Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3539/08.6TVLSB.L1-7
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONVENÇÃO ARBITRAL
TRIBUNAL ARBITRAL
CLÁUSULA
CONTRATO DE AGÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - A convenção arbitral celebrada com uma sociedade integrada num grupo de sociedades apenas vincula a outorgante, sem embargo de acordo posterior com outras sociedades.
II - Não existe obstáculo a que as pretensões deduzidas sejam apreciadas pelo tribunal arbitral, quanto à sociedade que se vinculou à arbitragem, e pelo tribunal judicial, quanto a outra sociedade do grupo.
III - Cumpre ao tribunal arbitral, além do mais, proceder à interpretação da cláusula arbitral, designadamente para verificação da sua competência ou determinação da lei processual e material aplicável.
IV - No contrato de agência, regulado pelo Dec. Lei nº 178/86, de 3-6, é legalmente impedida a renúncia antecipada ao direito de indemnização, designadamente ao direito de indemnização por clientela.
V - A nulidade da convenção arbitral com fundamento na indisponibilidade do direito, nos termos do art. 1º, nº 1, e do art. 2º da LAV, reporta-se a situações de indisponibilidade absoluta, com exclusão das situações de indisponibilidade relativa, designadamente quando se trate de litígio que incida sobre direitos de natureza patrimonial susceptíveis de transacção.
VI - Verifica-se a excepção dilatória de violação de convenção arbitral prevista em contrato de agência na acção interposta pelo agente contra o principal no tribunal judicial na qual, além do pedido de condenação no pagamento de comissões devidas, são formulados pedidos de indemnização de clientela e por incumprimento do contrato.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – C---- S.A.,

interpôs contra

V, A.S.,
VV - --Ldª,
e
VVV, A.S.,

acção declarativa de condenação
pedindo a condenação da 1ª R. no pagamento de indemnizações e comissões decorrentes de um contrato de agência.
A 2ª R. é demandada como co-responsável pelo pagamento das comissões.
A 3ª R. é demandada para a eventualidade de se comprovar a não existência da 1ª R.

As RR. contestaram e, além de outras excepções, invocaram a violação da convenção de arbitragem decorrente do contrato de agência.

No despacho saneador foram absolvidas da instância todas as RR., com fundamento na aludida excepção de violação de convenção arbitral.

Apelou a A. e concluiu que:

a) A cláusula de arbitragem não é aplicável à 2ª R. VV por virtude da carta datada de 23-12-04, uma vez que na referida carta a R. V apenas deu indicação à A. para facturar as comissões à 2ª Ré VV, sem prejuízo do Contrato de Agência.
b) A referida carta não importa qualquer alteração subjectiva no Contrato de Agência, não havendo cessão da posição contratual da V para a VV, mas tão somente o cumprimento da obrigação contratual que incumbia à V por terceiro.
c) Não tendo sido celebrada entre a A. e as RR. VV e VVV qualquer cláusula compromissória ou compromisso arbitral e não podendo, por isso, a A. iniciar qualquer processo de arbitragem contra aquelas, a decisão recorrida representa a denegação do direito de acesso ao direito e aos tribunais da A., em clara violação do disposto no art. 2º do CPC e no art. 20º da CRP.

d) As pretensões deduzidas contras as três Rés estão de tal modo interligadas que o eventual prosseguimento de duas acções diferentes perante dois Tribunais distintos retiraria o efeito útil a qualquer uma delas.
e) Os pedidos formulados contra as três RR. são indissociáveis entre si, na medida em que o pedido formulado contra a R. VVV é subsidiário do pedido formulado contra a V, sendo pedida a condenação solidária da VV com a V ou com a VVV, de modo que é evidente e lógica a conveniência da existência de uma só acção contra todas as RR.
f) Não sendo possível que as pretensões contra a R. VV e a R. VVV sejam apreciadas por um tribunal arbitral, restará apenas a possibilidade de a A. ver os seus pedidos contra estas duas entidades apreciados por um tribunal judicial que, atenta a indissociabilidade da forma como a A. configura a sua pretensão contra as três RR., também terá que apreciar a pretensão contra a V.

g) O contrato de agência contém uma cláusula através da qual as partes contraentes pretenderiam determinar a lei aplicável e o foro para a resolução de qualquer litígio resultante ou com ligação ao contrato, mas a redacção de tal cláusula é ambígua e completamente contraditória nos seus próprios termos.
h) Numa primeira leitura, as partes pretendem submeter a apreciação de quaisquer litígios emergentes do contrato a um tribunal arbitral, de acordo com a lei dinamarquesa de arbitragem, no Sø-og Handelsretten, retirando competência aos tribunais judiciais para o efeito. Mas uma leitura mais atenta revela que a arbitragem terá lugar no Sø-og Handelsretten, Copenhaga, Dinamarca, que é precisamente o Tribunal Marítimo e do Comércio de Copenhaga, um Tribunal Judicial, de modo que é ambígua e equívoca a redacção da referida cláusula.
i) Ademais encontramos a referência na última parte da cláusula à remissão da apreciação dos litígios para a jurisdição dinamarquesa (sob lei dinamarquesa). Ora, jurisdição dinamarquesa equivale ao conjunto dos tribunais judiciais dinamarqueses e não inclui um tribunal arbitral que funcione na Dinamarca.
j) A cláusula é ambígua no sentido de constituir um compromisso arbitral ou um pacto atributivo de jurisdição aos tribunais dinamarqueses, o que desde logo determinaria a sua inaplicabilidade, porque condição de validade e eficácia de um e de outro seria a sua clareza que manifestamente não existe.

