Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15273/18.4T8SNT-A.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA
CONTRATO DE MÚTUO
PRESTAÇÕES
VENCIMENTO ANTECIPADO
INTERPELAÇÃO
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Estando clausulado que o capital mutuado deveria ser pago em prestações conjuntamente com os juros, o prazo de prescrição aplicável a cada prestação é de 5 anos, conforme decorre do art. 310º al e) do Código Civil.
II - Não tem apoio na cláusula 21.1 do contrato nem no art. 781º do CC o entendimento de que o prazo de prescrição do crédito se inicia a partir da data em que o credor podia ter comunicado ao devedor o vencimento imediato das prestações vincendas. Trata-se de uma faculdade concedida ao credor e não de uma imposição a este, pois até pode não ter interesse em exigir o vencimento antecipado.
III - Daí que, não comunicando o credor ao devedor que considera imediatamente vencidas todas as prestações vincendas, mantem-se inalterado o plano de pagamentos, pelo que o referido prazo de prescrição quanto a cada uma delas só começa a correr se não for paga na data fixada naquele plano.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Decisão:

I - Relatório
Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que a Caixa Geral de Depósitos instaurou contra C…., Lda, N…, J… e M…., vieram estes dois últimos deduzir embargos de executado, alegando, além do mais, a excepção peremptória de prescrição, invocando:
- de acordo com o contrato de mútuo o capital mutuado seria reembolsado em 84 meses, em prestações mensais a que acresceriam os juros remuneratórios;
- pelo que às obrigações dos embargantes aplica-se o prazo de prescrição de 5 anos, por força do disposto no art. 310º al. e) do Código Civil;
- o contrato foi celebrado em 19/07/2012, e o vencimento da última prestação paga ocorreu em 19/06/2013;
- a execução foi instaurada em 01/09/2018 e os embargantes/fiadores foram citados em 17/09/2018;
- assim, o alegado crédito da exequente sobre os embargantes está prescrito, pois desde a data em que a exequente deu por vencidas todas as demais prestações (19/06/2013) até à data da citação (17/08/2018) decorreram mais de 5 anos.
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A exequente contestou, alegando, além do mais, a improcedência da excepção de prescrição, dizendo:
- é inaplicável o art. 310º al e) do Código Civil às prestações mensais do empréstimo, pelo que o prazo de prescrição é o ordinário (art. 309º);
- além disso, em 25/08/2016 comunicou à mutuária, ao executado Nuno Figueiredo  e aos embargantes, que considerava vencida a totalidade da dívida, determinando a aplicação à dívida global do prazo de prescrição ordinário.
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Em 19/12/2019 foi proferida decisão no saneador que julgou procedente a excepção de prescrição e extinta a execução quando aos embargantes.
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Inconformada, apelou a exequente, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador-sentença que julgou procedente a excepção de prescrição do direito de crédito exequendo e, em consequência, julgou extinta a execução em relação aos embargantes.
2. Salvo o devido respeito, a decisão sob recurso (i) é nula, por preterição da formalidade essencial prevista no art.º 591.º, n.º 1 - b) e violação dos princípios constantes dos art.ºs 3.º e 6.º, todos do CPC e, ainda que não fosse, (ii) sempre terá de ser revogada, por erro de julgamento quer da matéria de facto, quer de direito.
Assim,
3. (i) no que concerne à invocada nulidade,
4. Entendeu a Mma Juiz do Tribunal a quo que o estado do processo
permitia “sem necessidade de mais provas, a apreciação da excepção peremptória de prescrição deduzida pelos embargantes, (…) como autorizado pelas normas conjugadas dos art.ºs 593.º, n.º 1, art.º 591, n.º 1, alínea d), e 595.º, n.º 1, alínea b), todos do CPC, considerando que as partes já se pronunciaram sobre tal matéria nos articulados”.
5. É verdade que, nos presentes autos, a audiência de prévia se realizou; todavia, conforme resulta do despacho proferido em 14/05/2019 (refª 119262088) e da acta de 17/09/2019 (refª 121113532), a sua convocação visou nomeadamente a conciliação das partes, nos termos do art.º 594.º do CPC, que foi o que, efectivamente, nela se tentou, tendo as partes requerido a suspensão da instância, o que foi deferido. Ou seja, a audiência não foi convocada para facultar às partes a discussão, de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa nem, tão pouco, tal chegou a acontecer durante a referida diligência.
