Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20213/16.2T8LSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO CONDICIONAL
CRÉDITO LITIGIOSO
CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Um crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição, conquanto um crédito litigioso é aquele que não pode ser exigido, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.
2.A menção “decisão judicial” introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20.04, ao nº 1 do artigo 50º do CIRE, nenhuma alteração essencial aditou ao preceito, apenas se pretendeu esclarecer que a fonte da condição também poderia derivar de decisão judicial e não apenas da lei ou do negócio jurídico.

3.A nova redacção dada ao artigo 50º, nº 1 do CIRE, pela Lei nº 16/2012, de 20.04, não fez perder qualquer sentido ao Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2014, de 08.05.2013, mantendo o mesmo inteira aplicabilidade.

4.Transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação no âmbito do respectivo processo de insolvência, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, pois estes sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência, já que aquela declaração obsta à instauração de qualquer acção executiva contra a massa insolvente.

5.O denominado papel comercial, cujo regime jurídico está regulado no Decreto-Lei nº 69/2004, de 25.3, é um valor mobiliário de natureza monetária, e que quando a
sua aquisição é levada a cabo por uma entidade bancária permite a qualificação dessa sua actividade como de intermediação financeira.

6.Os intermediários financeiros, como o são as instituições de crédito, estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, devendo orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

7.Um banco de transição, deve ser considerado, como sucessor nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária, no caso de os mesmos não terem sido excluídos da transferência desta para aquele, por Deliberação do Banco de Portugal, entidade competente para determinar essa medida de resolução.

8.Não sendo o direito de propriedade um direito absoluto, podem ocorrer restrições a esse direito desde que sejam respeitados os princípios de adequação, necessidade e proporcionalidade.

9.A medida de resolução constituiu o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos, sendo a transferência de activos e passivos feita pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, condição necessária para obter tal desiderato.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA



I.-RELATÓRIO:


JOSÉ ......, residente na ….. intentou, em 03.08.2016, acção declarativa de condenação com processo comum contra:
1º Banco Espírito Santo, S.A., com sede na Rua Barata Salgueiro, 28, 6.º piso, em Lisboa,
2º Novo Banco, S.A., com sede na Avenida da Liberdade, 195, em
Lisboa, através da qual pedem a condenação solidária dos réus a indemnizarem o autor:
a)-dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença;
b)-dos danos morais, que se computam simbolicamente em 5.000,00 €.

Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:
1.O autor detém papel comercial emitido pela “Rio Forte Inv, S.A.”;
2.O autor aplicou € 100.000,00 nesse papel comercial, em 16.01.2014, no Balcão de Centro BES 360º - Saldanha, na convicção de estar a adquirir um produto com garantia de capital e taxa de juro fixa, com as mesmas características de um depósito a prazo, como lhe havia sido garantido pela gestora de conta, não tendo sido fornecido ao autor a ficha técnica nem foi informado sobre os riscos inerentes ao papel comercial;
3.O capital ficou por restituir, bem como juros remuneratórios por pagar;
4.O autor não é um investidor qualificado, tem um perfil conservador e as suas aplicações eram em depósitos, como o BES sabia perfeitamente.
5.Nos termos da deliberação do Banco de Portugal e do regime jurídico da cisão o R. “Novo Banco” é também ele responsável pelo pagamento.
6.A transferência de activos para o Novo Banco, sem a transferência de responsabilidades constituiria uma violação do art. 62.º, n.º 1 da CRP, sendo certo que a Directiva 2014/59/EU, e os art. 63.º, n.º 1, als. c) ou d), e no art. 145º-G, n.º 1 do RGIF
apenas conferem ao BdP poderes para transferir para o Banco de transição determinadas acções ou instrumentos, mas não poderes para determinar quais as responsabilidades do Banco de transição.
Fundou, assim, o autor a acção em responsabilidade do BES, por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e de intermediação financeira, tendo-se transferido esta responsabilidade para o Novo
Banco, por força da medida de resolução aplicada ao BES e criação do banco de transição.

Citados, os réus apresentaram contestação.


O 1º réu, BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (“BES”), contestou, em 23.08.2016, por excepção, invocando a deliberação do BCE que revogou a autorização  para o exercício do BES, com efeitos a partir das 19,00 do dia 13 de Julho de 2016 e que, a declaração de insolvência associada ao prosseguimento do processo de Liquidação Judicial implica a inutilidade da lide, no que toca ao BES.
Mais invocou que, mesmo que se entenda não haver fundamento para a imediata extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, da decisão de revogação da autorização para o exercício da actividade emanada do BCE, deverá ser declarada a suspensão da instância até que se torne definitiva tal decisão.

Impugnou ainda o 1º réu, grande parte dos factos alegados pelo autor e terminou pedindo que seja:
(i)Declarada a extinção da instância, nos termos e para os efetios do artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, absolvendo-se, consequentemente, o Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, da instância;
(ii)Ordenada a suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 272º, nº 1 do Código de Processo Civil, até que se torne definitiva a decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da atividade do BES, sendo, logo que se verifique tal definitividade, declarada extinta a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, absolvendo-se o Réu Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, da instância.
(iii)Julgar improcedente, por não provada, a presente ação absolvendo-se o Réu BES dos pedidos contra si formulados.

O 2º réu, NOVO BANCO, S.A. contestou, em 12.102016, por excepção, invocando a respectiva ilegitimidade passiva, e por impugnação. 

Alegou, para tanto, e em síntese, que:
1.Por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, foi aplicada uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”)
2.A lei atribui ao Banco de Portugal uma competência discricionária, no respeito dos pressupostos de aplicação de cada uma delas, bem como dos princípios gerais da adequação e da proporcionalidade (artigo 139.º/24 do RGICSF).
3.Através da deliberação de 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal determinou:
O Ponto Um: constituir o NOVO BANCO, e aprovar os respectivos Estatutos (Anexo 1 da deliberação);
O Ponto Dois: transferir para o NOVO BANCO, determinados activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (Anexos 2 e 2A da deliberação);
O Ponto Três: designar uma entidade independente para avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, transferidos para o NOVO BANCO;
O Ponto Quatro: designar os membros dos órgãos sociais do Banco Espírito Santo, S.A.
4.Foi o que o Banco de Portugal fez no caso do BES: aplicou uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A.: a transferência parcial da actividade e constituiu uma instituição de transição (NOVO BANCO, S.A.),
5.No Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal integrou na categoria de «Passivos Excluídos»  responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que se mantiveram na sua esfera jurídica, não tendo sido transferidos para o NOVO BANCO “quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais” (alínea b), subalínea (v)).
6.Por deliberação de 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal decidiu clarificar e ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES trsnsferidos para o Novo Banco.
7.Se dúvidas pudessem existir sobre se em rigor o BES teria algum tipo de responsabilidades perante os subscritores de papel comercial de entidades do Grupo Espírito Santo, é indubitável que tais responsabilidades sempre estariam excluídas do universo de activos e passivos transferidos para o Novo Banco.
8.Face à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 e considerando as respectivas aclarações, de acordo com a nova redacção da subalínea (vii), é indiscutível que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e no uso das suas competências legais, não transferiu para o NOVO BANCO a responsabilidade ou as contingências perante os subscritores de papel comercial de entidades do Grupo Espírito Santo.
9.Tal significa que, em termos processuais, a legitimidade passiva nos presentes autos pertence exclusivamente ao BES.
10.A resolução bancária tem cobertura constitucional, porquanto, através, designadamente,  da   constituição   de   uma   instituição   de   transição, permite, em especial, preservar a estabilidade do sistema financeiro no seu todo, salvaguardar as funções bancárias desempenhadas pela instituição  de  crédito em  crise   e   proteger os  depositantes, como, outrossim, com a resolução da instituição de crédito, tutela os contribuintes e ressalva o erário público.
11.A verdade é que a resolução não agravou a posição jurídica que o Autor teria se o BES tivesse entrado em liquidação.
12.Face ao exposto, impõe-se concluir que o NOVO BANCO é parte ilegítima nos presentes autos, na medida em que a responsabilidade perante o Autor, a existir, não foi transferida para o NOVO BANCO, tendo permanecido na esfera jurídica do BES.
Impugnou ainda, o 2º réu, os factos alegados pelo autor e terminou, pedindo que seja julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva do réu, absolvendo-se o mesmo do pedido ou, pelo menos, da instância. Subsidiariamente, ser a acção julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências.

Por despacho de 03.11.2016, o autor foi convidado a responder às excepções invocadas, convite, o que este acatou, em 22.11.2016, tendo concluído nos seguintes termos:
§ O Autor reclamou o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação (doc. 8).
§ Reclamação essa que é do conhecimento do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, tanto mais que os seus actuais Administradores integram a Comissão Liquidatária.
§ Pelo que a presente acção declarativa não perdeu o seu interesse e fundamento para reconhecimento definitivo do crédito do A.
§ O qual, se não for reconhecido definitivamente no processo de insolvência, deverá ser graduado como crédito sob condição suspensiva.
§ Prosseguindo a presente acção a sua tramitação normal.
§ Não ocorrendo qualquer violação do princípio da igualdade de credores.
§ De qualquer forma, à cautela, sem admitir, sempre se diga que, caso o tribunal decretasse a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, essa extinção só operaria relativamente ao BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, mantendo-se a instância contra o outro R., Novo Banco, S.A., à semelhança, aliás, do que ocorre nas acções executivas, nos termos do art.º 88.º, n.º 1 in fine e 2.
§ Assim, caso a responsabilidade do BES fosse apreciada no processo de insolvência do BES, fora desta acção declarativa, haveria sempre o risco de contradição de julgados.
§ O que não acontece se o crédito do A. for reclamado e acautelado no processo de insolvência do BES, como crédito sujeito a condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da presente acção.

Termina o autor, requerendo que as excepções dos R.R. sejam julgadas improcedentes, com as legais consequências, concluindo-se como na p.i.

Foi dispensada a audiência prévia.

Em 27.02.3017, foi fixado o valor da causa, proferido despacho saneador e, invocando o Tribunal que havia fundamento para conhecer do pedido, proferiu Decisão.
Relativamente à imputação de responsabilidade ao réu Novo Banco, consta do seu Dispositivo, o seguinte:
Em face do exposto, julga-se verificada excepção peremptória inominada, em consequência do que, nos termos do disposto no art.º 576.º/1/3 do C.P.C., se absolve o R. “Novo Banco, S.A.” do pedido
Relativamente à prossecução da acção, quanto ao réu Banco Espírito Santo, S.A., consta do Dispositivo da Decisão, o seguinte:
Em conformidade, decreta-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide no que concerne ao R. “BES”.
Custas pelo A. (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
Notifique e registe.

Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs, em 03.04.2017, recurso de apelação, relativamente à aludida decisão.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:

DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANDO AO BES, S.A., EM LIQUIDAÇÃO
i.-Se no processo de insolvência se vai liquidar o património do insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena nada poderem vir a receber depois de executado o património.
ii.-Mas, isto apenas significa que os credores têm de ser contemplados e graduados num processo de insolvência, mesmo que já tenham o seu crédito reconhecido por sentença com trânsito em julgado.
iii.-Isto não significa que os créditos não possam – ou não tenham – que ser reconhecidos em processo autónomo, nomeadamente quando não se trata de créditos comuns, em particular com origem em responsabilidade civil.
iv.-A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
v.-A extinção da acção declarativa, com a deslocação do processo para o tribunal de comércio, importaria a perda de toda a tramitação processual já decorrida, com prejuízo para as partes e para a celeridade do processo.
vi.-Consciente desta situação, o legislador do CIRE, no Capítulo II do Título IV (Efeitos Processuais), não determina a suspensão das acções declarativas.
vii.-Nas acções declarativas a regra não é a extinção, nem apensação ao processo de insolvência e esta não é automática, dependendo de requerimento do administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo. (art.º 85.º, n.º 1 in fine) ou de requisição do juiz e só nos processos “nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”. (art.º 85.º, n.º 2).
viii.-Mas não se pode depreender que este regime excepcional seja extensivo a todas as acções declarativas. Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).
ix.-O que o legislador pretendeu com o regime da reclamação de créditos foi evitar entropias no processo de insolvência, mas, uma vez feita a reclamação de créditos no processo de insolvência, este não interfere com as acções declarativas a correr, em que o credor seja parte, ou, mesmo, noutras, que este veja interesse em intentar, para reconhecimento do seu crédito.
x.-É certo que o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o sue crédito (artº. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo universal.
xi.-Mas, como é evidente, tendo a decisão transitado em julgado, esse crédito não pode ser objecto de impugnação no processo de insolvência e tem de ser obrigatoriamente reconhecido, sob pena de inconstitucionalidade por violação do disposto no artº 205º/2 e 3 da Constituição.
xii.-Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
xiii.-Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.º 85.º, n.º 1 in fine e n.º 2).
xiv.-O art.º 181º n. 1 do CIRE dispõe que:
“Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição”.
xv.-Só com a Lei nº 16/2012 de 20 de Abril, é que o n.º 1 do citado art.º 50.º passou a ter a actual redacção, a partir de 20 de Maio de 2012:
“Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.”.
xvi.-Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara sobre o assunto, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o citado Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
xvii.-O art. 50º ao acrescentar o novo tertium genus da decisão judicial, certamente não queria referir-se às outras condições suspensivas, que já resultavam da redacção anterior.
xviii.-Se o facto de que depende a condição suspensiva fosse o objecto do litígio, já estava abrangido na anterior redacção do preceito e não faria qualquer sentido acrescentar a decisão judicial.
xix.-Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º ficou claro que as acções declarativas contra o devedor insolvente são fundamento da graduação do respectivo crédito sob condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da sentença, só ficando impossibilitadas de alcançar o seu efeito útil normal se o crédito subjacente não for reclamado no processo de insolvência, nos termos do CIRE.
xx.-Assim, no actual quadro legislativo, só na falta dessa reclamação, se  entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.
xxi.-O A. reclamou o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. – em Liquidação, conforme documento junto aos autos.
xxii.-Pelo que a presente acção declarativa não perdeu o seu interesse e fundamento para reconhecimento definitivo do crédito do A.
xxiii.-O qual deverá ser acautelado, no processo de insolvência do BES, como crédito sob condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da presente acção, prosseguindo a presente acção a sua tramitação normal, não se desperdiçando toda a actividade processual já decorrida.
xxiv.-De qualquer forma, à cautela, sem admitir, sempre se diga que, caso o tribunal decretasse a extinção da instância por inutilidade superveniente  da lide, essa extinção só operaria relativamente ao BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, mantendo-se  a instância  contra  o outro R., Novo Banco, S.A., à semelhança, aliás, do que ocorre nas acções executivas, nos termos do art.º 88.º, n.º 1 in fine e 2.
xxv.-Acresce que a deslocação para o processo de insolvência do apuramento da responsabilidade do BES – devedor solidário – poderia levar a decisões contraditórias relativamente aos mesmos factos.
xxvi.-A acção declarativa não viola o princípio da igualdade dos credores, mas, apenas, trata diferentemente o que é diferente, conforme decorre do próprio CIRE.
xxvii.-A douta sentença recorrida violou os art.º 50º nº 1 do CIRE e 277º al. e) do CPC.
xxviii.-A douta sentença recorrida, ao condenar o A. em custas, violou, ainda, o art.º 536º do CPC
DA ABSOLVIÇÃO DO R. NOVO BANCO, S.A.
xxix.-O BES não foi apenas intermediário na comercialização do papel comercial da Rio Forte, mas assumiu uma garantia efectiva do seu pagamento.
xxx.-A garantia de pagamento prestada pelo BES resulta directamente das responsabilidades assumidas pelo BES na venda do papel comercial aos seus balcões e não de qualquer garantia prestada à ESI ou Rio Forte, não estando, por conseguinte, abrangida pelos “passivos excluídos” em qualquer das deliberações do BdP.
xxxi.-Embora os poderes do BdP possam ser discricionários, não são arbitrários, pois, estão sujeitos aos princípios da adequação e proporcionalidade (art.º 139.º, n.º 2 do RGIF), bem como às regras enunciadas no art.º 145.º-H do RGIF e, naturalmente, aos princípios e direitos fundamentais garantidos pela Constituição.
xxxii.-A deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, com a clarificação/correcção da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, excluindo as responsabilidades para com o A., violou direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, como o direito de propriedade.
xxxiii.-O BES, não obstante conhecer o perfil e vontade do A., em vez de aplicar as poupanças em depósitos a prazo, convenceu o A. a subscrever papel comercial, dizendo que se tratava de um produto equivalente, com as mesmas garantias e segurança dos depósitos a prazo.
xxxiv.-Quando o A. adquiriu o papel comercial, fê-lo porque o BES deu-lhe garantia de capital e juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo, pese embora tenham investido em papel comercial de empresas não financeiras do GES, garantias essas que acabaram reforçadas pelo próprio BdP, com a constituição da provisão e da escrow account.
xxxv.-Não se tratou, portanto, de uma mera operação de intermediação na venda de papel comercial de terceiros, mas de uma garantia efectiva de pagamento por parte do BES, o que levou o Banco de Portugal a obrigar o BES a constituir uma provisão especial para essa garantia e, mesmo, a constituir uma escrow account dedicada exclusivamente a esta finalidade, o que pressupõe a responsabilidade do BES pelo pagamento do papel comercial da ESI e Rio Forte vendido aos seu balcões.
xxxvi.-O BES não informou o A. sobre os riscos inerentes ao papel comercial, violando assim o disposto no art.17º n.º 2 do Dec. Lei nº 69/2004, nem alertou a A. para o conflito de interesses, considerando que a entidade emitente pertencia ao Grupo GES.
xxxvii.-O BES sabia perfeitamente que o investimento do A. no papel comercial da Rio Forte era de risco muito elevado e, apesar disso, o BES não só vendeu papel comercial desta entidade nos seus balcões, como não alertou o A. para o risco do investimento.
xxxviii.-O BES violou o direito de informação, prestando falsas informações, para além de saber que estava a violar as instruções do A., que pretendia depósitos a prazo ou equivalente, sempre com garantia de capital e juros, com a agravante de aquelas aplicações terem beneficiado empresas do GES, em conflito de interesses.
xxxix.-O BES é responsável, seja por responsabilidade pelos conselhos, por violação do dever de informação a cargo das instituições de crédito e dos intermediários financeiros, seja pela garantia, seja por assunção da dívida, seja por fiança.
xl.-Tendo em atenção o contexto das declarações negociais, o BES assumiu perante o A. o compromisso firme e efectivo de garantia de reembolso da importância aplicada, com juros, no período convencionado.
xli.-O BdP, ao exigir a constituição da provisão e da escrow account para o efeito, implicitamente reconheceu que existia essa garantia efectiva de pagamento por parte do BES, que intermediou a venda do papel comercial.
xlii.-O BdP declarou no Relatório da CPI (pág. 174)
“Foi remetido à CPI um conjunto de respostas dadas pelo Banco de Portugal, quando contactado por clientes detentores de papel comercial da ESI e RIO FORTE, de que se transcrevem alguns excertos representativos:
«A provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes de retalho do BES de papel comercial do GES foi transferida para o Novo Banco. Compete ao Novo Banco decidir sobre o reembolso do papel comercial do GES.»
«(…) a provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes do BES do papel comercial do GES foi transferida para o Novo Banco.»”.
xliii.-Por conseguinte, o BES é responsável, como garante, como resulta do atrás exposto e a responsabilidade transmitiu-se para o Novo Banco, por efeito da operação de resolução, como à frente se demonstrará.
xliv.-Quer o BES, quer o Novo Banco, na Presidência de Vitor Bento, efectuaram pagamentos a titulares de papel comercial da ESI e da RIO FORTE, o que implica o reconhecimento por parte do Novo Banco da sua responsabilidade para com os Clientes que adquiriram o papel comercial aos balcões dos BES.
xlv.-Nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art.º 118.º, n.º 1 al. a)/CSC e por força do art.º 122.º, n.º 2/CSC:
“As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.”
xlvi.-A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constitui uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 62.º, n.º 1 da Constituição, conforme a seguir se demonstrará.
xlvii.-Com a força jurídica que lhe é conferida pelo art.º 18.º da Constituição:
“1 - Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
xlviii.-Conforme resulta imperativamente do art.º 18.º, n.º3 in fine da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.
xlix.-A deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, com a clarificação da Deliberação de 29 de Dezembro de 2015, no entendimento que transfere os activos do BES para o NB e deixa no BES-mau as responsabilidades, nomeadamente para com o A., constitui um verdadeiro confisco.

l.-É certo que a deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos art.ºs 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H do RGIF, mas, estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, ao excluírem a responsabilidade do Novo Banco para com a A, constituem uma manifesta violação do art.º 62.º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida.
li.-E, constituem, ainda, uma clara violação da garantia do direito de propriedade consignada no art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais.
lii.-Pelas mesmas razões, é inconstitucional o art.º 145.º-Q, n.º 4º al. c) do RGIF, na actual redacção, com a interpretação (ameaça) dada pela deliberação de 29 de Dezembro de 2015, que permite a retransmissão de passivos para o Banco objecto da medida de resolução.
liii.-Nem se diga que os interesses dos credores se encontram assegurados, atendendo ao disposto no art.º 145-D, nº 1 al. c)18 18 Anterior art.º 145.º-B, n.º 1 al. c). do RGIF do RGIF, segundo o qual “Nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
liv.-O BES não se encontrava em situação de insolvência na altura da resolução. Apenas não apresentava os ratios impostos pelo BdP, após as correcções de imparidades resultantes de alguns relatórios de auditorias.
lv.-A avaliação do património do BES, segundo um critério de liquidação, afecta substancialmente os direitos dos credores, nomeadamente do A.
lvi.-Por outro lado, atribuir ao Fundo de Resolução a responsabilidade pela indemnização dos credores (artigo 145.º-H n.º16 do RGIF19) Anterior art.º 145.º-B, n.º 3 do RGIF, afecta gravemente as garantias dos credores, porquanto, como é sabido o único activo de Fundo de Resolução são as acções do Novo Banco e o Fundo tem uma dívida para com o Estado de cerca de 4.000 M€.
lvii.-A interpretação dada às citadas disposições do RGIF pela deliberação do BdP de 29 de Dezembro de 2015 viola claramente o art.º 101.º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, do A., e as garantias dadas por aquele preceito da Constituição.
lviii.-Conforme prescreve o artº 204.º da Constituição:
“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.”
lix.-Incumbindo aos tribunais, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. (art.º 202, n.º 2 da Constituição).
lx.-Não se verifica, portanto, qualquer excepção peremptória inominada, que dê lugar à absolvição do pedido, tendo o tribunal feito uma errada interpretação do art.º 576º nºs 1 e 3 do CPC.
lxi.-Dos autos constam todos os elementos documentais probatórios para  uma decisão de mérito condenatória.
lxii.-O A. é titular do papel comercial a seguir identificado, adquirido nos balcões do Banco Espírito Santo (BES), ora 1º R., nos termos e condições a seguir indicados (doc. 2 da p.i.):
- Papel comercial Rio Forte, Inv. Sa (PTR34AJM1105) …..100.000,00 €
lxiii.-O referido papel comercial foi vendido aos balcões do BES, ora 1º R., em 20/10/2014.
lxiv.-O referido papel comercial deveria ser reembolsado em 20/10/2014 e  tinha uma taxa de juro nominal de 4,15% (doc. 2 da p.i.).
lxv.-O A. não foi reembolsado da aplicação efectuada.
lxvi.-O BES assumiu a garantia de reembolso do capital e juros, como resulta necessariamente da provisão constituída por ordem do BdP e da escrow account dedicada a esse reembolso, como se deixou demonstrado na p.i..
lxvii.-O BES efectuou reembolsos desse papel comercial vendido nos seus balcões e o Novo Banco prometeu efecutar e efectuou reembolsos a vários clientes.
lxviii.-Tratando-se de uma garantia efectiva de reembolso, garantida pelo BES, a responsabilidade do BES para com o A. transferiu-se para o Novo Banco, por força da operação de resolução.
lxix.-Essa transferência de responsabilidade não está abrangida pelos  Passivos excluídos” em qualquer das deliberações do BdP.
lxx.-Essa responsabilidade é solidária por força do art. 122º do CSC e 100º do Cód. Comercial.
lxxi.-Qualquer interpretação dos art.ºs 145.º-G e 145.º-H, do RGIF, com a redacção vigente na data da resolução, que permita ao Banco de Portugal excluir a responsabilidade do Novo Banco para com o A., é inconstitucional, por violação do direito de propriedade do A., garantido pelo art.º 62.º da Constituição, conforme ficou atrás demonstrado.
lxxii.-A douta sentença recorrida violou, ainda, o artº 576º nºs 1 e 3 do CPC.

Pede, por isso, o apelante, que seja dado provimento ao recurso,revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que:
a)Não extinga a instância, quanto ao R. BES - em liquidação por inutilidade superveniente da lide;
b)não absolva do pedido o R. Novo Banco;
c)Condene os RR., solidariamente, a reembolsar o A. do investimento realizado, no montante total de 100.000,00 €, acrescido dos juros remuneratórios, à taxa convencionada de 4,15%, até à maturidade em 20/10/2014 e dos juros moratórios, à taxa legal, até ao efectivo pagamento; ou, quando assim se não entenda,      
d)Mande prosseguir a acção contra ambos os RR.

