Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3121/13.6TTLSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: VIOLAÇÃO DO DEVER DE OCUPAÇÃO EFETIVA
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1 – A não atribuição ao trabalhador de qualquer tarefa por um período de cerca de três meses, sem que se verifique justificação para o efeito, constitui violação do dever de ocupação efetiva.
2 – Tal violação acrescida de não lhe ter sido disponibilizada formação profissional durante o período em que perdurou a relação laboral, constituem justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador.
(Pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AAA, A. nos autos à margem referenciados, em que é R. BBB, vem, interpor recurso de Apelação da sentença.
Pede:
(…)
Não foram apresentadas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido de os recursos interpostos não merecerem provimento.
Os autos resumem-se como segue:
AAA, residente na …, intentou a presente ação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra BBB., com sede  … Lisboa, peticionando que se reconheça o seu direito de resolução com justa causa e a condenação da ré a pagar-lhe:
– Todos os créditos laborais pedidos e decorrentes da cessação do contrato de trabalho, no valor de € 2.295,00 € (dois mil duzentos e noventa e cinco euros), acrescidos dos respetivos juros legais a contar do vencimento dos mesmos;
– A indemnização pedida, a título de ressarcimento pelos invocados, danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor global de € 17.000,00 (dezassete mil euros), acrescido de juros à taxa legal a contar da respetiva condenação e até integral pagamento.
Alega, para tanto, que resolveu com justa causa o contrato de trabalho que o vinculava à ré, e que a conduta desta lhe ocasionou os danos cujo ressarcimento pretende através da presente ação.
No desenvolvimento dos autos a ré apresentou contestação, alegando, em suma que a pretensão do autor é infundada, e deduzindo pedido reconvencional, correspondente ao período de pré-aviso de 30 (trinta) dias que não foi observado pelo autor ao resolver o contrato com a ré.
O autor apresentou articulado de resposta, impugnando o alegado pela ré e concluindo como na petição inicial.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença em que o tribunal considera a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e a reconvenção como procedente, por provada e, nessa sequência, decide:
A) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.830,09 (mil, oitocentos e trinta euros e nove cêntimos), a título de créditos laborais decorrentes da vigência e cessação do contrato de trabalho;
B) Condenar a ré a pagar ao autor os juros de mora vencidos e vincendos, desde o dia 08 de Julho de 2013, sobre a quantia referida em A), à taxa legal em vigor prevista para os juros civis e até integral pagamento.
C) Condenar a autora/reconvinda a pagar à ré/reconvinte a quantia de € 1.000,00 (mil euros) decorrente da falta de pré-aviso da cessação do contrato de trabalho;
D) Absolver a ré do demais peticionado.
Após a prolação desta sentença foi proferido despacho de apreciação das nulidades invocadas – recusando-as - e subiram a esta Relação cinco recursos, a saber:
- O recurso da sentença;
- O do despacho proferido em 11/04/2019 (apenso D);
- O do despacho proferido em 29/04/2019 (apenso E);
- O do despacho proferido em 29/04/2019, recurso subordinado e ampliação do objeto do recurso (apenso E);
- O do despacho proferido em 19/09/2019 (apenso F).
Tais recursos tiveram as seguintes decisões:
- O 1º (da sentença): “ao abrigo do disposto no Artº 652º/1-b) do CPC, verificando-se óbice ao conhecimento do recurso, decido devolver os autos à 1ª instância para ali ser cumprido o que se determinou no referido apenso E), extraindo-se, após, as consequências que se impuserem ao nível da tramitação processual.”
- O 2º (despacho de 11/04/2019): “não conheço do objeto do recurso.”
- O 3º (despacho de 20/04/2019): “acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido na parte atinente à requisição de documentos, substituindo-o pelo convite ao A. para que esclareça quais os factos que se propõe provar com os documentos pretendidos, devendo, após, o Tribunal recorrido ajuizar da respetiva pertinência e prosseguir os termos que daí emergirem, e, bem assim, revogar o despacho na parte em que sanciona o A. com multa.”
- O 4º (subordinado e ampliação): “não conheço do objeto do recurso subordinado.” e “Em face da decisão supra exarada, tendo caído o recurso de que esta é dependência, impossibilitou-se o respetivo conhecimento.”
- O último (despacho de 19/09/2019): “acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.”
Na sequência da decisão proferida no apenso E e nos autos principais foi proferido na 1ª instância o seguinte despacho:
“Em obediência ao ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa no apenso E, notifique o autor, na pessoa do seu ilustre mandatário, para, em 10 dias, vir aos autos esclarecer quais os factos que se propõe provar com os documentos em poder da parte contrária, identificados a fls. 281 dos autos, na parte final do articulado de resposta à contestação (Refª 15294688).”
