Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3424/11.4TTLSB.L1-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: A Constituição da República Portuguesa e as normas legais em matéria de igualdade e não discriminação no trabalho exigem do empregador que adopte as medidas necessárias à efectiva igualdade de tratamento e se iniba das práticas que importem diferenciação injustificada, pelo que, se o mesmo tiver ao seu serviço trabalhadores em regime de emprego público e em regime de contrato de trabalho, não tendo tal factor qualquer influência na quantidade, natureza e qualidade do trabalho, o princípio a trabalho igual, salário igual, numa vertente positiva, exige daquele uma atitude activa de equiparação substantiva em matéria retributiva, e, por inerência, em matéria de promoção profissional.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório

1.1. AA, BB e CC vieram intentar acção declarativa de condenação, com processo comum, contra SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA, pedindo a condenação desta a reconhecer-lhes o direito à contagem do tempo de serviço prestado como Auxiliares de Educação desde as datas das respectivas admissões ao serviço, para efeitos de reposicionamento por escalões, por módulos de 3 anos, na carreira de Educador de Infância, com efeitos remuneratórios desde 01/01/2002 a 31/12/2005, nos termos da Lei n.º 5/2001, daí resultando para:
- a 1.ª A., o seu reposicionamento no escalão 9.º a contar de 01/01/2002, e de Abril de 2003 a Dezembro de 2005 no escalão 10.º;
- a 2.ª A., o seu reposicionamento no escalão 9.º, desde Janeiro de 2002 até Dezembro de 2005; e
- a 3.ª A., o seu reposicionamento desde Janeiro de 2002 até Dezembro de 2003 no escalão 9.º e de Janeiro de 2003 a Dezembro de 2005 no escalão 10.º;
e condenada a R. a pagar-lhes, por via desses reposicionamentos:
- à 1.ª A., a importância de € 44.979,44 de diferenciais entre o que recebeu e o que devia ter recebido no período de 01/01/2002 a 31/12/2005, acrescida de juros vencidos (€ 13.359,25) e vincendos;
- à 2.ª A., a importância de € 45.328,75 de diferenciais entre o que recebeu e o que devia ter recebido no mesmo período de 01/01/2002 a 31/12/2005, acrescida de juros vencidos (€ 14.440,66) e vincendos; e
- à 3.ª A. a importância de € 50.693,32 de diferenciais entre o que recebeu e o que devia ter recebido no mesmo período de 01/01/2002 a 31/12/2005, acrescida de juros vencidos (€ 15.678,40) e vincendos.
Para tanto, alegam, em síntese, que:
i) tendo iniciado funções na SCML, como auxiliares de educação, respectivamente em 27/04/1977, Maio de 1975 e Junho de 1977, tendo frequentado curso de promoção para Educadoras de Infância entre 1985/1988 e 1986/1989, e tendo depois transitado do vínculo à função pública para contrato individual de trabalho, sempre exercendo as mesmas funções para a R., tendo outras funcionárias suas colegas, ao tempo, optado por permanecer com vínculo público, viram, depois de vários pedidos junto da R. e por decisões judiciais (sentença e acórdão confirmativo), reconhecido o seu direito a que lhes fosse contado o tempo de serviço, na carreira/categoria de Educadora de Infância, desde a data em que cada uma das autoras, respectivamente, iniciou o curso de promoção para tal categoria profissional;
ii) Porém, dizem, aquelas decisões judiciais não consideraram, porque não pedido, a aplicação do disposto na Lei n.º 5/2001, que entrou em vigor com o Orçamento de Estado de 2002;
iii) Sendo que a R. veio a considerar a contagem do tempo de serviço e consequente reposicionamento às Educadoras de Infância, oriundas de Auxiliares de Educação, que se mantiveram com o vínculo público, contando-lhes como Educadoras de Infância e docência todo o tempo de serviço desde a sua admissão como Auxiliares de Educação, procedimento que não teve para com as autoras, as quais, por isso, se acham com direito a idêntico tratamento e que, pela contagem de tal tempo de serviço, teriam sido posicionadas em escalões mais elevados do que aqueles em que estiveram desde Janeiro de 2002 a Dezembro de 2005.
Procedeu-se à realização de audiência de partes, não tendo sido possível obter a conciliação daquelas (fls. 71 e ss.).
A R. veio apresentar contestação, em que alega, em síntese (fls. 83 e ss.):
i) não é de aplicar às AA. o disposto na Lei n.º 5/2001, por si e pela alteração que sofreu por via da Lei n.º 59/2005, por não serem estas aplicáveis aos funcionários que detinham o regime do contrato individual de trabalho, nem a SCML ser obrigada a aplicar tal regime às Educadoras de Infância que, como acontecia com aquelas, não fossem da Administração Pública, inexistindo, por isso, a obrigação da R. de proceder à contagem do tempo de serviço prestado pelas AA. enquanto Auxiliares de Educação e na qualidade de funcionárias públicas, repercutindo-se, em consequência, tal contagem nas remunerações por elas auferidas entre 01/01/2002 e 31/12/2005;
ii) Foram, pois, as AA. correctamente posicionadas nos escalões e progrediram neles de acordo com seu regime vinculístico.
Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a fixação dos factos assentes e da base instrutória (fls. 107).