O 2 réu, BANCO ESPIRITO SANTO, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO (BES)  apresentou, em 11.04.2017, contra-alegações, e formulou as seguintes CONCLUSÕES:

i.-O processo de liquidação do BES resultou da decisão do BCE que revogou a autorização para o exercício da atividade desta instituição de crédito que, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 14 de agosto, produz os efeitos da declaração de insolvência, sendo que, a requerimento do Banco de Portugal, foi proferido, no processo de liquidação judicial do BES, o despacho de prosseguimento previsto no artigo 9.º, n.º 1 do referido Decreto-Lei, cuja cópia foi, a seu tempo, junta aos autos.
ii.-Nos termos dos artigos 8.º, n.º 1 e seguintes do supra mencionado D.L. 199/2006, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas do CIRE, decorrendo do artigo 90.º deste diploma legal que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos de conformidade com os preceitos deste diploma legal, vigorando assim um princípio de concentração nesse processo de todas as questões relevantes.
iii.-O n.º 1 do artigo 128.º do CIRE, por seu turno, dispõe que “dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória de insolvência, devem os credores da insolvência (…)reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham (…)”, sendo que, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, “a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvente, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”.
iv.-A declaração de liquidação do BES, consubstanciada na deliberação do BCE que revogou a respetiva autorização para o exercício de atividade, acarreta assim a falta de interesse em agir dos Autores, ora Recorrentes, contra o BES, o que, por conseguinte, implica, em síntese, a inutilidade superveniente da presente lide no que ao BES respeita.
v.-O Supremo Tribunal de Justiça veio a aderir a esta posição, por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, publicado no DR 1ª série, n.º 39, de 25 de Fevereiro de 2014, estabelecendo que: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (…)”, sendo que da decisão de revogação da autorização para o exercício da atividade emanada do BCE caberia recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia, a interpor nos termos do disposto no artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no prazo de dois meses, a que acresce uma dilação de 10 dias, em função da distância, nos termos do regulamento de processo do Tribunal Geral.
vi.-Acolhendo entendimento idêntico, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão proferido em 07.03.2017, no âmbito do Proc. n.º 11804/16.2T8LSB-A.L1, referiu seguinte:
“Dispondo o CIRE a obrigatoriedade de os credores deduzirem reclamação no processo de insolvência, sob pena de nele não obterem pagamento, ainda que o mesmo esteja reconhecido por decisão definitiva (n.º 3 do art.º 128º), carece de qualquer utilidade o reconhecimento do crédito dos recorrentes sobre o BES nos presentes autos.
Mesmo que o crédito dos recorrentes já estivesse reconhecido por sentença transitada, o mesmo só poderia obter pagamento se o reclamarem (e os virem reconhecidos na liquidação), pelo que carece de fundamento a prossecução da lide para o reconhecimento de crédito que os AA. se arrogam contra o BES.
A sentença, acto pelo qual o Juiz decide a causa, encontra efeito útil na composição definitiva do litígio.
No caso, esta composição definitiva do litígio que conheça do crédito que os AA. Peticionam contra o BES não é alcançada por via da presente acção, face à situação de liquidação do BES, por ser inoponível nos autos de liquidação a sentença que venha a ser proferida nos presentes autos.
(…)
O que falta não é a verificação do pressuposto processual do interesse em agir. O que falta é o efeito útil da decisão que vier a conhecer do crédito dos AA..
A decisão que viesse a ser proferida nestes autos seria incapaz de resolver definitivamente a questão cuja tutela os AA. peticionam.
Assim, a lide tornou-se inútil por ter ocorrido uma situação posterior à sua instauração – a liquidação do BES – que ocasionou a desnecessidade de sobre a questão trazida pela acção recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil (277.º al. e) do C.P.C.).” (realce e sublinhado nossos).
vii.-Por ofício emitido pela Secretaria do Tribunal Geral a 28 de setembro de 2016, já junto aos autos, confirmou-se que até essa data não foi interposto nenhum recurso perante o Tribunal Geral contra a decisão do BCE, que determinou a revogação da autorização do BES e no caso concreto, o prazo, assim contado, terminou antes de 28 de setembro.
viii.-Aquele Acórdão não perdeu a sua validade ou atualidade com a entrada em vigor da nova redação do artigo 50.º, n.º 1 do CIRE, introduzida pela Lei 16/2012, de 20 de abril, na medida em que esta alteração apenas visou aperfeiçoar o referido preceito, tendo deixado incólume os pressupostos jurídicos em que assentou Acórdão Uniformizador.
ix.-Os Recorrentes reconhecem nas suas alegações a necessidade de reclamar créditos no processo de insolvência para que os mesmos sejam contemplados neste processo, admitindo ainda que não se exige uma sentença transitada em julgado para que os mesmos sejam reconhecidos.
x.-Contudo, em clara contradição, consideram que, pese embora o CIRE disponibilize um processo para reconhecimento e impugnação de créditos reconhecidos, isto não significa que os créditos não possam ou não tenham  que ser reconhecidos em processo autónomo, nomeadamente quando não se tratam de créditos comuns, em particular com origem na responsabilidade civil.
xi.-Como se disse acima, não é de admitir o prosseguimento da presente ação para o reconhecimento do crédito peticionado pelos Recorrentes e, não se admitindo esta possibilidade, cai, consequentemente, o argumento dos Recorrentes de que poderia verificar-se a exigência de reconhecimento do seu crédito em processo autónomo, mesmo nos casos em que os créditos não sejam comuns e de origem na responsabilidade civil pois esta não constitui um direito potestativo de exercício necessariamente judicial e a sentença condenatória do BES que viesse a ser proferida na presente ação seria meramente declarativa de direitos, e não constitutiva dos mesmos.
xii.-Os Recorrentes consideram ainda que a natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a ponderação necessária de “direitos litigiosos complexos ou especializados”, pelo que, o processo de insolvência se transforma num emaranhar de processos, que colidiriam necessariamente com a natureza urgente do processo de insolvência (artigos 8.º e 9.º do CIRE) e prejudicaria a satisfação dos credores, que é a finalidade do processo, ou, seriam atropelados e prejudicados os direitos dos credores – ou a própria defesa do devedor insolvente – com prejuízo para a justiça e violação do princípio constitucional de um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º da CRP, sendo por esta razão que o CIRE não determina a extinção das ações declarativas no Capítulo II do Título IV.
xiii.-A estas considerações dos Recorrentes sobrepõem-se, desde logo, os princípios da concentração e par conditio creditorium que caracterizam este processo, bem como a sua finalidade enquanto execução de vocação universal, uma vez que, os “direitos litigiosos complexos ou especializados” aos quais os Recorrentes fazem referência teriam sempre que ser ponderados no processo de liquidação do BES.
xiv.-Assim, o eventual prejuízo para a celeridade do processo de liquidação decorre da própria aplicação dos princípios que o caracterizam, designadamente o da concentração, resultando da opção do legislador de atrair todas as questões jurídica e patrimonialmente relevantes para o processo de liquidação, pelo que a questão colocada pelos Recorrentes é de política legislativa e não cabe colocar nos presentes autos.
xv.-Por outro lado, nem se diga que os direitos dos credores, bem como o direito constitucional a um processo justo e equitativo são postos em causa nesta solução pois prevê-se no artigo 130º do CIRE a possibilidade de impugnação judicial da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos com oportunidade de discutir o reconhecimento ou não reconhecimento do crédito reclamado, garantindo-se assim o direito dos Recorrentes a um processo justo e equitativo, nos termos do artigo 20.º da CRP.
xvi.-Os Recorrentes alegam também que o legislador não determinou no CIRE a extinção das ações declarativas devido às consequências nefastas para a celeridade do processo de insolvência, para os direitos dos credores e para a própria justiça que daquela decorreriam.
xvii.-É certo que o CIRE não possui qualquer disposição que determine expressamente a extinção das ações declarativas pendentes à data da declaração de insolvência, por inutilidade superveniente da lide mas, para além da pobreza do argumento “a contrario”, valem todas as razões aduzidas para a solução adotada.
xviii.-Por outro lado, pese embora os Recorrentes reconheçam a necessidade de reclamação de créditos no processo de insolvência, alegam que o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não poderá ser objeto de impugnação no processo de liquidação (insolvência), devendo ser obrigatoriamente reconhecido, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 205.º, n.ºs 2 e 3 da CRP.
xix.-Ora, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, tal sentença apenas produziria efeitos inter partes, nos termos do artigo 619.º do CPC, “mais não constituindo do que um documento para instruir o requerimento de reclamação/verificação de créditos (artigo 128.º), não dispensando a recorrente de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, nem a isentando da probabilidade de o ver impugnado e de ter aí de fazer a prova  à sua existência e conteúdo” [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 1/2014, sob pena de violação da igualdade entre credores.
xx.-Os Recorrentes consideram ainda, com base na nova redação do artigo 50.º, n.º 1 do CIRE, que não deverá ter lugar a extinção da instância desde que os credores reclamem o respetivo crédito no processo de insolvência, uma vez que este deverá ser tratado neste processo como crédito sujeito a condição suspensiva.
xxi.-Na verdade, não decorre do espírito nem sequer da letra do artigo 50.º do CIRE que o crédito dos Recorrentes se trate de um crédito sob condição suspensiva.
xxii.-Com a alteração legislativa operada pela Lei n.º 16/2001, de 20 de abril apenas se clarificou que a decisão judicial é também uma possível fonte de imposição de uma condição suspensiva ou resolutiva, ao lado da lei e do negócio jurídico e não que esta constitui o acontecimento futuro e incerto, do qual depende a constituição do crédito dos Recorrentes.
xxiii.-A este respeito, refira-se mais uma vez o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 07.03.2017, no âmbito do Proc. n.º 11804/16.2T8LSB-A.L1:
“(…)
À luz do que referimos, tem que concluir-se que a interpretação a ser dada ao artigo 50.º do CIRE em nada sufraga a pretensão dos recorrentes.
De facto, do que trata aquele preceito é de equiparar os créditos cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro ou incerto, por força da lei ou de negócio jurídico, aos que estejam sujeitos a condição por força de decisão judicial, o que é questão diversa dos créditos sujeitos à prolação de decisão judicial.”
xxiv.-Ora, no caso em apreço, em momento algum estamos perante a verificação ou não de uma condição, mas sim sobre a pendência de um litígio que afinal determinará a existência ou não de um crédito e nunca de uma condição.
xxv.-Com efeito, a constituição do eventual crédito dos Recorrentes assentaria em factos passados, anteriores à declaração de insolvência do BES, nomeadamente no facto ilícito, culposo e danoso por este alegadamente cometido e a sentença que na presente ação declarativa reconhecesse o crédito peticionado, limitar-se-ia assim a verificar se o crédito se constituiu ou não efetivamente e, em caso afirmativo, a declarar o direito indemnizatório dos Recorrentes, produzindo efeitos meramente declarativos.
xxvi.-Os Recorrentes referem ainda, em defesa do prosseguimento da presente ação, que o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014 perdeu atualidade e validade, na medida em que respeita a uma situação decidida ao abrigo de um quadro legislativo diferente, considerando, a este propósito, que resulta da alteração da redação ao artigo 50.º, n.º 1 do CIRE que o legislador passou a considerar expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão.
xxvii.-Ora, o referido artigo limita-se a delimitar o conceito de crédito sob condição, para efeitos do CIRE e a alteração ao preceito pela revisão da Lei 16/2012 apenas visou aperfeiçoá-lo.
xxviii.-Os Recorrentes dizem também que o prosseguimento da presente ação declarativa não viola o princípio da igualdade dos credores relativamente  que apenas reclamaram créditos no processo de liquidação judicial do BES, defendendo que, no presente caso, só é possível obter o reconhecimento da existência do seu crédito através desta ação declarativa.
xxix.-Há aqui, desde logo, um equívoco de base na medida em que OS Recorrentes baseiam a não violação do princípio da igualdade dos credores no facto de o reconhecimento do seu crédito apenas poder ser obtido na presente ação quando, na verdade, por força do princípio da concentração, o seu crédito terá necessariamente que ser reclamado e reconhecido no processo de liquidação do BES, se nele quiserem obter pagamento.
xxx.-Não se tratando, como supra exposto, de um crédito sob condição suspensiva, na medida em que a sua constituição não depende de qualquer acontecimento futuro e incerto, por força da lei, negócio jurídico ou decisão judicial, baseando-se sim, em eventuais factos ilícitos passados.
xxxi.-Acresce que, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, a pendência de ações declarativas poderia, isso sim, colocar em crise o princípio da igualdade dos credores (par conditio creditorum).
xxxii.-Por fim, sustentam os Recorrentes que as causas de liquidação do BES são da sua responsabilidade, devendo por esse motivo, ser este, ou a respetiva massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância, de acordo com o disposto na parte final do n.º 3 do artigo 536.º do CPC.
xxxiii.-Ora, dispõe o n.º 3 do artigo 536.º do CPC que, «[n]os restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide [i.e., em todos os casos não previstos no n.º 2 do mesmo artigo], a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.».
xxxiv.-O que vale por dizer que, nesses casos, a responsabilidade pelas custas será sempre dos autores, ora Recorrentes, a não ser que fique demonstrado que a impossibilidade ou inutilidade superveniente é imputável ao réu, aqui Recorrido.
xxxv.-Conforme já sobejamente referido, o Banco Central Europeu revogou, no dia 13 de julho deste ano, a autorização do Recorrido para o exercício da atividade de instituição de crédito, revogação que, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de outubro, produziu os efeitos da declaração de insolvência; sendo certo que, foi esta a alteração de circunstâncias que fundamentou o pedido de extinção da instância formulado pelo Réu, ora Recorrido.
xxxvi.-Ora, é evidente que as decisões do Banco Central Europeu são imputáveis à própria instituição e não ao Recorrido, que a elas está sujeito enquanto entidade sob supervisão e sobre as quais não tem qualquer domínio.
xxxvii.-Por outro lado, a lei considera que a declaração de insolvência do Recorrido constitui alteração superveniente das circunstâncias não imputável às partes, nos termos previstos no artigo 536.º, n.º 2, alínea e), do CPC.
xxxviii.-Deste modo, a aplicação ao caso vertente da alínea e) do n.º 2 do artigo 536.º do CPC, afigura-se elucidativa quanto à intenção do legislador de excluir a imputabilidade ao Recorrido da declaração da sua insolvência – intenção que não deve ser ignorada na interpretação sistemática das normas em causa.
xxxix.-Em face do exposto, porque a inutilidade superveniente da lide arguida nestes autos, resultante da revogação decidida pelo Banco Central Europeu que operou os efeitos da declaração de insolvência, não é imputável ao Recorrido, a responsabilidade pelas custas em caso de extinção da instância deverá ser suportada pelos Autores, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 536.º do CPC, ou, caso assim não se entenda, pelo menos, ser repartida em partes iguais, à luz do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 536.º do CPC.

