Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
703/20.3T8SNT-B.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
INSOLVÊNCIA DA SUBSCRITORA
PRESCRIÇÃO
LIQUIDEZ DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA
APERFEIÇOAMENTO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.Não obstante a livrança em branco se tornar exigível a partir da data em que a sua subscritora foi declarada insolvente, o início do prazo prescricional de três anos para o seu portador exercer o direito de ação cambiária contra o avalista, reporta-se à data de vencimento inscrita no título cambiário e não à data daquela declaração.

2.No âmbito de uma ação executiva, a certeza da obrigação respeita apenas à escolha da própria prestação ou ao seu objeto e não ao quantitativo da prestação.

3.(...) e essa obrigação é exigível quando é atual, quando está em tempo de incumprimento, como sucede, “in casu”, desde a data da declaração de insolvência da subscritora das livranças dadas à execução, emitidas em branco e preenchidas após aquela data.

4.É ilíquida a obrigação que não se encontra determinada em relação à sua quantidade, carecendo da efetivação de cálculos aritméticos ou da alegação de factos que, depois de submetidos ao contraditório, permitam a sua quantificação.

5.A causa de pedir da execução é idêntica à causa de pedir da ação condenatória: são os factos de aquisição de um direito ou poder a uma prestação exigível, comportando factos principais, atinentes à aquisição do direito, e factos complementares, como os atinentes à certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda.

6.Por isso, sempre que confrontado com uma situação insuficiência ou imprecisão na liquidação da obrigação exequenda, ou até de falta da mesma, deve o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento e, só no caso do requerimento executivo não ser devida e consequentemente aperfeiçoado, indeferir o requerimento executivo (art. 726.º, n.ºs 2 e 4, do C.P.C.).

7.Ultrapassada a fase liminar da execução, e não tendo o despacho liminar ali proferido («cite») produzido caso julgado formal, pode ainda o juiz, nos termos do art. 734.º, n.º 1, do C.P.C., convidar o exequente ao aperfeiçoamento do requerimento executivo até à fase da venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO[1]:


FD e mulher, MT, e VB, vieram, por apenso à ação executiva que lhes move EMU, Lda., deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, invocado, em suma:
- a prescrição da livrança dada à execução;
- a iliquidez da obrigação exequenda.

Concluem assim a petição de embargos:
«Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a V. Exa. que julgue os presentes Embargos de Executado procedentes, por provados, e, por via deles:
a)- Pelo que deverá declarar-se a nulidade ou a ineficácia da livrança dada a execução e determinar-se a extinção da execução por falta de título executivo;
b)- Declare procedente a exceção material de preenchimento abusivo do título e declarar-se extinta a execução quanto ao ora Embargante;
c)- Declare a prescrição da livrança dada a Execução pela Exequente e a consequente extinção da execução;
d)- Declare a falta de liquidação da obrigação exequenda e, por via dela, absolva a Executada da instância;
e)- Declare inexigível a obrigação subjacente à livrança dada à execução, absolvendo a Executada da instância.»

*

A embargada contestou, ao longo de desnecessariamente extenso articulado, pugnando para que a oposição seja julgada totalmente improcedente, por carecer em absoluto de qualquer fundamento legal e factual, concluindo no sentido do prosseguimento da execução, até final. 

*

Findos os articulados, o senhor juiz a quo proferiu o seguinte despacho, datado de __.__.__, com a Ref.ª ____:
«Considerando que os autos reúnem os elementos necessários ao conhecimento das exceções invocadas, notifique as partes para, em 10 dias, se pronunciarem no sentido de saber se têm algo a opor a que seja proferido despacho de saneamento dos autos com dispensa de audiência prévia, com a advertência de que, nada sendo dito no referido prazo, interpretará o Tribunal o silêncio das partes como aceitação.»

*

Perante a não oposição das partes, o senhor juiz a quo passou a proferir saneador-sentença, nos termos do qual:
- julgou inverificada a exceção de prescrição do título dado à execução;
- considerou que «a obrigação exequenda não se mostra certa nem líquida, sendo, pois, inexigível aos executados/opoentes.»
Consequentemente, julgou «procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado.»