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo no final sido proferida a decisão relativa à matéria de facto, sem reclamações, e notificadas as partes para se pronunciarem sobre a excepção de caso julgado suscitada oficiosamente pelo tribunal (fls. 254 e ss.), ao que acederam as AA. (fls. 267 e ss.) e a R. (fls. 279 e ss.).
Seguidamente, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo (fls. 304 e ss.):
«Face ao exposto, julgamos a presente acção parcialmente procedente, por provada em parte, e em consequência:
a) condenamos a R a reconhecer a cada uma das AA a contagem do respectivo tempo de serviço prestado como auxiliares de educação, desde as datas das respectivas admissões ate 31/12/1982, para efeitos de reposicionamento por escalões, por módulos de 3 anos, na careira de Educadora de Infância, com efeitos remuneratórios desde 01/01/2002 a 31/12/12/2005, nos termos previstos na Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio;
b) mais condenamos a R a apagar a cada umas das AA as diferenças retributivas, decorrentes do reposicionamento supra ordenado, a liquidar em execução de sentença, a elas acrescendo os legais juros de mora, contados desde a data em que cada prestação era devida e até efectivo e integral pagamento, absolvendo a R do demais peticionado.
Custas por A e R, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se este em 1/5 para as AA e 4/5 para a R – artigo 446.º do Código de Processo Civil.
Fixamos em € 185.491,82 o valor desta acção.»
1.2. A R., inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões (fls. 333 e ss.):
(...)
1.3. As AA. apresentaram resposta ao recurso da R., formulando as seguintes conclusões (fls. 352 e ss.):
(...)
 
1.4. Por outro lado, as AA. interpuseram recurso subordinado da sentença, formulando as seguintes conclusões (fls. 375 e ss.):
(...)
1.5. A R. apresentou resposta ao recurso subordinado das AA., formulando a seguinte conclusão (fls. 407 e ss.):
(...)
1.6. Os recursos foram admitidos como apelação com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo o das AA. e suspensivo o da R. (fls. 411 e 420).
1.7. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso da R. e da procedência do recurso das AA. (fls. 430/431).
Colhidos os vistos (fls. 440), cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica de precedência, são as seguintes:
- nulidade da sentença por omissão do facto que consta da alínea r) da decisão da matéria de facto;
- excepção de caso julgado na parte em que o tribunal de primeira instância assim o entendeu;
- relevância do tempo de serviço das AA. como Auxiliares de Educação na respectiva antiguidade na categoria de Educadora de Infância.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados foram fixados pela primeira instância nos seguintes termos:
1. A primeira A., AA, foi admitida ao serviço da R. (SCML) em 27.04.1977, com a categoria de Auxiliar de Educação.
2. A segunda A., BB, foi admitida ao serviço da R. (SCML) em Maio de 1975, com a categoria de Auxiliar de Educação.
3. A terceira A., CC, foi admitida ao serviço da R. (SCML) em Julho de 1977, com a categoria de Auxiliar de Educação.
4. Entre 1981 e 1988, foram promovidos, a nível nacional, cursos de promoção a Educadoras de Infância, em regime pós-laboral, aos quais podiam concorrer os trabalhadores com a categoria de Auxiliares de Educação e que reunissem os requisitos legais, ou seja: o tempo mínimo de serviço de 5 anos e habilitações literárias.
5. Todas as autoras concorreram a tal concurso, tendo:
Nome                     Início do curso       Termo do curso
1.ª A. – AA          Outubro de 1985        Julho de 1988
2.ª A. – BB          Outubro de 1985        Julho de 1988
3.ª A. – CC          Outubro de 1986        Julho de 1989
6. Terminados os cursos, nas datas indicadas, as AA. continuaram a desempenhar funções de Educadoras de Infância, mantendo-se-lhes atribuída a categoria de Auxiliares de Educação e auferindo vencimento correspondente a esta categoria.
7. As AA., em 16/06/1989, promoveram uma exposição ao então Provedor da SCML, manifestando a sua pretensão de harmonização das funções por si desempenhadas com a categoria profissional correspondente, sensibilizando-o para a questão.
8. Não obtiveram qualquer resposta a esta exposição.
9. A situação de desfasamento entre as funções desempenhadas e a denominação da categoria profissional das A. manteve-se, sendo estas informadas pelos responsáveis da SCML que a regularização de tal situação dependia da abertura de concursos externos de ingresso na carreira de Educadora de Infância.
10. Em Janeiro de 1991, pelo então Director de Serviços do Departamento de Pessoal da SCML, foi elaborada, para apreciação superior, informação no sentido de que trabalhavam na SC 14 Auxiliares de Educação que continuavam a aguardar oportunidade de serem integradas/ascenderem à categoria de Educadora de Infância, que correspondia, de facto, à sua formação base, e ainda informando:
«… estas funcionárias desempenham, por conveniência de serviço, as funções de Educadoras de Infância”. Solicitando a viabilização da abertura de concurso externo de ingresso que permitisse a regularização destes processos. // “É que, havendo quadro de pessoal, só seria possível a legalização dessa situação, mediante a abertura dos respectivos concursos, com ingresso na base da carreira de Educadora e pagamento do respectivo vencimento.»