Em presença da resposta do A. foi proferido o seguinte despacho:
“Em face do exposto, por não assumir relevância, indefere-se o requerimento do autor”.
Este despacho foi seguido de outro onde se consignou:
“De acordo com a decisão superior do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 1558
«A decisão aqui proferida implica a ponderação dos meios de prova em causa, podendo, de tal ponderação, caso os mesmos venham a ser admitidos, resultar a reabertura da audiência, alteração da decisão de facto e consequente nova sentença».
Da ponderação ora efetuada, não se admitem os meios de prova em causa, mantendo-se por conseguinte a decisão de facto e a sentença proferidas, sendo que a reabertura da audiência nestes caso, redundaria em ato inútil, cuja prática é expressamente proibida pela lei processual civil (artigo 130.º do CPC).
*
Notifique e oportunamente, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.”
É assim que temos para apreciação a apelação interposta anteriormente[1] e que não tinha sido conhecida em virtude da decisão proferida no apenso E).
*
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
As conclusões E) a J) reportam a decisões que já foram objeto de reapreciação, o mesmo ocorrendo no concernente às referências efetuadas a despachos e recursos nas conclusões K) e M).
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – A sentença é nula?
2ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
3ª – Existe justa causa de resolução do contrato?
4ª – Devem ser retificados os valores concernentes aos créditos salariais apurados?
*
QUESTÃO PRÉVIA:
A 1ª questão a analisar prende-se com a nulidade da sentença.
Assenta a mesma na circunstância de a sentença reproduzir a que fora proferida em 9/01/2015, imputando-se-lhe, por isso, falta de fundamentação.
Previamente à prolação da sentença consignou-se que “…tendo inexistido produção de prova, e tendo as partes em tempo produzido as respetivas alegações que aqui se podem considerar por isso aproveitadas, afigura-se que a marcação de diligência para o efeito, configuraria ato inútil, e apenas serviria para retardar mais o andamento dos autos[2].
É nestes termos que é proferida a sentença de que ora se recorre e que reproduz o decisório da anterior sentença, exarando a factualidade provada e não provada e a fundamentação respetiva e, bem assim, a fundamentação jurídica a partir da qual resolve as diversas questões que identificou.
O Artº 615º/1-b) do CPC comina de nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, omissão que não detetamos na sentença, o que conduz à improcedência da questão suscitada.
Explicitamos ainda que as questões atinentes ao que se decidiu na audiência que antecedeu a sentença já foram objeto de decisão nas apelações supra mencionadas.
Por outro lado, não poderemos abstrair da circunstância de, tendo sido tomada, no apenso E), a decisão de dar a palavra ao A. a fim de permitir ao Tribunal ajuizar sobre a pertinência das provas requeridas, a mesma foi cumprida, vindo o Tribunal recorrido a não atribuir relevância às mesmas, sem que se registe reação por parte do A..
Improcede, assim, a questão em apreciação.
Para além da nulidade invocada nas conclusões A) a D), também na conclusão U) é apontada uma nulidade por omissão de pronúncia assente, segundo a alegação precedente, na circunstância de a sentença não ter considerado os documentos juntos aos autos e na de ter deixado de apreciar questões relevantes.
Consignou-se na motivação factual que o tribunal considerou “os documentos juntos aos autos e a que se fez referência no elenco da factualidade provada…” e, por outro lado, que “do teor dos documentos juntos não se retira a ocorrência de tais factos (os não provados) …
Sob a rubrica em apreciação afigura-se-nos que, mais do que uma omissão de pronúncia, o Apelante invoca erro de julgamento da matéria de facto pois reporta-se à existência de documentos que sustentarão a prova de dois factos.
Analisaremos a matéria na questão seguinte.
*
FUNDAMENTAÇÃO:
OS FACTOS:
(…)
Da análise dos pontos 8 e 13, no confronto também com os pontos 13 e 15, decorre uma contradição que importa sanar.
No ponto 8 refere-se a conclusão de uma atividade que, atento o conteúdo do documento aí mencionado, ocorreu por volta de 18/04/2013. A relação de trabalho veio a terminar com a carta enviada em 8/07/2013. Ora, este intervalo não é de três meses.
Por outro lado, no ponto 13 refere-se uma atividade realizada em 27/06/2013.
No ponto 12 consignou-se:
- Após os cinco dias de férias gozadas pelo autor, nada mais lhe foi referido sobre o assunto da aplicação «access», sendo que o autor continuou ainda sem lhe ver atribuída outra tarefa ao longo de três meses, para além do access concluído em meados de Abril.
Logo, a redação do ponto 12 é contraditória com o desenrolar do processo que se nos perspetiva em face dos documentos mencionados. Modificar-se-á, pois, oficiosamente, e nos termos do disposto no Artº 662º/1 do CPC, o ponto 12º de modo a fazê-lo coincidir com a realidade revelada pela prova documental.