O 2º réu, NONO BANCO, S.A.  apresentou, em 15.05.2017, contra-alegações, e formulou as seguintes CONCLUSÕES:

i.-A lei atribui ao Banco de Portugal uma competência discricionária para, no respeito dos pressupostos de aplicação de cada uma delas, aplicar medidas de resolução, de acordo com princípios gerais da adequação e da proporcionalidade.
ii.-Face à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 e considerando as aclarações supra referidas, é indubitável que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e no uso das suas competências legais, não transferiu para o NOVO BANCO a responsabilidade ou as contingências perante os subscritores de Papel Comercial de entidades do Grupo Espírito Santo.
iii.-A opção de expurgar a exposição a qualquer risco de qualquer entidade do Grupo Espírito Santo, na definição dos critérios de transferência de activos e passivos para o R. Novo Banco, atravessa toda a medida de resolução e assume papel central dessa medida aprovada pelo Banco de Portugal.
iv.-A escrow acount que foi aberta no Banco Espírito Santo tinha como titular a Espírito Santo Financial Group (ESFC).
v.-Não é verdade que o Novo Banco tenha, alguma vez, efectuado pagamentos a titulares de papel comercial da ESI e da RIO FORTE.
vi.-Todas as deliberações do Banco de Portugal subsequentes à deliberação de 3 de Agosto de 2014 retroagem os seus efeitos às 20 horas do dia 3 de Agosto de 2014 ― hora e data da primeira deliberação do Banco de Portugal.
vii.-A resolução é uma figura específica do Direito Bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal, e, que por conseguinte, não se confunde com a cisão simples da lei societária.
viii.-A resolução bancária tem cobertura constitucional, porquanto, através, designadamente, da constituição de uma instituição de transição, permite, em especial, preservar a estabilidade do sistema financeiro no seu todo, salvaguardar as funções bancárias desempenhadas pela instituição de crédito em crise e proteger os depositantes, como, outrossim, com a resolução da instituição de crédito, tutela os contribuintes e ressalva o erário público.
ix.-De acordo com o juízo do Banco de Portugal, sem a resolução, o BES teria entrado em liquidação.
x.-A resolução não agravou a posição jurídica que os AA. teriam se o BES tivesse entrado em liquidação. Uma vez que a lei estabelece como princípio orientador da aplicação das medidas de resolução que nenhum credor da instituição de crédito objecto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.

xi.-O regime jurídico da resolução bancária concilia, em termos de concordância prática, os interesses e os valores constitucionais prima facie conflituantes, porquanto:
§ Promove a preservação das funções bancárias da instituição de crédito objecto de resolução, assegurando a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia.
§ Previne a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades do sistema financeiro e mantendo a disciplina no mercado
§ Salvaguarda os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio público extraordinário.
§ Protege os depositantes;
§ Não agrava a posição jurídica dos accionistas e credores da instituição de crédito objecto de resolução ― a quem cabe suportar prioritariamente os prejuízos da instituição em causa.
xii.-A resolução é uma figura específica do Direito Bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal, e, que por conseguinte, não se confunde com a cisão simples da lei societária.
xiii.-A medida de resolução integra a causa de pedir da presente acção.
xiv.-A lei imputa expressamente aos tribunais administrativos a  competência para conhecer dos litígios emergentes das decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução, estabelecendo regras especiais para o processo e atribui ao Banco de Portugal inclusive a prerrogativa de invocar causa legítima de inexecução no caso de sentenças anulatórias.
xv.-Está vedado aos tribunais judiciais apreciarem a validade de actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal, competindo essa competência, por determinação de lei expressa, aos tribunais administrativos.
xvi.-Os AA. impugnaram nos tribunais administrativos a medida de resolução, em acção que se encontra pendente.
xvii.-O Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão proferido no âmbito do processo nº 1387/15.6T8PRT-AL18 datado de 6 de Outubro de 2016 e publicado em www.dgsi.pt, já reconheceu que o Banco de Portugal, desde a deliberação do Conselho de Administração de 03/08/2014, teve a preocupação de delimitar estreitamente o património transferido do Banco Espírito Santo para o Novo Banco, enumerando diversas categorias contratuais e obrigacionais não objecto de transmissão.
xviii.-O Tribunal da Relação no mesmo processo confirmou que "o debate relativo à legalidade das deliberações do Banco de Portugal, só poderá ser efectuado no âmbito da jurisdição administrativa e não pelos tribunais judiciais".
xix.-As deliberações do Banco de Portugal excluem a possibilidade de apreciação, nesta sede, do pedido dos AA. formulado contra o Novo Banco, porque a responsabilidade, a existir, permaneceu na esfera jurídica do BES.
xx.-Está aqui em causa uma excepção peremptória inominada de falta de legitimidade substantiva que determina a absolvição do pedido.
xxi.-Na acção, tal como é configurada pelos AA. o BES seria responsável originário e o Novo Banco teria uma responsabilidade sucessiva. Existe desta forma uma dependência na responsabilidade sucessiva do Novo Banco em relação à eventual responsabilidade originária do BES.
xxii.-Saindo o BES da acção por absolvição da instância, deixa de se poder manter uma instância tendo por objecto a discussão se o BES praticou ou não os actos e omissões que os AA. imputam ao BES e que, a serem provados, seriam actos constitutivos de uma responsabilidade originária do BES.

Propugna a recorrida que a apelação deverá improceder, confirmando-se a decisão da 1ª Instância, absolvendo-se, em consequência, o R. Novo Banco do pedido (consumpção da legitimidade pelo mérito) uma vez que o estado do processo permite, sem mais provas, o conhecimento da excepção de ilegitimidade substantiva arguida (artigo 595.º/1 CPC).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.-ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a ponderação sobre:
i)A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANDO AO 1º RÉU BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO;

ii)A ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO CONTRA O R. NOVO BANCO, S.A.

1.SE A EVENTUAL RESPONSABILIDADE QUE OS AUTORES IMPUTAM À ACTUAÇÃO DO BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. SE TRANSFERIU PARA A RÉ, BANCO NOVO, S.A.

2.SE A INTERPRETAÇÃO DADA PELAS DELIBERAÇÕES DO BANCO DE PORTUGAL ÀS DISPOSIÇÕES DO RGICSF VIOLAM A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.


III.-FUNDAMENTAÇÃO

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

1.-O A. adquiriu junto do “Banco Espírito Santo, S.A.” papel comercial emitido pela “Rio Forte Inv, S.A.”, com data de liquidação de 22-1-2014, pelo prazo de 9 meses, no valor de € 100 000, 00.
2.-O Conselho de Administração do Banco de Portugal, em 3 de agosto de 2014, deliberou o seguinte:
Ponto Um
Constituição do Novo Banco, S.A.
É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o Novo Banco, S.A., de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, S.A.
São transferidos para o AA Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n. 0 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17.º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco CC, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A a presente deliberação».
3.-Nos termos do artigo 1º dos Estatutos do “AA Banco, SA.”, que constam do Anexo 1, «o Novo Banco, SA, é um banco constituído nos termos do n.º 3 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), aprovado pelo Decreto-Lei n. º 298/92, de 31 de Dezembro».
O artigo 3.º daqueles Estatutos consigna que «o Novo Banco, SA, tem por objeto a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco BES SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF, e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito”.
4.-Por deliberação de 11.8.2014, o Banco de Portugal veio clarificar e ajustar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão do BES, SA, transferidos para o novo Banco (texto em https://www.bportugal.pt/pt-PT/OBancoeoEurosistema/ComunicadoseNotasdeInformacao/Documents/ANEXO 1).
5.-No Anexo 2 àquela deliberação do BdP consta que “Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o Novo Banco, S.A., ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, nos termos do artigo 145.º H, número 5.º “ [do RGICSF].

6.-No artigo 145.º-G do Aditamento ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, (aprovado pelo Dec. Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, na redacção do Dec. Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro) subordinado ao título «Transferência parcial ou total da atividade para bancos de transição» se dispõe que:
«1-O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa.
2-O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior.
3-O banco de transição é uma instituição de crédito com a natureza jurídica de banco, cujo capital social é totalmente detido pelo Fundo de Resolução.
4-O capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos.
5-O banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respetivos estatutos, não se aplicando o disposto no capítulo ii do título ii.
6-Após a deliberação prevista no número anterior, o banco de transição fica autorizado a exercer as atividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º.
7-O banco de transição deve ter capital social não inferior ao mínimo previsto por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ouvido o Banco de Portugal, e cumprir as normas aplicáveis aos bancos.
8-O banco de transição pode iniciar a sua atividade sem prévio cumprimento dos requisitos legais relacionados com o registo comercial e demais procedimentos formais previstos por lei, sem prejuízo do posterior cumprimento dos mesmos no mais breve prazo possível.
9-O Banco de Portugal define, por aviso, as regras aplicáveis à criação e ao funcionamento dos bancos de transição.
10-O Código das Sociedades Comerciais é aplicável aos bancos de transição, com as adaptações necessárias aos objetivos e à natureza destas instituições.
11-Compete ao Banco de Portugal, sob proposta da comissão diretiva do Fundo de Resolução, nomear os membros dos órgãos de administração e de fiscalização do banco de transição, que devem obedecer a todas as orientações e recomendações transmitidas pelo Banco de Portugal, nomeadamente relativas a decisões de gestão do banco de transição.
12-O banco de transição tem uma duração limitada a dois anos, prorrogável por períodos de um ano com base em fundadas razões de interesse público, nomeadamente se permanecerem riscos para a estabilidade financeira ou estiverem pendentes negociações com vista à alienação dos respetivos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a sua gestão, não podendo exceder a duração máxima de cinco anos.
13-O banco de transição deve obedecer, no desenvolvimento da sua atividade, a critérios de gestão que assegurem a manutenção de baixos níveis de risco.
14-A transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos é comunicada à Autoridade da Concorrência, bem como a eventual prorrogação do prazo previsto no n.º 12, mas atendendo à sua transitoriedade não consubstancia uma operação de concentração de empresas para efeitos da legislação aplicável em matéria de concorrência».

7.-No artigo 145.º-H do mesmo diploma, subordinado ao título «Património e financiamento do banco de transição», consigna-se:
«1-O Banco de Portugal seleciona os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição.
2-Não podem ser transferidas para o banco de transição quaisquer obrigações contraídas pela instituição de crédito originária perante:
a)Os respetivos acionistas, membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição;
b)As pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do banco de transição, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação;
c)Os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores;
d)Os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado benefício, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal.
3-Não podem ainda ser transmitidos para o banco de transição os instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios da instituição de crédito cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal.
4-Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados nos termos do n.º 1 devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito.
5-Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo:
a)Transferir outros ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição;
b)Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.
6-O Banco de Portugal determina o montante do apoio financeiro a conceder pelo Fundo de Resolução, caso seja necessário, para a criação e o desenvolvimento da atividade do banco de transição, nomeadamente através da concessão de empréstimos ao banco de transição para qualquer finalidade ou da disponibilização dos fundos considerados necessários para a realização de operações de aumento de capital do banco de transição.
8-O valor total dos passivos e elementos extrapatrimoniais a transferir para o banco de transição não deve exceder o valor total dos ativos transferidos da instituição de crédito originária, acrescido, sendo caso disso, dos fundos provenientes do Fundo de Resolução, do Fundo de Garantia de Depósitos ou do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo.
9-Após a transferência prevista no n.º 1, deve ser garantida a continuidade das operações relacionadas com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos, devendo o banco de transição ser considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito originária.
10-A instituição de crédito originária, bem como qualquer sociedade inserida no mesmo grupo e que lhe preste serviços no âmbito da atividade transferida, deve prestar todas as informações solicitadas pelo banco de transição, bem como garantir a este o acesso a sistemas de informação relacionados com a atividade transferida e, mediante remuneração acordada entre as partes, continuar a prestar os serviços que o banco de transição considere necessários para efeitos do regular desenvolvimento da atividade transferida.
11-A decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência.
12-A decisão de transferência prevista no n.º 1 não depende do prévio consentimento dos acionistas da instituição de crédito nem das partes em contratos relacionados com os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir, não podendo constituir fundamento para o exercício de qualquer direito de vencimento antecipado estipulado nos contratos em causa.
13-A eventual transferência parcial dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para o banco de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito originária, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação ou de novação».