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Inconformada, a embargada interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim, extensa e prolixamente, as respetivas alegações:
«A)- Em __.__.__, a aqui Recorrente, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra os Recorridos e outros.
B)- Como título executivo apresentou duas livranças, uma correspondente à Operação PT ____ – contrato de abertura de crédito com hipoteca, preenchida pelo valor de €4.441.985,01, outra, correspondente à Operação PT ____ – Contrato de Abertura de Crédito em conta Corrente, preenchida pelo valor de €400.042,21.
C)- A primeira livrança correspondia ao contrato de mútuo com hipoteca, celebrado entre a C, S.A. (cedente), a PCU, Lda., e com os executados, enquanto avalistas.
D)- Pelo aludido contrato, a C, S.A., concedeu um empréstimo sob a forma de mútuo no montante de €3.700.000, tendo as partes, em face de posterior alteração, confirmado que a linha de crédito concedida ao abrigo do referido contrato tinha sido integralmente utilizada pela empresa mutuária e, bem assim, acordado em capitalizar os juros em dívida, no montante de €96.101.82.
E)- Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas, a mutuária constituiu hipoteca sobre um lote de terreno para construção, sobre o qual veio a ser efectivamente construído um prédio em propriedade horizontal, tendo a hipoteca garante do crédito aqui peticionado passando a abranger as competentes fracções autónomas.
F)- A Sociedade mutuária veio a ser declarada insolvente no âmbito do processo n.º ____/__, tendo os autos prosseguido para liquidação dos bens apreendidos, entre os quais os imóveis sobre os quais se encontrava registada hipoteca a favor da C, S.A. e, posteriormente, a favor da aqui Recorrente, ora cessionária.
G)- Os referidos imóveis vieram a ser vendidos, pelo valor global de €3.116.000, conforme resulta da escritura de compra e venda celebrada naqueles autos de insolvência e junta ao requerimento executivo.
H)- Para pagamento das custas e despesas da Massa Insolvente no processo de insolvência, foi retido parte do aludido valor, em cumprimento do disposto no CIRE.
I)- A exequente, credora no aludido processo de insolvência recebeu assim a quantia de €2.714.000, referente a vários rateios parciais efectuados naqueles autos de insolvência, tudo como oportunamente alegado na execução instaurada.
J)- No apartado “Liquidação da Obrigação”, a exequente, ora Recorrente, discriminou todos os valores em dívida à data da instauração da execução, nomeadamente, o valor de juros vencidos e não pagos, o valor do imposto de selo em dívida, bem como o capital em dívida.
K)- Igualmente deixou explícito o valor de adjudicação a considerar, o qual corresponderia ao valor total das vendas, deduzido do valor depositado para pagamento das custas e despesas da Massa Insolvente, naqueles autos de insolvência.
L)- Assim e, por mero cálculo aritmético, como lhe competia, procedeu à imputação do valor obtido com a venda dos imóveis garantes da obrigação reclamada, ao valor em dívida e que constava da livrança ora dada à execução.
M)- A operação PT ____ – Contrato de Abertura de Crédito em conta Corrente, trata-se de uma operação que não beneficia de qualquer garantia real, mas apenas e tão só do aval prestado pelos executados, ora recorridos.
N)- Como tal, a aqui Recorrente nada recebeu por conta da mesma nos autos de insolvência, já que se trata de mero crédito comum.
O)- Por mero cálculo aritmético, a Recorrente, como lhe competia, procedeu à imputação do valor obtido com a venda dos imóveis garantes da primeira obrigação, ao valor em dívida e que constava da livrança ora dada à execução.
P)- Quanto à segunda operação, igualmente por mero cálculo aritmético, calculou o valor em dívida à data da instauração da execução.
Q)- A sentença de que se recorre entendeu, sem mais, que “a obrigação exequenda não se mostra certa nem líquida, sendo, pois, inexigível aos executados/opoentes”.
R)- A sentença recorrida, assenta em três pressupostos, nomeadamente a iliquidez da obrigação constante das livranças dadas à execução, a iliquidez da obrigação exequenda e desnecessidade do convite ao aperfeiçoamento.
S)- Não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento plasmado na sentença, o qual não tem qualquer correspondência com a realidade dos factos.
T)- Inexplicavelmente, o douto Tribunal a quo, desconsiderou em absoluto os cálculos apresentados pela exequente, ora Recorrente.
U)- Igualmente desconsiderou o douto Tribunal a quo todos os documentos juntos pela exequente, ora Recorrente e que provam, quer os valores recebidos naqueles autos de insolvência, quer o montante em dívida aquando do preenchimento das livranças.
V)- Ao contrário do propugnado pelo Tribunal, a Recorrente juntou com a sua contestação as notas de débito que sustentam os montantes pelos quais foram preenchidas as livranças, discriminando parcela a parcela os valores devidos a título de capital, juros moratórios e remuneratórios e despesas/comissões. W)- Juntas as notas de débito, não se alcança o entendimento plasmado na douta sentença, quando refere que a exequente não liquidou a obrigação constante das livranças dadas à execução.
X)- A exequente, ora recorrente, juntou todos os elementos necessários ao apuramento da dívida dos executados e procedeu à imputação discriminada do valor obtido com a venda dos imóveis garantes da operação garantida pela hipoteca.
Y)- Quanto à segunda operação, não coube qualquer imputação, pois nenhum valor foi recebido por conta da mesma.
Z)- Pelo que, quanto ao decidido quanto a esta operação, a sentença é também absolutamente ininteligível.
AA)- O Recorrido era não só sócio, como gerente da sociedade insolvente à data da sua apresentação à insolvência, pelo que, não poderia, legitimamente, ignorar o valor em dívida por conta da operação peticionada.
BB)- O valor em causa foi integralmente aceite pelo Recorrido nos autos de insolvência, tendo ali sido reconhecido e graduado em sede de sentença de verificação e graduação de créditos.
CC)- Impunha-se decisão diferente do Tribunal a quo, que face aos factos alegados e aos documentos juntos, tinha reunidas todas as condições para aferir da liquidez da obrigação constante das livranças dadas à execução.
DD)- A sentença de que se recorre padece também da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, quando consigna que a exequente não alegou o “incumprimento e/ou a resolução do contrato subjacente à emissão e preenchimento do título”.
EE)- Os embargantes, ora recorridos, em momento algum alegaram a inexistência de incumprimento ou a falta de resolução do contrato.
FF)- A sentença recorrida padece do vício de excesso de pronúncia já que o Tribunal utilizou, como fundamento da decisão, matéria não alegada.
GG)- O incumprimento dos contratos e a sua resolução, ao contrário do propugnado na douta sentença, igualmente resultam provados nos autos.
HH)- A declaração de insolvência, nos termos do art. 91º/1 do CIRE determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente.
II)- A exequente deixou claro que a venda dos bens dados em garantia da obrigação peticionada não foi suficiente para integralmente liquidar o valor em dívida.
JJ)- Quanto à segunda operação, igualmente se deixou alegado e provado o valor que remanesceu em dívida.
KK)- Nos autos, mostra-se junta a carta de interpelação e resolução, remetida ao embargante, ora Recorrido.
LL)- Os embargantes não fizeram prova de ter efectuado qualquer pagamento à aqui Recorrente, por conta do valor em dívida.
MM)- Mal andou o Tribunal a quo quando se limitou a afirmar que a exequente optou por não demonstrar como alcançou o valor da obrigação exequenda.
NN)- A exequente, no apartado “Liquidação da Obrigação” do requerimento executivo, efectuou o cálculo aritmético por forma a apurar e dar conhecimento do valor da quantia exequenda.
OO)- A exequente ali discriminou o valor dos juros vencidos até à data da venda ocorrida no mencionado processo de insolvência, bem como o respectivo capital em dívida, indicou o valor da adjudicação e, considerando estes valores, efectuou o cálculo aritmético, por forma a apurar o valor que permaneceu em dívida.
PP)- O valor obtido no apartado “Liquidação da Obrigação” é aquele que foi indicado como quantia exequenda.
QQ)- O Embargante, ora Recorrido, nos seus embargos, suscita questões sobre o valor peticionado, arguindo que os cálculos que lhe subjazem estão errados (ainda que não o demonstre matematicamente como lhe competia).
RR)- Não podem duas realidades antagónicas sobrevir no mesmo processo. A sentença ora recorrida limita-se a dizer que a recorrente não efectuou o cálculo para determinação da quantia exequenda, no entanto, o próprio embargante questiona o cálculo efectuado pela exequente.
SS)- Salvo o devido respeito que é muitíssimo, a sentença recorrida é, quanto a este apartado, absolutamente ininteligível, o que se reconduz à nulidade prevista na al. c) do  n.º 1 do art. 615º do CPC, já que não se alcança que cálculos ou explicações, para além dos apresentados, pretendia o Tribunal a quo.
TT)-Tem sido entendimento pacífico na jurisprudência e doutrina que “uma obrigação ilíquida não é aquela que não está determinada mas sim aquela que não pode ser determinada de forma simples por cálculo aritmético.”
UU)-Resulta à evidência demonstrado que a obrigação exequenda é determinável por simples cálculo aritmético, o qual foi desde logo apresentado no requerimento executivo.
VV)- Impunha-se assim apreciação diversa pelo douto Tribunal a quo, que poderia ter suscitado questões sobre os cálculos apresentados pela exequente ou até sobre os mesmos pedir esclarecimentos (o que não fez), mas não poderia limitar-se a julgar verificada a iliquidez da obrigação, sem mais.
WW)- Entendeu ainda o Tribunal a quo que não haveria obrigação do Tribunal ao convite ao aperfeiçoamento.
XX)- Ao contrário do plasmado na douta sentença, reitera-se, a exequente não só deixou cabalmente explícitos os montantes que consubstanciaram o preenchimento das livranças, como igualmente demonstrou matematicamente os cálculos que conduziram à determinação da obrigação exequenda.
YY)- Subsistindo quaisquer dúvidas ao Tribunal, impunha-se ao MMº Juiz proceder ao convite ao aperfeiçoamento, ao contrário do propugnado na aludida sentença.
ZZ)- O convite ao aperfeiçoamento de articulados, nos termos do art. 590º do CPC, é um dever a que o juiz está sujeito e cujo não cumprimento leva ao cometimento de nulidade processual.
AAA)- A omissão do convite ao aperfeiçoamento, influindo no exame e decisão da causa, como in casu sucedeu, implica a nulidade da sentença nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º do Código de Processo Civil.
BBB)- Não se alcança o motivo pelo qual o Tribunal desconsiderou em absoluto os cálculos apresentados pela aqui Recorrente, limitando-se a alegar que o Requerimento exectivo era, quanto aos mesmos, omisso.
CCC)- Em momento algum a sentença recorrida afirma que a liquidez da obrigação exequenda não está dependente de simples cálculo aritmético, aliás, como resulta à evidência demonstrado que está, pelo que se impunha ao Tribunal o dever de convidar a exequente a esclarecer ou aperfeiçoar os elementos que considera em falta ou que não fossem claros.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a sentença sob recurso, sendo substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos pela quantia peticionada pela Recorrente».