Ou seja, considera-se provado que:
- Após os cinco dias de férias gozadas pelo autor, nada mais lhe foi referido sobre o assunto da aplicação «access», sendo que, para além do access concluído em meados de Abril, o autor continuou sem lhe ver atribuída outra tarefa que não a mencionada no ponto 13.
*
FACTOS:
Com interesse para a apreciação do mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) O autor celebrou em 22/03/2012 com a empresa «….», detentora da marca «…» contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início de vigência em 02/04/2012, com vista ao preenchimento de um lugar de consultor informático com, efetividade nos quadros da empresa, correspondente à categoria profissional de analista de informática – cfr. doc. junto a fls. 35-40 dos autos e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
2) A empresa “….ª”, sociedade por quotas que, quando da sua criação em 22/03/2010, adotou como firma a designação “….ª”, entretanto voltou a mudar de firma, por alteração do Pacto Social em 19/03/2013, passando a designar-se …ª”, designação esta, que volta a ser alterada em 03/06/2013, para a firma “ BBB, designação esta que mantém atualmente – cfr. doc. junto a fls. 570-582 dos autos e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
3) A celebração do mencionado contrato de trabalho foi precedido, por parte do ora A., da apresentação à empresa contratante, de um documento (“Dossier de Competências”), com a explanação e apresentação de um conjunto de competências técnico-científicas, que, embora incidindo fundamentalmente na especialização na tecnologia “Outsystems”, abrangia a generalidade das competências de um engenheiro informático com a categoria profissional de Consultor/Analista Informático;
4) Na sequência da celebração do referido contrato de trabalho, o ora A., sem ter assumido qualquer tarefa nas instalações da empresa contratante, é deslocado diretamente para trabalhar nas instalações da empresa “….”, após a formalização de um compromisso de confidencialidade do trabalhador com uma outra empresa, a “…o que importava a contratualização dos serviços em “OutSourcing” (Externalização) por parte da empresa …;
5) O ora autor desenvolveu, portanto todo o seu trabalho nas instalações da empresa “….”, sitas na Rua … Lisboa, desde 02/04/2012, até 23/03/2013, altura em que, terminando o seu projeto na “….”, a entidade patronal, telefonicamente, informa o trabalhador que deverá entrar em férias, o que, por sua vontade, ocorreram até ao dia 02/04/2013, data em que completando um ano ao serviço da empresa R., ingressa, pela primeira vez, para trabalhar, nas instalações desta empresa;
6) As remunerações auferidas pelo autor mensais foram sempre pagas pela empresa contratante, embora sob as diversas firmas que adotou entretanto, através de transferência bancária para a conta do trabalhador;
7) No dia 30/03/2013, o trabalhador recebe uma mensagem de e-mail da empresa, em que lhe é solicitado que desenvolva um trabalho, em conjunto com um colega de nome Paulo Serra, no programa “…” relativo à criação de uma aplicação informática para gestão de seleção de candidatos, com vista à constituição de uma Base de Dados; - cfr. doc. junto como doc. 6 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
8) O autor concluiu o trabalho referido em 7), tendo remetido à ré o escrito, por correio eletrónico, correspondente ao doc. 8 junto com a petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
9) A ré publicitou ofertas de emprego para «outsystems consultant», em sites de emprego, como o …. – cfr. documento junto como doc. 10 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
10) Na sequência de uma tentativa de acordo com vista à cessação do contrato de trabalho do autor com a ré, esta apresentou-lhe o documento correspondente ao doc. 11 junto com a petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
11) No dia 02/05/2013, o A., comunicando não aceitar a proposta da empresa, apresenta um documento escrito com uma contraproposta, relativa aos termos de um possível acordo revogatório do contrato de trabalho, que se encontra junta, em cópia, como doc. n.º 12 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
12) Após os cinco dias de férias gozadas pelo autor, nada mais lhe foi referido sobre o assunto da aplicação «access», sendo que, para além do access concluído em meados de Abril, o autor continuou sem lhe ver atribuída outra tarefa que não a mencionada no ponto 13.;
13) A referida … remeteu ao autor o escrito, por correio telefónico, com data de 27 de Junho de 2013, comunicando-lhe o seguinte:
«Uma vez que consideras que existem muitos projetos de Outsystems no mercado e face ao teu conhecimento de tecnologia, agradeço o teu contributo nesse levantamento e até ao final do dia de hoje enviares um excel com a informação das empresas onde existem esses projetos, número de pessoa de contacto, para que assim a equipa possa fazer os contactos para esses projetos.
Exclui …, … e … .