8.-No Anexo 2 da deliberação do BdP lê-se que “Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o Novo Banco, S.A., ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, nos termos do artigo 145.º H, número 5.º “ [do RGICSF].

9.-Em 29 de Dezembro de 2015, o Conselho de Administração do Banco de Portugal adoptou as seguintes deliberações:
a)Deliberação relativa à “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas) ” (doravante “Deliberação relativa a contingências”);
b)Deliberação relativa a “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 (20.00h) ”, doravante “Deliberação relativa ao perímetro”).

10.-Estas deliberações foram publicadas em 13-1-2016 e, conforme delas consta, o Banco de Portugal clarificou a versão original da deliberação de 3 de Agosto de 2014, bem como a de 11 de Agosto de 2014.
11.-Por deliberação de 13-7-2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da actividade do Banco Espírito Santo.
12.-Na sequência desta revogação, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do BES.
13.-Este requerimento foi distribuído à 1.ª secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, tendo-lhe sido atribuído o n.º de processo 18588/2106.28LSB.
14.-Em 21 de Julho de 2016 foi proferido despacho de prosseguimento, publicado na plataforma Citius em 22 de Julho de 2016.
15.-A decisão proferida pelo Banco Central Europeu não foi objecto de recurso.

B-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se o autor/apelante contra a decisão recorrida que determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao 1º réu, e a absolvição do pedido em relação ao 2º réu, Novo Banco, S.A.

Vejamos se razão assiste ao apelante.

i)EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANDO AO 1º RÉU BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO-

Está demonstrado que o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade como instituição de crédito ao Banco Espírito Santo, S.A. e que, nos termos do artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 199/2006 de 25/10 (alterado pelo D.L. nº 31-A/2012 de 10/02), a decisão e revogação de autorização para o exercício da atividade equivale à declaração de insolvência dessa entidade.

Acresce que, revogada que foi a autorização para o exercício da atividade bancária, ao Banco de Portugal cabe requerer nos prazos legalmente previstos, a sua liquidação nos tribunais competentes, no prazo e termos indicados nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 8.º., o que sucedeu no caso em análise, em que foi decretado o prosseguimento da liquidação judicial  do BES,  encontrando-se pendente o respectivo processo – v. Nºs 11 a 14 da Fundamentação de Facto.

À aludida liquidação do BES aplica-se, de harmonia com o disposto no nº 3 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 199/2006, as disposições do CIRE que se mostrem compatíveis com as especialidades constantes do citado diploma, excluindo-se expressamente os títulos IX e X do CIRE.


Ora, como é sabido, nos termos do artigo 81º do CIRE, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si, ou no caso de pessoa coletiva, quanto aos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes e futuros, sendo ineficazes ou inoponíveis em
relação à massa insolvente os negócios jurídicos realizados pelo insolvente.


Dispõe o artigo 90º do CIRE que “
Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.”

Estabelece, por outro lado, o artigo 85º, nº 1 que: “Declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos  na  massa  insolvente,  intentadas  contra  o  devedor,  ou  mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na
conveniência para os fins do processo”.

E, decorre do nº 1 do artigo 128º do CIRE que “Dentro do prazo fixado para o efeito da sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que representa, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os elementos probatórios de que disponham”, com indicação das menções expressamente referidas nas suas diversas alíneas.

Tal significa que todos os credores da insolvência devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do citado normativo e dentro do prazo assinalado na sentença declaratória da insolvência (ou na decisão que decretou o prosseguimento da liquidação judicial), não estando o credor que, não obstante tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento, conforme se estatui no nº 3 do citado artigo 128º do CIRE.

É na reclamação de créditos, que se estrutura como uma verdadeira acção declarativa, que se irá apreciar da existência e do montante do crédito, tal como se discute na acção declarativa, prevendo-se no artigo 130º e ss do CIRE, a possibilidade dos outros credores ou mesmo o insolvente contestarem a existência do crédito reclamado, seguindo-se ulterior tramitação processual, independentemente do  mesmo se encontrar reconhecido noutro processo, com vista ao respectivo pagamento, através da liquidação do activo.


Como decorrência do que acima ficou dito, com a declaração de insolvência do devedor, transitada em julgado (ou decretamento do prosseguimento da liquidação judicial), há que concluir que deixa de ter interesse o prosseguimento de qualquer acção para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito da entidade declarada insolvente, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.

Com efeito, o entendimento da inexistência de interesse na duplicação de decisões sobre a existência de crédito, numa acção declarativa e no processo de insolvência, deu origem ao Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, DR 39, Série I, de 25.02.2104, segundo o qual “
Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”

É
certo que haverá que ter em consideração o que se dispõe nos artigos 50º, 91º, 94º e 181º do CIRE.

Preceitua o artigo 50º do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 16/2012, de 20.04, que:
 “1-Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aquela cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.

2-São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a)-Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de atos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b)-Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c)-Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.”

Invoca o apelante que, no caso vertente, estamos perante um crédito condicional e, portanto, defende a prossecução da presente acção declarativa.

Labora, todavia, o autor/apelante em erro, parecendo confundir crédito condicional com crédito controvertido.

Um crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição.

Ao invés, um crédito controvertido ou litigioso é um crédito que não pode ser exigido, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.

No caso dos autos mostra-se invocada a responsabilidade do BES, enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, perante os autores, através da verificação dos pressupostos desta responsabilidade e da determinação do valor a ressarcir e do sujeito devedor, o que pressupõe o reconhecimento da existência do crédito, e não a declaração ou reconhecimento de uma condição suspensiva ou resolutiva, pelo que o Tribunal apenas poderia emitir, se fosse caso disso, um juízo declarativo sobre a existência do crédito invocado pelo autor e a consequente condenação do réu.

Acresce que a menção “decisão judicial” introduzida no nº 1 do artigo 50º do CIRE, pela Lei º 16/2012, nenhuma alteração
essencial aditou ao preceito,  apenas   se    pretendeu   esclarecer   que  a fonte da condição também poderia derivar de decisão judicial e não apenas da lei ou do negócio jurídico.


E, nesse sentido, referem CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, 306-307: «Em boa verdade, a inserção da decisão judicial entre os títulos geradores da condição, tendo, embora, um sentido esclarecedor, em nada contende com o regime do preceito. Com efeito, já na redação primitiva, onde se pudesse constatar que a sujeição do crédito a condição suspensiva ou resolutiva, no sentido e com o alcance do nº1, derivava de decisão judicial, o crédito não poderia deixar de ser havido como condicional, para os efeitos do Código, quando menos por aplicação analógica, e por manifesta identidade de ratio decidendi.»

Assim, a prolação de uma eventual sentença declarativa de condenação não poderá integrar um acontecimento futuro e incerto para efeitos do nº 1 do artigo 50º do CIRE.

Há, pois, que concluir que a redacção dada ao artigo 50º, nº 1 do CIRE, pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril não faz perder qualquer sentido ao citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, ao contrário do propugnado pelo autor/apelante, mantendo a sua inteira aplicabilidade.

De resto, a admitir-se o prosseguimento da acção declarativa aqui em apreciação, não obstante a plenitude da instância insolvencial em relação às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor, sempre se estaria a violar o princípio par condutio creditorum e, consequentemente, o princípio da concentração no processo de insolvência das pretensões de todos os credores, consagrado no artigo 90º do CIRE, decorrendo como corolário, como salientam CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 438, que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo.

Ademais, ainda que se viesse a entender – o que se não entende– que a acção declarativa aqui em apreciação deveria prosseguir os seus termos legais e se lograsse obter uma sentença de condenação do BES, favorável ao autor/apelante, de nada valeria, já que nos termos do artigo 88º, nº1, do CIRE, a mesma não poderia ser executada.

Considera-se, portanto, perfeitamente aplicável a jurisprudência do AUJ n.º 1/2014, nos termos da qual, transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação no âmbito do respectivo processo de insolvência, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, pois estes sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência, já que aquela declaração obsta à instauração de qualquer acção executiva contra a massa insolvente.

Nestes termos, e como se fundamenta no citado AUJ, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência.

A partir da declaração de insolvência, os direitos que o credor pretenda exercitar com a instauração de uma acção declarativa só podem ser exercidos, durante a pendência do processo de insolvência em conformidade com os preceitos do CIRE, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance que justifiquem, a prossecução da acção declarativa pendente, assim tornada supervenientemente inútil – v. neste sentido Acs. R.L de 27.04.2017 (Pº 2650/16.4T8LSB.L1-2) e de 29.06.2017 (Pº 34398/15.1T8LSB.L1), relatado pela ora relatora e igualmente subscrito pelos ora adjuntos).

Improcede, por conseguinte, nesta parte, a apelação.

Insurgiu-se igualmente o apelante contra a decisão recorrida que, em relação à extinção da instância por inutilidade da lide, condenou as partes em custas, nos seguintes termos:
Custas pelo autor (artº 527.º/1/2 do C.P.C.

O apelante entende que, ao caso, é aplicável o disposto na parte final do n.º 3 do art.º 536.º do CPC, devendo ser a massa insolvente do BES a suportar as custas da extinção da instância.

O artigo 536.º do CPC sob a epígrafe Repartição das custas, tem a seguinte redacção:
1-Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.

2-Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.

3-Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4-Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.”

Defende o autor que as causas de liquidação do 1.º R. são da responsabilidade deste, pelo que o 1.º R. deve arcar com a totalidade das custas pela extinção da instância, ao abrigo da parte final do n.º 3 do art.º 536.º e assim se entendeu, com efeito, no Ac. R.L. de 18.04.2013 (Pº 2650/16.4T8LSB.L1), de que foi relatora e 1º adjunto os aqui igualmente relatora e 1º adjuntos.         

É, no entanto, diversa a situação do caso presente.

É que, face à situação que desencadeou a medida de resolução e a criação do Novo Banco, por deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014, era previsível a revogação da autorização do BES de exercer a atividade bancária na medida em que tal já resultava do Artigo 145º-L, nº2, do RGICSF, estando apenas por determinar o momento de tal revogação, a que se seguiria obrigatoriamente a liquidação do BES, tal como veio a suceder.

Nessa medida, não pode deixar de se entender que, sendo previsível para o autor, à data da propositura da acção – 03.08.2016 - a insolvência/liquidação do BES, por aplicação da alínea e) do nº 2 do Artigo 536º do Código de Processo Civil, as custas devem ser suportadas pelo autor, pelo que improcede, também nesta parte, a apelação.
 
ii)ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO CONTRA O R. NOVO BANCO, S.A.

a)-DA TRANSFERÊNCIA PARA O RÉU, BANCO NOVO, S.A., DA RESPONSABILIDADE QUE O AUTOR IMPUTA À ACTUAÇÃO DO BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.

Insurge-se o autor/apelante contra o saneador-sentença alvo de recurso e que julgou improcedente a acção por ele interposta, por considerar, em suma, que a causa de pedir assenta no comportamento do BES, alegadamente violador dos deveres de lealdade, prudência e boa-fé que sobre ele impendiam enquanto banco e intermediário financeiro, que teriam feito o BES incorrer em responsabilidade civil pré-contratual e contratual, no âmbito das relações que mantinha e manteve com o autor, seu cliente, tendo levado este a efectuar a aquisição de papel comercial, contrária à sua vontade, estando em causa o erro em que alegadamente foi induzido o autor/apelante, o que sem a adequada informação, o levou a adquirir o papel comercial em causa, sendo certo que invoca o autor a responsabilidade do Novo Banco para o qual a actividade bancária do BES foi transferida.

Vejamos se assim se pode entender.                      

O denominado papel comercial (cujo regime jurídico vem regulado no DL 69/2004, de 25.3) é um valor mobiliário de natureza monetária.

A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem, designadamente para aquisição de papel comercial, levadas a cabo por uma entidade bancária permitem a qualificação do seu serviço e actividade como de intermediação financeira.