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Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
Além disso, interpuseram recurso subordinado do saneador-sentença impugnado, concluindo assim as respetivas alegações:
«a)- A Recorrente não demonstrou o direito a que se arroga, nomeadamente a existência do crédito reclamado e a sua correta liquidação;
b)- A Recorrente não alegou os concretos factos, nem juntou os documentos necessários que, juntamente com o título executivo, permitiriam alcançar o valor em dívida;
c)- A Recorrente também não alegou o incumprimento ou a resolução dos contratos subjacentes às emissões e preenchimento das livranças dadas a execução;
d)- Não foi também possível apurar o valor da dívida dos Embargantes, nem a natureza dos valores apostos nas livranças dadas a execução;
e)- A obrigação reclamada pela Recorrente não se mostra assim certa, líquida e exigível pelo que têm de proceder os embargos apresentados pelo ora Recorrido;
f)-Também não há lugar ao convite da Embargada pelo Tribunal “a quo” para aperfeiçoar o requerimento executivo porque esta poderia tê-lo feito em sede de oposição/contestação dos embargos de executado;
g)- Termos em que indeferindo-se, por não provado, o recurso apresentado pela Recorrente se fará a acostumada justiça;
h)- Caso se entenda que a decisão recorrida deve ser anulada e substituída por outra, deverá o Tribunal considerar procedente o presente recurso subordinado e, por efeito do mesmo, declarar-se a procedência dos embargos de executado;
i)- Dado o carácter de execução universal do processo de insolvência o qual acarreta o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva, estava a credora legitimada, e em condições de preencher as livranças que tinha em seu poder;
j)- Com a declaração de insolvência do devedor principal, a dívida garantida pelos títulos cambiários tornou-se imediatamente exigível;
k)- A Recorrente encontrava-se assim legitimada e obrigada ao preenchimento da livrança incompleta ou em branco pelo valor em dívida, valor esse que, se fixou no momento do vencimento da obrigação, constituindo-se assim a obrigação cambiária;
l)- A Embargada só preencheu a livrança quando estavam decorridos mais de 5 anos sobre o vencimento da obrigação;
m)- O direito cartular da Recorrente, aquando do preenchimento da livrança e da interpelação do Embargante para pagamento, encontrava-se prescrito, atento o disposto no artigo 70.° ex vi artigo 77° da L.U.L.L.
n)- Perante o exposto, deverá reconhecer-se a prescrição do direito cambiário invocado pela Embargada e das livranças dadas a execução;
o)- A inércia no exercício de tal direito também é censurável, porque contrária aos ditames da boa-fé e à proteção legal conferida pelo legislador, atento o disposto no artigo 762.° n.º 2 do Código Civil;
p)- O comportamento da credora consubstancia um abuso de direito tal como se encontra consagrado no art.º 334º do C. Civil porque se destina a afastar a aplicação do prazo de prescrição de 3 anos previsto no art.º 70º, nº 1, aplicável por remissão do art.º 77º ambos da L.U.L.L.
q)- Pelo que deverá também declarar-se a prescrição das livranças dadas à Execução pela Recorrente anulando-se a decisão recorrida nessa parte;
r)- Mesmo que se entenda que a decisão recorrida deva ser anulada por se considerar a obrigação certa, líquida e exigível, deverá declarar-se a procedência dos embargos de executado declarando-se a sua prescrição.
Nestes termos e nos demais de direito requer-se a Vossas Excelências que indefiram, por não provado o recurso apresentado pela Recorrente ou, caso assim não se entenda, declarem procedente, por provado, o recurso subordinado apresentado pelo Recorrido e a consequente procedência dos Embargos de Executado, fazendo-se assim a acostumada justiça».

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Notificada da apresentação do recurso subordinado, a embargada não contra-alegou.

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Remetidos os autos a este tribunal ad quem, foi pelo relator proferido despacho a ordenar a devolução do processo à 1.ª instância para que o senhor juiz a quo:
- se pronunciasse quanto às nulidades imputadas pela apelante ao saneador-sentença recorrido;
- proferisse despacho quanto à admissibilidade do recurso subordinado interposto pelos apelados.