Obrigada (…)» - cfr. doc. junto como doc. 14 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
14) O autor respondeu ao escrito referido em 13) por escrito correspondente ao documento junto como a fls. 127 dos autos e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
15) O autor remeteu à ré, com data de 08 de Julho de 2013, um escrito, onde, sob o assunto: «Resolução de Contrato de Trabalho/Justa causa», lhe comunica, além do mais a decisão de resolução do contrato de trabalho que os vinculava, com invocação de justa causa, cessando funções de imediato – cfr. doc. junto como doc. N.º 16 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
16) A essa comunicação a empresa respondeu que não reconhecia verificados os factos alegados pelo trabalhador e protestou liquidar e pagar os créditos a que o trabalhador teria direito, convocando, para o efeito, uma reunião nos escritórios da empresa, a decorrer no dia 25/07/2013;
17) Nessa reunião não foi possível obter qualquer acordo relativo às condições de saída do trabalhador da empresa;
18) Ainda no final dessa referida reunião, o trabalhador procedeu à entrega dos equipamentos que ainda tinha em seu dispor (computador portátil, telemóvel, pasta de transporte do computador e respetivos cabos);
19) Na Segurança Social encontrava-se registada a cessação do contrato de trabalho do Autor, com a data de 30/04/2013, situação retificada após as diligências efetuadas pelo Autor;
20) A situação referida em 19) deveu-se a erro no envio de documentos à Segurança Social pela empregadora, na sequência da tentativa de acordo referida em 10);
21) Por indicação da ACT, o A. enviou em 26/07/2013, carta registada com aviso de receção, à empresa, acompanhada do Modelo n.º 5044 para certificação e respetiva devolução, relativo à Declaração de Desemprego na Segurança Social, previamente informatizada e preenchida pelo trabalhador, solicitando ainda, entre vários outros documentos, o respetivo Certificado de Trabalho – cfr,. doc. junto como doc. 18 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos;
22) A ré respondeu ao escrito referido em 21) por escrito datado de 31 de Julho de 2013, que se encontra junto como doc. n.º 19 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
23) A empresa, em 01/08/2013, sem nova comunicação ao trabalhador, procede a transferência bancária para a conta do A., na importância de € 519,08 (quinhentos e dezanove euros e oito cêntimos), quantia essa que foi devolvida pelo autor, por meio de emissão de cheque bancário n.º …, do …, à ordem da ré – cfr. documento junto como doc. n.º 20 da petição inicial e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
24) Por escrito datado de 06 de Agosto de 2013 a ré comunicou ao autor a receção do escrito referido em 23) comunicando ao autor:
«(…) No entanto manteremos como liquidados os valores apresentados para o fecho de contas apresentado na reunião de 25 de Julho, nada mais havendo a liquidar» - cfr. doc. junto a fls. 167 dos autos e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
25) O autor é licenciado em engenharia informática (cinco anos), possui experiência profissional superior a oito anos e ainda experiência profissional na tecnologia de outsystems de mais de quatro anos, tecnologia de desenvolvimento de software esta, relativamente recente e apenas implementada nas grandes empresas, tendo efetuado a expensas suas a formação profissional nesta tecnologia e sem qualquer apoio da empresa;
26) A ré não promoveu nem realizou qualquer ação de formação profissional no período em que o trabalhador esteve ao serviço da mesma;
27) O autor foi admitido ao serviço da ré por se encontrar certificado em Outsystems com o nível «Associate Developer», certificação essa que ocorreu em 19/10/2009, tendo sido gratuita para o trabalhador uma vez que foi financiada pela empresa onde o autor trabalhava ao tempo «…» em vigor até 31/10/2012;
28) O autor foi contactado por outras empresas no sentido de lhe serem facultadas possíveis oportunidades de projetos na tecnologia de outsystems, que foram recusadas pelo autor, nomeadamente no dia 26/06/2012.
O DIREITO:
Apreciemos agora a 3ª questão elencada – a justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Pretende o Apelante que deve ser reconhecida justa causa de resolução mormente no que concerne à falta de ocupação efetiva e ao reconhecimento da sujeição a tratamento discriminatório de que foi alvo (conclusão DD).
A fundamentar a sua tese o Recrte. alega que a sentença reconheceu ter havido violação do direito de ocupação efetiva, não lhe atribuindo gravidade; que a R. não provou que a violação do dever de ocupação não resultava de culpa sua, pelo que, por força do disposto no Artº 799º/1 do CC tem que presumir-se culposa; que a R. publicitou ofertas de emprego para a tecnologia em que o A. tinha especialização; que lhe foram atribuídas tarefas claramente abaixo das suas competências funcionais enquanto engenheiro informático, pelo que se regista violação das garantias convencionais do trabalhador; que viveu na incerteza de obter certificação profissional; que foi alvo de situações discriminatórias por parte da empregadora.
Antes de avançarmos na análise que se impõe lembremos o elenco motivador apresentado na carta de resolução do contrato de trabalho que, conforme emerge do disposto no Artº 398º/3 do CT, delimita o objeto da discussão em sede de ação de apreciação da ilicitude da resolução.