k) Além disso, sempre a remissão da apreciação do litígio para os tribunais dinamarqueses não corresponderia a um interesse sério do principal e acarretaria significativos prejuízos para o agente.
l) O contrato previa toda a sua execução em Portugal, produzindo aqui todos os seus efeitos, pelo que nenhuma conexão, em termos da sua execução, apresenta face à Dinamarca.
m) Acresce que, podendo a designação convencional envolver a atribuição de competência exclusiva ou meramente alternativa com a dos tribunais portugueses, quando esta exista, presume-se que seja alternativa em caso de dúvida.
n) Sendo evidente a competência dos tribunais portugueses para conhecer da acção, não resulta claro da leitura da cláusula se a pretensa competência dos tribunais dinamarqueses é exclusiva ou meramente alternativa, presumindo-se que seria alternativa, donde sempre resultaria verificada a competência internacional dos tribunais portugueses.
o) A cláusula é manifestamente nula, na medida em que a sua redacção é equívoca e contraditória, sendo, também por esta via, insusceptível de aplicação, não se verificando a excepção da preterição do tribunal arbitral.

p) A validade da convenção de arbitragem, quer esta constitua uma cláusula de um contrato, quer represente um negócio jurídico autónomo, depende da verificação de certos requisitos legais, entre os quais a arbitrabilidade (art. 1º, nºs 1 e 3).
q) A indemnização de clientela é um dos pedidos formulados pela A. na sua petição, sendo certo que a indemnização de clientela é considerada pela jurisprudência como direito indisponível.
r) As normas relativas à indemnização de clientela previstas nos arts. 33º e 34º do regime jurídico do contrato de agência são de interesse e ordem pública, como também decorre do art. 19º da Directiva 86/653/CEE, segundo o qual “as partes não podem, antes da cessação do contrato, derrogar o disposto nos artigos 17º e 18º (que regulam a indemnização de clientela) em prejuízo do agente comercial”.
s) O interesse e ordem pública do instituto da indemnização da clientela ressalta assim, também, do facto de não poder haver acordo prévio sobre a dita indemnização ou contrário ao conteúdo legal da mesma.
t) A cláusula 37ª é manifestamente nula, na medida em que viola o disposto no art. 1º, nº 1, da LAV.

Houve contra-alegações.

II - Decidindo:
1. Suscitam-se as seguintes questões:
a) Se a convenção arbitral acordada entre a A. e a 1ª R. inscrita no contrato de agência apenas produz efeitos entre as partes outorgantes do contrato ou se vincula as demais RR.;
b) Perante a primeira alternativa, saber se o facto de serem formulados pedidos contra a 1ª R. e contra as demais determina que todas sejam demandadas no tribunal judicial;
c) Se a cláusula arbitral é ambígua e se, além disso, não lhe subjaz qualquer interesse sério;
d) Se a cláusula é nula, por se reportar a direito indisponível, no caso a apreciação dos pedidos de indemnização por incumprimento do contrato de agência e de indemnização de clientela.

2. Elementos a ponderar:
- Depois de, em 21-1-03, ter sido celebrado entre a A. e a 1º R. um contrato de agência, em 27-2-04 foi assinado novo contrato, com vigência até 31-12-06 (art. 28º), cujo teor consta de fls. 107 e segs., contendo a cláusula 37ª, assim traduzida:
Resolução de Conflitos
Qualquer litígio emergente ou relacionado com o presente Acordo será resolvido sem o recurso aos tribunais de acordo com a Lei Dinamarquesa de Arbitragem, no Sø-og Handelsretten, Copenhaga, Dinamarca, sendo as sentenças do Tribunal Arbitral finais e vinculativas. O painel de arbitragem será constituído por três pessoas; uma designada por cada uma das partes e uma designada por comum acordo entre os dois árbitros. Se não for possível alcançar comum acordo para a designação do terceiro árbitro, então o Presidente do Sø-og Handelsretten designará um árbitro.
Os árbitros terão poder para decidir sobre a sua própria competência e sobre a validade do acordo a submeter à arbitragem.
Quaisquer litígios ou questões emergentes deste Contrato serão regidos pela Lei Nacional Dinamarquesa e sob jurisdição Dinamarquesa conforme acima determinado sem fazer referência às ou uso das regras relativamente à escolha da lei”.
- Em 23-12-04, através da carta de fls. 117, a 1ª R. deu indicação à A. que, sem prejuízo do contrato de agência referido, as comissões seriam pagas pela 2ª R. VV.
- Com fundamento na cessação do contrato, com efeitos a partir de 31-12-06, comunicada através da carta de fls. 118, ao abrigo do art. 34º do Dec. Lei nº 178/86, de 3-6, a A. formulou o pedido de condenação da 1ª R. V no pagamento de uma indemnização de clientela, de uma quantia a título de comissões e ainda de uma indemnização por incumprimento do contrato.
- Subsidiariamente, “por mera cautela de patrocínio”, para o caso de se verificar a “inexistência” da R. V, a A. formulou o mesmo pedido de condenação contra a 3ª R. VVV.
- Pediu ainda a condenação da 2ª R. VV, solidariamente com a 1ª R. ou com a 3ª R., no pagamento das comissões devidas.
- Na decisão recorrida, foi declarada a absolvição de todas as RR. da instância por violação da convenção de arbitragem.