11. Não chegou a haver a abertura de concurso externo para ingresso na categoria de Educador de Infância.
12. Em 24/03/1992, as aqui AA. assinaram contrato individual de trabalho com a R., aí constando a categoria de Auxiliares de Educação, assim optando por porem termo ao vínculo próprio da Função Pública que as ligava à R..
13. Na sequência desse contrato, as AA. continuaram a desempenhar funções inerentes às de Educadoras Infância e a receber vencimentos correspondentes a Auxiliares de Educação.
14. As aqui AA. e outras trabalhadoras propuseram contra a aqui R. uma acção declarativa de condenação a que coube o n.º 2/2002, do 2.º Juízo, 2.ª Secção deste mesmo Tribunal.
15. Nessa acção pediam, em síntese, o seguinte:
«I – O reconhecimento às autoras, para todos os devidos e legais efeitos e designadamente os de escalonamento na categoria de Educadoras de Infância, os direitos que a seguir expressamente se indicam:
a) À contagem do tempo integral do exercício efectivo dessas funções, nelas se incluindo e desde o seu início (nos termos do artigo 85º do Decreto-Lei nº 35/88, de 4/02 e à semelhança do que a Ré praticou com todos os outros colegas) os 3 anos do respectivo curso;
b) O pagamento das diferenças remuneratórias, por todo o período que mediou, para cada Autora, entre o final do respectivo curso e 1/6/1992 e em que as Autoras exerceram as funções de Educadoras de Infância e foram remuneradas como Auxiliares de Educação;
c) À equiparação, para todos os efeitos e designadamente os remuneratórios e referentes a faltas, férias e licenças, reforma e aposentação, a todas as condições do regime da Função Pública praticadas pela Ré em relação às trabalhadoras não optantes,
d) Caso assim, se não entendesse, e subsidiariamente, o direito a subida de escalão de 3 em 3 anos desde 1983 e ao consequente posicionamento que actualmente lhe corresponda;
e) Em qualquer dos casos, ao pagamento de todas as correspondentes diferenças remuneratórias, a liquidar em execução de sentença, por as Autoras não disporem no momento da propositura da acção de todos os elementos que lhes possibilitem proceder a tal liquidação.
f) Juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
II- Condenação da ré no pagamento a cada uma das Autoras do montante mínimo de Esc. 2.000.000$00 a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial causados às demandantes pela conduta ilícita e reiterada da Ré, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação até seu integral pagamento.»
16. Nessa acção, foi proferida sentença, em 15/08/2006, que, entre o mais, decidiu:
«I - Reconhecer às Autoras, para todos os devidos e legais efeitos e designadamente os de escalonamento na categoria de Educadoras de Infância, dos direitos que a seguir expressamente se indicam:
a) À contagem do tempo integral do exercício efectivo dessas funções, nelas se incluindo e desde o seu início (nos termos do artigo 85º do Decreto-Lei nº 35/88, de 4/02 e à semelhança do que a Ré praticou com todos os outros colegas) os 3 anos do respectivo curso de formação, com as consequências legais dela decorrentes;
b) Ao pagamento das diferenças remuneratórias, por todo o período que mediou, para cada Autora, entre o final do respectivo curso e 1/6/1992 e em que as Autoras exerceram as funções de Educadoras de Infância e foram remuneradas como Auxiliares de Educação, a quantificar em liquidação de sentença, nos termos dos artigos 47º, número 5 e 378º e seguintes do Código de Processo Civil.
c) Ao direito à subida de escalão de 3 em 3 anos desde o início do respectivo curso de formação e ao consequente posicionamento que actualmente lhe corresponda;
d) Ao pagamento de todas as correspondentes e restantes diferenças remuneratórias, a quantificar em liquidação de sentença, nos termos dos artigos 47º, número 5 e 378º e seguintes do Código de Processo Civil./ (…)»
17. Esta sentença veio a ser objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa o qual, por Acórdão de 10.09.2008, veio a confirmar a mesma na parte acima transcrita, tendo alterado o valor indemnizatório pedido pelas Autoras por danos não patrimoniais em que a sentença condenara a ré, tendo transitado em julgado.
18. Em tal sentença e Acórdão foi considerado como assente, entre o mais, que:
«AA) Desde o início dos respectivos cursos de educadoras de infância, as Autoras desempenhavam já as funções de educadoras de infância, nos mesmos termos em que o faziam as colegas a quem a Ré reconhecia tal “categoria profissional”, e tal sucedeu por indicação dos directores dos estabelecimentos onde as Autoras exerciam funções, no interesse da Ré e com inteiro conhecimento desta.»