Exarou-se na sentença (e consta de fls. 132) que “Ao endereçar a carta de resolução à ré, invocou o autor, para fundamentar a justa causa, em suma, os seguintes motivos:
(1) Ausência na ré de projetos internos e software específico que permita ao trabalhador manter-se nas funções a que se encontra adstrito, contribuindo para o esvaziamento prático da atividade para a qual foi contratado;
(2) A empresa publicita diária e continuamente ofertas para a tecnologia outsystems e simultaneamente informa o trabalhador que não tem projetos/clientes, posicionando-o em inatividade e desatualização;
(3) Atribuição de tarefas informáticas fora da sua área de especialidade de outsystems, tendo ainda sido questionado por tarefas que não lhe tinham sido atribuídas e por erros não competidos;
(4) Confronto com a circunstância de ter registado horas falsas de entrada e saída, com pressões relativamente a horários;
(5) Múltiplas e reiteradas ofensas á integridade moral, honra e dignidade do trabalhador;
(6) Ausência de realização pela empregadora de qualquer ação de formação profissional, sendo o trabalhador colocado em condições exíguas, em condições de trabalho que conduziram à criação de problemas de saúde, estando atualmente em vigilância e tratamento médico para se manter equilibrado e em funções, encontrando-se no limite das suas forças físicas e anímicas.
Ponderou-se após que de entre os fundamentos invocados se provou a ausência de formação profissional, circunstância que foi desvalorizada porque “o autor iniciou a sua relação de trabalho no dia 2 de Abril de 2012 fora das instalações da ré em regime de outsourcing nas instalações da empresa «…», tendo regressado às instalações da ré passado um ano (em 02/04/2013) e resolvido o contrato cerca de três meses depois.
A circunstância de a ré não ter empreendido uma ação de formação profissional no período em que o autor este ao seu serviço, não é de tal modo grave que justifique uma rutura da relação contratual, nem tão pouco se revela idónea a acarretar consigo uma «desatualização» dos conhecimento do trabalhador.
Ainda a sentença teve como assente a verificação da violação do dever de ocupação em razão da não atribuição de trabalho durante três meses. Porém, também aqui desvalorizou a situação em virtude de “para se ter como verificada e justificada a justa causa de resolução não basta a simples verificação objetiva de uma infração pela entidade empregadora, sendo também necessário que na violação das obrigações contratuais por parte do empregador seja culposa e que como resultado dessa gravidade não seja exigível ao trabalhador a subsistência da relação laboral.
O que resultou provado é bem menos do que foi alegado, não tendo resultado demonstrada qualquer factualidade subsumível a uma situação de pressão ou de ofensa da honra e dignidade sobre e do trabalhador.
O autor trabalhou para a ré cerca de 14 (catorze) meses, sendo que desses, 12 (doze) meses foram prestados noutra empresa.
O autor durante três meses (e, assim durante o período em que regressou às instalações da empresa e mesmo com período de férias gozado) apenas lhe ser atribuído o trabalho em access (que não se demonstrou estar «abaixo» da sua competência, conforme alegou), e a lista a que se refere o ponto 13. dos factos provados.
Ora, importa aqui ter presente que esse período corresponde aos três meses subsequentes ao ingresso do autor nas instalações da ré, tendo ocorrido, a certa altura, negociações com vista à cessação do contrato de trabalho, tendo inclusive o trabalhador, no dia 2 de Maio de 2013 apresentado uma «contraproposta» para tal cessação [factos provados 10) e 11)], que não foi todavia aceite.
Por outro lado, e foi o próprio autor a alegar que recusou possibilidades de ofertas de emprego que lhe foram apresentadas durante esse período.
Ora, a circunstância dessa recusa – ocorrida nomeadamente a 26/06/2013 (e, portanto, 11 onze dias antes da comunicação da resolução do contrato com justa causa), e já decorrida na sequência de negociações com vista a uma eventual cessação do contrato, inculca que não foi a ocupação que a ré lhe deu com as tais tarefas acima descritas (e o tempo que passou com as mesmas) que assumiu gravidade tal que tenha tornado insustentável a manutenção da relação laboral
Que dizer?
É um facto que, de entre as situações invocadas como justificando a resolução do contrato, apenas se provou a situação de inatividade e a ausência de qualquer formação profissional.
Na verdade, compulsado o acervo fático, provou-se que a relação de trabalho remonta a 22/03/2012 tendo-se desenvolvido desde o início – mais propriamente desde 2/04/2012- em empresa terceira. A atividade nesta empresa cessou em 23/03/2013, altura em que o trabalhador inicia um período de férias, vindo, em 2/04/2013,a regressar às instalações da Apelada, mantendo o contrato de trabalho inicialmente firmado.