6. Ora, conforme decidido no acórdão desta Relação de Lisboa, de 22-03-2018, cujo sumário a seguir se transcreve, constitui jurisprudência pacífica que:
 I. Em face do NCPC, a audiência prévia apresenta-se como diligência praticamente obrigatória.
 II. A dispensa de audiência prévia apenas está consentida quanto às acções que hajam de prosseguir os seus termos (artigo 593.º do Código de Processo Civil Revisto), sendo ainda concebível, mas apenas no quadro da aplicação do princípio da adequação formal, por via do artº 547º do NCPC, sendo que, nesse caso, será exigível que a questão já esteja suficientemente debatida nos articulados, e isto sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC (sublinhado nosso).
 III. Fora destes apertados limites que consentirão a dispensa da audiência prévia, a sua não realização terá como inevitável consequência a verificação de uma nulidade processual, por prática de acto não permitido por lei com influência no exame ou decisão da causa, a enquadrar no artº 195º do NCPC.
7. Tivesse a discussão sobre a matéria de facto tivesse sido facultada às partes, em audiência prévia convocada para esse efeito ou, eventualmente, até, através de despacho a autorizar a pronúncia por escrito, em prazo a determinar pelo Tribunal, e o despacho saneador-sentença proferido seria, certamente, diferente, já que a embargada não deixaria de chamar a atenção para o facto da questão da prescrição se poder colocar apenas (e sem conceder) relativamente às prestações do empréstimo vencidas nos dias 19 dos meses de Junho, Julho e Agosto de 2013, uma vez que os embargantes devem considerar-se citados para a execução em 6 de Setembro de 2018 (cfr. art.º 323, n.º 2 do Cód. Civil), não podendo o Tribunal concluir (como acabou por fazer) que toda a dívida se encontrava prescrita.
8. Uma vez que não foi facultada às partes a possibilidade de discutir, de facto e de direito, a matéria da excepção, antes da prolação do despacho saneador-sentença sob recurso, em violação do disposto no art.º 591.º, n.º 1, al. b) do CPC e dos princípios constantes dos art.ºs 3.º e 6º do mesmo Código, deverá este Venerando Tribunal julgar verificada uma nulidade processual, por prática de acto não permitido por lei, com influência no exame ou decisão da causa, a enquadrar no art.º 195.º do Cód. Proc. Civil e, consequentemente, tal despacho deverá ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos.
9. Por cautela de patrocínio, quanto ao (ii) erro de julgamento da matéria de facto, e do direito:
10.Além dos factos que o Tribunal deu como assentes, releva, ainda, para a boa decisão da causa o facto invocado pela embargada no art.º 64.º da contestação, que se encontra provado pela carta e aviso de recepção que constitui o doc.1 da mesma. Assim,
11.No que concerne à matéria de facto, a decisão sempre terá de ser alterada, aditando-se os factos assentes uma nova alínea, com a seguinte redacção: f) por carta registada com aviso de recepção, datada de 25/08/2016 e recepcionada em 29/08/2016, a embargada comunicou aos embargantes que “Para garantia das obrigações da C.., LDA, decorrentes do contrato de mútuo identificado em assunto, celebrado com a Caixa Geral de Depósitos, SA, em 19/07/2012, constituíram V. Exas, a favor desta, penhor sobre o crédito no valor de € 25.000,00, emergentes da conta n.º 0466001871120 Depósito Mais a 3
anos./ Na sequência do incumprimento, por parte daquela empresa, das obrigações emergentes do referido contrato de mútuo, a CGD declarou o vencimento antecipado de toda a dívida constituída ao abrigo do mesmo, nos termos contratualmente estabelecidos./ Neste sentido, vem a CGD, ao abrigo da alínea a) da cláusula 21.1. do contrato de mútuo, informar V. Exas de que irá proceder à mobilização antecipada do montante do depósito acima identificado e dos respectivos juros, para pagamento dos seus créditos emergentes daquele contrato.”
