Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOSÉ FETEIRA | ||
| Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAL DO TRABALHO ACÇÃO SUB-ROGATÓRIA ACEITAÇÃO DA HERANÇA LITISCONSÓRCIO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 04/24/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | I – O tribunal do trabalho é materialmente competente para o conhecimento de acção sub-rogatória de aceitação de herança deduzida por trabalhador contra o empregador repudiante de herança e contra aqueles para quem os bens da herança passaram em virtude desse repudio, acção essa instaurada na acção emergente de contrato de trabalho em que o trabalhador formule o pedido de créditos laborais contra o empregador repudiante; II – Verifica-se uma situação de litisconsórcio necessário passivo entre o repudiante da herança e aqueles para quem os bens deste passaram em virtude desse repúdio. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 4ª Secção (Social) do Tribunal da Relação de Lisboa. I – RELATÓRIO S… instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa contra os réus J… e “JN…, LDª” a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, bem como, ao abrigo do art. 1469º n.º 1 do Cod. Proc. Civil, acção sub-rogatória de aceitação da herança deixada pela cônjuge do primeiro réu, com processo especial de jurisdição voluntária, contra o aludido réu J… e os réus AB… e RN…, alegando, e síntese, que antes da propositura da presente acção requereu uma providência cautelar de arresto, no âmbito da qual foi decretado o arresto de alguns bens dos requeridos e ora réus, com vista a garantir os créditos que reclama nesta acção. Trabalhou desde 2 de Janeiro de 1978 no estabelecimento comercial de carpintaria sito na Rua…, Lisboa que não sabe se pertence à ré sociedade comercial se ao 1º réu, pessoa singular uma vez que se é certo que sempre trabalhou para o 1º réu o que é certo é que nos recibos de remunerações que lhe eram dados a assinar a entidade empregadora surgia ou o J…, contribuinte fiscal…, ou o J… contribuinte fiscal …., ou como “JN…, Ldª” contribuinte fiscal …. Ao iniciar, a pedido do réu J…, a prestação de actividade de carpinteiro no estabelecimento supra referido, celebrou com a firma “JN…, Ldª”, em 2 de Janeiro de 1978, um contrato de trabalho não escrito, nos termos do qual passou a exercer as funções de carpinteiro e polidor mediante a retribuição mensal de 6.900$00, quantia que foi sendo actualizada ao longo do tempo de duração do contrato. O contrato manteve-se em vigor até Outubro de 2005, sempre sob as ordens e orientação do réu J…. Não obstante constar dos recibos de remunerações mais recentes a quantia de € 471,54, a retribuição mensal do autor era, desde Janeiro de 2002, de € 702,66. Trabalhava muitas vezes na sua hora de almoço, quando o volume de trabalho o exigia, e também, muitas vezes, trabalhava às quintas-feiras até às 18 horas apesar de o seu horário de trabalho terminar às 17 horas, fazendo, assim, horas extraordinárias sem que fosse pago. Por carta registada, no dia 6 de Outubro de 2005 resolveu o contrato de trabalho com justa causa consistente na falta culposa de pagamento das retribuições, pois, não obstante continuar a haver trabalho e, não obstante o réu obter do seu estabelecimento comercial rendimentos provenientes dos serviços de carpintaria prestados, o mesmo começou a atrasar o pagamento das retribuições devidas ao autor e depois deixou de lhas pagar, tornando, assim, impossível a subsistência da relação de trabalho. Voltou a interpelar o réu para o pagamento das quantias que lhe eram devidas, mas o réu nunca lhe respondeu e nunca lhe pagou, até hoje, qualquer quantia. Em consequência da falta de dinheiro a que teve de fazer face, temendo pela subsistência do seu agregado familiar e ainda em virtude de insultos e ameaças de que foi sendo alvo por parte de uma filha do réu em telefonemas que a mesma lhe dirigiu, ficou psiquicamente transtornado, deixando de dormir à noite temendo pela sua saúde e pela integridade da sua mulher e filha, com elevados níveis de stress e uma forte depressão, tendo de recorrer a acompanhamento médico do foro psicológico e psiquiátrico, tendo de socorrer-se de diversa medicação, sofrendo, por isso, danos morais. Alegou também, quanto à acção sub-rogatória de aceitação da herança que no procedimento cautelar de arresto supra referido foi o réu J… notificado para vir dizer se aceitava ou repudiava a herança deixada pela sua cônjuge falecida em 18 de