A partir de então é-lhe atribuída uma função – a criação de uma aplicação informática para gestão de seleção de candidatos. Tal função terminou por volta de 18/04/2013[3]. Para além desta, concluída em meados de Abril, o autor continuou sem lhe ver atribuída outra tarefa que não a mencionada no ponto 13 - um pedido de levantamento de empresas com projetos Outsystems (ponto 13) a que o A. deu resposta imediata[4].
Ainda em Abril[5] iniciaram-se negociações com vista à cessação do contrato de trabalho, negociações que não obtiveram êxito.
Por outro lado, provou-se também que a R. não promoveu nem realizou qualquer ação de formação profissional no período em que o trabalhador esteve ao seu serviço.
Da narração assim efetuada concluímos, de modo algo distinto da sentença, que se registou um período de inatividade e a ausência total de formação.
Que consequências retirar desta factualidade?
Começamos por esclarecer que à situação de base, ocorrida entre Abril e Julho de 2013, se aplica o CT na versão introduzida pela Lei 7/2009 de 12/02 com as atualizações ocorridas até à Lei 47/2012 de 29/08.
Em presença do disposto no Artº 127º/1 do CT é dever do empregador proporcionar boas condições de trabalho ao trabalhador e contribuir para a elevação da produtividade, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação (alíneas c) e d)). E é garantia do trabalhador a prestação efetiva de trabalho, pois que é proibido ao empregador obstar injustificadamente a esta prestação (Art.º 129º/1-b)).
Emerge daqui um dever de ocupação efetiva, que pode deixar de ser cumprido se em presença de uma justificação.
O contrato de trabalho, que é bilateral, impõe ao trabalhador o dever de trabalhar e confere ao empregador o direito a receber a prestação. Mas, tendo o trabalhador o dever de trabalhar, poderá dizer-se que o empregador tem, por força do contrato, o dever de lhe distribuir serviço?
O reconhecimento da existência de um tal dever na esfera jurídica do empregador e do consequente direito na do trabalhador é uma construção jurisprudencial, assente na CRP, concretamente no direito ao trabalho que a mesma consagra e no reconhecimento do direito à realização pessoal pelo trabalho também ali garantido. Construção jurisprudencial que veio a ter assento legal no CT de 2003, mantendo-se, conforme emerge dos dispositivos legais acima citados no atual.
Conforme bem exprime Júlio Vieira Gomes “uma das melhores ilustrações do gradual reconhecimento de que o trabalhador subordinado empenha, compromete a sua pessoa no cumprimento do contrato de trabalho... é dado pela paulatina afirmação do direito do trabalhador ao exercício efetivo da sua prestação” (Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 551).
A Doutrina discutiu esta questão, propendendo na sua maioria para uma resposta positiva, especialmente se a não distribuição de serviço puder traduzir-se numa forma de humilhação ou diminuição do trabalhador.
É assim que vemos o recurso ao princípio geral da boa-fé no cumprimento das obrigações ser chamado à colação para fundamentar um tal direito e o consequente dever (Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 338, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5ª Ed. Almedina, 547 e Júlio Vieira Gomes, ob. cit. 560), ou, mesmo critérios de índole ainda mais civilista, de acordo com os quais “as pessoas se realizam pagando o que devem e não aceitando favores patrimoniais não merecidos”, pelo que “conservar um trabalhador, devidamente remunerado, sem lhe atribuir qualquer serviço, equivale a perdoar-lhe o débito do trabalho” o que, só com o seu acordo seria possível (Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 657).
A CRP dispõe, no seu Artº 58º/1 que a todos é reconhecido o direito ao trabalho, defendendo-se que uma das dimensões desta proteção radica no “direito de exercer efetivamente a atividade correspondente ao seu posto de trabalho, sendo proibida a manutenção arbitrária do trabalhador na inatividade (colocação na “prateleira”) (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Constituição da Republica Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 764).
Após, no Artº 59º/1-b) dispõe que todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes de forma a facultar a realização pessoal.
Esta norma tem “por destinatários, simultaneamente os empregadores e o Estado... pressupõe a ideia de que o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser... prestado em condições socialmente degradantes ou contrárias à dignidade humana” (ob. cit., 773).
Está, assim, na atualidade, legalmente consagrado um dever de efetiva ocupação.
Uma quebra de tal dever só por via da figura do abuso de direito ou do dever de boa-fé no cumprimento das obrigações poderá acontecer.
Conforme alerta Maria do Rosário Palma Ramalho “ao reconhecimento do direito do trabalhador à ocupação efetiva inere o correspondente dever do empregador, suja violação se reconduz a um incumprimento contratual” que dá lugar a uma dupla tutela – ao direito do trabalhador a reclamar o exercício da atividade contratada e ao de ser compensado pelos danos que a inatividade lhe tenha causado. Para além disso, “a violação do dever de ocupação efetiva pelo empregador constitui justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador” (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 6ª Ed., Almedina, 276).
No caso em apreço, os autos evidenciam que durante um período de cerca de três meses apenas foi distribuída uma função menor ao A..
Este é licenciado em engenharia informática (cinco anos), possui experiência profissional superior a oito anos e ainda experiência profissional na tecnologia de outsystems de mais de quatro anos, tecnologia de desenvolvimento de software esta, relativamente recente e apenas implementada nas grandes empresas, tendo efetuado formação profissional nesta tecnologia e sem qualquer apoio da empresa.
Decorre ainda do acervo fático que o autor foi admitido ao serviço da ré por se encontrar certificado em Outsystems com o nível «Associate Developer».
Perante tais qualificações, parece-nos óbvio que a um profissional do cariz do A. não é adequada a função que lhe foi distribuída em 27/06/2013, podendo-se concluir que o período de inatividade decorreu desde 18/04 até 8/07.
Por outro lado, não vemos justificada em parte alguma do mesmo acervo esta inatividade.
Ora, sendo o dever de ocupação efetiva emergente do contrato de trabalho, não cumprido este, presume-se culposa a falta de cumprimento nos termos prescritos no Artº 799º/1 do CC.
Acresce a ausência de formação, também ela traduzida na violação de um dever legal emergente do contrato de trabalho, pois, conforme disposto no Artº 131º/2 do CT o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de horas de formação.
Contrariamente ao explanado na sentença não vemos que a circunstância de a prestação se ter desenvolvido em ambiente exterior ao da empresa possa justificar alguma das situações evidenciadas nos autos, pois o contrato de trabalho manteve-se em vigor, estando os deveres mencionados na titularidade da empregadora.
E, se é certo que a ausência de formação profissional só por si é insuficiente para fundamentar a invocada justa causa, tanto mais que, no âmbito de cada empresa, nem todos os trabalhadores têm em cada ano direito à mesma (Artº 131º/5), já o mesmo não podemos concluir da compaginação de ambas as situações em presença.
Na verdade, constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador a violação culposa de garantias legais ou convencionais do mesmo (Artº 394º/2-b)).
Sem que da lei resulte uma noção de justa causa, pode dizer-se que a falta culposa de cumprimento dos deveres inerentes à relação laboral, por parte do empregador, o faz incorrer em responsabilidade contratual. “E, sendo grave a atuação do empregador, confere-se ao trabalhador o direito de resolver o contrato” (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5ª Ed., Almedina, 1113).
Esta característica de gravidade do incumprimento é, aliás, acentuada pelos diversos autores.
Na verdade, esta via de desvinculação “respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser exigível” ao trabalhador “que permaneça ligado á empresa” (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª Ed., Almedina, 604).
Deste modo, nem toda a violação de obrigações contratuais gera direito à resolução.
Só o comportamento ilícito e culposo, que, em razão da sua gravidade, implique a insubsistência do vínculo, fundamenta causa justificada para resolver o contrato.
Trata-se, afinal, no caso da justa causa subjetiva, de situações também apelidadas de despedimento indireto, ou seja, “casos em que a rutura contratual, conquanto seja desencadeada pelo trabalhador, tem como verdadeiro e último responsável, o empregador, o qual viola culposamente os direitos e garantias daquele, impelindo-o a demitir-se” (João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 442).
Podemos afirmar que o preenchimento do conceito em referência assenta, como alerta Maria do Rosário Palma Ramalho, em três requisitos. Um objetivo, traduzido no comportamento do empregador violador de direitos ou garantias do empregador; um subjetivo, que se traduz na atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa, sendo importante sublinhar que a culpa do empregador, em caso de incumprimento, se presume, conforme decorre do que dispõe o Artº 799º/1 do CC, daqui decorrendo uma inversão do ónus da prova; um terceiro requisito traduzido na impossibilidade prática de subsistência da relação para o trabalhador (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 6ª Ed., Almedina).
Posto isto, não podemos sufragar o enquadramento operado na sentença.
Perante aquela presunção de culpa, não resultando a mesma ilidida, uma primeira conclusão se retira – a de que o comportamento da Apelada é objetivamente violador dos seus deveres e culposo.
E assume a gravidade que o conceito pressupõe.
Sendo a justa causa apreciada nos termos do disposto no Artº 351º/3 do CT (aplicável ex vi Artº 394º/4), ou seja, deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carater da relação entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, é patente que manter inativo um trabalhador com estas aptidões profissionais o desvaloriza sobremaneira. E, não se vendo que pudesse existir alguma justificação para a manutenção desta situação, nada mais há a ponderar. Na verdade, da circunstância de se terem iniciado negociações para a cessação do contrato de trabalho não emerge a desvinculação dos deveres laborais. Não pode deixar de assumir estranheza a comunicação à Segurança Social da desvinculação do A. com referência a 30/04 (pontos 19 e 20)! E, bem assim, a publicitação de ofertas de emprego na área de especialização do A. entre Fevereiro de 2013 e 12 de Julho do mesmo ano[6]! Situações que indiciam no sentido da vontade de desvinculação da Apelada pondo no Apelante o encargo da desvinculação. O mesmo é dizer que indiciada está a pressão para a denúncia contratual. Ao que acresce, como sobredito, a ausência de disponibilização de qualquer formação profissional.
Assim, não se evidenciando, embora, a invocada discriminação, há exercício ilegítimo dos poderes da empregadora, pelo que se revela preenchido o conceito de justa causa.
   Termos em que procede a questão que nos ocupa.
O reconhecimento da justa causa a presidir à resolução contratual implica a revogação da sentença na parte em que condena o A. a pagar a quantia de 1.000,00€ por falta de aviso prévio (reconvenção) assente no disposto no Artº 399º do CT, e o retorno ao pedido formulado na petição inicial.
O A. peticionou a condenação da ré a pagar-lhe:
– Todos os créditos laborais pedidos e decorrentes da cessação do contrato de trabalho, no valor de € 2.295,00 € (dois mil duzentos e noventa e cinco euros), acrescidos dos respetivos juros legais a contar do vencimento dos mesmos;--
– A indemnização pedida, a título de ressarcimento pelos invocados, danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor global de € 17.000,00 (dezassete mil euros), acrescido de juros à taxa legal a contar da respetiva condenação e até integral pagamento.
Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no Artº 394º/2 do CT – como é o caso – o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades (Artº 396º/1 do CT).
Sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais o valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação daquele dispositivo legal (nº 3).
No caso concreto não se provaram danos, pelo que tendo o contrato perdurado por cerca de um ano e meio – desde 22/03/2012 até 8/07/2013 – o A. tem direito à indemnização apurada com referência a três meses de retribuição base.
Compulsada a petição inicial não vemos que tivesse sido alegada a retribuição auferida mensalmente. Também não se vendo como alicerçar os valores peticionados na matéria de facto cuja prova se obteve. Razão pela qual se remete para posterior liquidação o apuramento do concreto valor em dívida.
Ao valor que se apurar acrescerão juros de mora à taxa anual de 4% desde a data deste acórdão conforme peticionado.
Aqui chegados há que enfrentar a questão da retificação dos créditos apurados na sentença.
Alega o Apelante que no pagamento das retribuições referentes a Julho de 2013 deveriam ter sido incluídos 5 dias de subsídio de alimentação e ainda os Km por pagar referentes a esses 5 dias.
Como se vê não se trata aqui de alguma retificação, que pressupõe um erro de cálculo aferível pelos factos concretamente apurados.
Sem dependência de alegação e prova da perceção de subsídio de alimentação ou quilometragem[7], falece a questão.
Tendo o Apelante obtido parcial vencimento na apelação, as custas devem repartir-se por ambas as partes na proporção de 2/3 para a Apelada e 1/3 para o Apelante (Artº 527º/1 do CPC).

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, modificar oficiosamente o acervo fático conforme sobredito e alterar a sentença nos seguintes termos:
a) Condenar a R. a pagar ao A. indemnização por resolução contratual com justa causa em valor a apurar em ulterior liquidação, acrescido de juros de mora à taxa anual de 4% desde esta data, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base.
b) Absolver o A. do pedido reconvencional;
c) Manter o decidido sob as alíneas a) e b) do decisório e
d) Absolver a R. do mais que vem pedido.
Custas por ambas as partes na proporção de 1/3 para o Apelante e 2/3 para a Apelada.
Notifique.

Lisboa, 2022-05-11
MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES
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[1] Em 19/12/2019
[2] Consigna-se que já tinha ocorrido audiência de discussão e julgamento em 5/11/2014, 12/11/2014 e 3/12/2014 e sido interpostos recursos (4). No último deles decidiu-se ordenar a reabertura da audiência para apreciação de documentos (fls. 1156), o que foi levado a cabo em 29/04/2019, sendo na sequência dessa reabertura que vem a ser proferida a sentença ora recorrida
[3] Altura em que foi enviado o email mencionado no ponto 8 do acervo fático.
[4] Quer o pedido, quer a resposta datam de 27/06/2013.
[5] Conclusão que retiramos da leitura do documento referenciado no ponto 10 do acervo fático que contabiliza os créditos do A. com referência a 30/04
[6] Conforme documento 10 (fls. 100) referenciado no ponto 9 do acervo fático
[7] Note-se que o recurso não é o lugar próprio para a respetiva alegação
Decisão Texto Integral: