Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0039719
Nº Convencional: JTRL00028762
Relator: NUNO GOMES DA SILVA
Descritores: DIFAMAÇÃO
DIFAMAÇÃO COM PUBLICIDADE
FIGURA PÚBLICA
Nº do Documento: RL200010120039719
Data do Acordão: 10/12/2000
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/ PESSOAS.
Legislação Nacional: CONST97 ART37 ART38. CCIV66 ART80 N2. CP98 ART180 ART181.
Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1996/01/31 IN CJ ANO1996 TI PAG242. AC RE DE 1996/07/02 IN CJ ANO1996 TIV PAG295.
Sumário: I - Todo o cidadão tem direito à protecção jurídica da sua honra e consideração, bem como da sua privacidade/intimidade, palavra e imagem.
II - Porém, para as "pessoas da história do seu tempo", ou seja, para aqueles que ocupam a boca de cena no palco da vida política, cultural, desportiva, etc., a tutela dos bens pessoais em questão é mais reduzida e fragmentada do que no caso do cidadão comum.
Decisão Texto Integral: 1 - No processo nº 5587/95.5TDLSB do 2º Juízo Criminal da comarca de Almada foram pronunciados (C), e (M), pela prática, em co-autoria, de um crime de difamação, p. e p. nos artigos 164º nº 1 e 167º nº 2 do C. Penal de 1982 e nos artigos 180º e 183º do C. Penal revisto pelo DL nº 48/95, de 15 de Março e, ainda, pela comissão, por cada um, respectivamente, de um crime de abuso de liberdade de imprensa, p. e p. no artigo 26º nº 2, alínea a) e no artigo 26º, nº 2 alínea b), do DL nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro na redacção da Lei nº 15/95 de 25 de Maio em vigor por força da Lei nº 8/86, de 14 de Março.
(L), assistente nos autos, deduziu contra os arguidos pedido de indemnização civil, por danos morais e patrimoniais, no montante global de Esc. 50.000.000$00.
Efectuado o julgamento foi decidido julgar improcedente por não provada a pronúncia e, consequentemente, absolver os arguidos.
Foi também julgado improcedente por não provado o pedido de indemnização civil, sendo também absolvidos os demandados.
Inconformado o assistente interpôs recurso pedindo a revogação da sentença e a condenação dos arguidos e a procedência do pedido civil, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição ):
1. O presente recurso pretende impugnar a decisão recorrida quanto à matéria de facto e de direito.
2. Os números 57º e 58º da matéria de facto considerada provada não encontram suporte nas declarações do arguido, como pretende a Sra. juíza a quo.
3. O assistente sentiu-se abalado psicologicamente, sentiu-se ofendido na sua honra e consideração e sentiu violada a sua intimidade. É o que resulta das suas declarações.
4. Para um esclarecimento da verdade material deverá ser renovada a prova na parte respeitante às declarações do assistente.
5. O enquadramento da notícia é difamatório.
6. A seguinte frase, retirada da notícia, demonstra claramente a intenção difamatória: «Desde então, empresário e futebolista procuram a todo o transe descortinar uma fuga. E acreditaram terem-na encontrado num facto aparentemente anódino: (L) trocou o seu bilhete de identidade no Arquivo de identificação de Lisboa e no novo com o número 9836937 e que lhe foi passado em 7 de Dezembro último (quase dois meses após o contrato assinado no Funchal com a Juve) - a sua assinatura surge abreviada: (L) (ver documento).»
7. Há uma notória insinuação da prática de factos pelo assistente para se furtar ao cumprimento de um contrato.
8. Na douta sentença recorrida, acaba-se por reconhecer que «objectivamente e sem mais poderíamos, então, considerar o texto ofensivo da honra e consideração do assistente».
9. O argumento da contextualização não colhe, porque o comportamento individual não pode deixar de ser punido, apesar de parecer idêntico ao comportamento geral.
10. A notícia em questão ultrapassa notoriamente o direito de informar constitucionalmente consagrado. Entra no que é legalmente censurado, ou seja, na insinuação da prática de factos desvalorosos.
11. A prova da verdade desta insinuação não foi feita nem sequer foi alegada.
12. Nem tão-pouco foi considerado provado que o assistente tivesse assinado um contrato válido e eficaz, mas apenas um pré-acórdo sujeito a posterior confirmação (nº 60º a 64º da matéria de facto provada).
13. Os arguidos não agiram de boa- fé, crendo na veracidade dos factos subjectiva e objectivamente.
14. Os arguidos agiram com intuito manifestamente difamatório,
pretendendo atingir o assistente na sua honra e consideração.
15. Assim, não há qualquer causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente a prevista no art. 180º nº 2, alíneas a) e b) do Código Penal em vigor e, à data dos factos, no art. 164º, nº 2, alíneas a) e b) do Código Penal de 1982.
16. Este normativo não podia ter sido aplicado.
17. Mas, mesmo na hipótese puramente académica de se considerar que o assistente não se sentiu atingido na sua honra e consideração, o que só por mera cautela e dever de patrocínio se admite, sempre haveria de se considerar preenchido o tipo penal, uma vez que não se exige a produção efectiva do resultado, bastando a atitude criminosa em si considerada, ou seja, a adequação dos juízos ou factos imputados ao assistente para atingir a sua honra ou consideração.
18. Finalmente, face ao que ficou dito no que respeita à matéria de facto, não pode deixar de ser julgado procedente o pedido cível na parte relativa aos danos não patrimoniais.
O magistrado do Ministério Público apresentou a sua resposta pedindo a rejeição do recurso e pugnando também pela sua improcedência tendo concluído do seguinte modo (transcrição):
1. A transcrição do gravado compete a quem recorre.
2. O recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 412º nº 4 do CPP.
3. PeIo que o recurso deve ser liminarmente rejeitado por manifesta improcedência, ao abrigo do art. 420º nº 1 do CPP.
4. A publicação do artigo pelos arguidos obedeceu a uma cuidadosa recolha de informação e não se escorou numa pura convicção subjectiva, antes assentando numa dimensão objectiva exigível ao trabalho jornalístico sério.