19. E, na fundamentação de direito dessa sentença, ao delimitar-se o pedido das AA., de modo a «… precisar o seu exacto alcance, dado o mesmo ser susceptível de diversas interpretações e sentidos, podendo defender-se que, com tal pretensão, as Autoras perseguem a contagem do seu tempo de serviço como educadoras de infância desde o início das respectivas funções e que, por lhe ser anterior, não coincide com o começo da frequência dos Cursos de Promoção a Educadoras de Infância (…) //
// Olhando ao conjunto dos factos alegados e às pretensões formuladas pelas Autoras, iremos encarar este pedido no primeiro sentido exposto, ou seja, que estas perseguem a contagem do tempo de serviço desde 1983, data em que alegadamente terão iniciado funções próprias de educadoras de infância.//
Chegados aqui dir-se-á que da matéria de facto dada como assente (não) resulta que as Autoras tenham começado a prestar funcionalmente serviço como Educadoras de infância desde o referido ano de 1983, apontando antes a alínea AA) para uma aparente coincidência temporal entre o início de tais funções e o dos respectivos Cursos de Promoção, sendo desse circunstancialismo que iremos apreciar a pretensão formulada pelas demandantes, sendo certo que era a elas que competia alegar e provar os factos pertinentes a tal matéria, nos termos dos artigos 467º do Código de Processo Civil e 342º e seguintes do Código Civil, tendo a dúvida insanável que se suscita relativamente ao começo das funções em questão de ser resolvida, conforme determina o artigo 516º do Código de Processo Civil, contra as Autoras, por ser a elas que aproveitaria a respectiva prova.»
20. Datada de 16/06/1992, a Chefe de Divisão da Administração do Pessoal da SC elabora uma proposta para apreciação da hierarquia, na qual, após referir a opção facultada aos trabalhadores da SCML pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho, menciona um grupo de onze Auxiliares de Educação, cuja lista se anexa, detentoras do curso de Educador de Infância e encontrando-se a exercer funções próprias desse grupo profissional, afirma que «urge adequar a categoria profissional de cada trabalhador às funções realmente desempenhadas, de molde a que o objecto do respectivo contrato corresponda à sua efectiva  prestação de trabalho», que «estas onze trabalhadoras têm todas informações de serviço favoráveis, tendo optado, inclusivamente, na convicção de que por essa via seria mais favorável a resolução das suas situações profissionais» e propõe que «seja introduzida uma alteração aos contratos individuais de trabalho das Auxiliares de Educação constantes da lista anexa, integrando-as na categoria de Educador de Infância, 1º Escalão, com efeitos a 1 de Junho de 1992.»
21. Esta proposta mereceu parecer favorável do Director Coordenador do Departamento de Pessoal da R., o qual “chama a atenção” que, para as Auxiliares de Educação que não optaram pelo regime do contrato individual de trabalho, está já elaborada proposta de criação de um grupo de trabalho que estude a reclassificação profissional das mesmas trabalhadoras, visando um tratamento equitativo dentro da carreira.
22. Na sequência dos pontos anteriores, a SCML celebrou com a A. Maria de Fátima, datado de 01/06/1992, com início nessa data, subscrito pela R. SCML e pela 1.ª A. Maria de Fátima, um intitulado “Contrato de trabalho por tempo indeterminado”, segundo o qual e entre o mais, à A. era atribuída a categoria de Educadora de Infância, Escalão 1, mediante o pagamento da retribuição mensal de Esc. 117.700$00, correspondente à remuneração base da categoria, acrescida de subsídio de refeição no valor de Esc. 9.000$00.
23. E, nos mesmos moldes, e mesmas datas, a SCML celebrou “contrato de trabalho por tempo indeterminado” com as 2.ª e 3.ª AA..
24. Em 07/04/1993, a Direcção-Geral da Administração Escolar informava o Secretário de Estado dos Recursos Educativos de que, por despacho de 28/01/1993, havia determinado que: o tempo de serviço prestado como auxiliares de educação, por educadores de infância profissionalizados, ao abrigo do Despacho Conjunto n.º 52/80, de 26/05, não pode ser considerado na contagem do tempo de serviço docente, único que releva para efeitos de progressão na carreira e de ordenação de concursos.
25. Em Outubro de 1995, a R. SCML veio a escalonar as AA. no nível remuneratório correspondente ao tempo de serviço prestado desde a data da conclusão do curso de Educador de Infância obtido por cada uma delas.
26. A R. não pagou às AA. qualquer quantia a título de retroactivo relativo às diferenças de remuneração entre as categorias de auxiliar de educação e de educador de infância correspondente ao período decorrido desde a data do termo dos cursos de Educador de Infância e Setembro de 1995.
27. Em 13/12/2000, a R. deliberou que a categoria profissional de Educadora de Infância evolui nos mesmos termos do pessoal docente com o regime de função pública, a prestar funções na SCML.
28. Relativamente às AA., a R. SCML, em 2002, considerou que as mesmas detinham a categoria de Educadoras de Infância, desde as datas em que celebraram contratos individuais de trabalho – Junho de 1992 – reposicionando-as em função dos módulos de tempo desde aquela altura, e pagando-lhe retroactivos desde 01/09/1998, em termos não concretamente apurados.
29. A R. SCML aplicou às Auxiliares de Educação que detinham o curso de promoção a Educadoras e que se mantiveram no regime da Função Pública, a contagem do tempo de serviço desde o início de funções como auxiliares e posicionou-as na carreira de Educador de Infância no escalão respectivo, com efeitos a Janeiro de 2002.
30. Datada de 14.10.2002, na qualidade de Educadoras de Infância, as aqui AA. (entre outras) dirigiram à Provedora da SCML requerimento onde pedem que «… nos termos da Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio (…), lhes seja considerado o tempo de serviço prestado como Auxiliares de Educação para efeitos da carreira docente, conforme o estipulado nos artigos 1º e 2º da referida lei e de acordo com a documentação já existente nos serviços a que pertencem, que comprovam reunir as condições exigidas, mande proceder ao seu reposicionamento a carreira docente, de igual modo ao que foi aplica do às suas colegas em idênticas circunstâncias pertencentes ao Quadro da Função Pública», dizendo ainda que o fazem sem prejuízo dos direitos de que se consideram titulares e que reclamam por via judicial.
31. Na sua sessão ordinária de 22/12/2002, a Mesa da SCML deliberou, sob o assunto «Tempo de serviço prestado na categoria de Auxiliar de Educação pelos Educadores de Infância habilitados com os cursos de promoção a Educadores de Infância”:
Concordar com o seguinte Projecto de Deliberação:
1.Nos termos do Anexo VI do Regulamento de Pessoal da SCML a categoria profissional de educador de infância “evolui nos mesmos termos do pessoal docente com regime de função pública”.
Quer isto dizer que a estrutura da carreira dos educadores de infância subordinados ao regime de contrato individual de trabalho, bem como o seu desenvolvimento se processa conforme o regime previsto para os docentes da função pública, abrangendo, nessa medida, 10 escalões, com módulos de tempo de duração variáveis, fazendo-se a progressão nesses escalões por decurso de tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes e por avaliação do desempenho, sendo que, apenas, terão acesso ao 10º escalão os docentes profissionalizados titulares do grau académico de licenciatura, mestrado ou doutoramento.
Ainda e relativamente ao ingresso nessa carreira o mesmo faz-se no 1º escalão se o docente for profissionalizado (…)
2. Não decorre, no entanto, da regulamentação estabelecida no âmbito do Regulamento de Pessoal e da própria relação jurídica de trabalho subordinado entre os docentes em causa e esta Santa Casa da Misericórdia a aplicação directa das alterações ou inovações que vêm sendo aplicadas aos docentes da rede pública e, em especial, aquelas que respeitam a tempo de serviço para efeitos de progressão na respectiva carreira, tanto mais que o complexo dos direitos e deveres dos docentes do regime privado da SCML apenas se constitui com a celebração do respectivo contrato de trabalho, não alcançando nem abrangendo factos ou situações anteriores à constituição dessa relação jurídicolaboral.
3. Considerando, assim a Lei nº 5/2001 de 2 de Maio, que equipara a serviço efectivo em funções docentes o tempo de serviço prestado na categoria de auxiliar de educação pelos educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância, a educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância, a que se refere o Despacho nº 52/80, de 12 de Junho, apenas vincula os Serviços da Administração Pública, a mesa não pode proceder à transposição daquela equiparação para a carreira dos docentes subordinados ao regime de contrato individual de trabalho.»
32. Em reunião Ordinária de 18.05.2006, a Mesa da SCML deliberou, sob o assunto: «Contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira do Pessoal ajudante e Vigilante com Curso de Promoção a Educadores de Infância/ /Apreciada a informação c/ a Refª 72/06, de 2006.02.13, da Direcção de Recursos Humanos, autorizar a aplicação da Lei nº 59/2005, de 29 de Setembro, ao Pessoal Educador de Infância do regime da Função Pública, com efeitos a Janeiro de 2006.»
33. (aditado aos constantes da sentença por rectificação de lapso material detectado)
A R. SCML só aplicou aquele instrumento legal às AA. em Junho de 2006, com efeitos a Janeiro deste ano, tendo a sentença proferida na anterior acção sido notificada em Setembro de 2006.

4. Fundamentação de direito
 
4.1. Coloca-se em primeiro lugar a questão suscitada pelas AA. da nulidade da sentença por omissão na mesma do facto que consta da alínea r) da decisão da matéria de facto.
(…)
4.2. Importa, então, apreciar se se verifica a excepção de caso julgado na parte em que o tribunal de primeira instância assim o entendeu.
(…)
4.3. Finalmente, cumpre apreciar a relevância do tempo de serviço das AA. como Auxiliares de Educação na respectiva antiguidade na categoria de Educadora de Infância, dentro dos limites do pedido e respectiva causa de pedir.
A questão coloca-se com a publicação da Lei n.º 5/2001, de 2/05, quer com fundamento na sua alegada aplicação directa, quer com fundamento na sua alegada aplicação indirecta, por um lado por via da regulamentação interna da R. e por outro lado por via da sobreposição do princípio constitucional da igualdade.
O aludido diploma legal, que, de acordo com o respectivo título, «Considera o tempo de serviço prestado na categoria de auxiliar de educação pelos educadores de infância habilitados com cursos de formação a educadores de infância para efeitos da carreira docente», tem o seguinte teor:
Artigo 1.º
É equiparado a serviço efectivo em funções docentes, para efeitos de progressão na carreira, o tempo de serviço prestado na categoria de auxiliar de educação pelos educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância a que se refere o despacho n.º 52/80, de 12 de Junho, nos termos do artigo seguinte.
Artigo 2.º
A contagem do tempo de serviço a que se refere o artigo anterior determina a mudança para o escalão correspondente.
Artigo 3.º
A presente lei entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado para o ano de 2002.
Ora, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, temos como certo que o diploma se reporta exclusivamente a situações de emprego público, pela referência ao despacho n.º 52/80, ao Orçamento do Estado e a uma carreira de Educador de Infância previamente regulamentada por lei (cfr. o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo DL n.º 139-A/90, de 29/04, então em vigor), em que se introduz a alteração em apreço, o que exclui o respectivo exercício mediante contrato de trabalho de direito privado, que não se vislumbra que seja objecto de regulamentação por tal via quanto à carreira.
Isto é, ao exercício da profissão de Educador de Infância mediante contrato de trabalho aplica-se o correspondente clausulado e o disposto nas respectivas fontes, designadamente nas normas legais laborais, gerais e especiais, e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, sendo certo que é nestes, quando aplicáveis, que se encontra regulamentada a carreira em apreço.
No que toca ao normativo interno da R., provou-se que esta, em 13/12/2000, deliberou que a categoria profissional de Educadora de Infância evolui nos mesmos termos do pessoal docente com o regime de função pública, a prestar funções na SCML.
Mais se provou que a R. SCML aplicou às auxiliares de educação que detinham o curso de promoção a Educadoras e que se mantiveram no regime da Função Pública a contagem do tempo de serviço desde o início de funções como auxiliares e posicionou-as na carreira de Educador de Infância no escalão respectivo, com efeitos a Janeiro de 2002.
E que, em 14/10/2002, na qualidade de Educadoras de Infância, as aqui AA. (entre outras) dirigiram à Provedora da SCML requerimento onde pedem que «… nos termos da Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio (…), lhes seja considerado o tempo de serviço prestado como Auxiliares de Educação para efeitos da carreira docente, conforme o estipulado nos artigos 1º e 2º da referida lei e de acordo com a documentação já existente nos serviços a que pertencem, que comprovam reunir as condições exigidas, mande proceder ao seu reposicionamento a carreira docente, de igual modo ao que foi aplica do às suas colegas em idênticas circunstâncias pertencentes ao Quadro da Função Pública», dizendo ainda que o faziam sem prejuízo dos direitos de que se consideravam titulares e que reclamavam por via judicial.
Não obstante, provou-se também que, na sua sessão ordinária de 22/12/2002, a Mesa da SCML deliberou, sob o assunto «Tempo de serviço prestado na categoria de Auxiliar de Educação pelos Educadores de Infância habilitados com os cursos de promoção a Educadores de Infância”, concordar com o seguinte Projecto de Deliberação:
«Nos termos do Anexo VI do Regulamento de Pessoal da SCML a categoria profissional de educador de infância “evolui nos mesmos termos do pessoal docente com regime de função pública”.
Quer isto dizer que a estrutura da carreira dos educadores de infância subordinados ao regime de contrato individual de trabalho, bem como o seu desenvolvimento se processa conforme o regime previsto para os docentes da função pública, abrangendo, nessa medida, 10 escalões, com módulos de tempo de duração variáveis, fazendo-se a progressão nesses escalões por decurso de tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes e por avaliação do desempenho, sendo que, apenas, terão acesso ao 10º escalão os docentes profissionalizados titulares do grau académico de licenciatura, mestrado ou doutoramento.
Ainda e relativamente ao ingresso nessa carreira o mesmo faz-se no 1º escalão se o docente for profissionalizado (…)
2. Não decorre, no entanto, da regulamentação estabelecida no âmbito do Regulamento de Pessoal e da própria relação jurídica de trabalho subordinado entre os docentes em causa e esta Santa Casa da Misericórdia a aplicação directa das alterações ou inovações que vêm sendo aplicadas aos docentes da rede pública e, em especial, aquelas que respeitam a tempo de serviço para efeitos de progressão na respectiva carreira, tanto mais que o complexo dos direitos e deveres dos docentes do regime privado da SCML apenas se constitui com a celebração do respectivo contrato de trabalho, não alcançando nem abrangendo factos ou situações anteriores à constituição dessa relação jurídico-laboral.
3. Considerando, assim a Lei nº 5/2001 de 2 de Maio, que equipara a serviço efectivo em funções docentes o tempo de serviço prestado na categoria de auxiliar de educação pelos educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância, a educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância, a que se refere o Despacho nº 52/80, de 12 de Junho, apenas vincula os Serviços da Administração Pública, a mesa não pode proceder à transposição daquela equiparação para a carreira dos docentes subordinados ao regime de contrato individual de trabalho.»
Finalmente, provou-se com interesse que, em reunião ordinária de 18/05/2006, a Mesa da SCML deliberou, sob o assunto «Contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira do Pessoal ajudante e Vigilante com Curso de Promoção a Educadores de Infância», autorizar a aplicação da Lei n.º 59/2005, de 29 de Setembro (com idêntico objecto), ao Pessoal Educador de Infância do regime da Função Pública, com efeitos a Janeiro de 2006, e que só aplicou aquele instrumento legal às AA. em Junho de 2006, com efeitos a Janeiro deste ano.