3. Quanto ao âmbito subjectivo da cláusula arbitral:
3.1. Não merece discussão que a convenção arbitral constitui um acordo cujos efeitos, em regra, apenas se produzem inter partes, sem eficácia para terceiros, nos termos do art. 406º do CC.
No caso, o contrato de agência contendo a cláusula compromissória, foi outorgado apenas entre a A. e a 1ª R., sem qualquer intervenção, simultânea ou posterior, das demais RR., pelo que carece de fundamento a decisão de absolvição da instância das 2ª e 3ª RR. com base na violação de convenção arbitral, nos termos do art. 494º, al. j), do CPC.

3.2. Em abstracto, não está afastada a possibilidade de existência de acordo superveniente traduzindo, designadamente, a adesão de terceiros a uma convenção arbitral ou a modificação subjectiva por via da cessão da posição contratual. [1]
Porém, mais do que a invocação de algum dos instrumentos legais susceptíveis de alargar a terceiros os efeitos de uma convenção arbitral, torna-se necessária a apresentação de elementos que traduzam os pressupostos legais, nos termos do art. 2º da LAV, ou dos arts. 424º e segs. do CC.
Ora, quanto à 3ª R., os autos são completamente omissos em relação a alguma manifestação de vontade nesse sentido.
Quanto à 2ª R. VV, o único elemento relevante é integrado pelo documento de fls. 117. Trata-se de uma carta dirigida à A. em que lhe foi comunicado que as comissões relativas aos contratos agenciados, e que eram da responsabilidade da 1ª R., passariam a ser pagas pela 2ª R. VV.
Não se pondo em causa que, a partir de então, as comissões emergentes do contrato de agência passaram a ser facturadas pela A. à R. VV, tal não configura qualquer vinculação desta R. à convenção arbitral, a exigir requisitos formais que não se mostram minimamente acautelados, mesmo em face do que dispõe o art. 2º, nº 2, da LAV. Por outro lado, também não se encontram preenchidos os requisitos da cessão da posição contratual, tanto mais que, nos termos da referida carta, ficou ressalvada a manutenção do contrato de agência que vigorava entre a A. e a 1ª R., mediante a expressão “without prejudice to the contract referred above”.
Tal documento reflecte tão só a indicação de que o cumprimento da obrigação seria efectuado por terceiro, figura prevista no art. 767º do CC, justificada, no quadro do grupo de sociedades, pelo facto de a R. VV ter passado a receber dos clientes da 1ª R. os pagamentos que a esta eram devidos pelas vendas efectuadas.

3.3. O facto de as RR. se encontrarem numa relação de grupo também não basta para estender às sociedades não outorgantes a convenção arbitral.
É verdade que, noutras latitudes, tal circunstância tem servido para justificar a ampliação subjectiva da convenção arbitral, como dá nota Lebre de Freitas.[2] Mas trata-se de uma questão cuja solução que não é pacífica, como o revela a discussão surgida em seu redor. Além disso, mesmo para quem defende essa solução, a extensão subjectiva da convenção arbitral não funciona de forma automática, pressupondo que a sociedade “não signatária tenha participado na negociação e no cumprimento do contrato, relevando, além disso, a intenção das partes, maxime da parte contrária no acto da celebração” (França).
Relevante é que, em face do direito positivo nacional, tal doutrina não encontra aderentes, sendo, designadamente recusada por Lebre de Freitas, embora ressalve situações que correspondam a abuso de direito (ou abuso da personalidade jurídica) carecidas de um complexo fáctico que os autos minimamente não revelam.

3.4. Pode discutir-se se o processo arbitral pode ser instaurado e prosseguir relativamente a sujeitos que ao mesmo se não obrigaram, o que convoca a questão da admissibilidade do incidente de intervenção de terceiros na arbitragem que, por essa via, ganharia uma amplitude subjectiva mais vasta.[3]
Mas a resposta a tal questão não interessa neste momento. Apenas assume pertinência quando suscitada perante o tribunal arbitral que porventura venha a constituir-se, ficando sujeita à decisão dos árbitros que, além do mais, têm competência para se debruçarem sobre os limites objectivos ou subjectivos da sua própria intervenção.
De modo algum a mesma pode conduzir ao resultado pretendido pela A. que, a pretexto da demanda de outras sociedades que não intervieram no contrato de agência e que ao mesmo se não vincularam, conseguiria a ineficácia absoluta da convenção arbitral outorgada inequivocamente com a 1ª R.