12.Estando assente que as partes convencionaram, em 19/07/2012, o pagamento dos 60.000,00€ mutuados, acrescidos dos juros, em 84 prestações mensais de capital e juros, no prazo total de 7 anos, forçoso é concluir que em 19/06/2013 – data em que se venceu e não foi paga uma prestação – ainda não havia decorrido um ano sobre a data da celebração do contrato que, caso não tivesse sido resolvido por iniciativa da embargada, em 25/08/2016, terminaria apenas em 19/07/2019, ou seja, 10 meses depois da data em que a acção deu entrada em juízo.
13.Por conseguinte, não se descortina o menor fundamento para o entendimento de que a embargada descurou o dever de diligenciar a cobrança do respectivo crédito, desde logo porque a execução deu entrada em juízo muito antes da data contratualmente prevista para o termo do contrato de mútuo.
14.E também não se encontra justificação na lei para se ter entendido que a totalidade da dívida exequenda se encontrava prescrita à data da citação dos embargantes, tanto mais que não é feita qualquer alusão ao disposto no art.º 781.º do Cód. Civil, sendo pacífico o entendimento, acolhido no acórdão do STJ de 25/05/2017 – proc. 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 (disponível em www.dgsi.pt), nos termos do qual, para que as prestações se considerem todas vencidas, é necessário que o credor interpele o devedor, uma vez que a dispensa do prazo, nestas circunstâncias, está estabelecido em benefício do credor e tem carácter supletivo, sendo ainda certo que, no caso em análise, o vencimento automático das prestações não foi contratualmente convencionado, o que resulta evidente do teor da carta enviada pela embargada e das cláusulas contratuais nela citadas (cfr. título executivo dos autos principais).
15. Por conseguinte, e na pior das hipóteses, apenas a dívida correspondente às 3 prestações vencidas, respectivamente, em 19/06, 19/07 e 19/08 de 2013 poderia, eventualmente, ter sido julgada prescrita, caso se entenda (e sem conceder) que é de 5 anos o prazo da prescrição que lhes é aplicável, por se enquadrar na previsão do art.º 310.º, al.e) do C.C. Ora,
16. A dívida só ficou integralmente vencida em 29/08/2016, data em que foi recepcionada a carta que constitui o doc. 1 da contestação, pelo que cessou, nesta data, o regime conjunto de capital e juros, o que determina que à dívida global seja aplicável o prazo de prescrição ordinário, previsto no art.º 309.º C.C., que é de 20 anos.
17.Mas mesmo que se entenda que o prazo prescricional é de 5 anos - e não de 20, como a embargada defende - ainda assim o despacho saneador-sentença está errado, uma vez que entre 29/08/2016 (data em que o vencimento antecipado da dívida operou) e 06/09/2018 (data em que os embargantes devem considerar-se citados) decorreram pouco mais de 2 anos…
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, por conseguinte, o despacho saneador-sentença recorrido ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos ou, se assim não se entender, por outro que, após aditar à matéria assente o facto referido na conclusão 11., julgue a dívida exequenda não prescrita, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada justiça.
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Os embargantes contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e dizendo que a invocada nulidade processual sempre estaria sanada por não ter sido arguida no prazo de 10 dias.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são:
- se foi praticada nulidade processual por ter sido julgada a excepção de prescrição sem que as partes a tenham discutido em audiência prévia
- se deve ser julgado provado mais algum facto
- qual o prazo de prescrição aplicável
- se, mesmo aplicando o prazo de prescrição de cinco anos, só podem ser julgadas prescritas as 3 prestações vencidas, respectivamente, em 19/06, 19/07 e 19/08 do ano 2013
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III - Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
a) Por documento particular rubricado e subscrito pelas partes, datado de 19 de Julho de 2012, foi firmado um acordo, designado «Contrato de Mútuo», que aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual a Caixa Geral de Créditos, S.A., declarou emprestar a C…, Lda., aí designada «Devedora» ou «Cliente», a quantia de €60.000,00, que esta última se obrigou a restituir no prazo de 84 meses, através do pagamento de prestações, mensais, sucessivas e iguais, de capital e juros, contabilizados à taxa de juros correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 7%.
b) Os embargantes intervieram no referido acordo, declarando, além do mais, que se constituem «FIADORES solidários e principais pagadores de todas as quantias que sejam ou venham a ser devidas à CAIXA pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a CAIXA e a CLIENTE».
c) As prestações mensais que se venceram a partir de 19/06/2013, inclusive, não foram pagas.
d) A exequente, ora embargada, intentou a acção executiva a que estes autos estão apensos em 01/09/2018.
e) Os embargantes foram citados para os termos da referida execução em 17/09/2018.
