Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2303/21.1T8VFX.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: DESISTÊNCIA DO PEDIDO
INSTÂNCIA RECONVENCIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – O processo como unidade tem o nome de instância e esta, enquanto relação jurídico-processual inicia-se com a propositura da acção e consolida-se e estabiliza com a citação.
II – A desistência do pedido constitui um negócio jurídico unilateral que opera de imediato, extinguindo o direito de que o/a desistente pretendia fazer valer e produzindo efeitos processuais.
III – Quando a desistência do pedido da Autora entra em juízo antes da Contestação-Reconvenção não chega a iniciar-se a instância reconvencional.
IV – O n.º 2 do artigo 286.º do Código de Processo Civil pressupõe que já exista uma instância reconvencional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
C…intentou acção declarativa de condenação, na forma comum, contra A… e S…pedindo a condenação dos Réus:
1) conjuntamente, a abster-se de publicar qualquer relato, opinião ou juízo de valor em que mencione, destaque ou de qualquer forma associe a ora Autora ou a sua fotografia ao assunto e factos em apreço;
2) solidariamente, a pagar à Autora, o valor de € 10.000, a título danos não patrimoniais;
3) conjuntamente, a retratarem-se das afirmações efectuadas pelo meio similar e com a dimensão onde as difundiram
Em suma, alega a Autora que depois de dar uma entrevista televisiva onde descreveu o seu relacionamento com o pai (onde disse, nomeadamente, que era este – Réu A… – que geria o dinheiro gerado pelos seus espectáculos e que lhe batia a si e ao irmão – o Réu … – e que foi por ele posta fora de casa), sendo que, em sequência, veio este utilizar os meios de comunicação para desmentir o sucedido e dizer: que acompanhava a filha em todos os espectáculos; que ela ganhou mais de um milhão e distribuiu o dinheiro por quem quis; que teve um problema cardíaco provocado por uma discussão que teve com ela por causa de uma casa que a Autora entende que foi adquirida com dinheiro por si ganho quando era menor; que a entrevista estava cheia de mentiras e calúnias.
Por seu turno, o Réu S… interveio num programa da CMTV onde afirmou ser falso que o pai – aqui Réu – lhe teria batido.
Entende, assim, a Autora que foi colocado em causa o seu bom nome e honra, originando-lhe um estado profundo de desespero, dor, mágoa e ansiedade.
Os Réus foram citados a 18/08/2021.
A 20/09/2021 a Autora veio desistir do pedido contra os Réus.
A 21/09/2021 os Réus vieram apresentar Contestação-Reconvenção pretendendo:
- que seja a acção julgada improcedente, por não provada e a sua absolvição do pedido;
- a procedência do pedido reconvencional, por provado e a condenação da Autora a pagar – a título de danos não patrimoniais – ao Réu A… a quantia de €8.000 e ao Réu S…a quantia de € 6.000, sempre acrescidas de juros, desde a citação até integral pagamento.
Os Réus, em suma, entendem que os dois primeiros pedidos formulados pela Autora são ineptos por juridicamente impossíveis, acrescendo que os factos relatados na entrevista da Autora são falsos, inventados e fruto do seu desespero por protagonismo, e que a falta de factos quanto ao Réu S… se reconduz mesmo à sua ilegitimidade processual.
Mais acrescentam, que o Réu A… apenas desmentiu a versão da história apresentada pela Autora, através de um blog, e não através de “meios de comunicação de ampla divulgação”, sendo certo que esteve internado entre os dias 05 e 12 de Abril de 2021, após uma discussão com a Autora por causa da casa de habitação do Réu S…, constituindo uma monstruosa falsidade que se locupletado com o dinheiro dos espectáculos daquela ou que a tenha posto fora de casa, acrescendo que o desespero, dor, mágoa e ansiedade a que se refere, mais não é que uma perturbação psicopatológica.
Quanto à Reconvenção, os Réus consideram que por força do comportamento da Autora e da publicidade que o caso mereceu na comunicação social, vivenciaram um período de profunda angústia, estando o Réu S… várias noites sem conseguir dormir, preocupado com as ondas de choque que se seguiriam, com a saúde do seu pai, doente crónico cardiovascular, com a imagem que a sociedade, amigos e conhecidos, passariam a ter sobre si e sobre o seu pai, sedo que este, viu-se acusado da prática de actos criminosos e torpes que põe em causa a sua honra e bom nome, como homem e como pai, experienciando elevadíssimos níveis de stress e angústia, deixando de conseguir dormir e encontrando-se perturbado, deprimido, revoltado e com um horrível sentimento de dó, nojo e pena.
