Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9716/2006-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ESBULHO
VIOLÊNCIA
LOGRADOURO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Não há esbulho se não houve privação, total ou parcial, da posse; não constitui violência o facto de se continuar a permitir o acesso a um logradouro que serve armazéns arrendados, agora por abertura e fecho de portão automático que substituiu o portão anterior não automático que se mantinha permanentemente aberto durante todo o dia.
II - Se o requerente deduz restituição provisória de posse mas formula providência correspondente a procedimento cautelar comum, o Tribunal, se não estiver sanada a falta de citação do requerido, deverá anular o processado, determinando a audição do requerido nos termos conjugados dos artigos 193.º. 194.º, 202.º (1ª parte) e 385.º/1 do Código de Processo Civil salvo se a falta de citação dever considerar-se sanada ou se entender que, atenta a providência requerida, não se impunha a audição do requerido.
III- Não se tendo provado prejuízos ( que nem em concreto foram alegados), não se provando que a actuação em causa por parte do requerido traduz acto ilícito, não se provando sequer que a utilização do logradouro por meio de acesso livre e como parque de estacionamento de viaturas integrava arrendamento ou constituía direito autónomo reconhecido aos requerentes, a providência não deve ser decretada.
(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. H. […] Lda. interpôs recurso da decisão que indeferiu o pedido formulado em procedimento cautelar de restituição provisória de posse intentado contra S. […] Lda.

2. Considera a requerente que da prova produzida resulta que o único acesso ao seu estabelecimento (armazéns) se faz pelo logradouro do n.º 20-C da Rua […] em Lisboa e que o acesso incondicional, que sempre existiu, cessou a partir do momento em que a requerida (a) instalou motores eléctricos nos portões de acesso que fecham automaticamente após a passagem das viaturas, (b) abriu uma porta de homem na Rua […] (c) instalou um sistema de vigilância e gravação de imagens que captam as ocorrências registadas no logradouro e (d) definiu espaços de estacionamento destinados a cada inquilino, (e) atribuindo-lhe dois comandos remotos que foram reduzidos apenas para um.

3. A requerente considera que o Tribunal devia ter provado estes factos e ainda que, com tal atitude, (f) a requerida perturbou o giro e a actividade comercial da requerente, (g) diminuindo a sua clientela, (h) causando- -lhe prejuízos económicos agravados com a diminuição do número de comandos atribuído.

Apreciando:

4. Face ao disposto no artigo 713.º/5 do Código de Processo Civil aqui se remete para a decisão recorrida considerando as razões que se indicam seguidamente.

5. No que respeita à matéria de facto, ao contrário do que sustenta a recorrente, está adquirida a matéria referida de (a) a (e) supra como se pode constatar do rol dos factos provados em 5 e 6. da decisão recorrida que se dá por reproduzida e para a qual aqui se remete

6. No que respeita à restante matéria (f), g) e h) supra), não está provada, nem podia estar, dada a sua índole conclusiva; essa natureza conclusiva logo se evidencia no requerimento inicial (artigos 25º a 28º).

7. Estamos face a providência cautelar de restituição provisória de posse; no entanto, no que respeita aos armazéns que explora, a requerente não foi de modo algum esbulhada da sua posse pois continua a utilizar os armazéns e a aceder aos mesmos.

8. Sucede que o acesso aos armazéns, que se faz unicamente pelo referido logradouro, ficou dificultado por passar a ser automática a abertura e o fecho do portão de acesso e por ter sido condicionado o estacionamento de viaturas no logradouro.

9. Não há, portanto, nem esbulho, que pressupõe privação total ou parcial da posse (artigo 1278.º do Código Civil) e muito menos esbulho violento.

10. Um tal entendimento - o de que houve violência - é inaceitável a partir do momento em que à requerente foi atribuído comando que lhe permite a abertura e fecho do portão.

11. E nem sequer uma simples restituição de posse poderia ser no caso decretada por aplicação do disposto no artigo 395.º do Código de Processo Civil visto que não houve, como se disse, esbulho; houve, quando muito, perturbação no tocante à exploração do estabelecimento por estar dificultado o acesso aos armazéns da requerente.