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B) Da alegada nulidade processual
Visto que o tribunal proferiu despacho declarando ser desnecessária a convocação de audiência prévia para apreciar a excepção de prescrição, o meio adequado para o impugnar é o recurso e não a reclamação (cr art. 627º nº 1 do CPC).
Por isso, não têm razão os apelados ao sustentarem que a nulidade, a existir, está sanada por não ter sido arguida no prazo de 10 dias.
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Em 14/05/2019 foi proferido o seguinte despacho:
«Para realização de audiência prévia, nomeadamente com vista à conciliação das partes, nos termos do artigo 594º do Código de Processo Civil, designo o próximo dia 17 de Setembro de 2019, pelas 10:00 horas (não antes por impossibilidade de agenda).».
Nessa diligência foi requerida pelas partes a suspensão da instância pelo período de 15 dias, tendo sido então proferido o seguido despacho: «Em face da pretensão formulada pelos Ilustres Mandatários das partes e considerando o disposto no artigo 272, nº 4, do CPC, defiro o requerido e, consequentemente, determino a suspensão pelo período acordado. Após, caso nada seja requerido, conclua.».
O saneador-sentença está precedido pelo seguinte despacho:
«Afigura-se que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação da excepção peremptória de prescrição deduzida pelos embargantes, o que se fará de seguida, como autorizado pelas normas conjugadas dos artigos 593.º, n.º 1, artigo 591.º, n.º 1, alínea d), e 595.º, n.º 1, alínea b), todos do CPC, considerando que as partes já se pronunciaram sobre tal matéria nos articulados.».
Decorre do art. 593º nº 1 e 2 al. a) em conjugação com o disposto no art. 591º nº 1 al. d) e 595 nº 1 al. b),todos do CPC (Código de Processo Civil) que o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação de alguma excepção peremptória.
A 1ª instância entendeu não ser necessária a produção de prova para julgar a excepção peremptória de prescrição nem haver necessidade de facultar às partes a discussão de facto e de direito sobre essa questão por ter sido debatida nos articulados. Impõe-se concluir, pois, que não foi praticada a alegada nulidade processual.
Questão diversa é a de saber se a matéria de facto julgada provada é bastante para proferir a decisão sobre a excepção de prescrição.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
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C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Sustenta a apelante que deve ser aditada à matéria de facto, por ter sido alegado no art. 64º da contestação e provado pelo doc. 1 junto com esse articulado, uma alínea com esta redacção:
«f) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 25/08/2016 e recepcionada em 29/08/2016, a embargada comunicou aos embargantes que “Para garantia das obrigações da C…, LDA, decorrentes do contrato de mútuo identificado em assunto, celebrado com a Caixa Geral de Depósitos, SA, em 19/07/2012, constituíram V. Exas, a favor desta, penhor sobre o crédito no valor de € 25.000,00, emergentes da conta n.º 0466001871120 Depósito Mais a 3 anos./ Na sequência do incumprimento, por parte daquela empresa, das obrigações emergentes do referido contrato de mútuo, a CGD declarou o vencimento antecipado de toda a dívida constituída ao abrigo do mesmo, nos termos contratualmente estabelecidos./ Neste sentido, vem a CGD, ao abrigo da alínea a) da cláusula 21.1. do contrato de mútuo, informar V. Exas de que irá proceder à mobilização antecipada do montante do depósito acima identificado e dos respectivos juros, para pagamento dos seus créditos emergentes daquele contrato.”».
Os apelados discordam, dizendo que impugnaram esse documento em 11/02/2019.
Apreciando.
Nos pontos 6 e 7 do requerimento executivo consta, respectivamente:
«Além da fiança referida no n.º 5 foi constituído um penhor sobre um depósito a prazo, que foi utilizado para amortização da dívida exequenda e, consequentemente, já não existe.»
«Após a amortização referida em 6. supra, permanece em dívida o montante que seguidamente se indicará, que nenhum dos executados liquidou, apesar de todos terem sido interpelados para o fazer.».
No art. 57º da petição inicial dos embargos vem alegado:
«A própria Exequente sente necessidade de alegar que os Executados foram interpelados, mas nenhum deles recebeu qualquer comunicação da parte daquela, através da qual os informara que o mutuante estaria m incumprimento e que, por essa via, daria por vencidas as demais prestações e que teriam de as pagar em determinado prazo, sob pena de exigir a sua cobrança pela via judicial».
No art. 42º, e 63º a 69º da contestação vem alegado, respectivamente:
«Em 25.08.2016, a Embargada comunicou à mutuária e ao Executado N… que considerava vencida a totalidade da dívida e, bem assim, aos ora Embargantes (cfr doc. 1).».
«É falso que a Embargada não tenha interpelado os ora Embargantes, comunicando-lhe o vencimento antecipado da dívida.
Com efeito,»
«A Embargada enviou carta registada com AR, datada de 25.08.2016, informando do vencimento antecipado de todas as prestações do contrato, que aqui se transcreve:
“(...) Na sequência de incumprimento, por parte daquela empresa, das obrigações emergentes do referido Contrato de Mútuo, a CGD declarou o vencimento antecipado de toda a dívida constituída ao abrigo do mesmo, nos termos contratualmente estabelecidos.” (cfr. doc. 1).»
«A referida missiva foi enviada para a morada indicada no contrato: Rua …., Mira-Sintra, Agualva-Cacém.»
«O aviso de recepção da mencionada carta de 25.08.2016 mostra-se assinado (cfr. doc. 2).»
«Ficou convencionado no referido contrato de mútuo que:
“20.2 – CORRESPONDÊNCIA:
a) As comunicações escritas dirigidas pela CGD aos demais contratantes serão sempre enviadas para a morada constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a CGD de qualquer alteração da referida morada e, quando registadas, presumem-se feitas, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse não o for.
b) A comunicação tem-se por efectuada se só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”»
«Foi, aliás, nessa mesma morada, que os ora Embargantes foram citados por via postal, conforme documento por si junto à P.I..»
«Fica, sem sombra de dúvida, demonstrado que a Embargada interpelou os ora Embargantes, comunicando-lhe o vencimento antecipado de toda a dívida, nos termos e para os efeitos previstos na cláusula do contrato de mútuo.».
No escrito de 11/02/2019 disseram os embargantes, além do mais, que «em momento algum (…) assumiram que o referenciado documento foi enviado e muito menos recebido».
Portanto, o documento foi impugnado.
Não está junto aos autos o original do aviso de recepção. Mas admitindo que o original corresponde à cópia constante dos autos e que essa carta, endereçada à embargante M…para a morada indicada no contrato e onde foi citada na execução, foi recebida por «J…» - nome constante da assinatura e que, segundo escreveu o carteiro, essa pessoa «N/Facultou BI» -, teria de ser demonstrado que foi entregue na morada dos embargantes, prova essa a ser produzida pela embargada/apelante, cabendo àqueles provar que não lhes foi entregue a carta e nem conhecem alguém com esse nome.
Portanto, os elementos disponíveis nos autos ainda não permitem julgar provado que os embargantes tomaram conhecimento da carta.
Em consequência, não pode ser aditada desde já a referida alínea à matéria de facto, sem prejuízo do que se dirá infra sobre a necessidade ou não de produzir prova sobre esse facto.
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D) Com base nos documentos e no acordo das partes, é de considerar também provado (art. 663º nº 2 e 607º nº 4 do CPC):
a) 1) Na cláusula 6. do documento referido em a) consta:
«Prazo global: 84 meses, a contar da data da perfeição do contrato»
a) 2. Na cláusula 10 consta:
«10.1 - Os juros serão calculados dia a dia sobre o capital em cada momento em dívida e liquidados e pagos no final de cada período de contagem de juros, em conjunto com as prestações adiante referidas.
10.2. - Entende-se, para efeitos deste contrato, por período de contagem de juros o mês, iniciando-se o primeiro período na data da perfeição do contrato.
10.3 - O capital será reembolsado em prestações mensais, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da perfeição deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
10.4 - Caso a perfeição do contrato ocorra num dos últimos cinco dias do mês que estiver em curso, as prestações de juros e de capital só serão pagas no terceiro dia útil do mês seguinte relativamente à data em que as mesmas seriam exigíveis de acordo com os número anteriores,,vencendo-se juros até à data do pagamento.».
a) 3. Na cláusula 20, com a epígrafe «Comunicação de responsabilidade ao Banco de Portugal» consta, além do mais:
«20.4 - A CGD informará oportunamente cada um dos devedores do início da comunicação em situação de incumprimento; no caso dos fiadores ou avalistas, a comunicação da situação de incumprimento só se verificará se estes, depois de informados da situação de incumprimento dos devedores, não procederem ao pagamento do crédito dentro do prazo estabelecido para esse efeito».
a) 4. Na cláusula 21 consta, além do mais:
«21.1 - A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pela Cliente ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;
(…)».
a) 4) Na cláusula 28 consta:
«28.1 - O presente contrato considera-se perfeito quando contiver as assinaturas de todos os contratantes.
28.2 - A data de perfeição é a que for aposta na zona de assinaturas dos representantes da CGD, enquanto contratante que assina em último lugar.
28.3 - Na falta de indicação da data referida no número anterior, considera-se o contrato assinado na data da sua feitura.
28.4 - Quando a data de perfeição do contrato não coincida com a data da sua feitura, a CGD dará conhecimento à Cliente e aos demais Contratantes da data de perfeição, mediante simples entrega de fotocópia ou duplicado do contrato, que conterá a indicação da data de perfeição e, bem assim, da taxa de juro nominal e da TAE aplicáveis ni primeiro período de contagem de juros».
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E) O Direito
1. No ponto 2 do requerimento executivo vem alegado que o contrato de mútuo ficou perfeito em 19/07/2012. E nenhuma outra data vem indicada na petição inicial destes embargos.
Além disso, na alegação recursiva diz a apelante que «caso não tivesse sido resolvido por iniciativa da embargada, em 25/08/2016, terminaria apenas em 19/07/2019». E também nenhuma outra data é indicada na contra-alegação.
Portanto, a data de vencimento da prestação nº 84 segundo o plano de pagamentos fixado contratualmente é 19/07/2019.
O prazo ordinário de prescrição é de 20 anos (art. 309º do CC/Código Civil).
Mas o art. 310º al. e) estabelece que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com juros.
Como está clausulado que o capital mutuado deveria ser pago em prestações conjuntamente com os juros, o prazo de prescrição aplicável a cada prestação é de 5 anos (neste sentido, Ac do STJ de 29/09/2016 - P. 201/13.1TBMIR-A.C1.S1).
Daí que, face ao plano de pagamentos o prazo de prescrição referente à última prestação, com vencimento em 19/07/2019, só começaria a correr a partir dessa data.
Na sentença entendeu-se que prescreveu o alegado crédito da apelante, discreteando-se:
«Afigura-se que o crédito emergente do contrato de mútuo de 10/07/2012, no montante de €60.000,00, dado à execução, reveste as características que a lei considera relevantes para o efeito da sua sujeição ao prazo de prescrição de 5 anos.
Com efeito, está assente que a obrigação de restituição da quantia mutuada, resultante do referido contrato, foi fraccionada em 84 prestações mensais pré-determinadas, que incluíam capital e juros compensatórios. Ora, considerando tais características específicas da obrigação, não se pode deixar de concluir que, em relação a ela, se verifica a razão de protecção que explica o particular dever de diligência legalmente exigido ao titular do correspondente direito de crédito, acima invocada.
Nesse contexto, é irrelevante, para o efeito de afastar a aplicabilidade do prazo prescricional em causa, que o direito de crédito se vença na totalidade por efeito do incumprimento e/ou da alegada interpelação dos embargantes, como defende a embargada.
É, pois, de concluir que ao direito de crédito exequendo em causa se aplica o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC.
Aplicando tal prazo prescricional, verifica-se que o referido direito de crédito, à data da citação dos executados, ora embargantes, efectivamente já estava prescrito.
Como se apurou, as prestações mensais que se venceram a partir de 19/06/2013, incluindo a prestação vencida nessa data, não foram pagas. A partir deste momento, a exequente podia e devia interpelar judicialmente os ora embargantes para pagar os montantes em dívida.
Contudo, não o fez, tendo intentado a acção executiva a que estes autos estão apensos apenas em 01/09/2018. Ora, considerando como data de citação o dia 06/09/2018 (artigo 323.º, n.º 2, do CC) ou o dia da efectiva citação dos embargantes (17/09/2018), não há dúvida de que a obrigação exequenda está prescrita, sendo certo que no decurso do prazo prescricional aplicável não ocorreu qualquer outra causa legal de interrupção.».
Nos art. 35º, 36º, 38º e 44º da petição inicial destes embargos vem alegado, respectivamente:
«Tal contrato foi celebrado em 19/07/2012 e o vencimento da última prestação paga ocorreu em 19 de Junho de 2013 (cfr fls. 8 do requerimento executivo)
«A presente ação foi proposta a 1 de Setembro de 2018, e os Executados foram citados em 17 de Setembro de 2018
«E à data em que a ação foi proposta - 19/07/2012 -, como na data - 17/09/2018 - em que foram citados para a mesma já havia decorrido mais de 5 anos sobre a data - 19/06/2013 - em que a Exequente podia exercer o seu direito de exigir judicialmente a quantia exequenda, sendo que só a citação tem efeito interruptivo.»
«Assim e face à jurisprudência supra citada, mormente a sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, podemos concluir que a quantia exequenda se encontra prescrita, uma vez que desde a data em que a Exequente deu por vencidas todas as demais prestações (19/06/2013) até à data da citação dos Executados - que constitui a causa interruptiva da prescrição - (17/09/2018), decorreram mais de 5 anos, prescrição que desde já se invoca».
Mas, no requerimento executivo não foi alegado o vencimento automático das prestações vincendas por falta de pagamento da prestação vencida em 19/06/2013, dizendo-se apenas:
«7.
Após a amortização referida em 6. supra, permanece em dívida o montante que seguidamente se indicará, que nenhum dos executados liquidou, apesar de todos terem sido interpelados para o fazer. Assim, em 30 de Agosto de 2018, a dívida emergente do supra identificado contrato ascende aos montantes seguintes (cfr. doc.2):
Capital ............................€ 27.142,81
Juros...............................€ 8.981,27
Juros de mora ......................€ 11.583,54
Comissões............................€ 3.880,78
Total................................€ 51.588,40».
E nem o vencimento automático decorre da cláusula 21.1 do contrato.
Repare-se ainda que nos art. 54º a 72º da petição inicial destes embargos vem alegado que os fiadores/executados não poderiam ter incorrido em mora sem que a exequente os tivesse «interpelado para pôr termo à mora, a fim  de obviar ao vencimento imediato das prestações», e que tal não sucedeu, pois «nenhum deles recebeu qualquer comunicação da parte daquela, através da qual os informara que o mutuante estaria em incumprimento e que, por essa via, daria por vencidas as demais prestações e que teriam de as pagar em determinado prazo, sob pena de exigir a sua cobrança pela via judicial».
Note-se também que na conclusão 14 da alegação recursiva diz a apelante que é «(…) pacífico o entendimento, acolhido no acórdão do STJ de 25/05/2017 – proc. 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 (disponível em www.dgsi.pt), nos termos do qual, para que as prestações se considerem todas vencidas, é necessário que o credor interpele o devedor, uma vez que a dispensa do prazo, nestas circunstâncias, está estabelecido em benefício do credor e tem carácter supletivo, sendo ainda certo que, no caso em análise, o vencimento automático das prestações não foi contratualmente convencionado (…)»
Portanto, o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas dependia de interpelação nesse sentido.
Importa então saber se foi realizada essa interpelação e em que data.
Diz-se na contestação que a apelante comunicou à mutuária e aos fiadores/apelados o vencimento antecipado da dívida, remetendo-se para se a carta datada de 25/08/2016 alegadamente entregue na morada destes. Na verdade, lê-se no art. 64º desse articulado:
«A Embargada enviou carta registada com A/R, datada de 25.08.2016, informando do vencimento antecipado de todas as prestações do contrato, que aqui se transcreve:
“(…) Na sequência de incumprimento por parte daquela empresa , das obrigações emergentes do referido Contrato de Mútuo, a CGD declarou o vencimento antecipado de toda a dívida constituída ao abrigo do mesmo, nos termos contratualmente estabelecidos” (cfr doc. 1)».
O teor integral desse documento, dirigido apenas a «M…- que, lembremos, foi impugnado pelos apelados, negando que lhes tenha sido comunicado o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas - é este:
«C….; Lda
Contrato de Mútuo nº 0706002337091
Exma Sra
Para garantia das obrigações da C…. Lda, decorrentes do Contrato de Mútuo identificado  em assunto, celebrado com a Caixa Geral de depósitos, Sa, em 19/07/2012, constituíram V/Exas, a favor desta, penhor sobre o crédito no valor de € 25.000,00 emergente da conta nº 0466001871120 Depósito Mais a 3 anos.
Na sequência de incumprimento por parte daquela empresa, das obrigações emergentes do referido Contrato de Mútuo, a CGD declarou o vencimento antecipado de toda a dívida constituída ao abrigo do mesmo, nos termos contratualmente estabelecidos.
Neste sentido, vem a CGD, ao abrigo da alínea a) da cláusula 21.1. do Contrato de Mútuo, informar V/Exas de que irá proceder à mobilização antecipada do montante do depósito acima identificado e dos respectivos juros, para pagamento dos seus créditos emergentes daquele contrato.».
Como nenhuma data anterior a 25/08/2016 foi alegada pela apelante, face ao disposto no art. 5º nº 1 do CPC - que estatui: «Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas» -, conjugado com o art. 724º nº 1 al. e) do CPC, a ficar provado que os embargantes receberam a carta datada de 25/08/2016, não poderá ser considerada qualquer comunicação com data anterior como sendo a do vencimento antecipado de todas as prestações vincendas.
Nesta conformidade, ainda que a apelante tivesse dado por vencidas todas as prestações em 19/06/2013 - como alegado no art. 44º da petição de embargos - tal não teria efeito perante os apelados.
Isto tem, obviamente, consequência ao nível do cálculo da quantia exequenda quanto aos apelados, pois não poderá ser considerada data anterior à da recepção da carta datada de 25/06/2016 para o alegado vencimento antecipado de todas as prestações vincendas.
*
2. Vejamos agora quando começou a correr o prazo de prescrição.
2.1. O art. 306º nº 2 do CC estatui: «O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.».
Na sentença recorrida diz-se que o alegado direito de crédito está prescrito pois a partir de 19/06/2013, «a exequente podia e devia interpelar judicialmente os ora embargantes para pagar os montantes em dívida» mas só instaurou a execução em 01/09/2018.
Para assim se concluir tem de se entender que a apelante estava obrigada a fazer operar o vencimento antecipado de todas as prestações.
Mas tal entendimento não tem apoio na cláusula 21.1 do contrato nem no art. 781º do CC. Trata-se de uma faculdade concedida ao credor e não de uma imposição a este, pois até pode não ter interesse em exigir o vencimento antecipado.
Daí que, se o credor não fizer valer essa faculdade, o prazo de prescrição quanto a cada uma das prestações só começa a correr se não for paga na data fixada no plano de pagamentos.
Por quanto se disse, o alegado direito de crédito só prescreveu quanto às prestações vencidas em 19/06/2013, 19/07/2013 e 19/08/2013.
Portanto, para julgar a excepção de prescrição não é necessário averiguar se a apelante comunicou aos apelados o vencimento antecipado das demais prestações pela dita carta de 25/06/2016.
Tal averiguação apenas será relevante para o cálculo da quantia exequenda, relativamente aos apelados, questão essa que não é objecto deste recurso.
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IV - Decisão
Pelo exposto, procede parcialmente a apelação, julgando-se prescrito o alegado direito de crédito da exequente/apelante apenas quanto às prestações com datas de vencimento em 19/06/2013, 19/07/2013 e 19/08/2013, e julgando-se improcedente a excepção de prescrição quanto às demais prestações.
Custas por apelante e apelados na proporção de vencido.

Lisboa, 24 de Setembro de 2020
Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana Isabel de Azeredo Coelho (Vencida no segmento da dispensabilidade da audiência prévia quando o juiz pretenda decidir de mérito, quando essa possibilidade não foi debatida no processo)