Junho de 2004 e que com ele era casada em regime de comunhão geral de bens. O casal era titular de uma casa de habitação sita na…, pelo que metade desse imóvel pertencia ao réu J… e a outra metade à herança deixada pela falecida. O réu J… e a sua falecida esposa tiveram dois filhos, os aqui réus, AB… e RN…. O réu J… repudiou nos aludidos autos de arresto a herança deixada pela sua mulher, razão pela qual são chamados a esta demanda os filhos do casal. Sendo o autor credor do réu J… na quantia de € 32.970,91 e juros e tendo sido notificado do mencionado repúdio da herança por carta de 24 de Abril de 2006, está em prazo para vir aceitar a herança em nome do repudiante. Dado o elevado montante do crédito que o autor detém sobre o réu J… e a insuficiência dos bens deste para satisfazer ou garantir esse crédito, a sub-rogação torna-se essencial para garantia de tal crédito. Concluiu que a presente acção deve ser julgada procedente e, em consequência, o réu condenado a pagar ao autor as quantias de: a) € 402,66, referente à retribuição em falta do mês de Agosto de 2005; b) € 702,66, referente à retribuição do mês de Setembro de 2005; c) € 140,53, referente à retribuição do mês de Outubro de 2005; d) € 1.074,20, correspondente à retribuição por um período de férias proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de 2005 e respectivo subsídio; e) € 573,10, correspondente ao valor do subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de 2005; f) € 29.263,38, correspondente à indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor; g) € 850,38, correspondente aos juros de mora vencidos até à data de 4 de Junho de 2006. Tudo num total de € 32.970,91, a que acrescem os juros vincendos até integral pagamento das quantias em dívida. Deve ainda ser admitida a aceitação da herança pelo autor em nome do repudiante J…. Por decisão liminar proferida em 14 de Junho de 2006, o Mmº Juiz do Tribunal de 1ª instância indeferiu liminarmente a petição inicial no que dizia respeito à acção sub-rogatória de aceitação de herança intentada contra J…, AB… e RN… e determinou o prosseguimento do processo para a apreciação da acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum, designando data para audiência das partes. O autor, inconformado com a decisão que indeferiu liminarmente a petição no que se refere à acção sub-rogatória de aceitação de herança, dela veio agora interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes: Conclusões: (…) A Exmª PGA junto desta Relação emitiu parecer no sentido da confirmação do despacho recorrido, embora por razões não coincidentes. Respondeu o agravante Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.
II – APRECIAÇÃO Face às conclusões delimitadoras do recurso interposto, suscitam-se, à apreciação deste Tribunal, as seguintes: Questões: ٠ Saber se o Tribunal do Trabalho é materialmente competente para conhecimento de acção sub-rogatória de aceitação da herança e se o agravante poderia ter deduzido essa acção na acção emergente de contrato de trabalho deduzida contra o agravado; Com interesse para a apreciação do presente recurso de agravo, resulta dos autos que: a) J… casou com MF… em…-…-1960, sem escritura antenupcial; Tal conduz a uma situação de coligação passiva, sendo certo que as duas acções identificadas seguem formas de processo totalmente distintas. Acresce que os Tribunais do Trabalho carecem de competência material para apreciar acções subrogatórias de aceitação de herança, uma vez que a competência para conhecer das mesmas cabe aos Juízos Cíveis - vd. arts. 85° e 99° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, este último em confronto com os arts. 97° e 101° da mesma Lei. Ora, nos termos do disposto no art. 31°, no 1 do C.P.C., ex vi do art. 1°, n° 2, al. a) do C.P.T. não é admissível a coligação quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou possa ofender regras de competência em razão da matéria. E, como é sabido, a coligação ilegal constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que, quando detectada na fase liminar do processo dá lugar ao indeferimento liminar da Petição Inicial - arts. 494°, al. f), 495°, e 234°-A, n° 1 do C.P.C., ex vi do art. 1°, n° 2, al. a) do C.P.T.. No caso em apreço verificando-se que este Tribunal apenas pode apreciar a acção emergente de contrato individual de trabalho, carecendo de competência material para conhecer da acção subrogatória de aceitação de herança (não sendo por isso aplicável o mecanismo previsto