A 08 de Dezembro de 2021, o Tribunal proferiu a seguinte decisão:
“Nos presentes autos veio o Ilustre Mandatário da A. declarar que esta desiste do pedido formulado contra os RR.
É lícito ao A. desistir do pedido, no todo ou em parte, em qualquer altura, podendo a desistência fazer-se por documento autêntico ou particular ou por termo no processo, nos termos dos artºs 283º, nº 1 e 290º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Nos termos ainda do disposto nos artºs 285º, nº 1 e 286º, nº 2 do Código de Processo Civil, a desistência do pedido é livre e extingue o direito que se pretendia fazer valer.
Pelo exposto, julgando-a válida, quer pela disponibilidade do objecto, quer pela qualidade da interveniente e observância da forma legal ao abrigo do disposto nos artºs 277º, al. d), 283º, nº 1, 289º a contrario e 290º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, homologo pela presente sentença a desistência do pedido e, em consequência, declaro extinto o direito que a A. pretendia fazer valer na presente ação.
Custas da ação pela A. – artº 537º, nº 1 do C.P. Civil.
Notifique a A. pessoalmente nos termos e para os efeitos do artº 291º, nº 3 do C.P. Civil.
*
Os RR. vieram apresentar contestação onde deduziram pedidos reconvencionais indemnizatórios com base nos fatos alegados na petição inicial, estando assim a apreciação de tais pedidos dependente da apreciação dos fundamentos da ação, entretanto extinta nos termos sobreditos, bem como o direito que na mesma se pretendia fazer valer, sem prejuízo do disposto no artº 291º, nº 3 do C.P. Civil.
Deste modo, ao abrigo do artº 266º, nº 6 do C.P. Civil declaro extinta a instância reconvencional por impossibilidade superveniente da lide.
Custas da instância reconvencional pelos RR. – artº 536º, nº 3, 1ª parte do C.P. Civil.
*
Fixo o valor da ação em € 54.000,01 (€ 30.000,01, face aos interesses imateriais subjacentes aos pedidos formulados em 1) e 3) da petição inicial + € 10.000,00 objeto do pedido formulado em 2) da petição inicial, acrescido de € 8.000,00 + € 6.000,00 objeto dos pedidos formulados a título reconvencional) – artºs 297º, nºs 1 e 2, 299º, nºs 1 a 3, 303º, nº 1 e 306º, nºs 1 e 2 do C.P. Civil.
*
Registe e notifique.
Dê baixa.”
É desta decisão que os Réus apresentaram Recurso lavrando as seguintes Conclusões:
a) Segundo o Tribunal a quo, têm «os pedidos reconvencionais indemnizatórios (…) base nos fatos alegados na petição inicial, estando assim a apreciação de tais pedidos dependente da apreciação dos fundamentos da ação, entretanto extinta nos termos sobreditos, bem como o direito que na mesma se pretendia fazer valer.».
Tudo mal (!).
(b) Os pedidos reconvencionais não têm por “base” os factos alegados na Petição Inicial; Têm por base, antes pelo contrário, a falsidade desses factos, de resto, logo reconhecida pela desistência do pedido! (E, face aos termos da desistência – do pedido e não da instância! – o que ocorre, é o reconhecimento de toda a matéria de facto alegada pelos RR., com excepção, naturalmente, da dimensão dos danos causados!)
(c) Por outro lado, de acordo com o n.º 6 do artigo 266.º, dependência e conexão são coisas completamente diferentes: conexão, tem de haver sempre, sob pena de a reconvenção nem sequer ser admissível;
(d) Coisa diferente, é saber se a reconvenção se pode considerar dependente da acção, para o efeito previsto no n.º 6 do artigo 266.º do CPC, sendo dependente da acção a reconvenção que é declarada procedente na condição de o próprio pedido do A. também o ser.
(e) No caso dos autos, nenhum dos pedidos reconvencionais se encontra dependente da procedência de qualquer dos pedidos da A.; antes pelo contrário! Trata-se de uma reconvenção cuja procedência depende, precisamente, de ser declarada a improcedência do pedido inicial.
(f) Consequentemente, nos termos do n.º 6 do artigo 266.º do CPC, a desistência superveniente do pedido, não obsta à apreciação da reconvenção, tendo o tribunal recorrido decidido, pois, erradamente ao julgar extinta a instância reconvencional como consequência da inutilidade superveniente da acção.