Também os arguidos responderam à motivação do recorrente pedindo a improcedência do recurso e concluindo essa resposta nos seguintes termos (transcrição);
A - No sistema processual vigente, a prova é, salvo casos especiais apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente - cfr. art. 127º do CPP -, sendo que atento tal princípio, o depoimento do assistente, dos arguidos e das testemunhas - documentados nos autos - e, bem assim, dos documentos juntos aos autos, não merece qualquer censura a apreciação da prova feita pelo tribunal a quo.
B - Atento o disposto no art. 430º do CPP a renovação da prova só será admissível se se verificarem cumulativamente duas condições: - a) verificar-se um dos vícios enumerados no nº 2 do art. 410º da lei penal adjectiva; b) haver fundadas razões para crer que a renovação evita o reenvio do processo para novo julgamento -, as quais in casu, não só se não verificam como também não foram alegadas pelo assistente.
C - O facto de o assistente considerar determinados pontos da matéria de facto mal julgados não consubstancia nem equivale à alegação de erro notório na apreciação da prova e, bem assim, a simples referência ao "depoimento do assistente" não cumpre o desiderato dos nºs 3 e 4 do art. 412º do CPP, tendo, pois, de improceder a pretendida renovação de prova uma vez que não foram indicadas pelo assistente os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância podia ser renovada.
D - Atentos os factos provados identificados na douta sentença sob os nºs 1,3, 5 a 14, 57 e 58 é manifesto que o arguido (C) sempre teria de ser absolvido dos crimes pelos quais vinha pronunciado uma vez que se não provou que o mesmo fosse "quem criou o texto ou a imagem " ou ,sequer que a tivesse "promovido" - cfr. art. 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro -, nem que fosse o arguido o "autor da imagem" - cfr. art. 26º, nº 1, al. a) da Lei nº 15/95 - e, bem assim, não lhe é imputável a publicação na primeira página do jornal do bilhete de identidade do assistente (cfr. arts. 180º do C. Penal 1995 e 164º do C. Penal de 1982).
E - Atentos os factos provados identificados na douta sentença sob os nºs 14 a 20, 30, 32, 37, 57 e 58 é manifesto que o arguido (M) sempre teria que ser absolvido da prática dos crimes pelos quais vinha pronunciado uma vez que por um lado, não se provou que ele "não se opôs ...podendo fazê-lo" - cfr. art. 31º da Lei de 13 de Janeiro - e que, por outro lado, se provou uma das causas da exclusão da responsabilidade do director do jornal prevista na al. a) do art. 26º da Lei nº 15/95, aplicável ex vi da alínea b) do mesmo artigo, assim como, atenta tal factualidade, não é imputável ao arguido a notícia em causa - cfr. arts. 180º do C. Penal 1995 e 164º do C. Penal de 1982.
F - Resulta dos autos, maximê da factualidade provada, em certa medida por via do próprio depoimento do assistente, mas também do dos arguidos, das testemunhas e dos documentos, que o mesmo não se ofendido na sua honra e consideração com o teor ou conteúdo da notícia mas, coisa diferente, apenas sentiu "incomodidade" pela publicação do seu bilhete de identidade no jornal em causa.
G - Por outro lado, do teor do artigo em causa não resulta qualquer insinuação de que a troca do bilhete de identidade do assistente tenha visado que o mesmo se furtasse ao cumprimento do contrato - ou acordo, ou pré-acordo ou pré-contrato - que havia celebrado com a Juventus, não obstante na audiência o assistente ter confessado que assinou tal contrato, ainda que anteriormente o tenha negado publicamente e a diversos órgãos de comunicação social (cfr. pontos 34º, 35º, 38º, 49º e 51º da factualidade provada).
H - Do artigo em causa apenas constam factos que o assistente confirmou, finalmente, na audiência, sendo que a expressão "fuga" teve o sentido de "saída" ou argumento a que, de resto, o assistente inequivocamente recorreu conforme resulta das suas afirmações transcritas nos citados documentos juntos aos autos (cfr. pontos 35º e 38º, entre outros da factualidade provada).
I - Conclui-se, portanto, que a notícia em causa não contém quaisquer expressões que mereçam censura penal nem o assistente se sentiu ofendido ou desconsiderado na sua honra pelas mesmas, sendo que a publicação do bilhete de identidade não viola nenhum dos preceitos legais pelos quais os arguidos vinham pronunciados nem era subsumível, à data dos factos, a qualquer tipo legal de crime.
J - Da notoriedade do assistente - que se considerou, e bem, na audiência de julgamento, uma figura pública - objecto do interesse da generalidade das pessoas, da circunstância de os factos objecto do artigo serem de notícias diárias e do facto de o assistente contribuir com sistemáticas afirmações, algumas
contraditórias entre si resulta manifesto relevo social dos factos publicados.
L - Por outro lado, o arguido (C) deslocou-se propositadamente a Itália, na qualidade de enviado especial, par onde contactou directamente com a Juventus, foram obtidas cópias de todos os documentos relevantes, incluindo o próprio bilhete de identidade do assistente, permitindo uma fácil comprovação da
veracidade da notícia que mais não é que a rigorosa expressão do teor desses documentos conjugada com factos de conhecimento público porque até já haviam sido afirmados pelo próprio assistente e publicados em jornais.
M - Assim, e em conclusão, é manifesto que a notícia em causa se mantém dentro do necessário à divulgação dos factos em causa pelo que é lícita e, insusceptível de censura penal.