3.5. Assim, não se encontrando as 2ª e 3ª RR. vinculadas à convenção arbitral, não existe fundamento para a sua absolvição da instância, com fundamento na sua violação.

4. Quanto à absolvição da instância da 1ª R. por violação de convenção arbitral:
4.1. Interdependência dos pedidos:
4.1.1. Considera a recorrente que, apesar de no contrato celebrado com a 1ª R. ter sido incluída uma convenção arbitral, a interdependência dos pedidos formulados implica que todas as RR. devam ser demandadas perante o mesmo tribunal.
Não colhe o argumento.
A demanda da 3ª R. VVV é alheia a qualquer interdependência ou subsidiariedade de pedidos, surgindo, antes, com a estranha justificação de prevenir a eventual “inexistência” da 1ª R.
Menos ainda procede quanto à 2ª R. VV, a qual é demandada na qualidade de “co-responsável” pelas comissões derivadas do contrato de agência. Ora, uma eventual relação de solidariedade passiva que se verifique em relação a tal obrigação não implica a concentração do litígio num só tribunal, nada impedindo que o litígio se distribua entre o tribunal arbitral, em relação a um dos condevedores, e o tribunal judicial, quanto ao outro.
Por certo, a instauração de uma só acção contra os diversos sujeitos poderia determinar ganhos de produtividade e evitar decisões contraditórias. Mas tais factores não podem sobrepor-se aos efeitos da convenção arbitral que vincula a A. em relação à 1ª R.

4.1.2. Acresce que a possibilidade de um mesmo litígio ser discutido e dirimido em processos e tribunais distintos não constitui uma realidade estranha ao ordenamento jurídico-processual.
Com efeito, em litígios com pluralidade de sujeitos submetidos a jurisdições diversas é comum a distribuição da competência entre dois tribunais, como sucede quando a obrigação de indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual é imputada, em regime de solidariedade, a uma pessoa colectiva de direito público (v.g. Município responsável pela manutenção da via pública) e a sujeitos de direito privado (v.g. proprietário do veículo causador de acidente e respectiva seguradora).
Em tais circunstâncias, sendo a apreciação da responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito público da competência dos tribunais administrativos, nos termos do art. 4º, nº 1, al. g), do ETAF, tal não afasta a competência residual dos tribunais judiciais para a acção interposta contra outros sujeitos responsáveis.

4.2. Ambiguidade da convenção arbitral:
4.2.1. Considera a A. que o art. 37º do contrato, que integra a convenção arbitral, é ambíguo e que, por isso, não é susceptível de modificar a regra da competência atribuída supletivamente ao tribunal judicial.
Improcede também este argumento.
Uma eventual ambiguidade da convenção arbitral não constituiria motivo para impedir a sujeição do diferendo ao tribunal arbitral, pois o afastamento dos efeitos de convenção arbitral apenas pode ocorrer quando esta se revelar manifestamente nula.[4] Por outro lado, como já anteriormente se disse (e consta do art. 37º do contrato), o tribunal arbitral tem competência para definir a sua própria competência, estabelecendo o art. 21º, nº 1, da LAV, que “pode pronunciar-se sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”.
Ora, não havendo dúvidas de que a A. e a 1ª R. pretenderam sujeitar os litígios gerados a partir do contrato de agência a um tribunal arbitral, a este caberá, além do mais, proceder à análise da cláusula arbitral, a fim de verificar se e em que medida a mesma reúne as condições formais e materiais que justifiquem a competência que lhe é atribuída.
Diga-se que a leitura da cláusula não nos suscita qualquer espécie de dúvida quanto à real vontade dos sujeitos no sentido de atribuírem a competência para a apreciação de litígios decorrentes do contrato de agência a um tribunal arbitral.

4.2.2. O facto de na convenção se referir o tribunal de Sø-og Handelsretten, Copenhaga, Dinamarca (Tribunal Marítimo e de Comércio), não tem o efeito que a A. pretende extrair, podendo traduzir simplesmente, como é normal, o local onde se constituirá fisicamente ou ficará sedeado o tribunal arbitral, sem qualquer confusão em relação à putativa sujeição do litígio à jurisdição e à lei dinamarquesa.
Além disso, a referência a tal tribunal estadual pode ainda ter a utilidade de prevenir a eventual designação do terceiro árbitro que venha a ser solicitada ao respectivo Presidente, nos termos previstos na convenção arbitral.
Igualmente o facto de se prever a sujeição do litígio à jurisdição dinamarquesa não justifica a arguida ambiguidade, significando simplesmente que, além do mais, os árbitros que intervierem deverão verificar qual a legislação que será aplicável ao caso,[5] questão sobre a qual é prematura, nesta ocasião, qualquer observação, já que se liga ao mérito da causa que no presente recurso não está em discussão.

4.3. Ausência de fundamento sério para a convenção arbitral:
4.3.1. Alega ainda A. que à convenção de arbitragem não subjaz qualquer interesse sério, dela resultando apenas prejuízo para a A. que, assim, suporta o ónus de demandar a 1ª R. em tribunal arbitral a constituir na Dinamarca.
Diversos autores têm assinalado as vantagens que as partes buscam através da convenção arbitral, entre as quais se destacam o objectivo de alcançar uma mais expedita resolução de litígios, a maior sensibilidade dos árbitros quanto aos assuntos a tratar, o menor formalismo processual, a maior intervenção das partes no processo e na escolha dos árbitros ou a especialização dos árbitros em relação às matérias a tratar.[6]
Por certo que a cláusula arbitral confronta a A. com maiores dificuldades e despesas. Mas estas são consequências comuns a todos os casos em que as convenções arbitrais envolvem sujeitos sedeados em diversos países, sendo de supor a sua ponderação na ocasião em que é outorgada.

4.3.2. De todo o modo, se é verdade que a inexistência de interesse sério de uma das partes no afastamento das regras processuais comuns releva para efeitos de apreciação da validade do pacto atributivo de jurisdição, nos termos do art. 99º, nº 3, al. c), do CPC, quando envolva inconveniente grave para a outra parte, tal aspecto não encontra acolhimento em matéria de arbitragem.
Neste momento, em que se aprecia decisão que sobre a excepção dilatória de violação de convenção de arbitragem, sem que o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre a incompetência internacional, não faz sentido apelar a um tal requisito negativo do pacto de jurisdição.
Sempre se dirá, no entanto, que, sendo comum a inserção de convenção arbitral em contratos que envolvem empresas sedeadas em países diversos, não se pode considerar, in casu, que a mesma seja destituída de seriedade. Ao invés, parece-nos compreensível e digno de tutela o interesse que subjaz a tal convenção, mediante a qual a 1ª R. pretendeu assegurar que eventuais litígios que viessem a ocorrer seriam dirimidos por tribunal arbitral a constituir no país em que está sedeada.

4.4. Nulidade da convenção arbitral, por indisponibilidade do direito:
4.4.1. Invoca a A. a nulidade da cláusula pelo facto de se reportar a direitos indisponíveis.
Trata-se da questão que assume mais pertinência em redor da convenção arbitral e cuja decisão é rodeada de mais dúvidas.[7] Ainda assim, a resposta que se antecipa é desfavorável à recorrente, confirmando-se a excepção de violação da convenção arbitral que determinou a absolvição da instância da 1ª R.
 
4.4.2. Nos termos do art. 1º, nº 1, da LAV, podem ser submetidos a tribunal arbitral litígios que não respeitem a “direitos indisponíveis”, sendo nula a convenção que viole tal preceito (art. 3º).
Optou o legislador pelo difícil e discutível critério da (in)disponibilidade, cuja aplicação prática vem gerando bastantes dúvidas, designadamente quando a questão surge conexionada com relações jurídicas pautadas por uma forte restrição à liberdade contratual, como ocorre com os contratos de arrendamento vinculísticos, com o contrato de trabalho e com determinados contratos de distribuição comercial como o de agência ou de concessão comercial.
O pressuposto processual da arbitrabilidade dos litígios é geralmente formulado em torno de critérios assentes em interesses de ordem pública, na patrimonialidade ou na disponibilidade dos direitos.[8] Certos ordenamentos de tradição anglo-saxónica não apresentam sequer um critério formal, relegando para a jurisprudência a delimitação dos litígios arbitráveis, de acordo com a concreta apreciação dos direitos em discussão.
Em França, admite-se, em princípio, a arbitrabilidade das causas de natureza patrimonial, desde que não haja violação da ordem pública internacional francesa.[9]
Na Suíça ou na Alemanha predomina o critério da patrimonialidade dos direitos, prescrevendo-se que qualquer causa de natureza patrimonial pode ser objecto de arbitragem, não sendo relevante se a relação subjacente é comercial ou privada, civil ou administrativa, de direito nacional ou de direito internacional.
De lege ferenda, esta é também a solução propugnada, entre outros, por Sampaio Caramelo, no estudo já referido, e por Lima Pinheiro.[10]
Trata-se do critério que, em face das críticas dirigidas ao actual regime jurídico-formal assente na disponibilidade (absoluta ou relativa) do direito, e à incerteza e insegurança que dele decorre, vem ganhando terreno, como o demonstra a recentíssima consagração na Proposta de Lei da Arbitragem (aprovada na reunião de Conselho de Ministros de 6-1-11, para envio à Assembleia da República), na qual se prevê que, “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros” (art. 1º, nº 1).[11]
Já relativamente ao critério de arbitrabilidade dos litígios com fundamento na disponibilidade do direito discute-se entre nós (e também noutros ordenamentos que igualmente o consagram) se deve ser interpretado por forma a obviar a qualquer arbitragem relativa a direitos submetidos a regimes imperativos que se sobrepõem à vontade das partes ou se, ao invés, mediante a subdivisão entre indisponibilidade absoluta e indisponibilidade relativa, é legítimo asseverar a arbitrabilidade de litígios que incidem sobre direitos patrimoniais quando, independentemente da relação jurídica de que emergem, admitem a auto-composição dos interesses mediante transacção. [12]
Sem pretender esgotar tudo quanto a respeito da questão tem sido referido na doutrina nacional, com Ferreira de Almeida [13] poderemos concluir que a qualificação de certo direito como disponível ou indisponível não deve ser feita instituto a instituto, mas questão a questão.
Trata-se de tese também sustentada por Paula Costa e Silva, para quem o critério de arbitrabilidade há-de ser concretizado de forma casuística, através do confronto do litígio com o regime jurídico do direito em causa.[14]
Pereira Barrocas advoga que o art. 1º, nº 1, da LAV, “comporta a arbitrabilidade de direitos patrimoniais, sejam ou não considerados indisponíveis”, “ficando fora do conceito de arbitrabilidade os direitos indisponíveis não patrimoniais ou pessoais”.[15]
Sem embargo da solução contrária que, para caso semelhante, foi adoptada no Ac. da Rel. de Guimarães, de 16-2-05 (www.dgsi.pt), criticamente comentado pela maioria da doutrina nacional, a solução que mais se adequa passa por circunscrever a nulidade da convenção arbitral às situações de indisponibilidade absoluta, tornando inarbitráveis apenas os litígios em que está de todo impedida a constituição ou disposição de direitos por vontade das partes.