(g) Solução diversa não faria, aliás, qualquer sentido, pois apenas geraria, sem justificação, a necessidade de os RR. proporem uma nova acção contra a autora, com conteúdo idêntico ao da reconvenção deduzida nestes autos, com violação do princípio pro accione ou do aproveitamento dos actos processuais, determinando a prática, portanto, de actos inúteis (em rigor, a repetição inútil de uma acção)!!
(h) Pior: embora prejudicada face à procedência do recurso, quanto à parte decisória inerente à pretensa “inutilidade”, sempre há que dizer que, também o segmento decisório relativo a custas, além de perfeitamente opaco, é errado.
(i) Na arquitectura do sistema legal da responsabilidade pelo pagamento das custas vigora, a título principal, o princípio da causalidade e, subsidiariamente, o da vantagem ou proveito processual, que surge associado à regra da sucumbência.
(j) Sendo a norma legal aplicada: «3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.» nem sequer é possível vislumbrar a que “parte” desta norma o Tribunal a quo se pretende referir, quando alude à «primeira parte».
(k) Sem prejuízo disso, na sua literalidade, a 1ª parte refere-se ao «autor ou requerente», caso em que a responsabilidade por custas recairia, totalmente sobre a Autora desistente.
 (l) E na eventualidade de por «autor ou requerente» o Tribunal a quo se querer referir aos reconvintes, então, olvida olimpicamente ao facto de a impossibilidade superveniente da reconvenção ser consequência da desistência do pedido, e portanto, se «tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, (…) é este o responsável pela totalidade das custas.».
(m) Portanto: seja qual for a leitura que se faça da norma, e do despacho recorrido, a conclusão é só uma: a decisão recorrida viola do art.º 537º, nº 1 do C.P. Civil, ao imputar aos R. a responsabilidade das custas relativas à reconvenção, cuja inutilidade – sem conceder, no argumentário da decisão recorrida – é consequente da desistência do pedido pela A..
Não foram apresentadas Contra-Alegações.
Questões a Decidir
São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
Verificadas as Alegações e Conclusões dos Réus-Recorrentes e as suas divergências com o decidido, importará apreciar qual o efeito da desistência do pedido na acção no destino do pedido reconvencional formulado pelos Réus.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
Fundamentação de Facto
A Decisão sob recurso assentou na consideração factualidade descriminada no Relatório antecedente.
Fundamentação de Direito
A situação que temos presente no âmbito deste recurso aparenta uma simplicidade enganadora.
De facto, começamos por estar diante de uma normal situação de uma acção intentada e na qual os Réus são citados.
Instância[2] é o nome dado “ao processo considerado como unidade ou, mais rigorosamente ainda, ao princípio de unidade do processo. O processo (ou melhor, cada processo), apesar de ser composto por actos praticados em vários momentos por pessoas e órgãos diversos, tem uma unidade intrínseca: o processo como unidade tem o nome de instância. A instância constitui-se, pode modificar-se e extingue-se”[3].
Sabendo que a “instância, como relação jurídico-processual, é dinâmica, sendo importante que se defina rigorosamente tanto o momento em que se inicia, como aquele em que finda, sem desprezar as suas vicissitudes”[4], dispõe o artigo 259.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que ela se inicia com a propositura da acção e que esta se considera proposta, intentada ou pendente, logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial ou for feita a sua apresentação por via electrónica (cfr. artigo 144.º, n.ºs 1 e 7).
Depois, é com a citação que o acto de propositura da acção produz efeitos em relação ao Réu[5] (artigo 259.º, n.º 2), assim se completando “a relação processual (formação da lide)”[6], consolidando e estabilizando os elementos objectivo e subjectivo da acção[7].
In casu, a citação dos Réus completou, consolidou e estabilizou a instância inicial, aquando da sua citação no dia 18/08/2021.
Ainda durante o prazo para apresentarem a sua defesa, e sem que o tivessem ainda feito, a Autora apresentou nos autos a desistência do pedido nos termos do artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
No dia imediatamente a seguir (a 21/09/2021) os Réus apresentaram a sua Contestação-Reconvenção.