Conclui-se, pois, que, não obstante a deliberação de 13/12/2000, no sentido de a categoria profissional de Educadora de Infância evoluir nos mesmos termos do pessoal docente com o regime de função pública a prestar funções na SCML, bem como a decisão de aplicação às AA. da Lei n.º 59/2005, de 29 de Setembro, que, com idêntico objecto, procedeu à alteração da Lei n.º 5/2001, de 2/05, houve deliberação expressa no sentido de não lhes aplicar esta.
Neste quadro, todavia, esta não equiparação apresenta-se como um incidente dissonante relativamente ao sentido geralmente prosseguido na R. de identidade de tratamento entre as Educadoras de Infância com vínculo à Função Pública e as Educadoras de Infância com contrato de trabalho, o que nos transporta para a análise da argumentação expendida com base no princípio constitucional da igualdade.
Sustenta a Recorrente que, ao aplicar-se o regime específico do funcionário público ou do trabalhador privado, que decorre das leis em vigor, não se está a violar o art. 13.º da Constituição da Republica Portuguesa, mas sim a cumprir as leis do Estado de Direito, e ainda que a igualdade ali proclamada é a igualdade perante a lei ou igualdade jurídico-formal, pelo que, o que se verificou foi uma discriminação positiva da lei em relação aos funcionários públicos.
Ora, estabelece o art. 13.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe «Princípio da igualdade»:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Por seu turno, dispõe o art. 59.º, com a epígrafe «Direitos dos trabalhadores»:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; (…)
Por outro lado, previa o Código do Trabalho de 2003, em vigor a partir de 1 de Dezembro daquele ano:
Artigo 22.º
Direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho
1 - Todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.
2 - Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
Artigo 23.º
Proibição de discriminação
1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 - Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1.
Artigo 263.º
Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que para trabalho igual, salário igual.
Regulamentando, estabelecia ainda a Lei n.º 35/2004, de 29/07:
Artigo 32.º
Conceitos
1 - Constituem factores de discriminação, além dos previstos no n.º 1 do artigo 23.º do Código do Trabalho, nomeadamente, o território de origem, língua, raça, instrução, situação económica, origem ou condição social.
2 - Considera-se:
a) Discriminação directa sempre que, em razão de um dos factores indicados no referido preceito legal, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indirecta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar pessoas que se incluam num dos factores característicos indicados no referido preceito legal numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) Trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;
d) Trabalho de valor igual aquele que corresponde a um conjunto de funções, prestadas ao mesmo empregador, consideradas equivalentes atendendo, nomeadamente, às qualificações ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado. (…)
Artigo 33.º
Direito à igualdade nas condições de acesso e no trabalho
1 - O direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho respeita:
(…)
b) À retribuição e outras prestações patrimoniais, promoções a todos os níveis hierárquicos e aos critérios que servem de base para a selecção dos trabalhadores a despedir; (…)
Em anotação ao citado art. 22.º do Código do Trabalho, referem Pedro Romano Martinez e outros (Código do Trabalho Anotado, Almedina, 2005, p. 118) que “[e]stá em causa, no presente preceito, a afirmação pela positiva do princípio da igualdade na relação de trabalho e a proclamação quer de um ideal de igualdade formal, assente na asserção, clássica, segundo a qual “todos os cidadãos têm a mesma dignidade  social e são iguais perante a lei” (cfr. artigo 13.º da CRP), quer da igualdade em sentido material, emergente do Estado Social de Direito e conducente ao conceito de igualdade de oportunidades, enquanto projecto de igualdade real.”  
Isto é, embora a Constituição estabeleça o princípio da igualdade em termos eminentemente formais, à luz do qual deve ser aferida a conformidade das leis produzidas, as mencionadas normas legais emitidas em matéria de igualdade e não discriminação no trabalho exigem do empregador que adopte as medidas necessárias à efectiva igualdade de tratamento e se iniba das práticas que importem diferenciação injustificada.
Conforme esclarecem os referidos autores a propósito do citado art. 23.º do Código do Trabalho (op. cit., p. 120), “[o] elenco de factores de discriminação referido no número 1 não é taxativo, mas sim exemplificativo, circunstância que decorre expressamente da utilização do vocábulo «nomeadamente»” e “[o] que está em causa, na proscrição da discriminação, não é a diferenciação em si mesma, mas sim a irrazoabilidade da sua motivação e a ausência de motivos que a justifiquem” (op. cit., p. 121).
Por outro lado, “[o] n.º 3 do preceito em causa consagra uma regra geral de inversão do ónus da prova, ao arrepio do regime geral do art. 342.º do CC. (…) Trata-se de um preceito com uma importância extrema: provar que uma exclusão teve por fundamento o sexo, a raça, as convicções religiosas ou políticas do trabalhador lesado constitui um óbice quase intransponível. A utilização das regras gerais em matéria do ónus da prova afigura-se, neste domínio, claramente insuficiente. À luz deste preceito, cabe ao empregador a prova de que a exclusão ou o tratamento desvantajoso conferido ao trabalhador ou ao candidato a emprego não é irrazoável, arbitrário e discriminatório, tendo uma justificação plausível” (aut. cit., op. cit., pp. 122-123).
No que, em particular, toca à retribuição, clarificando o que dissemos, ensina António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 16.ª edição, p.388) que “…o princípio de equidade retributiva que se traduz na fórmula «para trabalho igual, salário igual», assume projecção normativa directa e efectiva no plano das relações de trabalho. Ele significa, imediatamente, que não pode, por nenhuma das vias possíveis (contrato individual, convenção colectiva, regulamentação administrativa, legislação ordinária) atingir-se o resultado de, numa concreta relação de trabalho, ser prestada retribuição desigual da que seja paga, no âmbito da mesma organização, como contrapartida de «trabalho igual». Nessa perspectiva, a jurisprudência tem declarado o princípio como vinculante das entidades públicas e dos particulares. Trata-se, pois, de uma directriz imediatamente operatória, não apenas enquanto critério de validade da regulamentação legal e convencional, mas, sobretudo, como critério de licitude da prática contratual concreta.”   
Esclarecedoras são também as palavras de João Leal Amado (Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pp. 307-308) ao dizer que “[e]m termos gerais, parece adquirida a afirmação de que com tal princípio não se visa alcançar um qualquer igualitarismo extremo. O que este princípio proíbe não é a diferenciação salarial, mas sim a discriminação salarial, ou seja, a diferenciação injustificada, baseada, p. ex., em factores como o sexo, a raça, a nacionalidade, a religião, as convicções políticas, etc. Já constituem fundamento bastante para a diferenciação e títulos legitimadores da mesma os factores ligados à distinta quantidade (duração ou intensidade, p. ex.), natureza (dificuldade ou penosidade, p. ex.) e qualidade (mérito ou produtividade, p. ex.) do trabalho prestado. Há, pois, diferenças admissíveis e diferenças inadmissíveis, traduzindo-se o princípio da igualdade de tratamento na exigência de um fundamento material para a diferenciação salarial. O que aqui se proíbe, repete-se, são desde logo as práticas discriminatórias, são as distinções desprovidas de uma justificação razoável e aceitável (bem como, acrescente-se, o tratamento indiferenciado de situações objectivamente desiguais). Sublinhe-se, no entanto, que o princípio da igualdade retributiva não compreende apenas um conteúdo negativo (a proibição de discriminações) mas comporta também uma vertente positiva, reclamando a igualdade substantiva de tratamento dos trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho (trabalho igual ou de valor igual), aferido este pelos critérios da quantidade, natureza e qualidade, critérios objectivos e sufragados pela CRP. Proibição do arbítrio, proibição de discriminação e obrigação de diferenciação, eis, na lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira, as principais dimensões do princípio constitucional da igualdade.”
Retornando ao caso dos autos, e apreciando-o à luz destes ensinamentos, concluímos que, não obstante a Lei n.º 5/2001, de 2/05, visar somente os Educadores de Infância com vínculo à Função Pública, os aludidos princípios plasmados na Constituição da República Portuguesa e na legislação laboral ordinária impõem que a R. conceda igual tratamento aos Educadores de Infância que a si estão ligados mediante contrato de trabalho, uma vez que não está em causa que o trabalho de uns e outros seja igual quanto à quantidade, natureza e qualidade e apenas é invocado como motivo justificativo da diferenciação a distinta natureza do vínculo e o objecto daquele diploma legal, que, obviamente, não teve em conta os casos em que, dentro da mesma organização, coexistam trabalhadores em ambas as situações.  
Recorde-se que as próprias AA. foram admitidas ao serviço da R. com vínculo à Função Pública, que mantiveram até 24/03/1992, data em que celebraram contratos de trabalho com a mesma, e que a categoria de Educadora de Infância só lhes foi reconhecida a partir de Outubro de 1985 quanto às duas primeiras AA. e Outubro de 1986 quanto à terceira, pelo que a relevância da Lei n.º 5/2001, de 2/05, se coloca precisamente até estas datas, em que as mesmas ainda exerciam funções de Auxiliar de Educação e ainda tinham tal vínculo à Função Pública.
Ora, não tendo o factor em apreço qualquer influência na quantidade, natureza e qualidade do trabalho, o princípio da igualdade de tratamento determinante de que a trabalho igual, salário igual, na mencionada vertente positiva, exige da R. uma atitude activa de equiparação substantiva dos seus Educadores de Infância em matéria retributiva, e, por inerência, em matéria de promoção profissional derivada da aplicação do aludido diploma legal.
Pelo exposto, improcede a apelação da R..

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente o recurso da R. e procedente o recurso subordinado das AA., e, em consequência:
a) julgar improcedente a excepção dilatória de caso julgado;
b) julgar procedente a acção e condenar a R. a reconhecer a cada uma das AA. a contagem do respectivo tempo de serviço prestado como Auxiliares de Educação, desde as datas das respectivas admissões, para efeitos de reposicionamento por escalões, por módulos de 3 anos, na careira de Educadora de Infância, com efeitos remuneratórios desde 01/01/2002 até 31/12/2005, nos termos previstos na Lei n.º 5/2001, de 2/05, e a pagar-lhes as diferenças retributivas daí decorrentes, acrescidas de  juros de mora, à taxa legal, contados desde a data em que cada prestação era devida e até efectivo e integral pagamento, tudo a liquidar no âmbito do incidente próprio.
Custas pela R..

Lisboa, 4 de Junho 2014


 Alda Martins
 Paula Santos
 Claudino Seara Paixão
Decisão Texto Integral: