformação e aceitação, sem reservas, da completude e suficiência dos elementos e informação que podia retirar da documentação disponibilizada
Dispõe o art. 334º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Esta previsão constitui uma reconhecida válvula de escape do sistema jurídico, destinada a evitar que situações de legalidade formal, admitidas pela ordem jurídica, deem causa a uma ofensa inaceitável de interesses substantivos.
Assentando que o exercício do direito de anulação de deliberações sociais não reclama qualquer publicitação prévia ou comunicação, sequer informal, a dirigir pelo titular do direito aos demais sócios em sede de assembleia geral, nada obstando a que a existência desse direito venha a ser percecionada após a conclusão da assembleia geral, o que importaria aqui considerar, para que assistisse razão à apelante, é que seria “razoável e legítimo” que, em face da atuação do autor, a sociedade ré pudesse contar que os elementos disponibilizados e a ausência de qualquer complementar pedido de informações eram suficientes para que o autor se considerasse esclarecido e informado para exercer o seu direito de voto, ou que se tivesse conformado, sem reservas, com a “completude e suficiência” dos elementos que podia retirar da informação disponibilizada.
Não há dúvida que, ao longo da assembleia geral, a atuação do autor foi centrada em procurar impedir o exercício do direito de voto a sócios que, pela sua percentagem de participação social, necessariamente assegurariam a aprovação das deliberações.
O que não podemos extrair dessa atuação, com a segurança exigida para afirmar a excecionalidade do instituto do abuso de direito, é que, ao atuar dessa forma, omitindo quaisquer pedidos de informação sobre as condições das cessões, o autor haja criado nos demais qualquer convicção quanto à completude dos elementos fornecidos para votar de forma esclarecida.
A realidade é que o teor das deliberações, em si mesmo considerado, não exige especial formação ou sentido explicativo em relação ao seu propósito e finalidade. O autor poderá, realmente, ter emitido o seu voto contrário à aprovação das deliberações ciente de que tinha elementos necessários a exercer o seu direito de voto quanto àquele concreto sentido ou conteúdo deliberativo.
Contudo, quer o que sucedeu antes da assembleia, quer o que sucedeu no seu decurso, são reveladores da posição da ré (da sua sócia gerente, M O, da presidente da mesa, A C V ou do sócio gerente C V, que havia convocado a assembleia geral), quanto à relevância ou essencialidade das referidas informações.
Conforme já foi referido, na resposta ao pedido de informação que lhe foi dirigido pela sócia M R, a gerente M O nenhuma consideração teceu quanto aos elementos que aquela considerava necessários para poder “deliberar de forma esclarecida sobre a prestação ou recusa de consentimento para a transmissão da quota e, em caso de consentimento, sobre o exercício do direito de preferência na aquisição”, resposta que foi remetida ao autor. Por seu turno, no decurso da assembleia geral, a presidente da mesa, em resposta àquela que a apelante refere ser a única manifestação relevante do autor referente à existência de conflito de interesses e de impedimento de voto de parte dos sócios, indeferiu o requerimento “uma vez que não há cessão de quotas…” e, por último, o sócio C V, perante a posição manifestada pelo autor em relação à invalidade da deliberação e ao facto de os sócios cedentes estarem obrigados a dar preferência à sociedade e aos sócios, reiterou que “neste caso não se verifica nenhuma transmissão ou alienação”, sendo seu entendimento que não existe qualquer direito de preferência” (factos 17, 19, 22 e26).
Perante este conjunto de tomadas de posição pelo bloco de sócios favorável à deliberação, não se poderá aceitar como credível que estes, ou a sociedade ré/apelante, pudessem ser surpreendidos pela invocação do autor de que não dispunha de informação suficiente. É que, mais do que a expressão literal dos pontos da ordem de trabalhos, é perfeitamente claro que a ré ou os sócios que intervieram em representação desta, negaram a existência do direito que reclamaria a informação complementar, mantendo na assembleia geral, como nesta sede, a tese de que a transmissão operada não estava ao alcance do direito em relação ao qual seria necessária informação. Se é nesse ponto que residem os vícios de procedimento (omissão do pedido de consentimento para realização da cessão e não fornecimento das informações necessárias à apresentação de proposta destinada ao exercício do direito de preferência), não será de todo surpreendente que o vício seja invocado, não podendo qualificar-se uma atuação coerente com o comportamento anterior com o exercício abusivo de um direito.
A verificação de uma figura tão excecional como o abuso de direito implicaria que, após análise da situação em litígio, o tribunal estivesse em condições de afirmar que o autor/apelado atuou de forma que se traduz em clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, excedendo manifestamente os limites resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim económico-social do direito, tornando-se, assim, escandalosa e intoleravelmente ofensiva do nosso comum sentimento de justiça a manutenção da validade formal da sua atuação.
Cremos, à luz do enquadramento exposto, que tal conclusão não pode ser extraída, improcedendo, também nesta parte, o recurso interposto.
Conclui-se, assim, pela integral improcedência do recurso de apelação interposto pela ré.
O autor/apelado, no exercício do direito previsto no art. 636º, n.º1 do Código de Processo Civil, requereu a ampliação do objeto do recurso, caso proceda o recurso da apelante. A improcedência das conclusões recursivas da ré/apelante prejudica a apreciação requerida, a título subsidiário, dos fundamentos em que decaiu o autor.
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V.
Nos termos e fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar integralmente improcedente o recurso interposto pela ré/apelante e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas a cargo da ré/apelante (art. 527º, n.º1 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 28-10-2025,
Ana Rute Costa Pereira
Renata Linhares de Castro
Nuno Teixeira