4.4.3. Antes de concluir, permitimo-nos abrir um parêntesis com referência a outros lugares paralelos do nosso ordenamento jurídico.
A indisponibilidade do direito, condicionadora da liberdade de actuação dos interessados, interfere também, por exemplo, na validade da transacção e no regime de apreciação da caducidade, nos termos dos arts. 1248º, nº 1, e 333º, nº 1, do do CC.
À validade da transacção são impostos limites materiais, sendo inadmissível quando incida sobre direitos que às partes “não é permitido dispor”. Regime que o art. 299º do CPC reafirma quando a transacção ocorre no âmbito de processo judicial, estabelecendo a sua proibição quando importe a “afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis” e impondo ao juiz o dever de efectuar o respectivo controlo (art. 300º, nº 3, do CPC).
Quanto à excepção peremptória de caducidade, nos termos do art. 333º, nº 1, do CC, é de conhecimento oficioso apenas quando incida sobre matéria subtraída à disponibilidade das partes, devendo ser invocada pelo réu nos demais casos.
Ora, a problemática que resumidamente enunciámos a respeito da validade da convenção arbitral sob o prisma da indisponibilidade do direito em causa não se afasta da que se suscita a respeito da validade da transacção ou da cognoscibilidade oficiosa da caducidade.
A comprovar o paralelismo justificativo de uma solução semelhante, defende Lebre de Freitas [16] que é legítimo estabelecer uma distinção entre situações jurídicas absolutamente indisponíveis, relativamente às quais está vedado qualquer dos negócios jurídicos de auto-composição do litígio, e as que apenas o são relativamente, permitindo a realização de algum ou alguns deles.
Trata-se de doutrina que já Alberto dos Reis [17] advogara. Referindo-se simultaneamente à validade da transacção e à validade da convenção arbitral (ao abrigo do anterior art. 1562º do CPC, segundo o qual era vedada para relações jurídicas subtraídas ao domínio da vontade das partes), defendia o estabelecimento de uma distinção entre os efeitos pessoais e efeitos de natureza patrimonial derivados dos direitos, para concluir que, em relação a “direitos patrimoniais definidos e certos, a desistência e a transacção são válidas, uma vez que esses direitos entram na esfera dos direitos disponíveis”.
Atalhando argumentos, facilmente se comprova, noutro campo em que a vontade dos interessados sofre restrições, que, sem embargo da natureza inequivocamente pessoal das relações de família, com reflexos em matéria de disponibilidade, tal regime não invalida em absoluto a outorga de acordos entre os interessados, designadamente quando têm por objecto a partilha de bens pós-divórcio ou prestações alimentícias já vencidas, nos termos do art. 2008º, nº 1, do CC (a irrenunciabilidade vigora apenas para as prestações vincendas).
Finalmente, noutro campo, em que nos defrontamos com relações jurídicas de conteúdo patrimonial, mas sujeitas, em maior ou menor grau, a um determinado vinculismo imposto por regras injuntivas, como sucede no contrato de arrendamento urbano (v.g. prazo, formas de extinção, valores de rendas, etc), o certo é que, apesar disso, é uniforme o entendimento de que, por exemplo, a caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento não é de conhecimento oficioso, dependendo de alegação do arrendatário, e que nada obsta a que as partes lavrem transacção, procedendo a uma auto-regulação dos interesses em situações de litígios ocorridos.
Exemplos que confirmam que o conceito de “indisponibilidade”, em lugar de uma interpretação literal, deve ser casuisticamente integrado por forma a delimitar os casos em que está de todo afastada a intervenção das partes na regulação dos seus interesses ou em que, independentemente da natureza da relação jurídica litigada, os direitos que da mesma emergem estão sob directa influência dos interessados. [18]