Em sequência, o Tribunal a quo proferiu sentença homologatória da desistência do pedido, nos termos do disposto nos artigos 285.º, n.º 1 e 286.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, julgando-a válida, quer pela disponibilidade do objecto, quer pela qualidade da interveniente e observância da forma legal ao abrigo do disposto nos artigos 277.º, alínea d), 283.º, n.º 1, 289.º a contrario e 290.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo diploma, assim declarando extinto o direito que a Autora pretendia fazer valer, com custas a seu cargo.
Quanto aos Réus e à Contestação-Reconvenção por si apresentada, o Tribunal a quo entendeu que os pedidos reconvencionais indemnizatórios se baseavam nos factos alegados na petição inicial e que estando a apreciação de tais pedidos dependente da apreciação dos fundamentos da acção entretanto extinta, tal implicava a extinção da instância reconvencional por impossibilidade superveniente da lide, assim o declarando, com custas da instância reconvencional a seu cargo (dos Réus), nos termos do artigo 536.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil.
O artigo 286.º, n.º 2, do Código de Processo Civil prevê precisamente a situação da desistência do pedido inicial e a forma como afecta o reconvencional, dispondo que ela “não prejudica a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do formulado pelo Autor”[8].
Os pedidos reconvencionais formulados pelos Réus, efectivamente e como bem assinalam os Recorrentes, são autónomos relativamente ao pedido formulado pela Autora, uma vez que, tendo por enquadramento os factos alegados na Petição Inicial, se reportam aos danos que a conduta praticada por esta última lhes originou (e, portanto, não estariam dependentes da apreciação dos fundamentos de uma acção extinta).
Sucede, no entanto, que a desistência do pedido formulada pela Autora entrou em juízo um dia antes da Contestação-Reconvenção, ou seja, antes de ter conhecimento desta.
E esta circunstância tem de ser relevada, uma vez que, no momento em que a desistência ocorre, a única instância consolidada é a inicial: ainda não havia instância reconvencional, uma vez que esta só se iniciaria com a apresentação em juízo do articulado (artigo 259.º, n.º 1) e apenas se consolidaria (nos mesmos termos da inicial) com o seu conhecimento por parte da Autora-Reconvinda (artigo 259.º, n.º 2).
Sem que a situação seja idêntica, ela assemelha-se à de uma desistência da instância antes da citação do Réu, ou a uma desistência da instância entrada em juízo antes de uma contestação[9] (situações em que, por esse factor cronológico com efeitos processuais, também não é necessária a aceitação da outra parte).
Na prática, trata-se de levar em consideração e tirar as devidas consequências do facto de a desistência do pedido corresponder a um negócio jurídico unilateral, como assinala o Acórdão da Relação do Porto de 04/11/2019 (Processo n.º 32/18.2T8GDM-A.P1-Fátima Andrade[10]), quando sublinha que “configura um negócio unilateral não recetício, como tal não dependente do conhecimento da contraparte” e que, “operando de imediato, extingue o direito de que o desistente se pretendia fazer valer”[11].
A desistência do pedido, sendo formulada no processo, tem um efeito processual imediato, reportado ao momento em que a declaração é produzida[12]: como refere Miguel Teixeira de Sousa, “a confissão e a desistência do pedido, ou a transacção são actos constitutivos, ainda que devam ser homologados pelo Tribunal (…), pois que produzem imediatamente os seus efeitos, como se depreende, por exemplo, do artº 13º, nºs 1 e 2, CC”[13].
Nestas circunstâncias, a situação com que nos deparamos nos autos, é a de que no momento da apresentação da Contestação-Reconvenção, já a desistência do pedido tinha produzido efeitos, não chegando – como tal – a ter-se constituído verdadeiramente uma instância reconvencional susceptível de poder prosseguir os seus termos (o que já não sucederia se a desistência do pedido fosse posterior).
Podemos, assim, concluir que a desistência do pedido formulada no processo antes de ter dado entrada em juízo uma Contestação-Reconvenção obsta a que esta produza efeitos processuais (a não ser que aquela não seja homologada)
 Dito de outra forma, o n.º 2 do artigo 286.º pressupõe que já exista uma instância reconvencional constituída. Não existindo ainda e tendo operado a extinção do direito da Autora (mesmo sem a homologação judicial) ficando a instância inicial sem suporte, não chega a haver instância reconvencional, porque nem a Contestação chega a relevar.
Assim sendo, mais do que cair a Reconvenção, ela não chega sequer a erguer-se, pelo que, neste aspecto, nem o Tribunal a quo teve razão em considerar a instância reconvencional supervenientemente inútil, nem os Recorrentes têm razão em considerar que a instância reconvencional deve prosseguir.
Em consequência, embora materialmente o resultado seja idêntico (não prosseguirem os autos para apreciação do pedido reconvencional), a decisão que a esta matéria respeita passa a ser a seguinte: “em face da circunstância de a desistência do pedido ter entrado em juízo antes da Contestação-Reconvenção, esta não relevará processualmente, por impossibilidade.
Não tendo chegado a constituir-se a instância reconvencional, não há custas a ela respeitantes”.
O recurso procederá parcialmente, em face desta precisão.
Uma vez que o objectivo dos Recorrentes era lograr que a instância reconvencional prosseguisse e não o conseguiu, as custas do recurso ficarão a seu cargo.

DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, decidir que, em face da circunstância de a desistência do pedido ter entrado em juízo antes da Contestação-Reconvenção, esta não poder relevar processualmente, por impossibilidade, sendo que, não tendo chegado a constituir-se a instância reconvencional, não há custas a ela respeitantes.
As custas do recurso ficam a cargo dos Recorrentes.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).

Lisboa, 24 de Maio de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Sousa
José Capacete
_______________________________________________________
[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] “Este termo é usado na nossa lei com dois significados principais inteiramente diferentes: ora significando grau de jurisdição, ora significando relação jurídica processual” (Ary Elias da Costa-Fernando Silva Costa-João Figueiredo de Sousa, Código de Processo Civil-Anotado e Comentado, 3.º Volume, Livro III, Almedina, 1974, página 317).
[3] João de Castro Mendes-Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, AAFDL, 2022, página 583.
[4] Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I Parte Geral e Processo de Declaração, 2.ª edição, 2020, página 311.
[5] A não ser quando a lei ficcione de forma distinta.
[6] Antunes Varela-José Miguel Bezerra-Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, página 253.
[7] Susceptíveis de alteração nos termos restrictivos dos artigos:
-  260.º - Princípio da estabilidade da instância;
- 261.º - Modificação subjectiva pela intervenção de novas partes;
- 262.º - Outras modificações subjectivas;
- 264.º - Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo;
- 265.º - Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo;
- 266.º - Admissibilidade da reconvenção;
- 267.º e 268.º - apensações de processos.
[8]  Dado “que o benefício que o réu retira da desistência do pedido não tem de implicar a perda do benefício que o réu pretende retirar da reconvenção” – Miguel Teixeira de Sousa, CPC on line, anotação 4 ao artigo 286.º, CPC Livro II, versão de 2022.5, disponível em https://drive.google.com/file/d/1TfqfI8gvzsCEh04RJ6kjKj4QUPQ87lhR/view [consultado a 17/05/2022].
[9] Situação descrita por João de Deus Pinheiro Farinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Edições Ática, 1965, página 319, citando o Despacho do 3.º Juízo Cível de Lisboa de 13/05/1952, publicado na Revista dos Tribunais, 70.º, página 224 (“É de admitir a desistência da instância, quando o requerimento do autor tenha sido apresentado no mesmo dia em que a Contestação, foi entregue na secretaria, mas antes dessa contestação”).
[10] Anotado favoravelmente por Miguel Teixeira de Sousa, em Blog do IPPC, entrada de 24/04/2020 “Jurisprudência 2019 (225)”, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2020/04/jurisprudencia-2019-225.html [consultado a 17/05/2022].
[11] No mesmo sentido, RG 16/01/2020 (Processo n.º 2047/15.3T8CHV.G1-Alcides Rodrigues; RC 26/02/2019 (Processo n.º 172/18.8T8OVR-A.P1-Cecília Agante; RE 26/10/2017 (Processo n.º 1682/14.1TBFAR.E1–Albertina Pedroso), RE 28/09/2017 (Processo n.º 785/15.0T8PTM.E1-Maria João Faro) e RE 30/11/2016 (Processo n.º 3443/14.9T8STB.E1-Albertina Pedroso).
[12] Com interesse, vd. Paula Costa e Silva, Acto e Processo-O dogma da irrelevância da vontade na interpretação e nos vícios do acto postulativo, Coimbra Editora, 2003, página 75 (para que o “efeito processual ocorra é necessário, ou que a desistência tenha lugar no processo, ou que, sendo ela parte integrante de um negócio extra-processual (como, por exemplo, uma transacção), seja alegada em processo como excepção”).
Sobre a desistência do pedido, enquanto acto postulativo, vd., na mesmo obra, páginas 277 a 279.
[13] Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, LEX, 1993, página 94.