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Em cumprimento desse despacho, o senhor juiz a quo:
- apreciou as nulidades imputadas ao saneador-sentença recorrida, considerando que a decisão não padece de qualquer vício;
- limitou-se a admitir o recurso subordinado interposto pelos embargantes[2].

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IIÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio,é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[3]), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir acerca:
- da prescrição da livrança dada à execução;
- da iliquidez da obrigação exequenda.

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IIIFUNDAMENTOS:
3.1- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Por considerar que «os autos reúnem os elementos necessários ao conhecimento das exceções invocadas», o senhor juiz a quo ordenou a notificação «[d]as partes para, em dez dias, se pronunciarem no sentido de saber se têm algo a opor a que seja proferido despacho de saneamento dos autos com dispensa de audiência prévia, com a advertência de que, nada sendo dito no referido prazo» o tribunal interpretaria «o silêncio das partes como aceitação».
Independentemente da bondade, ou não, de tal despacho (cfr. arts. 591.º, n.º 1, al. b), e 593.º, n.º 1), e do valor antecipadamente atribuído pelo senhor juiz a quo ao eventual silêncio das partes (cfr. art. 218.º do Cód. Civil)[4], a verdade é que uma vez notificadas daquela decisão, nada disseram, pelo que o julgador a quo passou a proferir o saneador-sentença recorrido.

A estrutura de uma sentença assenta, de acordo com o disposto nos arts. 607.º, n.ºs 2 e 3, e 608.º, nos seguintes segmentos:
a)-o relatório, a identificar as partes e o objeto do litígio, bem como a enunciar as questões a resolver;
b)-o saneamento, se for caso disso, em sede de conhecimento de exceções dilatórias ou nulidades processuais;
c)-a fundamentação de facto e de direito, que compreende:
(i)- em primeira linha, a enunciação dos factos provados e dos factos não provados;
(ii)- seguidamente, a motivação do julgamento de facto mediante a análise crítica das provas e a especificação dos fatores que foram decisivos para a convicção sobre cada facto, com a indicação dos concretos meios de prova convocados para tal efeito;
(iii)- a fundamentação de direito, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes;
d)-a decisão ou o dispositivo, contendo o juízo de procedência ou de improcedência da ação e da reconvenção, quando deduzida, bem como os consequentes comandos e efeitos a decretar, em caso de procedência, e ainda a condenação em custas que sejam devidas; se for julgada procedente alguma exceção dilatória, a decisão consistirá no juízo de absolvição do réu, ou eventualmente do reconvindo, a respetiva instância[5].
O saneador-sentença, que se alonga em desnecessários, extensos e repetitivos considerandos doutrinários, entremeados com algumas citações jurisprudenciais, com um encadeamento que nem assenta numa sequência lógica e linear, não contém qualquer segmento discriminador dos factos considerados provados e não provados[6].
Sucede que, dentro da amálgama teórico/doutrinal em que o saneador-sentença se traduz, pincelado, como se disse, com algumas citações jurisprudenciais, a espaços, em diferentes momentos da decisão, emergem transcrições do requerimento executivo, pelo que nos permitimos deduzir que, para singelamente julgar «procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado», o senhor juiz a quo considerou o teor das livranças que constituem os títulos executivos dados à execução e o teor do próprio requerimento executivo.

Assim, considera-se que o saneador-sentença assentou a sua decisão no seguinte:
1. A embargada é portadora de uma livrança na qual foi aposto o valor de € 4.441.985,01;
2.– Nessa livrança e no espaço destinado ao local e data de emissão constam os seguintes dizeres: Lisboa – 2007-11-8;
3.– (...) e no espaço destinado ao vencimento consta: 2017-07-03;
4.– (...) e no espaço destinado ao «valor», constam os seguintes dizeres: «Abertura de crédito com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança ____»;
5.– (...) e no espaço destinado ao nome do subscritor consta: «PCU, Lda.»;
6. No verso da mesma livrança constam as assinaturas dos embargantes, antecedidas dos seguintes dizeres: «Por aval à firma subscritora»;
7. A embargada é ainda portadora de uma livrança na qual foi aposto o valor de € 400.042,21;
8. Nessa livrança e no espaço destinado ao local e data de emissão constam os seguintes dizeres: Lisboa – 2007-09-11;
9. (...) e no espaço destinado ao vencimento consta: 2017-07-03;
10. (...) e no espaço destinado ao «valor», constam os seguintes dizeres: «Contrato de abertura de crédito em conta corrente (de utilização simples) ____»;
11.– (...) e no espaço destinado ao nome do subscritor consta: «PCU, Lda.»;
12.– No verso da mesma livrança constam as assinaturas dos embargantes, antecedidas dos seguintes dizeres: «Por aval à firma subscritora»;
13.– O requerimento executivo com que foi instaurada a ação executiva de que os presentes autos constituem apenso tem o seguinte teor:
«(...)
Valor da Execução:     2 827 745,41 € (Dois Milhões Oitocentos e Vinte e Sete Mil Setecentos e Quarenta e Cinco Euros e Quarenta e Um Cêntimos)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Letras, livranças e cheques [Execuções]
Título Executivo:                    Livrança
Factos:
I – Da legitimidade da exequente
1- Por escritura pública, celebrada em __.__.__, a C, S.A., cedeu à MIHDAC, um conjunto do créditos vencidos de que era titular, conforme Escritura Pública e respetivo Documento Complementar que se junta como Doc. N.º 1 e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
2- Pela escritura pública supramencionada foram cedidos à MIHDAC vários créditos relativos à PCU, Lda., nomeadamente, o crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ____.
3- A mencionada cessão de créditos incluiu a transmissão, relativamente ao mencionado crédito, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a eles inerentes.
4- Uma vez que o Documento Complementar á escritura de cessão de créditos consta de 297 páginas, foi opção da aqui Requerente juntar à presente PI apenas as folhas correspondentes aos créditos da devedora, visto não relevar para a boa decisão da causa a junção de todas as verbas correspondentes a todos os créditos cedidos – cfr. Documento n.º 1 já junto.
Acto contínuo,
5- A referida MIHDAC veio a ceder o suprarreferido crédito à aqui exequente, EMU, Lda., por escritura celebrada em __.__.__ – cfr. Documento que ora se junta como n.º 2.
6- Pela escritura pública supramencionada foram cedidos à MIHDAC vários créditos relativos à PCU, Lda., entre os quais, o crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ____.
7- O que faz com que, presentemente, a ora Exequente seja a actual titular do crédito referido supra.
8- A sociedade acima identificada, aqui exequente, é assim parte legítima na presente acção.
II–Dos Contratos, respectivas livranças e Valor em dívida
a)- Operação PT ____ – contrato de abertura de crédito com hipoteca
9- Por contrato de abertura de crédito com hipoteca, celebrado em __.__.__ – cfr. Documento que ora se junta como n.º 3 - a C, S.A. concedeu à PCU, Lda., um empréstimo sob a forma de abertura de crédito até ao montante de € 3.700.000 (três milhões e setecentos mil euros).
10-Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas, a mutuária constituiu hipoteca - AP. __.__.__ - Hipoteca Voluntária - sobre o lote de terreno para construção sito ____, inscrito na respectiva matriz sob o artigo provisório ____, descrito na Conservatória do Registo Predial de ____, sob o número ____, da freguesia de ____ – cfr. Certidão do Registo Predial que ora se junta como documento n.º 4.
11-O supra referido contrato veio ainda a ser alterado por contrato celebrado em __.__.__, nomeadamente no que concerne a prazos, taxas entre outras - cfr. Documento que ora se junta como n .º 5.
12- Assim, acordaram as partes em elevar o prazo de utilização dos fundos para 36 meses e reduzir o prazo de amortização para 24 meses.
13- Posteriormente, por acordo entre as partes, em __.__.__, veio ainda a ser celebrada uma segunda alteração ao aludido contrato – cfr. Documento que ora se junta como n.º 6.
14- Assim, por força desta nova alteração, para além de terem confirmado que a linha de crédito concedida ao abrigo do referido contrato tinha sido integralmente utilizada pela empresa mutuária, em razão de a conta corrente apresentar um saldo devedor no valor de €3.700.000, mais acordaram as partes em capitalizar os juros em dívida, no montante de €96.101.82.
15-Ainda para garantia das obrigações assumidas, nomeadamente, por tudo quanto viesse a ser devido em caso de incumprimento do referido contrato, os aqui executados, JM, FD, VB, MM, MT e MJ entregaram à C, S.A. uma livrança em branco, subscrita pela sociedade e avalizada pelos mesmos - cfr. documento que ora se junta como n.º 7.
16- Sucede, porém, que a sociedade mutuária veio a ser declarada insolvente no âmbito do processo n.º ____/__, que corre os seus termos no Juiz _ do Juízo do Comércio de ___.
17- Em face da referida declaração de insolvência veio a ser determinado o prosseguimento dos autos para liquidação dos bens apreendidos, entre os quais o imóveis sobre os quais se encontrava registada hipoteca a favor da credora.
18- Com efeito, sobre o aludido terreno para construção, veio a ser efectivamente construído prédio em propriedade horizontal, tendo a hipoteca garante do crédito aqui peticionado passado a abranger as competentes fracções autónomas.
19-Os referidos imóveis vieram assim a ser vendidos/adjudicados pelos seguintes montantes – cfr. Escritura de compra e venda celebrada que ora se junta como documento n.º 8:
ID1           Data da adjudicação /              Valor da adjudicação/
Venda                 Venda a Terceiro
Depósito do preço    Valor recebido/Valor de adjudicação menos valor
custas
A_0786001003000407______A 27/07/2018 102 000,00 € 10 200,00 € 91 800,00 €
A_0786001003000407______B 27/07/2018 136 000,00 € 13 600,00 € 122 400,00 €
A_0786001003000407______C 27/07/2018 93 500,00 € 9 350,00 € 84 150,00 €
A_0786001003000407______D 27/07/2018 136 000,00 € 13 600,00 € 122 400,00 €
A_0786001003000407______F 27/07/2018 144 500,00 € 14 450,00 € 130 050,00 €
A_0786001003000407______I 27/07/2018 136 000,00 € 13 600,00 € 122 400,00 €
A_0786001003000407______J 28/07/2018 102 000,00 € 10 200,00 € 91 800,00 €
A_0786001003000407______N 29/07/2018 136 000,00 € 13 600,00 € 122 400,00 €
A_0786001003000407______P 23/05/2018 95 000,00 € 95 000,00 € 66 500 €
A_0786001003000407______R 27/07/2018 110 500,00 € 11 050,00 € 99 450,00 €
A_0786001003000407______W 27/07/2018 110 500,00 €11 050,00 € 99 450,00 €
A_0786001003000407______Q05/11/2018 137 000,00 €137 000,00 € 95 900 €
A_0786001003000407______Y 95 000,00 € 95 000,00 € 66 500 €
A_0786001003000407______Z 27/07/2018 95 000,00 € 9 500,00 € 85 500,00 €
A_0786001003000407______AC 27/07/2018 144 500,00 €
14 450,00 € 130 050,00 €
A_0786001003000407______AD 27/07/2018 136 000,00 €
13 600,00 € 122 400,00 €
A_0786001003000407______AE 27/07/2018 157 250,00 €
€ 15 725,00 € 141 525,00 €
A_0786001003000407______AF 27/07/2018 161 500,00€
16 150,00 € 145 350,00 €
A_0786001003000407______AH 27/07/2018 144 750,00€
14 475,00 € 130 275,00 €
A_0786001003000407______AI 27/07/2018 99 500,00 €9 950,00 € 89 550,00 €
A_0786001003000407______AJ 27/07/2018 93 500,00 €9 350,00 € 84 150,00 €
A_0786001003000407______AM 27/07/2018 161 500,00€
16 150,00 € 145 350,00 €
A_0786001003000407______AN 27/07/2018 153 000,00€
15 300,00 € 137 700,00 €
A_0786001003000407______X 27/07/2018 110 500,00 € 11 050,00 € 99 450,00 €
Fracção M 03/07/2019 125 000,00 € 125 000,00 € 87 500 €
20- A livrança-caução, garante da operação melhor identificada supra, veio a ser preenchida pela cedente – C, S.A. - antes da venda ocorrida em sede de processo de insolvência, pelo valor em dívida, no montante de €4.441.985,01, pelo que, actualmente, o valor em dívida é distinto, conforme se demonstrará no apartado da “liquidação da obrigação”.
21- Sobre o valor ora peticionado são ainda devidos juros à taxa supletiva legal até integral pagamento.
b)- Operação PT ____ – Contrato de Abertura de Crédito em conta Corrente;
22- Por contrato de abertura de crédito em conta-corrente, celebrado em __.__.__ e posteriormente alterado por acordo entre as partes em __.__.__ – cfr. Documentos que ora se juntam como n.º 9 e 10 - a C, S.A. concedeu à PCU, Lda., um financiamento até ao montante de €250.000 (duzentos e cinquenta mil euros).
23- Conforme resulta da aludida alteração, a sociedade mutuária confessou-se ali devedora da quantia de €230.500.
24- Até à data da declaração de insolvência, a aludida PCU, Lda., utilizou e amortizou várias quantias, tendo permanecido em dívida, a quantia de €400.042,21, pela qual veio a ser preenchida a livrança, que ora se junta como documento n.º 11.
25- Sobre o valor ora peticionado são ainda devidos juros à taxa supletiva legal até integral pagamento.
25- As livranças emitidas e subscritas pelos Executados constituem título executivo nos termos e para os efeitos do disposto no art. 703, n.º 1 al. c) do C.P.C., titulando uma dívida certa, líquida e exigível nos termos consignados no art. 716.º do mesmo diploma.
Valor Líquido:                                                     2 656 111,19 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 171 634,23
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total:                   2 827 745,41 €
a)- Operação PT ____ – contrato de abertura de crédito com hipoteca
Data preenchimento livrança: 03/07/2017
Valor livrança: €4.441.985,01
IS: €22.321,53
Juros até à data da venda (27/07/2018), à taxa supletiva legal: 189.362,43€
Valor obtido com a venda: €2.397.600
€2.397.600 – (€22.321,53 + 189.362,43€) = €2.185.916,04
€4.441.985,01 - €2.185.916,04 = €2.256.068,97
Valor em dívida: €2.256.068,97
Juros contabilizados após a data da venda (28/07/2018) até à presente data (03/01/2020): €129.553,99
Operação PT ____ – Contrato de Abertura de Crédito em conta Corrente
a)- Capital: €400.042,21;
b)- Juros sobre o capital referido em a) supra, contabilizados desde a data de vencimento da livrança (03/07/2017, até à presente data (03/01/2020): €40.069,98;
c)- Imposto de selo pago por conta do preenchimento da livrança: €2010,26.»

3.2 ENQUADRAMENTO JURÍDICO:
3.2.1Da prescrição da livrança dada à execução:
Como se sabe, o aval é o ato pelo qual um terceiro ou um subscritor da letra, no caso, de uma livrança, garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores[7].
Trata-se de uma nova obrigação cuja função específica consiste em garantir ou caucionar a obrigação de certo obrigado cambiário, sendo primária essa responsabilidade de garantia[8].
A obrigação do avalista é autónoma em face da obrigação do avalizado, subsistindo mesmo no caso de esta última ser nula por qualquer razão, salvo vício de forma (arts. 32.º, II e 77.º, III da LULL);
No que tange aos efeitos do aval, resulta dos arts. 32.º I e 77.º III, que o avalista de uma livrança é responsável da mesma maneira que o avalizado, o que significa que aquele responde perante as mesmas pessoas, nas mesmas condições e na mesma medida em que responde o avalizado.
Trata-se, no entanto, de uma equiparação que não pode deixar de ser vista em termos hábeis, querendo-se com isto significar que ao subscritor avalizado que esteja numa relação imediata com o portador da livrança é lícito opor-lhe todos os meios de defesa que se baseiem na relação fundamental, ao passo que o avalista, apesar de obrigado da mesma maneira que o avalizado, não poderá invocar esses meios, porque não é sujeito de tal relação fundamental subjacente à emissão do título e não estará, assim, em relação imediata, mas mediata com o portador[9].
A prescrição é tradicionalmente definida como o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo período de tempo fixado na lei e que varia conforme os casos[10].

Trata-se de um instituto que tem subjacente:
- por um lado, uma valoração negativa da inércia ou negligência do titular no exercício do direito, negligência esta que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito; e,
- por outro lado, um propósito de proteção do devedor que, a partir da inércia do titular, pode, legitimamente, criar a convicção de que o titular se desinteressou do respetivo exercício e, ademais, por força do decurso do tempo, pode ver-se em particulares dificuldades ao nível da prova de um eventual pagamento.
Portanto, em qualquer uma das hipóteses, o devedor, quer tenha cumprido, quer não, decorrido o prazo de prescrição pode invocar esta e bloquear a pretensão do credor[11].
No tocante ao início do prazo de prescrição, dispõe o art. 306.º do Cód. Civil, que «o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido; (...).»
Por sua vez, estatui o art. 70.º, I, aplicável ex vi do art. 77.º, ambos da LULL, que «todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.»
Tal como afirmado no Ac. do S.T.J. de 04.07.2019, Proc. n.º 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1 (Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt, a questão de saber se o início da contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70º, nº 1, da LULL (aplicável ex vi art. 77º da LULL) se afere ou não em função da data de vencimento inscrita na livrança tem sido respondida em sentido afirmativo pela jurisprudência reiterada do S.T.J., citado para o efeito os acórdãos de 12/11/2002 (proc. nº 3366/02), de 30/09/2003 (proc. n.º 2113/03), de 29/11/2005 (proc. nº 3179/05), de 09/02/2012 (proc. n.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1), de 19/10/2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1) e de 19/06/2019 (proc. nº 1025/18.5T8PRT.P1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt, não havendo, segundo o acórdão inicialmente mencionado, razões justificativas para nos afastarmos desta orientação consolidada.
No caso concreto, o apelante considera que a data relevante para efeitos de início do prazo de prescrição é aquela em que a subscritora da livrança, a sociedade PCU, Lda., foi declarada insolvente, ou seja, em 13 de julho de 2012 (cfr. art. 14.º da petição de embargos).
Isto porque, ainda segundo os embargantes, à luz do disposto no art. 91.º, n.º 1, do CIRE, a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente.
Assim, afirmam, dado que o vencimento de todas as obrigações ocorre aquando da declaração de insolvência do devedor principal, a dívida garantida pelo título cambiário - livrança - torna-se automaticamente exigível.
Por conseguinte, prosseguem, encontrava-se a beneficiária das livranças «legitimada desde julho de 2012, momento do vencimento e incumprimento da obrigação», para proceder ao preenchimento das livranças incompletas ou em branco pelo valor em dívida, valor esse que, como é natural se fixou no momento do vencimento da obrigação, constituindo-se assim a obrigação cambiária (cfr. arts. 16.º e 18.º da petição de embargos.
Há que analisar esta questão, no sentido de saber se deveria a aqui apelada, portadora das livranças em branco, tê-las preenchido, no que à sua data de vencimento diz respeito, dentro dos três anos subsequentes à data em que o título cambiário se tornou exigível (à luz do estatuído no art. 91.º, n.º 1, do CIRE, e também dos arts. 43.º, II e 44.º, VI, da LULL), ou seja, da data em que a respetiva subscritora foi declarada insolvente, sob pena de, não o tendo feito, como efetivamente não fez, não o poder fazer através da ação executiva de que os presentes autos constituem apenso, por se encontrar prescrito o seu direito de ação cambiária.
Tendo a sociedade subscritora das livranças sido declarada insolvente por sentença datada de 13 de julho de 2012, conforme afirmado pelos embargantes, a ação executiva foi instaurada em 3 de janeiro de 2021.

São dois os títulos executivos que lhe servem de base:
- uma livrança na qual consta como data de emissão “2007-11-8” e como data de vencimento “2017-07-03”;
- uma livrança na qual consta como data de emissão “2007-09-11” e como data de vencimento “2017-07-03”.
Dispõe:
- o art. 91.º, n.º 1, o CIRE, que «a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.»
- o art. 43.º, II, da LULL, que «o portador de uma letra[12] pode exercer os seus direitos de acção contra os endossantes, sacador e outros co-obrigados:
(...)
Mesmo antes do vencimento:
(...)
Nos casos de falência do sacado, quer ele tenha aceite, quer não, de suspensão de pagamentos do mesmo, ainda que não contestada por sentença, ou de ter sido promovida, sem resultado, execução dos seus bens.»
- o art. 44.º, VI, que «no caso de falência declarada do sacado, quer seja aceitante, quer não, bem como no caso de falência declarada do sacador de uma letra[13] não aceitável, a apresentação da sentença de declaração de falência é suficiente para que o portador da letra possa exercer o seu direito de ação.»

Assim, tal como conjugadamente resulta dos citados preceitos legais, a declaração de insolvência importa o imediato vencimento da obrigação a cargo do devedor/insolvente, o mesmo é dizer, a sua imediata (prematura) exigibilidade.
O objetivo das citadas normas contidas nos arts. 43.º e 44.º da LULL é, como se afigura evidente, permitir ao credor, uma vez confrontado com a insolvência do devedor ou com esse risco iminente, declarar vencida e exigível a dívida que, em circunstâncias normais, não estaria ainda em condições de ser exigida, por não se mostrar vencida; ou seja, caso o credor tivesse que aguardar o decurso do prazo de vencimento da obrigação, correria o risco de, vencida a dívida no devido tempo, não lograr a satisfação do seu crédito por falta de bens no património do devedor.
Trata-se da consagração no domínio do direito cambiário do mesmo princípio que se mostra consagrado no domínio da responsabilidade contratual no artigo 780º, do Cód. Civil ( perda do benefício do prazo )[14].
No que tange ao art. 91.º, n.º 1, do CIRE[15], além de lhe estarem subjacentes aquelas mesmas razões, persegue um outro objetivo, qual seja o de permitir ao credor do devedor insolvente reclamar no próprio processo de insolvência esse seu crédito ainda não vencido, sendo certo que, como é consabido, por força do princípio da par conditio creditorum, os credores da insolvência terão, forçosamente, como resulta do art. 90.º do CIRE, de exercer os seus direitos em conformidade com os termos previstos neste código e durante a pendência do processo, sob pena de a satisfação dos mesmos se mostrar prejudicada[16].
Soveral Marins refere expressamente que «a declaração de insolvência vai ter como consequência o vencimento de todas as obrigações do insolvente que não estejam subordinadas a uma condição suspensiva (art. 91.º, 1). Assim, aquelas obrigações que apenas se vencessem em data posterior à declaração de insolvência vêem esse momento antecipado. E isso sem necessidade de interpelação. Com o regime descrito consegue-se uma (relativa) estabilização do passivo, tornando-se mais fácil avaliar a situação do devedor e assim tomar decisões. Desde logo porque os credores em causa, com os seus créditos vencidos, terão de vir ao processo exigir o que lhes é devido»[17].

Perante isto, é questão isenta de dúvidas que o decretamento da insolvência da subscritora das livranças emitidas em branco, ou seja, da obrigada principal, da sociedade avalizada, importou o imediato vencimento da obrigação que para a mesma emergia da relação subjacente perante a beneficiária da livrança, a C.
A declaração de insolvência da subscritora das livranças permitia à sua beneficiária exigir, desde logo, a respetiva obrigação cambiária, procedendo, na data, ao preenchimento do título para tal fim, designadamente apondo-lhe como data de vencimento, a data daquela declaração.

É que, a partir desse momento, a beneficiária da livrança estava absolutamente legitimada e em condições:
- de preencher as livranças dada é execução com todos os seus elementos essenciais, nomeadamente a data de vencimento; e
- de exigir dos obrigados cambiários, de qualquer um deles, incluindo os aqui embargantes, na qualidade de avalistas, pois que todos respondem solidariamente perante o credor, os valores em débito,
sem prejuízo:
- da reclamação a efetuar no processo de insolvência da subscritora/insolvente;
- de o valor recebido no processo de insolvência ser abatido ao valor em débito, pois que não podia, naturalmente, receber em duplicado os valores em débito.
Sucede, no entanto, que o legislador português, contrariamente ao que ocorre noutros ordenamentos jurídicos, não fixou um limite temporal ao preenchimento da livrança em branco.
Por isso, tal como referido, a jurisprudência portuguesa depois de numa primeira fase ter perfilhado o entendimento de que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implicava a estrita validade da data de vencimento que o portador viesse a incluir no título[18], tem vindo a perfilhar, de forma que se crê ser unânime, conforme acima referido, o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.
Tal como se decidiu no Ac. da R.P. de 07.01.2019, Proc. n.º 1025/18.5T8PRT.P1 (Jorge Seabra), in www.dgsi.pt, que, aliás, temos vindo a acompanhar de perto, a emissão de um título em branco (cujo vencimento virá a ocorrer em momento posterior e não determinado à partida) não é equiparável à emissão de um título completo quanto aos seus elementos essenciais, nomeadamente quanto à data do seu vencimento.
O preenchimento da data de vencimento não pode prescindir do que foi pactuado entre as partes e do que elas (obrigados e credor que intervieram no acordo) podiam objetivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação ao pacto outorgado das regras de interpretação previstas no artigo 236º do Cód. Civil.
Isto porque é, precisamente, o pacto de preenchimento que confere força e eficácia cambiária ao título emitido em branco, sendo essa a base (quando exista) para a reconstituição da vontade dos que nele intervieram, sem prejuízo do eventual recurso à própria relação subjacente.
Ora, os embargantes nada dizem de concreto, desde logo na petição de embargos, quanto a uma eventual violação, pela exequente de qualquer acordo de preenchimento dos títulos executivos, reitera-se, duas livranças em branco, nomeadamente no que respeita à aposição da respetiva data de vencimento.
Nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Cód. Civil, era sobre os embargantes que recaía o ónus de alegação e prova de que a exequente, ao apor em ambos os títulos executivos, a data de “2017-07-03”, como sendo a do seu vencimento, violou qualquer acordo de preenchimento das livranças em branco.
Não tendo o feito, não pode deixar de ser confirmada, nesta parte, a decisão recorrida que julgou não verificada a prescrição cambiária invocada pelos embargantes na petição de embargos.