12. Nenhum facto se provou que nos permita considerar que a colocação de um portão eléctrico teve em vista dificultar o exercício comercial por parte da requerente.

13. Não se vê, aliás, que a requerente tivesse, no que respeita ao logradouro, mais do que direito de passagem para acesso aos seus armazéns, o que é diverso do direito à utilização por si ou pelos seus clientes daquele espaço como espaço de parqueamento exclusivo.

14. A requerente utiliza o procedimento de restituição provisória de posse mas deduz providências que correspondem a um procedimento cautelar comum, ou seja, a requerente pede que se ordene à requerida que mantenha aberto o portão de acesso ao locado durante as horas de funcionamento da actividade comercial e industrial da requerente e que fora daquele horário entregue comandos de abertura electrónica do portão que lhe permitam o acesso ao locado fora das horas de expediente e sempre que necessário e que se abstenha de, por qualquer forma, perturbar ou impedir o acesso e o estacionamento em frente da fachada do locado de viaturas da gerência, dos empregados, de clientes ou de fornecedores; subsidiariamente pede que lhe sejam entregues três comandos para abertura electrónica do dito portão e que se abstenha de impedir o acesso ao estacionamento nos termos referidos.

15. No âmbito de procedimento cautelar comum impor-se-ia, para efectivação do contraditório, a audição da requerida (artigo 385.º/1 do Código de Processo Civil) o que levaria o Tribunal à anulação do processado (artigos 194.º e 202.º do Código de Processo Civil.

16. Não se seguirá esta via visto que houve intervenção da requerida que apresentou contra-alegações sem invocar a sua falta de citação que, assim, se deve considerar sanada (artigo 202. do Código de Processo Civil).

17. Não resulta dos autos que a requerente tivesse direito à utilização do logradouro, no âmbito do arrendamento, nos termos por ela pretendidos; não resulta igualmente que a requerida não disponha de poderes de gozo e de fruição sobre o dito logradouro e que, por isso, esteja obrigada a consentir aos arrendatários dos armazéns mais do que a passagem para acesso aos mesmos e o estacionamento transitório.

18. O deferimento da pretensão da requerente no sentido da reposição das coisas no statu quo ante pressupõe a comprovação do seu direito à utilização do logradouro sem limitações; a existência de prejuízos, que a limitação à utilização livre do logradouro possa envolver, implica, para que devam ser ressarcidos, o reconhecimento de que a actuação da requerida foi ilícita e, no caso, nem perfunctoriamente tal ilicitude se mostra comprovada.

19. A atribuição dos três comandos (pedido subsidiário) poderia justificar-se não fora o facto de, como resulta da matéria provada, a requerente pretender com eles, não uma maior facilidade de acesso aos armazéns, mas a facilidade de estacionamento de três viaturas.

Concluindo:
I- Não há esbulho se não houve privação, total ou parcial, da posse;
não constitui violência o facto de se continuar a permitir o acesso a um logradouro que serve armazéns arrendados, agora por abertura e fecho de portão automático que substituiu o portão anterior não automático que se mantinha permanentemente aberto durante todo o dia.
II- Se o requerente deduz restituição provisória de posse mas formula providência correspondente a procedimento cautelar comum, o Tribunal, se não estiver sanada a falta de citação do requerido, deverá anular o processado, determinando a audição do requerido nos termos conjugados dos artigos 193.º. 194.º, 202.º (1ª parte) e 385.º/1 do Código de Processo Civil salvo se a falta de citação dever considerar-se sanada ou se entender que, atenta a providência requerida, não se impunha a audição do requerido.
III- Não se tendo provado prejuízos ( que nem em concreto foram alegados), não se provando que a actuação em causa por parte do requerido traduz acto ilícito, não se provando sequer que a utilização do logradouro por meio de acesso livre e como parque de estacionamento de viaturas integrava arrendamento ou constituía direito autónomo reconhecido aos requerentes, a providência não deve ser decretada.

Decisão: nega-se provimento ao recurso

Custas pelo requerente

Lisboa, 22-2-2007
(Salazar Casanova)
(Silva Santos)
(Bruto da Costa)