Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ROQUE NOGUEIRA | ||
| Descritores: | SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA HABILITAÇÃO INCERTOS PRINCÍPIO DISPOSITIVO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 01/16/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | Suspensa a instância por óbito do réu, deduzida habilitação contra incertos, devem os autos ficar a aguardar que o requerente diligencie no sentido de apurar quem são os herdeiros, não se justificando oficiosidade por parte do Tribunal, considerando que o requerente não invoca impossibilidade de identificar todos os herdeiros nem justifica que não esteja ao seu alcance obter as necessárias informações para o efeito. (SC) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Relatório. No 3º Juízo Cível de Lisboa, Banco […] S.A., por apenso aos autos de acção com processo sumário que intentou contra O.[…] e A.[…], deduziu incidente de habilitação de José […] e mulher Maria […] ou dos herdeiros incertos do falecido O.[…], alegando que este faleceu em 28/5/05, com 23 anos de idade, no estado de solteiro, e que era filho dos requeridos J.[…] e mulher. Mais alega que ignora se o falecido deixou descendentes, bem como se faleceu ou não com testamento, pelo que, ignora se os pais do falecido são os únicos herdeiros dele. A final, requer a notificação do requerido A.[…] e a citação dos requeridos José […] e mulher, e, ainda, se for o caso, a citação edital dos eventuais herdeiros incertos do falecido O.[…], para, querendo, contestarem, seguindo-se os demais termos, designadamente, se for o caso, a citação do M.ºP.º, nos termos e para os efeitos do disposto no nº2, do art.375º, do C.P.C., nos termos aplicáveis do art.16º, do mesmo Código. Sobre tal requerimento recaiu despacho, determinando que os autos aguardassem que o requerente diligenciasse no sentido de apurar quem são os herdeiros, sem prejuízo do disposto no art.285º, do C.P.C.. Inconformada, a requerente interpôs recurso de agravo daquele despacho. Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2 – Fundamentos. 2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Os Juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos Tribunais superiores. 2. O Juiz só pode proferir despacho destinado a convidar a parte que apresentou os articulados, nos termos e nas situações previstas nos n°s. 2 3 do artigo 508° do Código de Processo Civil. 3. O artigo 64° da Lei Geral Tributária impõe a regra da confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes. 4. O despacho recorrido, ao não ordenar assim, face ao que dos autos consta, o normal e regular prosseguimento do incidente de habilitação de herdeiros em que sobe o presente recurso, violou o disposto no artigo 156°, n° l, do Código de Processo Civil, o disposto também, face ao prévio convite, do artigo 508°, n° l, alínea b), e n°s. 2 e 3 do Código de Processo Civil e, também e sempre, o disposto no artigo 64° da Lei Geral Tributária, donde impor-se a procedência do presente recurso e, assim, a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por acórdão que determine o normal e regular prosseguimento dos autos, ou seja, consequentemente, a notificação e citação que requeridas foram no requerimento ou petição inicial do incidente de habilitação onde sobe o presente recurso. 2.2. Antes do mais, proceder-se-á à transcrição do despacho recorrido, que é do seguinte teor: «Banco […]intentou o presente incidente de habilitação de herdeiros contra José […] e Maria […] ou dos herdeiros incertos do falecido O.[…]. Importa determinar quem são os herdeiros do falecido já que nos termos do disposto no art.16º do Código de Processo Civil, não é permitida acção contra incertos sem que o A. alegue a razão do desconhecimento da identidade, da profissão, da morada ou de qualquer outro elemento susceptível de permitir a identificação do ou dos demandados. No caso sub judice, limitou-se o requerente a afirmar que ignora se o falecido deixou descendentes, bem como se faleceu ou não com testamento. Não alega que não tivesse possibilidade de apurar e identificar esses herdeiros. Acresce que têm de ser certas as partes contra quem se deduz uma acção. não o podendo ser contra determinada pessoa "ou" outra ainda que incerta. Assim, aguardem os autos que o requerente diligencie no sentido de apurar quem são os herdeiros, sem prejuízo do disposto no art.285º do Código de Processo Civil.». Conforme refere Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, pág.39, em anotação ao art.16º, «O nº1 especifica, de forma explícita, que apenas é admissível a demanda de incertos quando o autor não tiver possibilidade de identificar os verdadeiros interessados directos em contradizer: na verdade, a propositura de uma acção contra incertos não pode representar uma forma de o pretenso titular de uma relação jurídica controvertida se furtar ao contraditório de quem contesta o seu direito – mas como uma via para assegurar o acesso aos tribunais, mesmo em casos em que inexiste ou é desconhecido o titular do interesse directo em contradizer a pretensão». Acrescentando que, «Nos casos de mera