4.4.4. É altura de concluir:
Nos termos dos art. 32º do Dec. Lei nº 178/86, de 3-6, que regula o contrato de agência, qualquer das partes tem o direito de ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra. E de acordo com o art. 33º, após a cessação do contrato, o agente tem direito a uma indemnização por clientela nas condições aí previstas.
Às partes é vedado renunciar antecipadamente ao direito de indemnização associado à resolução da generalidade dos contratos por incumprimento imputável à contraparte, como expressamente o determina a norma geral do art. 809º do CC.
Esta mesma solução, agora para todo o género de indemnizações decorrentes do contrato de agência, é imposta pela Directiva 86/653/CEE, cujo art. 19º determina que “as partes não podem, antes da cessação do contrato, derrogar o disposto nos artigos 17º e 18º em prejuízo do agente comercial”.[19]
Mas desta caracterização do direito de indemnização não pode extrair-se, através de uma inadmissível cadeia de ilações, a não arbitrabilidade dos litígios que em redor do seu reconhecimento e da sua quantificação venham a surgir.
A indisponibilidade do direito, por via da sua irrenunciabilidade, vigora no momento em que as partes outorgam o contrato, limitando, nessa medida, a sua liberdade contratual. Mas, uma vez constituído o direito na esfera do agente (o que ocorre com a extinção do contrato, por resolução ou outra causa), já não se justifica apodá-lo de indisponível. Afinal, jamais se discutiu a possibilidade de, nessa ocasião, se estabelecer validamente uma transacção dentro ou fora de processo judicial em que o direito se discuta.
Na realidade, o referido direito de indemnização é integrado pelo direito ao recebimento de uma determinada quantia, de modo que, atenta a natureza patrimonial da prestação correspondente, a mesma passa a ser livremente disponível. Disponibilidade que, vigorando inequivocamente para efeitos de composição amigável do litígio, nos termos do art. 1248º do CC ou do art. 299º do CPC, legitima a submissão do litígio sobre o seu reconhecimento e quantificação a um tribunal arbitral.
Repare-se que a inderrogabilidade do direito acautelada pelo art. 19º da Directiva apenas vigora até ao momento da cessação do contrato,[20] expressão que iniludivelmente antecipa a livre disponibilidade do direito depois desse momento.
Insista-se: a irrenunciabilidade antecipada do direito de indemnização do agente não gera a sua indisponibilidade absoluta, sendo válida convenção arbitral destinada a resolver futuros e eventuais litígios decorrentes da execução ou da cessação do contrato de agência.[21]
No caso, trata-se de dirimir conflito em redor de direitos de natureza patrimonial decorrentes do contrato de agência que já se encontra extinto. Por isso, nada obsta a que se faça valer a convenção arbitral outorgada entre a A. e a 1ª R., a qual não põe em causa direito absolutamente indisponíveis.

5. A 3ª R. foi demandada sob o estranho pretexto de prevenir a eventual “inexistência” da 1ª R.
Para além de ser evidente que um tal motivo jamais justificaria a pluralidade subjectiva subsidiária, nos termos do art. 31º-B do CPC, o mais relevante, por ser decorrência natural da decisão proferida quanto à 1ª R., cuja demanda deve ocorrer perante o tribunal arbitral, é que não se verificam as condições mínimas para que a acção prossiga contra a 3ª R.
Desde logo, destaca-se a manifesta ilegitimidade da mesma, já que não é referenciada como titular da relação material controvertida, não sendo admissível demandar uma terceira pessoa na incerteza da personalidade jurídica de outrem.
Por outro lado, a incompetência relativa do tribunal para conhecer da acção quanto à 1ª R., obsta necessariamente ao prosseguimento da acção contra a 3ª R. que é subsidiária e cautelarmente demandada.
Acresce que o conhecimento do pedido principal perante o
tribunal arbitral obedece a uma
forma de processo especial (o processo arbitral), o que, no caso, constitui obstáculo inultrapassável à coligação e à própria cumulação subsidiária (arts. 31º, nº 2, e 469º, nº 2, do CPC).
Justifica-se, deste modo, a manutenção da absolvição da instância da 3ª R., posto que com fundamento algo diverso do que foi declarado na decisão recorrida.