N - Acresce que dos factos provados resulta manifesta a veracidade dos factos que constam da notícia, uma vez que entre a assinatura de um e outro - contrato - o assistente, efectivamente, requereu um novo bilhete de identidade em que apôs uma assinatura distinta daquela que constava no anterior bilhete de identidade - igual à aposta no primeiro contrato que celebrou - e igual à que apôs no segundo contrato que, depois, celebrou com outro clube de futebol, pelo que sempre se verificaria in casu a causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 180º, nº 2, alíneas a) e b), parte final do C. Penal de 1995 e no art. 164º, nº 2, alíneas a) e b) do C. Penal vigente à data dos factos.
O - O crime de difamação situa-se entre os crimes materiais exigindo a efectiva produção da lesão da honra e/ou consideração para que o crime se haja por consumado (cfr. Faria e Costa, Direito Penal, Coimbra, 1992, pags. 580 e ss.) exigindo, pois o dolo do agente, que não se verificou, e, bem assim, que, efectivamente, o sujeito passivo, o ofendido, se sinta lesado na sua honra ou consideração.
P - O assistente apenas referiu ter sentido "incómodos", sendo que nos termos do disposto no art. 496º do C.C. apenas os danos não patrimoniais relevantes merecem a tutela do direito, não sendo indemnizáveis os simples incómodos (cfr. Ac STJ de 12.10.1973, in BMJ 230, pag. 107, Ac. Rel Évora de 12.07.1984, in CJ, 1984, 4º, pag. 288 e A. Varela, Obrigações, pag. 428).
Q - Conclui-se, pois, que não procede qualquer das conclusões, e respectivas pretensões, vertidas pelo assistente na sua alegação, nenhuma censura merecendo a sentença recorrida que fez a melhor apreciação da prova e subsunção dos factos aos respectivos preceitos legais aplicáveis.
2. - O resultado do julgamento foi seguinte:
2.1. - Factos provados (transcrição):
1º - Em Janeiro de 1995 (C) exercia a actividade de jornalista, integrando o grupo editorial do Jornal "OJogo";
2º - No qual desempenhou tais funções entre Março de 1994 e Junho de 1998;
3º - No dia 23 de Janeiro de 1995, (C), por decisão da direcção do "Jogo" deslocou-se a Turim Itália;
4º - Na qualidade de enviado especial do Jornal;
5º - A fim de entrevistar o director desportivo da Juventus Football Club, SPA, (A), responsável pelo mercado de transferências dos jogadores para o clube;
6º - Ao "Jogo" interessava apurar, designadamente se (L) tinha assinado dois contratos, com clubes desportivos italianos diferentes, bem como os respectivos contornos, matéria que estava a ser objecto de notícias polémicas, por parte de outros jornais desportivos, em Portugal;
7º - Em Turim, (C), contactou, no mesmo dia, o correspondente
local do "Jogo" (V);
8º - O qual lhe forneceu diverso material informativo, por si recolhido, relacionado com a temática acima assinalada;
9º - Após ter examinado os elementos fornecidos por (V), (C), ainda, no mesmo dia, entrou em contacto, telefónico, com a redacção do Jornal "O Jogo", no Porto;
10º - Veiculou, então, para um gravador de chamadas a informação de que o jogador de futebol (L) se havia reunido, na Madeira, com o presidente do Juventus, (R);
11º - E que no decurso de tal encontro (L) teria assinado um acordo, pelo qual se comprometia a jogar naquele clube, na época futebolística de 1995/96;
12º - Não teve, porém, acesso a qualquer documento de identificação oficial de (L);
13º - (C) permaneceu em Turim no dia 24 de Janeiro de 1995;
14º - Nesse mesmo dia - 24 de Janeiro de 1995 - "O Jogo" ostentou na primeira página, como título principal, os dizeres "(L) trocou de bilhete de identidade depois de assinado pela Juve";
15º - O título foi, por baixo, ilustrado com cópia do bilhete de identidade, frente e verso de (L) e, à esquerda deste, com assinaturas, duas delas com o nome de (L) e, uma outra com o nome (R);
16º - Por baixo do bilhete de identidade surge um texto, o qual contém, além de outras afirmações a seguinte "quando na semana passada, o Sporting vendeu (L) à Juventus, o clube italiano tinha, de facto, em seu poder um contrato assinado pelo jogador";
17º - E "as dúvidas que, desde então, se têm levantado - primeiro sobre a veracidade do acto, e, depois, sobre a sua validade jurídica - prendem-se, afinal, o simples facto do futebolista ter passado a assinar o seu nome de forma mais abreviada";
18º - E, ainda, "É que (L) trocou de bilhete de identidade - e de assinatura em Dezembro";
19º - Findo o texto é feita uma chamada para a página 9;
20º - Nesta sob o título "(L) assinou pela Juventus em Outubro e trocou de Bilhete de Identidade em Dezembro", foi reproduzido o texto introdutório, constante da primeira página, bem como cópia, frente e verso, do seu bilhete de identidade e as assinaturas acima referidas;
21º - A cópia do bilhete de identidade encontra-se circundada por um outro texto, onde se escreve que "(L) assinou um contrato com a Juventus (...)";
22º - O "futebolista do Sporting assina esse contrato por extenso: (L) ( ... );
23º - O jogador, esse, começou por negar a existência de tal contrato para, mais tarde, admitindo que o tinha assinado, lhe retirar qualquer validade jurídica (...)";
24º - "O próprio Parma (...) reivindica o passe de (L) na sequência de um comprometimento nesse sentido assumido pelo empresário do futebolista";
25°- "E foi este negócio (...) que (...) se gorou (ou, pelo menos, ficou bloqueado) com o "raid" dos homens de Turim a Lisboa" ;
26º - "O jogador (e o seu empresário) perdiam, por certo, um grande negócio"; -
27° - "Desde, então, empresário e futebolista procuram a todo o transe descortinar uma fuga";
28º - E, ainda, "E acreditaram terem-na encontrado num facto aparentemente anódino: (L) trocou o seu Bilhete de Identidade no Arquivo de Identificação de Lisboa e no novo - com o número 9836937 e que lhe foi passado em 7 de Dezembro último ( quase dois meses após o contrato assinado no Funchal com a Juve) - a sua assinatura surge abreviada: (L) (ver documento);
29º - O artigo está "assinado" por (C) e (V), em Turim;
30º - (M) era em Janeiro de 1995 Director do Jornal "O Jogo", função que, ainda, hoje desempenha;
31º - Teve conhecimento prévio do conteúdo da noticia referida nos artigos anteriores, cuja publicação promoveu;
32º - (M) esteve ausente das instalações do "Jogo" no dia 23.1.95;
33º - A impressão gráfica das páginas números 1 e 9 da edição do jornal de 24 de Janeiro de 1995 foi decidida pelo director-adjunto, (B);
34º - Na edição do jornal "Record" de 20 de Janeiro 1995 foi título da primeira página "(L) o tabu que angústia todo o país: "não assinei pela Juventus";
35º - Ainda na mesma edição, na página 22, reporta-se uma entrevista com (L), escrevendo-se, em discurso directo: "Deixei bem claro (...) que estávamos apenas em presença de um pré-acordo, no qual, volto a repetir não consta a minha assinatura";
36º - Na mesma página cita-se um elemento da direcção de Sporting, (I): "Eu não sou inspector! A olho nu, não há nenhuma diferença. Era a assinatura dele, exacta! E só com essa certeza é possível fazer contratos";
37º - Na edição do jornal "A Bola" de 21 de Janeiro de 1995 é título de primeira página: "(L) É verdade, fiz um pré-acordo com a Juventus";
38º - Na página nove do mesmo jornal publica-se uma entrevista com o jogador, na qual se lhe imputa, em discurso directo, a afirmação: "O meu nome consta nesse papel, mas não está lá a minha assinatura, não tendo, portanto, qualquer validade legal";
39º - E, contínua "Tratou-se, tão só de um pré-acordo que, posteriormente, desfiz através de uma carta enviada para a Juventus";
40º - Na primeira página da edição do jornal "Record" de 23 de Janeiro de 1995, pode ler-se, ao lado da fotografia do jogador, "Sporting acusa (L) de mudar assinatura";
41º - Na mesma edição, nas páginas interiores, mostra-se escrito "A direcção do Sporting tem conhecimento que a assinatura de (L) no contrato promessa com a Juventus não corresponde à do bilhete de identidade";
42º - "E acusa, agora, o jogador de, sob a alegação de ter perdido o bilhete de identidade, ter procedido à sua renovação, nele colocando uma assinatura diferente da que constava do anterior e do contrato que assinou com a Juventus";
43° - "O empresário delineou este plano e convenceu o jogador a forjar uma nova assinatura, o que é grave e pode ter consequências para o próprio";
44º - Na edição do jornal "Record" de 29 de Janeiro de 1995, escreve (D) "(L) (...) não só não respeitou um pré-acordo, que dantes valia como acordo definitivo, caso se concretizassem - e concretizavam-se, em função da força da palavra envolvida (...) como desmentiu a existência de uma assinatura, hoje comprovadamente feita pelo seu punho";
45º - E, ainda, "Nessa atitude (L) compromete duplamente valores que são próprios da condição humana, cruza uma desgraçada fronteira e situa-se na zona sombria dos que se importam pouco com os valores e se importam muito com contas bancárias";
46º - Na edição do jornal "Record" de 30 de Janeiro de 1995 escreve (J) "Também ele, (L) se não coibiu de dar luz verde a certos com uns e, na ânsia da Barganha, tenha enveredado pela artimanha e a raposise de acordar compromissos com outros";
47º - "Acordos esses, afinal, a desmerecerem na data de início de vigência e na rubrica que pelos vistos o não era, más, simplesmente, a escrita de seu próprio nome. O que, para gente escorreita e de bem, vale o mesmo";
48º - E, ainda, "No entanto, na trama constaria a mudança de documento oficial identificativo, com novo sarrabisco a servir de firma";
49º - Na edição do jornal "A Bola" de 9.2.95 pode ler-se "(L) nega-o. Dizendo que, se o seu nome figura no documento, não foi lá aposto pelo seu punho. E pelo meio surge uma rocambolesca história de um bilhete de identidade extraviado e substituído, entretanto, por um novo título de identificação, com uma nova assinatura diferente da assinatura anterior";
50º - E na edição do mesmo jornal de 26.1.95 escreve-se "(L) e o seu futuro. Estou tranquilo" e, em discurso directo "Estou tranquilo quanto ao meu futuro";
51º - E, ainda "(L) admitiu, novamente, ter rubricado um pré-acordo com a Juventus, mas, insistiu "renunciei e dei-o sem efeito";
52º - Em Janeiro de 1995, (L) jogava futebol profissional como titular na equipa do Sporting Clube de Portugal;
53º - O acordo que o vinculava a este clube cessava no termo da época futebolística de 1994/95 ;
54º - Após o que, podia o jogador jogar em qualquer outro clube;
55º - Tendo o Sporting Clube de Portugal direito a uma quantia, a título de compensação, pelos gastos efectuados com a formação do jogador;
56º - À data, vários órgãos de comunicação social vinham noticiando uma perspectivada saída de (L) do Sporting Clube de Portugal e o seu ingresso noutro clube europeu;
57º - (L) não se sentiu ofendido na sua honra nem na sua consideração com o teor da noticia publicada no jornal "O Jogo" de 24 de Janeiro de 1995;
58º - Sentiu sim invadida a sua intimidade pela publicação do seu bilhete de identidade, a qual não foi por si autorizada, em ilustração da mesma;
59º - (L) teve conhecimento dos artigos atrás referidos, veiculados pela imprensa, bem como das noticias de natureza similar, na ocasião, difundidas por outros órgãos de comunicação social;
60º - Em data não determinada, mas anterior a Dezembro de 1994, (L) acordou com a Juventus Football Club, SPA, que se vincularia a jogar na respectiva equipa a partir de Julho de 1995;
61º - Tal acordo carecia de aprovação pelo Conselho de Administração da Juventus;
62º - Após o que, seria firmado entre o jogador e o club, novo acordo de teor idêntico, mas de carácter definitivo, a ser assinado, novamente, por ambos;
63º - O acordo a que se alude em 60º foi subscrito por (L) e pelo presidente da Juventus, (R);
64º - Sendo que, no mesmo, o jogador apôs o seu nome completo - (L);
65º - (L) requereu, perante o Arquivo de Identificação de Lisboa, a emissão de um novo bilhete de identidade;
66º - O qual foi emitido com data de 7.12.94;
67º - Deste novo documento de identificação, consta a assinatura de (L), apenas, com o primeiro e o último nome;
68º - (L) firmou um acordo, pelo qual se comprometia a jogar no
CIube Desportivo Parma, em Março de 1995;
69º - No Capítulo V da Circular FIFA nº 524, de 17.12.93 proíbe-se a assinatura de acordos entre clubes de futebol e jogadores antes de 28.2;
70º - Sendo permitida, tão só, a realização de acordos preparatórios, denominados pré-acordos;
71º - É convicção generalizada no meio jornalístico que a subscrição de um determinado artigo por jornalista denominado de enviado especial, confere, ao mesmo especial credibilidade, na medida em que significa que o jornal se deslocou ao local;
72º - É prática corrente e generalizada na imprensa fazer subscrever o artigo com o nome do jornalista enviado ao local, independentemente de dele provir, ou não, a notícia;
73º - (C) exerce, actualmente, a função de consultor desportivo;
74º - Aufere, mensalmente, o vencimento de 400.000$00 (quatrocentos mil escudos );
75º - Vive com a mulher, secretária de direcção, e uma filha que frequenta o ensino pré-escolar;
76º - (M) aufere um vencimento mensal de 600.000$00 (seiscentos mil escudos);
77º - É casado e tem dois filhos de idade superior a 18 anos, dos quais um é estudante;
78º - (M) é tido pelas pessoas que com ele trabalham, bem como por vários profissionais do jornalismo, como um excelente jornalista, sério, intransigente sobre a necessidade de investigação como alicerce da notícia, de bom relacionamento humano, honrado, imparcial e obediente aos princípios éticos da profissão;
79º - Nenhum dos arguidos regista condenações anteriores.
2.2. - Factos não provados (transcrição);
Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa e, designadamente que:
- O artigo em causa nos autos, publicado na edição do jornal "O Jogo" de 24.1.95, tenha, ele próprio, constituído ou, originado um forte abalo na imagem, bom nome, ou consideração do assistente;
- Por via dele o assistente tenha sido preterido em várias campanhas publicitárias, tenha deixado de realizar vários negócios, nomeadamente relacionados com a sua transferência;
- O assistente tenha suportado quaisquer danos patrimoniais em consequência, ou originados pelo referido artigo do jornal "O Jogo";
- O assistente se tenha sentido, em função do referido artigo abalado psicologicamente.
3. - Como resulta do acórdão de fls. 779-784, proferido em 00/05/25, o conhecimento do recurso interposto pelo assistente é restrito à matéria de direito sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 410º CPP, ou seja, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios a que se alude naquelas normas.
4. - Tem-se como aceite que a doutrina dominante, procurando estender também à consideração a tutela jurídico-penal da honra perfilha um conceito fáctico-normativo dessa mesma honra que assim é considerada um bem jurídico complexo através do qual se protege "a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade" (Cfr. prof. Faria Costa in "Comentário Conimbricense do C. Penal", p. 607; prof. Costa Andrade, "Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal", p. 82).
Bem como se admite e aceita que a compreensão da honra tem uma óbvia variabilidade "em função das representações colectivas dominantes e historicamente contingentes" (prof. Costa Andrade, ob. cit.) e que essa mesma honra tem igualmente "a sua extensão e consistência dependentes da conduta do portador" (Prof. Costa Andrade, ob. cit., p. 83 ).
É igualmente aceite pacificamente o estatuto de direito fundamental da liberdade de imprensa como aliás decorre dos arts. 37º e 38º CRP.
Posto isto, reconhece-se sem rebuço a permanente e persistente tensão entre iguais (na dignidade pessoal, comunitária e institucional), o mesmo é dizer entre a
liberdade de imprensa e os bens jurídico-criminais pessoais, seja a honra seja ainda a privacidade/intimidade, a palavra e a imagem. E também a imperatividade de os conflitos entre a liberdade de imprensa os bens pessoais em questão serem superados pela ponderação de bens do caso concreto, pela "prevalência valorativa", a reclamar uma intervenção decididamente conformadora e cocriadora do julgador na definição do direito a verter sobre o caso concreto (prof. Costa Andrade, ob. cit., p. 152). Ainda que com uma linha orientadora de actualização em relação a um outro tempo e a um outro modo, dando primazia ao "livre jogo da discussão": "um sim inequívoco à tutela destes bens jurídicos (pessoais); não porém uma protecção a todo o preço e em todas as direcções" (prof. Costa Andrade, ob. cit. p. 185).
Outro ponto sobre o qual há também convergência diz respeito à existência do que a doutrina e a jurisprudência constitucional alemãs designam por "pessoas da história do seu tempo" (Person der Zeitgeschite), aqueles que ocupam a boca de cena no palco da vida política, cultural, desportiva, etc., os seus protagonistas, portanto, e em relação aos quais a tutela dos bens pessoais em questão é mais reduzida e fragmentada do que no caso do cidadão comum.
"O que está em causa é dar guarida no discurso jurídico a uma ideia correspondente a uma das mais óbvias representações colectivas. A de que a tutela jurídica, e sobretudo a tutela jurídico-penal desta particular constelação de bens jurídicos ... terá de ser claramente diferenciada. Isto em função do lugar de cada um na comunidade (do relevo público da sua pessoa ou dos seus actos) e da sua maior ou menor exposição aos holofotes da publicidade. Uma ideia a que o legislador tributa abertamente homenagem ao prescrever no nº 2 do art. 80º do C. Civil (Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada): "A extensão da reserva é definida conforma a natureza do caso e a condição das pessoas"' (prof. Costa Andrade, ob. cit. p. 261-262).
Aquela maior redução e fragmentaridade justifica-se com o apoio do "pensamento vitimodogmático" segundo o qual "a concretização dos deveres constitucionais de protecção depende tanto da natureza e dignidade dos bens jurídicos ameaçados, da intensidade das ameaças como das possibilidades de auto-tutela do (portador) ameaçado", considerando-se que os bens jurídicos em questão são precisamente os que contam com as mais "extensas e consistentes alternativas de auto-tutela" porque "a exposição ao escrutínio e devassa, nomeadamente por parte da imprensa, depende fundamentalmente do estatuto, da postura e do comportamento de cada um" (prof. Costa Andrade, ob. cit. p. 189-190).
Em síntese e no dizer de Degenhart citado pelo Prof. Costa Andrade ( ob. cit., p. 191): "Quem espalha a sua própria vida privada na publicidade e procura notoriedade através dos media, terá por sua vez de contar com que a publicidade
se ocupe dele. EIe renuncia nessa medida à protecção global da sua esfera privada. Por princípio, isto só valerá para a área da vida privada que o próprio indivíduo divulga. Quem, porém, puser no mercado dos media toda a sua personalidade para fins comerciais ou políticos, terá já de contar com o interesse global da comunidade pela sua pessoa".
Ou ainda numa formulação mais terra a terra mas porventura mais elucidativa contida numa frase carregada de significado atribuída ao antigo presidente dos EUA, Harry Truman: "Quem não aguenta o calor não deve trabalhar na cozinha".
5. - O que há a salientar antes de tudo no caso presente é que, no essencial, a notícia a que os autos se reportam e que é alvo do desagrado do recorrente relata factos verdadeiros.
O que o recorrente entende ser o núcleo da difamação, como resulta da sua motivação, é o trecho da notícia onde se refere o seguinte (pontos 26º a 28º da matéria dada como provada):
- "O jogador (e o seu empresário) perdiam, por certo, um grande negócio";
- "Desde, então, empresário e futebolista procuram a todo o transe descortinar uma fuga";
- "E acreditaram terem-na encontrado num facto aparentemente anódino: (L) trocou o seu Bilhete de Identidade no Arquivo de Identificação de Lisboa e no novo - com o número 9836937 e que lhe foi passado em 7 de Dezembro último (quase dois meses após o contrato assinado no Funchal com a Juve) - a sua assinatura surge abreviada: (L)".
Há, portanto, se assim se quiser duas partes distintas na mencionada notícia: a primeira diz respeito aquilo que é a imputação de factos que são no essencial verdadeiros; a segunda está na tomada de posição sobre esses factos, o que é coisa diferente, na interpretação que deles é feita nomeadamente quando se menciona que o recorrente e o seu empresário "procuraram descortinar uma fuga";
Como é público e notório o recorrente é uma daquelas "pessoas da história do seu tempo" a que supra nos referimos. É um atleta de alta competição, praticante de uma modalidade de enorme e notória importância a todos - note-se bem, a todos - os níveis e que além disso, para lá dessa faceta mas em correspondência com ela, se nos apresenta amiúde dando-nos conta de singelos passos da sua vida privada/íntima como resulta da leitura das revistas da sociedade, das entrevistas a jornais de grande dimensão, das reportagens televisivas, etc.
Donde resulta óbvio e incontornável o interesse público por todos os aspectos da vida do recorrente mesmo aqueles que não têm directamente a ver com as suas prestações como futebolista, afinal a razão de ser da sua popularidade.
E tanto assim é que nos factos provados são numerosas as referências a outros órgãos de comunicação social que abordaram a matéria que deu origem ao presente processo.
A "exposição ao escrutínio e devassa" desses aspectos da vida do recorrente, de certo modo laterais à sua carreira de desportista, é no fundo o preço apagar, como acima se referiu pelo alcançar do "reconhecimento e do carisma públicos e da legitimação que eles emprestam".
A essa exposição corresponde um inevitável baixar da guarda no domínio da acima aludida auto-tutela dos bens juridico-pessoais, ao abdicar da reserva co-natural ao cidadão comum e, em contraponto, ao avanço por parte dos media do "escrutínio" e da" "devassa" da sua vida e da de muitos outros nas mesmas condições. Assim é que a todo o momento e de todo o modo as notícias sobre o "mundo do futebol" - que não sobre o jogo do futebol - nos preenchem parte do quotidiano, quando lemos jornais, vemos televisão ou ouvimos rádio tal como aliás o comprova a matéria de facto dada como provada quando dá nota do interesse de outros jornais desportivos sobre o assunto que deu aso á notícia que desagradou ao recorrente.
Evidentemente que esse "escrutínio" e essa "devassa" não podem ser feitos a todo o custo mas apenas nos limites do interesse do público a quem o recorrente e os outros protagonistas nas mesmas circunstâncias se dão a consumir - passe a expressão em benefício da clarificação da ideia - na tradução do que é hoje a representação colectiva dominante relativamente ao fenómeno desportivo, maxime ao futebol e aos seus intérpretes. Preservando, portanto, um núcleo essencial dos seus valores morais e a consideração de que, por via deles, gozam na comunidade.
É por isso que se crê que no contexto da representação colectiva desse "mundo do futebol" e da sua complacência social e nela inserindo a notícia em questão e designadamente o trecho que o recorrente mais põe em causa, nada há de ofensivo da honra e consideração do recorrente, nada há que atinja esse núcleo essencial. Correlacionando, claro, a constrição na protecção dos bens pessoais no sentido já apontado com o nível de desvalor das expressões invocadamente difamatórias e ainda com a "conduta do portador" (cfr. supra 4.) pois a singularidade e coincidência da substituição do seu B. Identidade e da mudança de assinatura não encontram explicação nas inúmeras declarações prestadas aos media e que são referidas nos factos provados.
Antes de mais porque é plausível a interpretação que a decisão recorrida faz das expressões acima mencionadas no sentido de a palavra "fuga" ser lida como saída ou argumento para pôr em causa a validade do pré-acordo firmado entre o recorrente e a "Juventus" e, além disso, por que se não descortina nessas expressões qualquer conotação de enxovalho, de rebaixamento ou malevolência. Nem num sentido genérico nem circunscrevendo os factos ao complexo e profundo "mundo do futebol" "e aos seus protagonistas, como "pessoas da história do seu tempo".
Cabe lembrar, de resto, que tanto a doutrina como a jurisprudência são, desde há muito e de forma unânime, restritivas na avaliação do desvalor da ofensa considerando "que nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (cfr. prof. Beleza dos Santos," Algumas Considerações Sobre Crimes de Difamação e de Injúria", RLJ, Ano 92, p, 167) ou ainda "que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180º e 181º, tudo dependendo da 'intensidade' ou perigo da ofensa" (cfr. Oliveira Mendes, "O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal", p. 37- reportando-se as normas citadas ao C. Penal Revisto). No mesmo sentido v. g. o Ac. Rel. Porto de 96.01.31 (CJ 1/96 - 242; relativo a um elucidativo caso de luta política em que o arguido chamou criança malcriada, mentiroso e manipulador ao assistente) e o Ac. Rel. Évora de 96.07.02, CJ 4/96-295).
Ora, perante o exposto, não tendo a notícia em causa carácter ofensivo da honra e consideração do assistente o que se conclui é que há uma situação de atipicidade, não se podendo ter por preenchido o tipo objectivo do ilícito imputado aos arguidos que é coisa diversa de se considerar que há um afastamento da ilicitude em sede de causa de justificação como o faz a decisão recorrida (cfr. fIs. 709) ao invocar o nº 2, als. a) e b) do art. 164° C. Penal de 1982 para fundamentar juridicamente a absolvição dos arguidos.
6. - A inexistência de crime de difamação cometido através da imprensa e por conseguinte a improcedência do recurso nessa parte leva evidentemente à improcedência da parte sobrante que respeita ao pedido civil de indemnização (art. 483º C. Civil). 7. - Em face do exposto embora com fundamento parcialmente diferente decide-se negar provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida.
Pelo decaimento integral das suas pretensões (cfr. também acórdão de fls. 779-784) atento o disposto nos arts. 515º, nº 1, al. b) CPP e 82º, nº 1 CCJ pagará o recorrente 25 UC's de taxa de justiça.
Feito e revisto pelo 1° signatário.
Lisboa 12/10/00
Nuno Gomes da Silva
Margarida Blasco
Margarida Vieira de Almeida
(Vencida nos termos da declaração junta)

Declaração de Voto:
Não posso acompanhar a tese que fez vencimento porquanto entendo que:
o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e à reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação são direitos pessoais consagrados no art. 26º da Constituição da República sob a epígrafe "Outros direitos pessoais". Outros porque os artigos anteriores prevêem o direito à vida e o direito à integridade pessoal.
Estes direitos são direitos com tutela constitucional directa e que vinculam entidades públicas e privadas, designadamente os Tribunais por força do disposto nos arts. 202º, nº 2 e 204º, 18º e 22º da - Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado, uma das tarefas fundamentais do Estado - art. 9º da mesma Lei Fundamental - é ..."b) garantir os direitos fundamentais...".
Acresce que nos termos do art. 16º da mesma lei Fundamental ..."os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê no seu art. 6º que "todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento em todos os lugares da sua personalidade jurídica" e no seu art. 12º que..."Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra ou reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.
Também a Convenção Europeia prevê no seu art. 10º a liberdade de expressão e no nº 2 explicita bem que ..."O exercício destas liberdades porquanto implica deveres e responsabilidades pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para.... a protecção da honra ou dos direitos de
outrém...", que, segundo o art. 14º da mesma Convenção ... deve ser assegurada sem quaisquer distinções como as fundadas ... a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.
Aqui chegados, temos de concluir que por força destas convenções, que vigoram no direito interno, há um interesse público na protecção do direito à honra e consideração dos cidadãos, enquanto valores inerentes à personalidade humana, ou seja, como aquilo que Hubmann caracteriza como um direito subjectivo, absoluto, delimitável no seu objecto, eficaz nas relações juscivilísticas e ...que tomou como ponto de partida o princípio ético jurídico da dignidade, intangibilidade e desenvolvimento da pessoa humana...
Ora, se há um interesse público na defesa desses mesmos direitos, até porque o Estado tem como tarefa fundamental fazê-los respeitar, não é admissível qualquer limitação voluntária aos direitos de personalidade por contrária aos princípios da ordem pública - art. 81º do Código Civil.
Assim, temos de concluir forçosamente que o assistente tem direito a ver a sua personalidade protegida contra qualquer ofensa, por força não só dos preceitos já citados mas ainda por força do princípio geral consagrado no art. 70º do Código Civil.
Ainda segundo a tese que fez vencimento, o assistente teria
contribuído para a situação mas analisando a mesma à luz dos critérios do nº 2 do art. 80º do CC, ou seja, conforme a natureza do caso e a condição das pessoas, não podemos concordar.
Para definir a natureza do caso, convém transcrever aqui a frase escrita no artigo: "Desde então, empresário e futebolista procuram a todo o transe descortinar uma fuga. E acreditaram terem-na encontrado num facto aparentemente anódino: (L) trocou o seu bilhete de identidade no Arquivo de Identificação de Lisboa e no novo com o número 9836937 e que lhe foi passado em 7 de Dezembro último (quase dois meses após o contrato assinado no Funchal com a Juve) - a sua assinatura surge abreviada: (L) (ver documento).
De acordo com as circunstâncias do caso, esta afirmação é ofensiva da honra e consideração do assistente pois insinua claramente que se quer furtar ao cumprimento do contrato, fazendo ainda um pré-julgamento da conduta do jogador, através de escrito publicado na imprensa.
Essa pode não ser a explicação única para a mudança de assinatura e a mensagem que é passada a quem lê a notícia deixa como única ideia a possibilidade de através daquilo que o jornalista considera um expediente o jogador se furtar ao cumprimento da sua palavra.
Violações de contratos é coisa que abunda nos tribunais cíveis, bem como violação das negociações preliminares, podendo até haver alterações de circunstâncias que as justifiquem.
Em nosso entender, aquilo que a notícia faz é um pré-julgamento da actuação, do jogador e aqui assistente, sem qualquer contraditório, e veiculando juízos de valor, que não informação que o leitor possa, depois de ler, analisar e valorar; o que permanece na mente de quem lê a notícia é que o jogador terá faltado á sua palavra, usando um expediente-alteração da assinatura no novo bilhete de identidade.
E esta afirmação é de facto, violadora do direito que o mesmo tem à honra e consideração, entendidas como a probidão, rectidão e carácter (honra) e como reputação, crédito, confiança (consideração) que lhe são devidas enquanto pessoa e enquanto profissional diferenciado que é do futebol.
Como pode ler-se no Ac. do STJ- de 20.03.1973, BMJ nº 225º, 222 ..."Atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado, é atentar contra o seu bom nome, reputação e integridade pessoal".
Foi o que aconteceu, e, por isso, em nosso entender, o recurso do assistente merece provimento.
Resta ainda, para finalizar, analisar a questão de a difamação e injúria terem sido, segundo se defende, legitimadas pelo exercício de um direito.
A nosso ver, a liberdade de imprensa consagrada no art. 38º da
Constituição mais não é do que um corolário de todos os outros direitos pessoais. Explicitando melhor: como refere o Prof. Capelo de Sousa in Direito Geral da Personalidade" ... a pessoa humana - toda e qualquer pessoa humana - é o bem supremo da nossa ordem jurídica, o seu fundamento e o seu fim, pág. 97.
Tanto assim é que a actual Constituição reforçou ainda a tutela dos direitos de personalidade ao estabelecer como limite material das leis de revisão o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos - art. 288º d), ao admitir largamente a vigência na ordem jurídica interna do direito internacional relativo aos direitos fundamentais (arts. 16º, nº 1 e 8º) e ao determinar que "os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 16º, nº 2). - Cfr. ob cit, pág. 98.
Assim sendo, como primado do nosso raciocínio temos que a
Declaração Universal dos Direitos do Homem supõe um direito geral "ao livre e pleno desenvolvimento da personalidade (preâmbulo e arts. 6º e 29º, nº 1).
Daí que a Convenção Europeia consagre no art. 10º que o direito à liberdade de expressão compreende a liberdade de receber ou transmitir informações ou ideias..., podendo o exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades (sublinhado nosso) ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias para a defesa ...da honra e dos direitos de outrém... (nº 2 do art.).
Também a Declaração Universal dos Direitos do Homem no seu artigo 19º diz que todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão o que implica ... o direito de procurar, receber e difundir, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
Destes princípios resulta que a liberdade de imprensa tem uma finalidade social que é a de promover a difusão de ideias e informações que permitam aos cidadãos desenvolver a sua personalidade e desenvolverem-se enquanto pessoas, nos princípios decorrentes do texto destas Convenções, que vigoram no direito interno.
A conclusão lógica a extrair deste primado aos direitos pessoais, irrenunciáveis como vimos já, é que os destinatários últimos da Iiberdade de imprensa são os indivíduos, e que esta liberdade mais não é do que o corolário de todos os outros direitos pessoais à liberdade de pensamento e de informação, daí que nunca possa ser exercida contra aquele núcleo fundamental de direitos que obriga o Estado e as demais entidades públicas e privadas - art. 18º da CRP.
Como vimos, a frase ínsita no artigo não veicula ideias ou informações mas um pré juízo de valor sobre a conduta do assistente, à margem do seu direito de defesa, concedido em qualquer tribunal, e sem analisar se o mesmo teve, ou não, qualquer outro motivo para aquela conduta, face à alteração de circunstâncias.
Foi, pois, em nosso entender, cometido um crime de difamação através de imprensa, p.p. pelos arts. 164º, nº 1 e 167º do CP de 1982, e nos arts. 180º e 183º do CP revisto, e p.p. pelo art. 26º, nº 2 a) e b) do DL 85-C/75, de 26 de Fevereiro, na redacção da Lei nº 15/95, de 25 de Maio em vigor por força da Lei nº 8/86, 14 de Março, pois como ensina o Prof. Faria Costa ..." quando o legislador define, penalmente, a difamação e injúria como crimes contra a honra, ele não está unicamente a elevar à categoria de bem jurídico-penal a honra, está também e simultaneamente a tomar uma posição marcante no que toca ao equilíbrio de valorações entrecruzadas entre o direito de informar e o direito à honra. Ele está, digamo-Io de forma mais
sintética mas não menos precisa, a introduzir um limite ao exercício do direito de informar. Efectivamente, este, o direito de informar, cessa quando na sua lógica interna de discursividade, se violar ou puser em perigo o direito à honra. (sublinhado nosso) - in Direito Penal da Comunicação, 1.1.3 Os crimes de abuso de liberdade de imprensa, Coimbra-Editora, 1998 pág. 58.
Concederíamos, por tudo isto, provimento ao recurso, dando razão ao assistente.
Do mesmo, não podemos votar a condenação em 25 UCs de taxa de justiça por consideramos e mesma excessiva, mesmo em caso de decaimento do assistente como veio a acontecer no acórdão que fez vencimento.
Lisboa 12/10/2000
Margarida Vieira de Almeida