A intermediação financeira, segundo JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Os Contratos de Intermediação Financeira, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol.LXXV, 280, designa o conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.

São, pois, contratos de intermediação financeira, os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira.

E, as designadas actividades de intermediação financeira encontram-se previstas do artigo 289º, nº 1 do CVM, dividindo-se em três tipos fundamentais:

i)Os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros - alínea a) - que englobam contratos relativos a ordens para realização de operações sobre investimentos, contratos de colocação, contratos de gestão de carteira e contratos de consultadoria para investimento (v. também artigo 290º do CVM);
ii) Os serviços auxiliares de serviços e actividades de investimento - alínea b) – que englobam contratos de assistência, contratos de recolha de intenções de investimento, contratos para registo e depósito, contratos de empréstimo, contratos de consultadoria empresarial e contratos de análise financeira (v. também artigo 291º do CVM);
iii)A gestão de instituições de investimento colectivo, incluindo o exercício de funções de depositário dos respectivos valores - alínea c) -.

Os contratos de intermediação financeira encontram-se autonomamente previstos e regulados nos artigos 321º a 343º do CVM.
 
Acresce que, muito embora nos contratos relativos a ordens para a realização de operações sobre investimentos se englobe, como decorre do nº 2 do artigo 290º do CVM, a colocação em contacto de dois ou mais investidores com vista à realização de uma operação, são aqueles que configuram contratos de intermediação financeira, sendo esta colocação em contacto meramente instrumental e antecipatória do verdadeiro contrato de intermediação financeira.
              
Segundo o disposto nos nºs 2 e 3 do citado artigo 289º do CVM,  as  actividades  de  intermediação  financeira,  apenas  podem,  em geral, ser realizadas profissionalmente por entidades legalmente autorizadas para o efeito, designadas por intermediários financeiros.

Tal como se mostram consagrados na lei os tipos de actividades de intermediação, igualmente a lei estabeleceu, no nº 1 do artigo 293º do CVM, os tipos de intermediários financeiros, entidades que beneficiam em exclusivo aquelas actividades, ou sejam, as instituições de crédito (alínea a), as empresas de investimento e as entidades gestoras de instituições de investimento (alínea b), e ainda as instituições com funções correspondentes às anteriores que estejam autorizadas a exercer em Portugal uma actividade de intermediação (alínea c).

Os aludidos contratos de intermediação financeira têm como objecto mediato valores mobiliários (acções, obrigações, unidades de participação, entre outros), mas também instrumentos monetários, tais como bilhetes do tesouro, papel comercial, obrigações de caixa e também instrumentos derivados, entre eles, futuros, opções, swaps.

A natureza jurídica dos contratos de intermediação financeira apresenta alguma controvérsia na doutrina, não obstante se deva estabelecer uma distinção entre os negócios jurídicos de cobertura e os negócios jurídicos de execução.

Os negócios jurídicos de cobertura, celebrados entre intermediário e cliente têm por objecto conceder àquele os poderes necessários para celebrar negócios de execução. Estes, são celebrados igualmente entre o intermediário e um terceiro por conta do cliente, tem por objecto a aquisição, a alienação ou outros negócios sobre instrumentos financeiros.

Assim, e para JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, ob cit. 289, o negócio jurídico de cobertura reconduz-se a um contrato de comissão, regido pelas normas do CVM. Para CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, As Transacções de Conta Alheia no Âmbito da Intermediação no Mercado de Valores Mobiliários, Direitos dos Valores Mobiliários. 296-303, trata-se de um contrato de mandato.

Não obstante estas divergências, sempre os intermediários financeiros, como o são as instituições de crédito, estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, devendo actuar sempre no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, podendo, portanto, serem responsabilizados pela actuação dos seus representantes ou auxiliares, nos negócios em que haja intervindo nessa qualidade, sendo nulas quaisquer cláusulas que excluam a sua responsabilidade, como decorre dos artigos 12º-A, 304º, 304º-A e 324º, nº 1, todos do Código dos Valores Mobiliários (Decreto-Lei n.º 486/99, de 13.11).

É que, o investidor não qualificado em regra não terá capacidade para recolher as informações de que necessita para avaliar de uma forma esclarecida a relação risco/rendimento.

Como acima ficou dito, o Decreto-Lei nº 69/2004, de 25 de Março (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 52/2006 de 15.3 e DL 29/2014 de 25.2.), regula a  disciplina  aplicável  aos  valores  mobiliários de natureza monetária designados por papel comercial, os quais são os valores mobiliários representativos de dívida emitidos pelas entidades expressamente referidas no diploma, aí se explicitando, os deveres de informação que incidem sobre as entidades que emitem papel comercial,  a divulgação que terá de ser dada pelas entidades colocadoras desses valores mobiliários de natureza monetária (artigo 17º a 20º).

No caso vertente, e independentemente das circunstâncias ocorridas, acabou,  afinal,  o autor/apelante,  por  adquirir no BES, papel comercial emitido pela “Rio Forte Inv. S.A.”, com data de liquidação de 22.01.2014, pelo prazo de 9 meses, no valor de € 100.000,00  - v. Nº 1 da Fundamentação de Facto.

Sucede que, entretanto, ocorreram intervenções do Banco de Portugal, respaldadas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – RGICSF - (aprovado pelo Dec. Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, e com sucessivas alterações).

O RGICSF aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31/12, na 34.ª alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 114-A/2014 de 1/8, aplicável à situação dos autos, contém um certo número de disposições relativas à medida de resolução aplicável aos Bancos, pelo Banco de Portugal, e que são as seguintes que interessam ao caso:

No artigo 145º do RGICSF, sob a epígrafe “Regime de resolução ou liquidação”, consagra-se o seguinte:

1 - O Banco de Portugal pode determinar a suspensão do órgão de administração de uma instituição de crédito e nomear uma administração provisória, quando se verifique alguma das situações a seguir enunciadas, que seja susceptível de colocar em sério risco o equilíbrio financeiro ou a solvabilidade da instituição ou de constituir uma ameaça para a estabilidade do sistema financeiro:

a) Detecção de uma violação grave ou reiterada de normas legais ou regulamentares que disciplinem a actividade da instituição;
b) Verificação de motivos atendíveis para suspeitar da existência de graves irregularidades na gestão da instituição;
c) Verificação de motivos atendíveis para suspeitar da incapacidade dos accionistas ou dos membros do órgão de administração da instituição para assegurarem uma gestão sã e prudente ou para recuperarem financeiramente a instituição;
d) Verificação de motivos atendíveis para suspeitar da existência de outras irregularidades que coloquem em sério risco os interesses dos depositantes e dos credores.

Prevê-se no artigo 145.º-A do RGICSF, sob a epígrafe “Finalidades das medidas de resolução” que:

O Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades:
a)Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;
b) Acautelar o risco sistémico;
c)Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;
d) Salvaguardar a confiança dos depositantes.

Resulta do artigo 145.º-B, sob a epígrafe “Princípio orientador da aplicação de medidas de resolução”:

1-Na aplicação de medidas de resolução, tendo em conta as finalidades das medidas de resolução estabelecidas no artigo anterior, procura assegurar-se que:
a)Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa;
b)Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores;
c)Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.
2-O disposto no número anterior não abrange os depósitos garantidos nos termos do disposto nos artigos 164.º e 166.º
3-Caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.º 6 do artigo 145.º-F e no n.º 4 do artigo 145.º-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução.

E, do artigo 145.º-C, sob a epígrafe “Aplicação de medidas de resolução”, consta que:

1-Quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A:
a)Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa;
b)Transferência, parcial ou total, da actividade a um ou mais bancos de transição.

2-As medidas de resolução são aplicadas caso o Banco de Portugal considere não ser previsível que a instituição de crédito consiga, num prazo apropriado, executar as acções necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais.

3-Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se que uma instituição de crédito está em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade quando, entre outros factos atendíveis, cuja relevância o Banco de Portugal apreciará à luz das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A, se verifique alguma das seguintes situações:
a)A instituição de crédito tiver tido prejuízos ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos susceptíveis de consumir o respectivo capital social;
b)Os activos da instituição de crédito se tornem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respectivas obrigações;
c)A instituição de crédito estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar.

4-A aplicação de medidas de resolução não depende da prévia aplicação de medidas de intervenção correctiva.
5-A aplicação de uma medida de resolução não prejudica a possibilidade de aplicação, a qualquer momento, de uma ou mais medidas de intervenção correctiva.

Por seu turno, decorre do artigo 145.º-G, sob a epígrafe “Transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição” que:

1-O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito
para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa.
2-O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior.
3-O banco de transição é uma instituição de crédito com a natureza jurídica de banco, cujo capital social é totalmente detido pelo Fundo de Resolução.
4-O capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos.
5-O banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respectivos estatutos, não se aplicando o disposto no capítulo ii do título ii.
6-Após a deliberação prevista no número anterior, o banco de transição fica autorizado a exercer as actividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º
7-O banco de transição deve ter capital social não inferior ao mínimo previsto por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ouvido o Banco de Portugal, e cumprir as normas aplicáveis aos bancos.
8-O banco de transição pode iniciar a sua actividade sem prévio cumprimento dos requisitos legais relacionados com o registo comercial e demais procedimentos formais previstos por lei, sem prejuízo do posterior cumprimento dos mesmos no mais breve prazo possível.
9-O Banco de Portugal define, por aviso, as regras aplicáveis à criação e ao funcionamento dos bancos de transição.
10-O Código das Sociedades Comerciais é aplicável aos bancos de transição com as adaptações necessárias aos objectivos e à natureza destas instituições.
11-Compete ao Banco de Portugal, sob proposta da comissão directiva do Fundo de Resolução, nomear os membros dos órgãos de administração e de fiscalização do banco de transição, que devem obedecer a todas as orientações e recomendações transmitidas pelo Banco de Portugal, nomeadamente relativas a decisões de gestão do banco de transição.
12-O banco de transição tem uma duração limitada a dois anos, prorrogável por períodos de um ano com base em fundadas razões de interesse público, nomeadamente se
permanecerem riscos para a estabilidade financeira ou estiverem pendentes negociações com vista à alienação dos respectivos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a sua gestão, não podendo exceder a duração máxima de cinco anos.
13-O banco de transição deve obedecer, no desenvolvimento da sua actividade, a critérios de gestão que assegurem a manutenção de baixos níveis de risco.
14-A transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos é comunicada à Autoridade da Concorrência, bem como a eventual prorrogação do prazo previsto no n.º 12, mas atendendo à sua transitoriedade não consubstancia uma operação de concentração de empresas para efeitos da legislação aplicável em matéria de concorrência.

Finalmente, estatui o artigo 145.º-H, sob a epígrafe “Património e financiamento do banco de transição”, que:
1-O Banco de Portugal selecciona os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição. (bold nosso)

2-Não podem ser transferidas para o banco de transição quaisquer obrigações contraídas pela instituição de crédito originária perante:
a)Os respetivos acionistas, cuja participação no momento da transferência seja igual ou superior a 2 /prct. do capital social, as pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores
à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2 /prct. do capital social, os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, os revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou as pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição;
b)As pessoas ou entidades que tenham sido accionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do banco de transição, e cuja acção ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação;
c)Os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que actuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores;
d)Os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado benefício, directamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por acção ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal.

3-Não podem ainda ser transmitidos para o banco de transição os instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios da instituição de crédito cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal.
4-Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados nos termos do n.º 1 devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 145.º-B, incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução.

5-Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo:
a)Transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição;
b)Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.

6-O Banco de Portugal determina a natureza e o montante do apoio financeiro a conceder pelo Fundo de Resolução, caso seja necessário, para a criação e o desenvolvimento  da  actividade  do  banco  de  transição,  nomeadamente  através  da concessão de empréstimos ao banco de transição para qualquer finalidade, da disponibilização dos fundos considerados necessários para a realização de operações de aumento do capital do banco de transição ou da prestação de garantias.
7-O Banco de Portugal pode convidar o Fundo de Garantia de Depósitos ou, no caso de medidas   aplicáveis   no   âmbito   do   Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo, o Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo a cooperar no processo de transferência de depósitos garantidos para um banco de transição, de acordo com o disposto no artigo 167.º-A ou no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 345/98, de 9 de Novembro, respectivamente.
8-O valor total dos passivos e elementos extrapatrimoniais a transferir para o banco de transição não deve exceder o valor total dos activos transferidos da instituição de crédito originária, acrescido, sendo caso disso, dos fundos provenientes do Fundo de Resolução, do Fundo de Garantia de Depósitos ou do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo.
9-Após a transferência prevista no n.º 1, deve ser garantida a continuidade das operações relacionadas com os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos, devendo o banco de transição ser considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito originária.
10-A instituição de crédito originária, bem como qualquer sociedade inserida no mesmo grupo e que lhe preste serviços no âmbito da actividade transferida, deve prestar todas as informações solicitadas pelo banco de transição, bem como garantir a este o acesso a sistemas de informação relacionados com a actividade transferida e, mediante remuneração acordada entre as partes, continuar a prestar os serviços que o banco de transição considere necessários para efeitos do regular desenvolvimento da actividade transferida.
11-A decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência. (bold nosso)
12-A decisão de transferência prevista no n.º 1 não depende do prévio consentimento dos  accionistas  da  instituição  de  crédito  nem  das partes em contratos relacionados com os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir, não podendo constituir fundamento para o exercício de qualquer direito de vencimento antecipado estipulado nos contratos em causa.
13-A eventual transferência parcial dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão para o banco de  transição ão  deve prejudicar a  cessão integral das posições
contratuais da instituição de crédito originária, com transmissão  das responsabilidades associadas aos elementos do activo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação ou de novação.

Estes poderes de transmissão adicional e de retransmissão para a instituição de crédito originária aludidos no nº 5 do citado artigo 145º-H, estão atualmente previstos no n.º 4 do art.º 145.º-Q (redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3), nos seguintes termos:

“Após a transferência prevista no n.º 1 e 2 do artigo 145.º-O, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo:
a)Transferir direitos e obrigações da instituição de transição para um veículo de gestão de ativos, constituído para o efeito, aplicando-se o disposto nos artigos 145.º-S e 145.º-T, quando tal seja necessário para assegurar as finalidades previstas no n.º 1 do artigo 145.º-C ou para facilitar a cessação da atividade da instituição de transição nos termos do disposto no n.º 1 do artigo seguinte;
b)Transferir outros direitos e obrigações e a titularidade de ações ou de títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução para a instituição de transição;
c)Devolver à instituição de crédito objeto de resolução direitos e obrigações que haviam sido transferidos para a instituição de transição ou devolver a titularidade de ações ou de títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução aos respetivos titulares no momento da deliberação prevista no n.º 1 do artigo 145.º-P, não podendo a instituição de crédito objeto de resolução ou aqueles titulares opor-se a essa devolução, desde que estejam reunidas as condições previstas no número seguinte.”

E, nos termos do n.º 5 do preceito, a mencionada “devolução” à instituição de crédito objecto de resolução de direitos e obrigações que haviam sido transferidos para a instituição de transição ou a devolução da titularidade de ações ou de títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução aos respetivos titulares no momento da deliberação de resolução está sujeita às seguintes condições:
“…quando tal esteja expressamente previsto na decisão do Banco de Portugal prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 145.º-O [decisão de aplicação da medida de resolução], quando as condições de transferência dos direitos, obrigações, ações e títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução aí previstas não se verifiquem ou quando aqueles direitos, obrigações, ações e títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução não se insiram nos critérios para a transferência aí definidos.”

Ora, verifica-se que, com base nas supra referidas prorrogativas do Banco de Portugal, teve lugar a Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014. E, por se ter verificado: - um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do BES em base consolidada não respeitando os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal nos termos do art.º 94 do mesmo regime legal, tendo o BCE suspendido o estatuto de contraparte do BES a par da obrigação daquele de reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema de cerca de 10 mil milhões de euros – o Banco Espírito Santo, S.A. foi sujeito à aplicação de uma medida de resolução, nos termos do disposto no citado artigo 145.º-C do RGICSF, tendo sido determinada, entre outros pontos, a constituição da sociedade Novo Banco, S.A. e, bem assim, a transferência do conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. para o Novo Banco, S.A.

Por sua vez, o texto consolidado do Anexo 2 da Deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, constante da Deliberação de 11 de Agosto, determinou que se transferiam para o Novo Banco, S.A., designadamente, as responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos (…)», excluindo dessa transmissão, como resulta do n.º 1, alínea (b) da Deliberação, um elenco de situações tendo por objecto alguma das matérias expressamente excepcionadas no próprio texto da Deliberação, tais como:
(ii) Obrigações contraídas perante entidades que integram o Grupo Espírito Santo e que constituam créditos subordinados nos termos dos artigos 48º e 49º do Código  da  Insolvência e  da Recuperação de  Empresas,  com  excepção das entidades integradas no Grupo BES cujas responsabilidades perante o BES foram transferidas para o Novo Banco, sem prejuízo, quanto a estas entidades, da exclusão prevista na subalínea
(v)Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a acções, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;
(vii)Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.
(…)
2. Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o Novo Banco, S.A., ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145º-H, número 5º.

Posteriormente, através da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 13 de Maio de 2015, veio a ser melhor clarificado o perímetro exacto dos activos e passivos transferidos para o Novo Banco, constando dos considerandos:

1.-Foram recentemente colocadas ao Banco de Portugal, por Potenciais Compradores do Novo Banco SA (Novo Banco), participantes do respetivo processo de venda, dúvidas sobre a transferência para o Novo Banco de eventuais obrigações contraídas e garantias prestadas perante terceiros pelo Banco Espírito Santo, S.A. (BES), designadamente perante os seus clientes de retalho, relacionadas com a comercialização de instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo (GES), bem como de quaisquer outro tipo de possíveis responsabilidades do BES emergentes ou conexas com essa comercialização;
2.-Cabe ao Banco de Portugal, enquanto autoridade de resolução, determinar os efeitos da medida de resolução adotada em 3 de agosto de 2014, fazendo aplicação dos conceitos genéricos constantes do Anexo 2 à deliberação do Conselho  de  Administração  do  Banco  de  Portugal de 3 de agosto de 2014  (20.00 horas), com a redação que lhe foi dada pela deliberação do mesmo Conselho de Administração de 11 de agosto de 2014 (17.00 horas) (deliberação de resolução), a situações concretas de incerteza ou dúvida, de modo a clarificar o perímetro exato dos ativos e passivos transferidos para o Novo Banco;
3.-(…)
4.-(…)
5.-A subalínea (iii) da alínea b) do parágrafo 1. do Anexo 2 da deliberação de resolução excluiu da transferência para o Novo Banco as obrigações contraídas e as garantias prestadas pelo BES perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades do GES, com exceção das entidades cujas participações sociais que tenham sido transferidas para o Novo Banco;
6.-A referência a terceiros nesta subalínea não prevê qualquer exceção, pelo que nessa referência estão necessariamente incluídos todos aqueles que investiram em instrumentos de dívida de entidades do GES, na eventualidade de, relativamente a eles, o BES ter contraído obrigações ou prestado garantias;
7.-Ao mesmo tempo, e por força da mesma disposição, tem de entender-se que só foram transferidas para o Novo Banco as obrigações contraídas pelo BES relacionadas com qualquer tipo de responsabilidades de entidades do GES se as mesmas já fossem exigíveis perante o BES à data da medida de resolução, ou seja, se o respetivo prazo já se tivesse vencido ou, sendo os respetivos créditos condicionais, se a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se tivesse verificado;
8.-Tanto a subalínea (iii), no sentido acabado de referir, como a subalínea (v) obedecem a imperativos de certeza na delimitação dos passivos transferidos e excluídos da transferência para o Novo Banco, bem como a critérios de expurgo da exposição ao risco GES, procurando reduzir os riscos sobre esse balanço associados à incerteza de vicissitudes ou factos relevantes que pudessem vir a afetar a capacidade financeira e solvência das entidades do GES;
9.-(…)
10.-A certeza assim conseguida foi igualmente determinante para calcular o montante dos meios financeiros disponibilizados pelo Fundo de Resolução para tornar possível a resolução do BES e o auxílio público que, por insuficiência de fundos imediatamente disponíveis no Fundo de Resolução, foi prestado pelo Estado ao Fundo de Resolução e indiretamente à constituição e capitalização do Novo Banco;
11.-Por outro lado, a subalínea (vii) da alínea (b) do mesmo parágrafo 1. do Anexo 2 à deliberação de resolução, que trata especificamente de situações geradas pela atuação do BES enquanto intermediário financeiro na comercialização de instrumentos de dívida de entidades do GES, não pode ser entendida como tendo transferido passivos que se encontram excluídos por força de outras subalíneas do Anexo 2, nomeadamente na subalínea (iii);
12.-(…)
13.-A exceção aberta pela subalínea (vii) não pode, portanto, em caso nenhum ser entendida no sentido de permitir a transferência para o Novo Banco de eventuais obrigações ou responsabilidades genericamente relacionadas com o reembolso de instrumentos de dívida emitidos por entidades do grupo GES, por motivo da incapacidade destas entidades de honrarem os seus compromissos,

Resulta, assim, da aludida Deliberação que:

O Conselho, ao abrigo da competência conferida pelo Regime Geral das Instituições  de  Crédito  e  Sociedades  Financeiras  para  selecionar  os  ativos e passivos a transferir para o banco de transição, e com vista à correta interpretação e aplicação dos efeitos da medida de resolução constante das deliberações de 3 e 11 de agosto de 2014, determinou o seguinte:

A.-À luz do disposto nas subalíneas (iii), (v) e (vii) da alínea (b) do parágrafo 1. do Anexo 2 da deliberação de resolução, não foram transferidas para o Novo Banco as eventuais obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências eventualmente assumidas pelo BES, nomeadamente perante clientes de   retalho, na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, salvo o disposto na parte final da subalínea (vii) de acordo com a interpretação definida em B);
B.-Na subalínea (vii) da alínea (b) do parágrafo 1. do Anexo 2 da deliberação de resolução, a expressão «sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados» tem que ser entendida em termos que assegurem a sua compatibilidade com os princípios subjacentes às exclusões previstas nas outras subalíneas, designadamente na subalínea (iii), ou seja, apenas abrange:
(i) os eventuais créditos não subordinados que fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado; e
(ii) os eventuais créditos não subordinados que resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar nos moldes previstos na referida subalínea (vii).

Finalmente, consta da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, o anexo 2C, sob a epígrafe “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas alíneas (v) e (vii) do n.º 1 do anexo   2 à  Deliberação do  Banco  de  Portugal  de  3 de Agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014 (17 horas), na parte que aqui releva:

O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A.- Clarificar que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do anexo 2 da deliberação de 3  de  Agosto,  não  foram  transferidas  do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos
extrapatrimoniais do BES que às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes  ou  desconhecidos  (incluindo  responsabilidades litigiosas, relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou de violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;

B.-Em particular desde já se clarifica não terem sido transferidas do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES:
(i) Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
(ii)Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com activos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco.
(iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de activos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de Agosto de 2014;
(iv) Todas as indemnizações relacionadas com os contratos de seguros de vida, em que  a seguradora BES - Companhia de Seguros de Vida, S.A.;
(v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas do contrato de mútuo em que o BES era mutuante;
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento;
(vii) Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no anexo I.

C.-Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de Agosto devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES com efeitos às 20 horas do dia 3 de Agosto de 2014;
 (…)

Acresce que, no Anexo I da referida Deliberação e, em conformidade com o referido em B) (vii) segue-se:

I.-Lista de responsabilidades litigiosas relativas aos processos judiciais pendentes em Tribunais em Portugal, constando o seguinte:
1.Processos existentes a 3 de Agosto de 2014:
(...)
2.Processos iniciados após 3 de Agosto de 2014 (relativos a factos anteriores à aplicação da medida de resolução):
(…)
II.-Lista de responsabilidades litigiosas relativas a processos judiciais administrativos e processos de contra-ordenação fora de Portugal:
(…)
III.-Lista de responsabilidade litigiosas relativas a processos pendentes em Tribunais Arbitrais:
(…)
IV.-Lista de responsabilidades relativas a processos administrativos e processos de contra-ordenação em Portugal:
(…)

É certo que o anexo I não integra o processo a que se refere a presente acção, porquanto a mesma foi instaurada já em 2016, após a prolação da aludida deliberação, não se suscitando qualquer dúvida que, face aos descritos critérios de definição do “perímetro de transferência” determinado pelo Banco de Portugal aquando da deliberação da medida de resolução, o invocado crédito do autor consubstanciado na alegada actuação ilícita e culposa do BES no âmbito do seu relacionamento com o autor, seu cliente, enquanto banco e intermediário financeiro, traduzido na venda de papel comercial de uma holding do Grupo BES, que se encontrava em estado de falência técnica, se inclui no aludido perímetro de alegadas responsabilidades do BES excluídas da transferência para o Novo Banco, por via daquela alínea A) e B vii do anexo 2-C da deliberação de 29.12.2015.

Ora, ainda que se entenda que está em causa a transferência da generalidade da actividade do Banco Espírito Santo, S.A. para um banco de transição  (Novo Banco), sendo o regime aplicável aos bancos de transição essencialmente o que resulta do disposto nos artigos 145º-G e 145º-I do RGICSF, bem como do Aviso do BdP n.º 13/2012, nos termos do artigo 145.º-H, n.º 9, do RGICSF, será o Novo Banco, S.A. que deverá garantir a continuidade das operações relacionadas com os activos, passivos,  elementos  patrimoniais e activos sob gestão do Novo Banco, S.A., previamente à transferência, sempre se terá de observar todas as excepções determinadas nas aludidas Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal – v. neste sentido, Ac.R.L. de 26.01.2017 (Pº 18084/15.5T8LSB.L1), de que foi relatora a ora relatora e adjuntos, os ora adjuntos.

Atenta a natureza normativa das deliberações do Banco de Portugal, face à interpretação e clarificação constante da Deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, há que concluir que o presente litígio é, indubitavelmente, matéria objecto das excepções contidas nas referidas Deliberações, visto que qualquer responsabilidade que fosse susceptível de ser imputada ao Banco Espírito Santo, S.A. essa eventual responsabilidade não se poderá ter por transferida do BES para a nova entidade constituída, i.e., o Novo Banco, S.A..

É certo que o autor alegou e agora reafirmou nas suas alegações que, em 14.8.2014, o Novo Banco terá emitido um comunicado em que afirmou estar determinado a comprar aos clientes de retalho do Novo Banco o papel comercial da ESI e Rioforte, subscritos na rede de retalho do BES até 14.02.2014, contando apresentar aos clientes propostas comerciais de compra do referido papel comercial.

Sucede que a aludida proposta comercial de aquisição de papel comercial foi efectuada em condições que se desconhecem, não tendo sido alegado que haja sido a mesma apresentada ao autor, representando uma situação diversa da pretensão aqui em causa consistente no ressarcimento correspondente a um prejuízo decorrente de uma realidade traduzida na aplicação num depósito a prazo, com a inerente garantia e uma remuneração fixa, não se podendo concluir que a responsabilidade com esta configuração haja sido assumida pelo Novo Banco e admitida a sua transferência do BES para o Novo Banco.

Acresce que atentas as circunstâncias subjacentes à criação de um banco de transição e os objetivos visados pela resolução a que acima se fizeram referência, entende-se ser inaplicável o regime de cisão simples de sociedade comercial, nomeadamente a da responsabilização solidária da nova sociedade face às dívidas da sociedade cindida, defendida pelo autor/apelante, tanto mais que dispõe o artigo 145.º-G, n.º 10, do RGICSF, que “O Código das Sociedades Comerciais é aplicável às instituições de transição, com as necessárias adaptações aos objetivos e à natureza destas instituições.


b)- DA INVOCADA INCONSTITUCIONALIDADE

Alega também o autor/apelante que a supra citada deliberação de 3 de Agosto de 2014, do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a identificada clarificação das deliberações de 29.12.2015 constituem uma manifesta violação do artigo 62º da Constituição, sendo entendimento do apelante, inconstitucional a interpretação dada ao artigo 101º da Constituição pelas citadas deliberações do BdP, por atentar contra a segurança da propriedade do autor.

Importa, então, verificar se as mencionadas normas dos Artigos 145º-B, nº 1, alínea c) e nº3, 145º-H, nº1 e 145º-Q, do RGICSF que habilitaram o Banco de Portugal a tomar a medida de resolução de 3 de agosto de 2014 que, na interpretação feita pelo Banco de Portugal lhe permitiu selecionar os activos e os passivos a transmitir ao Novo Banco, padecem de inconstitucionalidade material por integrarem violação do direito de propriedade do autor, impedindo-o de obter o pagamento do papel comercial que adquiriu ou, pelo contrário, não integram tal vício por se subsumirem na liberdade de conformação do legislador e por respeitarem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.

Resulta do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe  “Direito de propriedade privada” que:
1.-A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2.-A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante pagamento de justa indemnização.”

E, decorre, por outro lado, do artigo 101.º da CRP, sob a epígrafe “Sistema financeiro”, que: O sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social.”

Alegou o autor, em suma, que as deliberações do Banco de Portugal e as regras de direito ordinário em que se suportam, ao privarem o autor e os restantes “lesados do BES” do acesso aos activos que, sendo do BES, transitaram para o Novo Banco, ficando no BES apenas os passivos, viola direitos patrimoniais constitucionalmente garantidos, nomeadamente as poupanças.

Importa, porém, ter presente que, segundo a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, o direito de propriedade não é absoluto, devendo compatibilizar-se com outras exigências constitucionais, assumindo o direito de propriedade uma função social, podendo ocorrer actos limitativos do direito de propriedade, inclusive no interesse de privados, desde que encontrem cobertura ou justificação constitucional.
É que, o artigo 62º da Constituição, mais do que uma garantia subjetiva, integra uma garantia do instituto propriedade privada, impondo ao legislador ordinário que assegure a conformação da propriedade em obediência aos valores inscritos na Constituição, deixando, todavia, ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação do direito de propriedade desde que as soluções encontradas respeitem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:
a)Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
b) Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
c)Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).
– v. a propósito do princípio da proporcionalidade, entre muitos, Acs. T.C. nºs 491/2002 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020491.html); 187/01 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010187.html) e 632/2008 de 23.12.2008)
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080632.html)

Como esclarece LOURENÇO VILHENA DE FREITAS, “Da Constitucionalidade e Legalidade da Medida de Resolução do Banco de Portugal Relativamente ao BES”, Liber Amicorum Manuel Simas Santos, Rei dos Livros, 2016, 824 e 829, esta jurisprudência constitucional evidencia que ao legislador ordinário é conferida uma grande latitude na conformação do direito de propriedade quando este não incide sobre os direitos reais clássicos.

Entre os valores e interesses constitucionalmente protegidos e que poderão impor uma restrição do direito de propriedade, estão a especificidade da actividade bancária e a confiança no sistema bancário que justificam a imposição de medidas que evitem o risco sistémico e protejam a segurança dos depósitos.

Como refere PEDRO LOBO XAVIER, Das Medidas de Resolução de Instituição de Crédito em Portugal – Análise do Regime dos Bancos de Transição, Revista da Concorrência e Regulação, Ano V, nº 18, abril-junho 2014, 164-165, a medida de resolução bancária consiste na reestruturação de uma instituição de modo a garantir a continuidade das suas funções essenciais, preservar a estabilidade financeira e repor a viabilidade da totalidade ou de parte dessa mesma instituição, podendo as medidas de resolução ser de dois tipos: alienação (total ou parcial) da atividade de uma instituição que se encontre em dificuldades a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade transferida; constituição de um (ou mais) banco e transferência (total ou parcial) do património da instituição que se encontre em dificuldades para esse banco de transição.

A medida de resolução segundo MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Os limites da Medida de Resolução, Boletim de Ciências Económicas, 20 (http://www.ij.fd.uc.pt/publicacoes/bce/wp_15/wp_015.pdf), reveste uma dupla natureza: se é vinculado na verificação dos pressupostos, trata-se de uma decisão determinada por um critério de oportunidade e conveniência, atentas as finalidades do instituto.

De resto, recorda-se que os objetivos que presidiram à adopção da medida de resolução em causa foram aqueles que estão previstos no artigo 145º-A do RGICSF), i.e.:

a)Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;
b)Acautelar o risco sistémico;
c)Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;
d)Salvaguardar a confiança dos depositantes.
                             
Quanto ao primeiro objetivo, e como salienta PEDRO LOBO XAVIER, ob. cit. 158, a interrupção abrupta dos serviços financeiros, por parte de uma instituição de crédito, que providencia indispensáveis serviços financeiros aos cidadãos, às empresas e à economia, designadamente através de contas de depósito, concessão de crédito e prestação de serviços de pagamento, teria um impacto muito relevante no funcionamento da economia real e no bem-estar da sociedade.
E, pode afirmar-se que os objectivos legais que presidiram à selecção dos activos e passivos objecto de transmissão, terão sido, como tudo indica,   garantir  a   reposição  da   estabilidade   sem   a   qual  o   sistema financeiro deixava de ter condições para actuar, salvaguardar os diversos envolvidos e o erário público e responsabilizar os que estiverem na base da situação de impossibilidade para cumprir os requisitos de manutenção da autorização de exercício da atividade financeira.

Ademais, o Banco de Portugal, na procura da eficiência e dentro do seu legal poder discricionariedade, em função das circunstâncias específicas do caso concreto, pode decidir que activos e passivos devem ser transferidos, possibilitando-lhe, nomeadamente, isolar os instrumentos financeiros que poderiam expor o banco de transição a risco superior ao normal no mercado de capitais.

Aliás, como refere de forma pertinente, MAFALDA BARBOSA, A Relevância da Natureza do Crédito Detido pelo Cliente de uma Instituição Bancária Objeto de uma Medida de Resolução”, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, V. 59 (2016), 90: «(…) se todos os ativos e passivos fossem transmitidos para a instituição de transição (no caso de ser esta a medida concretamente aplicável), teríamos de concluir que de nada serviria a atuação saneadora do Banco de Portugal (…).

A deliberação do Banco de Portugal, sucessivamente aditada e interpretada, teve, por conseguinte, por efeito, a manutenção do crédito do autor na esfera jurídica do BES e a redução das garantias do crédito dos autores na precisa medida em que foram reduzidos os activos do BES que constituam garantia geral dos credores.

Atento o regime decorrente, designadamente, dos artigos 145º-B, nº1, alínea c) e nº4, 145º-F, nº6 e 145º-H, nº4, do RGICSF, não se pode falar de uma total eliminação do direito de crédito do autor, porquanto está garantido que o mesmo receberá sempre o que receberia caso o BES tivesse entrado em liquidação/insolvência à data da resolução, ou seja, verifica-se apenas uma medida de compressão ablatória do direito de propriedade do autor.

Assim e sintetizando, poderemos concluir que das finalidades legais da medida de resolução (cf. Artigo 145º-A do RGICSF) se infere que:
a)A medida de resolução constituiu o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos (princípio da adequação);
b)As alternativas de intervenção correctiva e de administração provisória (cf. Artigos 139º, 141º e 144º, alínea a), do RGICSF) não constituíam alternativas tempestivas e eficazes para atingir os mesmos desideratos referidos em a), atento a difícil situação em que se encontrava o BES (princípio da exigibilidade);
c)A transferência de activos e passivos feita pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, traduziu-se na condição necessária para o êxito da medida (princípio da proporcionalidade).

Acresce, por outro lado, que o autor/apelante parece assentar toda a sua argumentação no entendimento de que, se não fora a aludida aplicação da medida de resolução, o autor veria o seu direito total ou parcialmente acautelado, por certo por entender que a situação económica do BES não era tão séria como a que teria pressuposto a medida de resolução, tendo sido esta, pelo contrário, que terá agravado a situação líquida do banco, lesando os interesses dos accionistas e credores, o que esta absolutamente indemonstrado, posto que face aos elementos invocados na deliberação de 03.08.2014, já à data da intervenção do Banco de Portugal, o BES se encontrava em situação de falência iminente, apresentando enormes prejuízos, encontrando-se perante a impossibilidade de dar satisfação dos seus compromissos imediatos.


Como se salientou no Ac. R.L de 11.05.2017 (Pº 2471/16.4T8LSB-2), de que foi relator o ora 1º adjunto, a medida de resolução e as subsequentes deliberações do BdP foram tomadas, em princípio, para fazer face a uma situação de insolvência iminente do BES e para afastar os perigos alegadamente daí resultantes: para o sistema financeiro nacional e internacional, para o erário público, para os contribuintes, para os depositantes, etc. Ou seja, para uma situação que a própria lei presume de urgência (art. 146/1 do RGICSF), o que não pode deixar de significar que nem sequer é possível concluir que o BES pudesse cumprir as obrigações que tivesse perante o autor, ou mesmo, que o papel comercial de que o autor é titular tivesse algum valor.
De todo o modo, há que salientar a previsão da cláusula de salvaguarda, constante do n.º 3 do supra referido artigo 145.º-B do RGICSF, consistente na circunstância de que os credores não deverão receber menos do que o que receberiam se o BES tivesse entrado em liquidação à data da aplicação da medida de resolução.
Nestes termos, entende-se que os artigos 145ºB, nºs 1 e 3, 145º-G, 145º-H, nº1 e 16 e 145º-Q, nº 4 al.c) (aditado pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3) do RGICSF foram interpretados e aplicados com respeito pelo princípio da proporcionalidade e da adequada ponderação dos interesses em presença, ou seja: os interesses individuais dos credores, à luz do artigo 62.º da CRP, e os da comunidade em geral, tendo presente a necessária estabilidade do sistema financeiro, cuja relevância é evidenciada no artigo 101.º da CRP. Este tem sido, de resto, o entendimento jurisprudencial que acompanhamos, aduzido, nomeadamente, nos Acs. R.L. de 07.3.2017 (Pº 48/16.3T8LSB-L1-7) e de 26.4.2017 (Pº 31251/15.2T8LSB.L1-7) acessíveis em www.dgsi.pt a ainda no supra mencionado Ac. R.L. de 29.06.2017 (Pº 34398/15.1T8LSB.L1), relatado pelo ora relatora e subscrito pelos ora adjuntos.

Destarte, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV.-DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas.



Lisboa, 13 de Julho de 2017

  
  
Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Lúcia Sousa