IV - Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, de modo que:
a) Confirma-se a decisão recorrida, na parte em que absolveu da instância a 1ª R. com fundamento na preterição de tribunal arbitral voluntário;
b) Confirma-se a mesma decisão, ainda que com motivos diversos, na parte em que absolveu da instância a 3ª R.;
c) Revoga-se a decisão recorrida, na parte em que absolveu da instância a 2ª R. com fundamento na preterição de tribunal arbitral voluntário;
d) Determina-se o prosseguimento da acção relativamente à 2ª R., designadamente para efeitos de apreciação das demais excepções invocadas na sua contestação.

Custas da apelação a cargo da A. e da 2ª R. na proporção de 2/3 e 1/3 respectivamente.
Notifique.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2011

António Santos Abrantes Geraldes
Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado
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[1] Cfr. Ribeiro Mendes, em “Introdução às Práticas Arbitrais”, acessível através de
www. arbitragem.pt/estudos/praticasarbitrais.doc
ou de www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/MFG_MA_9269.doc.
[2]Intervenção de terceiros em processo arbitral”, em III Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, pág. 195. Outrossim, Ribeiro Mendes, no trabalho citado, Capítulo III (ponto 21.)
[3] Matéria que igualmente é abordadas por Ribeiro Mendes no trabalho citado.
[4] Cfr. o Ac. da Rel. de Lisboa, de 5-6-07, www.dgsi.pt, e o Ac. da Rel. de Lisboa, de 8-5-08, CJ Electrónica.
[5] Cfr. o Ac. do STJ, de 11-10-05, CJSTJ, tomo III.
[6] Ribeiro Mendes, trabalho citado.
[7] Os contornos da questão, o elenco das soluções adoptadas e a discussão em torno das mesmas encontram-se profusamente descritas por Ribeiro Mendes, trabalho citado (Capítulo III, ponto 20.), por Sampaio Caramelo, em “A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio, R.O.A., ano 66º, tomo III, e por Lima Pinheiro, em Arbitragem Transnacional.
[8] Sampaio Caramelo, trabalho citado (ponto 2.).
[9] Lima Pinheiro, ob. cit., pág. 105.
[10] Ob. cit., págs. 103 e segs.
[11] No nº 2 prevê-se ainda que “é também válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transacção sobre o direito controvertido”.
No respectivo Preâmbulo refere-se que “o presente diploma altera o critério de arbitrabilidade dos litígios, fazendo depender esta não já do carácter disponível do direito em litígio, mas antes, em primeira linha, da sua natureza patrimonial, combinando, porém esse critério principal, à semelhança do que fez a lei alemã, com o critério secundário da transigibilidade do direito controvertido, de modo que mesmo litígios que não envolvam interesses patrimoniais, mas sobre os quais seja permitido concluir transacção, possam ser submetidos à arbitragem”.
[12] Lima Pinheiro recusa esta solução, defendendo que relativamente a direitos relativamente indisponíveis as convenções arbitrais apenas são válidas depois da cessação da relação (ob. cit., pág. 109).
[13] Convenção de arbitragem: conteúdo, 2008, pág. 86.
[14] Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, pág. 922.
[15] Manual da Arbitragem, pág. 219
[16] CPC anot. vol. I, 2ª ed.
[17] Comentário ao CPC, vol. III, págs. 524 e 517.
[18] Cfr. Joana Galvão Teles, em “A arbitrabilidade dos litígios em sede de invocação de excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário”, acessível através de
www.laboratorioral.fd.unl.pt/media/files/Trabalho_joana_galvao_teles.doc.
[19] Trata-se de norma que, conquanto não tenha sido expressamente transposta para o direito interno, é de aplicação directa, permitindo concluir, com a generalidade da doutrina, que às partes é vedado estipular antecipadamente a renúncia às indemnizações previstas (Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 7ª ed., pág. 145).
Conforme decorre dos respectivos Considerandos preambulares, a mesma teve como um dos objectivos eliminar as “diferenças entre as legislações nacionais em matéria de representação comercial afectam sensivelmente, no interior da Comunidade, as condições de concorrência e o exercício da profissão e diminuem o nível de protecção dos agentes comerciais nas relações com os seus comitentes, assim como a segurança das operações comerciais; que, por outro lado, essas diferenças são susceptíveis de dificultar sensivelmente o estabelecimento e o funcionamento dos contratos de representação comercial entre um comitente e um agente comercial estabelecidos em Estados-membros diferentes”.
[20] Solução que igualmente decorre do art. 809º do CC, quando se restringe à renúncia antecipada, levando Antunes Varela a concluir na anotação a tal artigo que o direito de indemnização “pode ser renunciado”.
[21] A mesma solução tem sido admitida em relação a litígios que envolvem direitos de personalidade que serão ou não disponíveis consoante as circunstâncias em que concretamente nos encontremos.
No Ac. do STJ, de 3-5-07, www.dgsi.pt, concluiu-se que, embora os direitos de personalidade sejam indisponíveis (e, portanto, inarbitráveis as questões respeitantes ao seu conhecimento), já não é indisponível o direito de acção tendente à indemnização por responsabilidade civil com fundamento na violação de qualquer desses direitos e muito menos a quantificação da eventual indemnização por danos causados por essa violação.