na primeiro parte do n° 1 do art. 31°-A do C.P.C.), o indeferimento liminar restringir-se-á a esta última. Assim sendo, e por todo o exposto, decide este Tribunal: 1. Indeferir liminarmente a Petição Inicial, no que diz respeito à acção subrogatória de aceitação de herança intentada contra JN…, AB… e RN…, exposta nos arts. 113° a 120º da P.I. e ao pedido inerente à mesma…; Apreciando, verificamos que através do despacho recorrido, o Mmº Juiz do Tribunal a quo indeferiu liminar e parcialmente a petição inicial formulada pelo autor S…, na parte respeitante à acção sub-rogatória de aceitação de herança que o mesmo, no âmbito da presente acção emergente de contrato de trabalho, deduziu contra o réu J… – na qualidade de repudiante de herança – e contra AB… e RN… – na qualidade de herdeiros de herança repudiada – permitindo apenas o prosseguimento dos autos relativamente àquela acção emergente de contrato de trabalho. Fundamentou a sua decisão, por um lado, na verificação de uma situação de incompetência material do Tribunal do Trabalho para a apreciação da referida acção sub-rogatória e, por outro lado, na verificação de uma coligação passiva ilegal, entendendo ainda que as duas acções seguem formas de processo totalmente distintas. Vejamos se se decidiu com acerto! Muito embora se não mostre apensa aos presentes autos a providência cautelar de arresto a que se alude na al. d) das incidências processuais com interesse para a apreciação deste agravo e que enunciámos supra, infere-se das mesmas que, nessa providência cautelar – deduzida pelo aqui autor S… – o requerido e aqui réu J…. foi notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 1467º do C.P.C., tendo declarado nesse processo, repudiar a herança deixada por óbito de sua esposa MF… ocorrido em 18 de Junho de 2004 e com quem fora casado em regime de comunhão geral de bens. Resulta também das aludidas incidências processuais que o S… teve conhecimento dessa declaração de repúdio, mediante carta que lhe foi dirigida pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa – 2º Juízo, 2ª Secção – em 24 de Abril de 2006. Estabelece o art. 1467º n.º 1 do Cód. Proc. Civil – preceito atinente à declaração de aceitação ou repúdio de herança jacente, enquanto processo especial de jurisdição voluntária – que «No requerimento em que se peça a notificação do herdeiro para aceitar ou repudiar a herança, o requerente justificará a qualidade que atribui ao requerido e, se não for o Ministério Público, fundamentará o seu interesse». Também resulta de mencionadas incidências processuais, que constituía património comum do réu J… e de sua falecida mulher (dado que os mesmos haviam casado um com o outro em 1960 sem precedência de convenção antenupcial), uma fracção autónoma correspondente ao 1º andar esquerdo de um imóvel urbano sito na Rua…, em Lisboa. Ora, na presente acção emergente de contrato individual de trabalho, instaurada em 6 de Junho de 2006, o autor S…, alegando ter existido entre si e o réu J… ou, porventura, com uma firma denominada “JN…, Ldª” constituída por este (já que os recibos de vencimento eram emitidos umas vezes por aquele e outras vezes por esta firma), um contrato de trabalho ao qual teve de pôr termo mediante rescisão com justa causa fundada no não pagamento culposo de retribuições, afirma-se credor do referido réu, ou da firma pelo mesmo constituída, num montante global de € 32.970,91, respeitante a retribuições em dívida e a danos patrimoniais e morais sofridos, bem como dos respectivos juros de mora, pedindo a condenação do aludido réu no pagamento de tais retribuições, danos e juros de mora. Em simultâneo e com base no art. 1469º do Cod. Proc. Civil, conjugado com os artigos 2067º e 606º do Cod. Civil, deduziu acção sub-rogatória contra o mesmo réu J…, na qualidade de repudiante da herança de sua mulher, bem como contra AB… e RN…, na qualidade de herdeiros para quem os bens da herança repudiada passaram, pedindo seja admitida a sua (dele autor) aceitação relativamente à herança por aquele rejeitada. Estipula o art. 1469º n.º 1 do C.P.C., que «A aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio», enquanto que no seu n.º 2 se dispõe que «Obtida sentença favorável, os credores podem executá-la contra a herança». Prevê, por seu turno, o n.º 1 do art. 2067º do Cod. Civil que «Os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos dos artigos 606º e seguintes» e no n.º 2 daquele normativo, determina-se que «A aceitação deve efectuar-se no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio». Ora, muito embora o mencionado art. 1469º do Cod. Proc. Civil se mostre inserido nas normas atinentes ao processo especial de jurisdição voluntária relativo à herança jacente, a chamada acção sub-rogatória de aceitação de herança aí prevista, não segue, propriamente, os trâmites dos processos de jurisdição voluntária, mas insere-se nos trâmites da acção a que ali se faz referência, a qual, naturalmente, seguirá os termos do processo comum. É o que resulta do n.º 1 daquele preceito. Na verdade, o que, efectivamente, se infere daquele normativo legal, é que o legislador permite que o credor do repudiante da herança, pretendendo salvaguardar, tanto quanto possível, a garantia de satisfação dos seus créditos, deduza contra este, pelos meios próprios, uma acção em que formule o pedido dos seus créditos e, do mesmo passo, nela formule a aceitação da herança por aquele repudiada, de forma que a sentença a obter constitua título executivo também contra a herança por ele rejeitada. Com efeito, o que se pretende com aquele normativo, é criar um título executivo que possa ser pago também através dos bens que, porventura, integrem a herança repudiada e que sejam necessários à satisfação do crédito judicialmente reconhecido e declarado. Como doutamente se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 1995 Publicado na Col. Jur/STJ, Ano III, 1995, Tomo III, pagª 20. «a acção sub-rogatória funda-se na expectativa de satisfação, que os credores têm sobre os bens do devedor e destina-se a assegurar a integridade da garantia patrimonial, que é um elemento constitutivo da relação obrigacional». Por outro lado, também se infere do mesmo preceito legal que, para que a sentença a obter dessa acção possa produzir o seu efeito útil normal, impõe-se que a mesma seja deduzida também contra aqueles para quem os bens da herança repudiada passaram em virtude desse repúdio. É que, executando-se essa sentença sobre os bens da herança repudiada e aceite pelo credor do repudiante, apenas poderá reverter ao património daqueles o remanescente desses bens, uma vez satisfeito o crédito ou créditos deste. Ocorre, pois, uma nítida situação de litisconsórcio necessário passivo entre o repudiante da herança e aqueles para quem os bens desta passaram em virtude desse repúdio. Posto isto, importa referir que, ao invés do entendimento firmado no despacho recorrido, os Tribunais do Trabalho também são competentes para a apreciação deste tipo de questões não só por força do disposto nos mencionados normativos – mal se compreendendo, aliás, que, em face dos mesmos, o trabalhador tivesse de propor uma acção em Tribunal do Trabalho tendo em vista o reconhecimento de um crédito sobre o empregador repudiante de uma herança e que, pretendendo, ele próprio, aceitar essa herança por sub-rogação do empregador, tivesse de instaurar nos Tribunais Cíveis uma outra acção com esse objectivo – como também por força da al. o) do art. 85º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei n.º 3/99 de 13-01. Com efeito e como refere o agravante, trata-se de uma questão entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho (trabalhador e empregador) e entre o trabalhador e terceiros (restantes herdeiros da herança repudiada), ao mesmo tempo que emerge de uma relação conexa com uma relação de trabalho por dependência (a existência do direito de aceitação sub-rogatória da herança, depende da existência de um crédito do aceitante sobre o repudiante e esse crédito depende ou emerge de uma relação laboral entre estes). Por todas estas razões, não poderemos deixar de concluir pela não verificação, no caso em apreço, das razões em que se fundou o despacho recorrido para haver indeferido liminar e parcialmente a petição inicial. Deve, pois, o despacho recorrido ser substituído por outro que permita o prosseguimento dos autos também quanto à acção sub-rogatória de aceitação de herança, de forma que, a final o Tribunal a quo fique em condições de poder concluir se uma tal sub-rogação é ou não essencial à satisfação ou garantia dos direitos de crédito invocados pelo autor/agravante (art. 606º n.º 2 do Cod. Civil).
III – DECISÃO Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido na parte impugnada, de forma que seja substituído por outro que permita o prosseguimento dos autos também em relação à acção sub-rogatória de aceitação de herança. Custas a cargo do vencido a final. Registe e notifique. Lisboa, 2007-04-24 José Feteira |