Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7640/17.7T8ALM.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: PARTILHA DE BENS
DIVÓRCIO
COMPETÊNCIA
NOTÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Estando a Requerente divorciada do Requerido e integrando os bens a partilhar o acervo dos bens comuns, o processo adequado para a separação de bens do extinto casal é da competência dos Cartórios Notariais desde a data da entrada em vigor da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março [o que ocorreu a 02 de Setembro de 2013], que se encontra regulada pelas Portarias 278/2013, de 26 de Agosto e 46/2015, de 23 de Fevereiro.
II. A ação a ser apresentada quando se pretende pôr termo à indivisão do património comum, após o divórcio, não é a ação especial de divisão de coisa comum, mas sim, a ação de inventário - artigo 1688.º, n.º 1, do Código Civil e artigos 1.º, 2,º e 79.º a 81.º da citada Lei n.º 23/2013.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam  na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

BN… intentou no Tribunal Cível uma ação de divisão de coisa comum contra AG… pedindo que se declare “dissolvida a compropriedade do imóvel entre A. e Réu, com a consequente divisão e adjudicação das respetivas quotas”.

Por entender que a competência para a apreciação e decisão das ações em que se pretenda pôr fim à indivisão dos bens do ex-casal deve ser apreciada nos Cartórios Notariais, através de uma ação de inventário, o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão a indeferir liminarmente a petição inicial.

Inconformada com o assim decidido, a A. interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1. A recorrente vem, nesta sede, apelar da decisão constante da douta sentença proferida pela Mmª. Juiz a quo de fls, que indeferiu liminarmente a acção por manifesta improcedência da pretensão da A.

2. Para tanto, escusando de se pronunciar sobre os factos alegados na PI, e pronunciando sobre a forma de processo, refere que...” A dissolução do património integrado na comunhão conjugal não se efectua por meio de ação de divisão de coisa comum, mas através de processo de inventário, a correr termos em cartório notarial...”

3. Necessário se torna aqui atentar nos factos, antes de analisar a interpretação e posterior aplicação do Direito.

4. A acção de divisão de coisa comum, tendo como fim específico a dissolução da compropriedade, fundamenta-se na qualidade de comproprietário da recorrente, a qual assiste o direito de não continuar na situação de indivisão.

5. Resumidamente: a Autora intentou junto do Tribunal Central Cível de Almada, acção de divisão de coisa comum contra AG…, pedindo seja dissolvida a compropriedade do imóvel entre A e R, com a consequente divisão e adjudicação das respectivas quotas.

6. Dada a qualidade do bem a que se refere a compropriedade, e a consequente indivisibilidade do mesmo, pretende a A que sejam fixadas as referidas quotas e feitas as respectivas adjudicações, uma vez que não pretende continuar na indivisão e as partes não se entendem quanto á forma de partilha.
7. Acontece que, ao contrário do constante da douta sentença recorrida a A juntou documentos e alegou factos que fundamentam a sua pretensão.

8. Dispõe o art° 925° do CPC que:” Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.”

9. Da redacção deste art° se conclui que ao comproprietário se apresentam três hipóteses: a “divisão em substância da coisa comum”, ou a “adjudicação”, ou ainda “ a venda desta”.

10. Dado se tratar de casa de habitação permanente, é inviável a divisão em substância, igualmente porque as partes não se entendem quanto à obtenção do direito de propriedade do imóvel, há que haver uma solução judicial que salvaguarde os direitos em causa.

11. Em termos jurisprudenciais, o Ac do TRL, no proc 2800/09.8T2SNT.L1-7 de 08.05.2012, indica que: “ I-Na ausência de qualquer indicação em contrário (expressa ou indirecta) no título constitutivo, as quotas dos comproprietários presumem-se iguais”

12. Afigura-se que a douta decisão recorrida não fez uma correcta aplicação e interpretação dos preceitos legais atinentes, pronunciando sobre a questão da forma do processo, decidindo contra o direito.

13. A douta sentença recorrida, não cuidou de analisar os factos alegados pela A na PI, no que se refere ao desinteresse do R, no facto de desde a separação conjugal, ter a mesma suportado todos os encargos e pagando as prestações do empréstimo hipotecário, julgando todo o processo com base numa opinião doutrinária, o que salvo melhor opinião constitui um pré-juizo não admissível processualmente.

14. Efectivamente, o enquadramento da questão em causa no art° 1688° do CC, para considerar estarem preenchidos os requisitos legais para considerar a existência de um património comum, cuja dissolução só poderá ser feita através do processo de inventário, é decidir sem ponderar todos os factos, utilizando como fundamento da decisão a existência de comunhão conjugal, que in caso, não existe.

15. Por outro lado, a douta sentença carece de fundamentação, violando assim o disposto no art° 615° do CPC.

16. Salvo melhor opinião, entendemos que a decisão recorrida não interpretou nem aplicou correctamente os preceitos legais em análise, nomeadamente o art° 1403°, 1412° e 1688° do CC, art°s 1°, 2°,/3 e 79° a 81° da lei n° 23/2013 de 5 de Março, art°s 925° a 930° e ainda o art° 615° do CPC .

Conclui, assim pela revogação e substituição da sentença proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, considerando “procedente a acção, prosseguindo os demais trâmites processuais, até final, com Justiça”.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FACTOS PROVADOS

1. No dia 18 de Setembro de 2018 o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu a seguinte decisão:

“BN… intentou a presente ação de divisão de coisa comum contra AG… pedindo que se declare “dissolvida a compropriedade do imóvel entre A. e R., com a consequente divisão e adjudicação das respetivas quotas”.

Alegou que, na constância do casamento entre autora e réu adquiriram a fração autónoma “…”, melhor identificada na p.i., que se divorciaram e o réu abandonou o lar conjugal, ficando a autora sozinha a pagar as prestações bancárias do empréstimo contraído para a sua aquisição.

Cumpre apreciar e decidir:

A ação especial de divisão de coisa comum (artigos 925º a 930º do Código do Processo Civil) visa pôr termo a situações de compropriedade, previstas no artigo 1403º e seguintes do Código Civil.

Distinta da situação de mera compropriedade é a comunhão conjugal, na qual “os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afetação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela. Aderimos assim à doutrina da propriedade coletiva que é a mais divulgada entre nós. (...)Trata-se de um património que pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade. (...) é uma comunhão sem quotas. Os vários titulares do património coletivo são sujeitos de um único direito, e de um direito uno, o qual não comporta divisão, mesmo ideal. Não tem, pois, cada um deles algum direito de que possa dispor ou que lhe seja permitido realizar através da divisão do património comum. Esta particular fisionomia do património coletivo radica no vínculo pessoal que liga entre si os membros da coletividade e que exige que o património coletivo subsista enquanto esse vínculo perdurar.” – Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira in “Curso de Direito da Família”, volume I, 3ª edição, Coimbra Editora, 2003, página 550.

Por conseguinte, a dissolução do património comum do casal só pode advir da cessação das relações patrimoniais do casal, a qual pode resultar de qualquer das formas previstas no artigo 1688° do Código Civil, e pode ocorrer após essa cessação.

A dissolução do património integrado na comunhão conjugal não se efetua por meio de ação de divisão de coisa comum, mas através de processo de inventário, a correr termos em cartório notarial, nos termos do disposto nos artigos 1°, 2°, n.° 3 e 79° a 81° da Lei n.° 23/2013 de 5 de março.

Face ao exposto, é manifesto concluir pela manifesta improcedência da pretensão da autora, o que determina o indeferimento liminar da presente ação – artigo 590°, n.° 1 do Código do Processo Civil.
*
Nos termos expostos, indefiro liminarmente a presente ação.

Custas pela autora, sem prejuízo do apoio judiciário de que benfeicia (art.º 527º, n.º 1 do Código do Processo Civil).

Registe e notifique”.

2. A presente ação deu entrada em Tribunal no dia 13 de Outubro de 2017.

III. FUNDAMENTAÇÃO

O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso - desde que o processo contenha elementos que permitam esse mesmo conhecimento -, e aquelas que importem distinta qualificação jurídica – artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto.

O conteúdo de tais conclusões deve obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas objeto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas apenas aqueles que fazem parte do respetivo enquadramento legal, nos termos do disposto nos artigos 5.º e 608.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil Revisto.

Excluídas do conhecimento deste Tribunal de recurso encontram-se também as questões novas, assim se considerando todas aquelas que não foram objeto de anterior apreciação pelo Tribunal recorrido.

No presente recurso a única questão a ser decidida é a de se saber a quem está atualmente cometida a competência para a tramitação de uma ação de divisão de bens de um ex-casal: se ao Tribunal Cível, como o pretende a Apelante, ou se ao Cartório Notarial, conforme foi o decidido pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância.

Muito embora não se entre junto aos autos a sentença que decretou o divórcio entre a aqui Apelante e o Apelado, com nota do respetivo trânsito [documentos essências para a prossecução da ação], certo é que a questão de que nos vamos ocupar neste recurso pode – e deve -, ser apreciada mesmo na ausência desses elementos físicos no processo, uma vez que se situa na área da determinação da competência para a apreciação e tramitação deste tipo de ações, questão que é prévia àquela apreciação.

Assim, sendo pacífico que a aqui Apelante afirma que está divorciada do demandado AG… e que os bens a partilhar integram o acervo dos bens comuns, parece-nos ser incontornável que a competência para a averiguação/divisão dos bens do extinto casal está acometida aos Cartórios Notariais desde a data da entrada em vigor da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março [o que ocorreu a 02 de Setembro de 2013], que se encontra regulada pelas Portarias 278/2013, de 26 de Agosto e 46/2015, de 23 de Fevereiro.
 
Apenas nos casos previstos na lei, em que os senhores Notários remetam os interessados para os meios comuns, é que os Tribunais estaduais voltam a ter competência para apreciar estas questões de partilha situação que, obviamente, nada tem que ver com a situação em que nos encontramos – artigo 66.º da mencionada Lei n.º 23/2013 e artigo 122.º, n.º 2, da LOSJ (Lei da organização do Sistema Judiciário), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro.
               
Por fim sempre se dirá que, a ação a ser apresentada quando se pretende pôr termo à indivisão do património comum, após o divórcio, não é a ação especial de divisão de coisa comum – utilizada pela Apelante -, mas sim, a ação de inventário, aquela que é a processualmente adequada para proceder à pretendida separação de bens – artigo 1688.º, n.º 1, do Código Civil e artigos 1.º, 2,º e 79.º a 81.º da citada Lei n.º 23/2013.

Assim sendo, também a apresentação a 13 de Outubro de 2017, pela Apelante, e após a decisão que decretou o seu divórcio com o aqui Requerido, de uma petição inicial no Tribunal Cível, para pôr termo a uma situação de indivisão de bens comuns, utilizando para esse efeito uma ação especial de divisão de coisa comum, não era o meio processualmente idóneo para o efeito pretendido.

Sem necessidade de mais e maiores fundamentações, cumpre confirmar a decisão proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância que, usando dos poderes conferidos pelo artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto, indeferiu liminarmente a petição inicial apresentada pela aqui Apelante, por manifestamente improcedente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância.

Custas pela Apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2019
                                                                                              Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
Maria da Conceição Saavedra