dificuldade «subjectiva» do autor na identificação dos interessados em contradizer – susceptível de ser, porventura, ultrapassada com a cooperação do tribunal, nos termos do disposto no nº4, do art.266º - deverá o tribunal determinar a realização das diligências pertinentes para se conseguir a identificação de tais interessados». A nosso ver, trata-se de entendimento correcto, já que, resultante da conjugação das normas constantes dos citados arts.16º, nº1 e 266º, nº4. Assim, enquanto o 1º prevê, como razão da propositura da acção contra incertos, a impossibilidade de o autor identificar os interessados directos em contradizer, o 2º consagra o poder-dever do tribunal de auxiliar qualquer das partes na remoção ou ultrapassagem de obstáculos que razoavelmente as impeçam de actuar eficazmente no processo. Sendo certo que, nos termos do disposto no nº4, do art.266º, cumprirá à parte que pretende obter a cooperação do tribunal justificar, de forma convincente, que não está ao seu alcance, mesmo actuando com a diligência devida, obter as informações ou documentos de que depende a eficácia da sua actuação processual. Caso em que, deverá o tribunal, ao abrigo daquele preceito, cooperar na remoção do obstáculo, não apenas quando ocorra impossibilidade absoluta e objectiva da parte em aceder a tais elementos, mas também quando o sacrifício imposto à parte para ao alcançar se configure como claramente desproporcionado e, como tal, não exigível. Acresce que, em certos casos, a cooperação requerida ao tribunal poderá traduzir-se na imposição à parte contrária de um dever de prestação de esclarecimentos sobre matéria relevante para o processo, que espontaneamente não quis prestar à parte interessada, ao abrigo do disposto nos nºs 2 e 3, do citado art.266º (cfr. Lopes do Rego, ob.cit., pág.215). No caso dos autos, o que se verifica é que, tendo falecido um dos réus na acção intentada pela autora, ora recorrente, esta deduziu o incidente de habilitação contra a parte sobreviva, contra os sucessores certos do falecido (pais) e contra os sucessores incertos, limitando-se a alegar que ignora se os pais do falecido são os únicos herdeiros dele. Isto é, nem invoca a impossibilidade de identificar todos os herdeiros, nem justifica que não esteja ao seu alcance obter as necessárias informações para o efeito. Daí o teor do despacho recorrido, que, com base nessa omissão por parte da autora, determinou que os autos aguardassem que aquela diligenciasse no sentido de apurar quem são os herdeiros, sem prejuízo do disposto no art.285º, do C.P.C.. Não se vendo que tal despacho viole qualquer disposição legal, nomeadamente, as invocadas pela recorrente. Assim, é manifesto que não foi violado o disposto no art.156º, nº1, do C.P.C., na parte em que determina que os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes. Aliás, foi precisamente por ter sido proferido despacho que a autora interpôs o presente recurso. Não há, pois, que falar em denegação de justiça. Por outro lado, ainda que se entendesse que o despacho recorrido traduzia um convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, não se vê que tal despacho violasse o disposto no art.508º, nºs 1, al.b), 2 e 3, do C.P.C., já que, atento o que atrás se expôs, se justificaria o aludido convite. Por último, não há que invocar violação do disposto no art.64º, da Lei Geral Tributária, desde logo porque, diligenciar no sentido de se apurar quem são os herdeiros, não implica, necessariamente, obter elementos informativos junto da Repartição de Finanças. Muito singelamente, entendemos que incumbe aos pais do falecido fornecer à autora os elementos, de natureza pessoal, indispensáveis para se proceder à habilitação de herdeiros, designadamente, indicação da existência e identidade de eventuais descendentes do falecido, das Conservatórias onde estão registados os nascimentos, etc.. Sendo que, no caso de tais elementos não serem voluntariamente fornecidos ao ilustre mandatário da autora, assistirá a este o direito de requerer que o tribunal determine aos pais do falecido a prestação de tais informações, nos termos do citado art.266º, nºs 2 e 3. Note-se que a cooperação requerida ao tribunal poderá ter como directos destinatários terceiros, estranhos à acção, designadamente, entidades públicas que detenham elementos, documentos ou informações a que a parte interessada e carenciada não tenha livre ou fácil acesso (cfr. os arts.519º e 519º-A, do C.P.C., cujo regime amplia, de forma significativa, o âmbito do dever de cooperação para a descoberta da verdade, quer em relação às partes, quer quanto a terceiros). Nada impede, pois, a nosso ver, que os autos fiquem a aguardar que a requerente diligencie no sentido de apurar quem são os herdeiros do falecido. Sem prejuízo, no entanto, de poder obter a cooperação do tribunal, se tal se justificar, nos termos atrás referidos. Improcedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente. 3 – Decisão. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o despacho agravado. Custas pela agravante. Lisboa, 16 de Janeiro de 2007 (Roque Nogueira) (Pimentel Marcos) (Abrantes Geraldes) |