3.2.2 - Da (i)liquidez das obrigações exequendas:
Resulta inequivocamente da petição inicial, que são dois os fundamentos da oposição à execução invocados pelos embargantes:
- a prescrição da obrigação cambiária decorrente da subscrição por eles, embargantes, na qualidade de avalistas, das livranças dadas à execução;
- a iliquidez das obrigações exequendas.
O senhor juiz a quo considerou, e bem. não ocorrer a prescrição cambiária invocada pelos embargantes, decisão acabada de confirmar nos termos descritos em 3.2.1 do presente acórdão.
Seguidamente, quando se lhe impunha emitir pronúncia sobre a outra questão suscitada pelos embargantes, consistente na (i)liquidez da obrigação exequenda, o senhor juiz a quo optou por se enredar, como já referido, em extensos e desnecessários considerandos e citações doutrinárias, entremeados com algumas citações jurisprudenciais, suscitando questões que os embargantes, e bem, nem sequer equacionaram[19], acabando por julgar «procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado», com o fundamento de que «a obrigação exequenda não se mostra certa nem líquida, sendo, pois, inexigível aos executados/opoentes».
Diga-se, no entanto, e para que dúvidas não subsistam, que estamos perante uma obrigação exequenda certa.
Conforme refere Lebre de Freitas, «é certa a obrigação cuja prestação se encontra qualitativamente determinada (ainda que esteja por liquidar ou individualizar».
Assim, «não é certa aquela em que a determinação (ou escolha) da prestação, entre uma pluralidade, está por fazer (art. 400 CC). Tal acontece nos casos de obrigação alternativa (em que o devedor está obrigado a efetuar uma de duas ou mais prestações, segundo a escolha a efetuar: art. 543 CC) e nos de obrigação genérica de espécie indeterminada (o devedor está obrigado a prestar determinada quantidade num género que contém duas ou mais espécies diferentes: art. 553)»[20].
Em suma, no âmbito de uma ação executiva, a certeza da obrigação respeita apenas à escolha da própria prestação ou ao seu objeto e não ao quantitativo da prestação.
É, assim, questão isenta de dúvidas que, in casu, estamos perante uma obrigação certa…e não incerta.
Diga-se ainda que também nenhuma dúvida se suscita quanto à exigibilidade da obrigação exequenda.

A obrigação é exigível quando se verifica alguma das seguintes situações:
- a obrigação já se encontra vencida;
- o vencimento da obrigação depende de interpelação do credor ao devedor (art. 777.º, n.º 1, do Cód. Civil) e este já foi interpelado extrajudicialmente;
- o vencimento da obrigação depende de interpelação do credor ao devedor e este não foi interpelado extrajudicialmente, sendo-o através de citação (arts. 551.º, n.º 1 e 610.º, n.º 2, al. b))[21].

A exigibilidade tem, assim, a ver com o tempo de vencimento das obrigações, importando ter em conta, nos termos do art. 777.º do Cód. Civil, dois tipos de obrigações:
- as obrigações puras, relativamente às quais o credor pode, a todo o tempo, exigir o seu cumprimento, tal como o devedor pode igualmente, a todo o tempo, dela exonerar-se;
- as obrigações a prazo, relativamente às quais, como o próprio nome indica, há termo de vencimento, um prazo de vencimento, quer seja estabelecido pelas partes, quer decorra da lei, quer seja fixado pelo tribunal; tratam-se de obrigações que se vencem automaticamente, sem necessidade de interpelação do credor ao devedor (art. 805.º, n.º 2, al c), do Cód. Civil).
Tal como afirma Rui Pinto, «(...) obrigação exigível é a obrigação que está em tempo de incumprimento - é a obrigação atual», ou seja, «a obrigação é exigível quando deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após interpelação ao devedor. Está nessas condições a obrigação que, à data da propositura da execução, se encontra vencida ou se vença mediante interpelação, ainda que judicial, não estando dependente de contraprestação, nem estando [o] credor em mora»[22].

Bem se vê, assim, que no caso concreto, nenhuma dúvida subsiste quanto à exigibilidade da obrigação exequenda.
Aliás, reitera-se, são os próprios embargantes quem, no segmento da petição de embargos em que alegam a prescrição cambiária, de forma expressa e até exaustiva, alegam que as obrigações exequendas se tornaram exigíveis, sendo também certas, desde a data da declaração de insolvência da subscritora das livranças dadas à execução.

É, assim, surpreendente, incompreensível mesmo, o afirmado no saneador-sentença recorrido no sentido de que:
- a exequente não alegou o “incumprimento e/ou a resolução do contrato subjacente à emissão e preenchimento do título”.
- as obrigações exequendas não são certas nem exigíveis.
Vejamos, então, agora, a questão da (i)liquidez das obrigações exequendas, a única, afinal, a par da prescrição das obrigações cambiárias, suscitada pelos embargantes na petição de embargos.
Considera-se ilíquida a obrigação que não se encontra determinada em relação à sua quantidade, carecendo da efetivação de cálculos aritméticos ou da alegação de factos que, depois de submetidos ao contraditório, permitam a sua quantificação (art. 716.º)[23].
No dizer de Lebre de Freitas, «no seu conceito rigoroso de direito das obrigações, é obrigação ilíquida aquela que tem por objeto uma prestação cujo quantitativo não esteja ainda apurado»[24].
Rui Pinto, por sua vez, esclarece que «(...) a liquidez é a qualidade da obrigação que esteja quantitativamente determinada. O acertamento da obrigação cujo objeto não esteja quantificado em face do título é um dos pressupostos da execução, já que ele irá dar a medida do ataque ao património do executado - cf. o princípio da proporcionalidade estabelecido no artigo 735º n.º 3.
Por conseguinte, “o exequente não pode, na execução, formular pedido ilíquido sem proceder à respetiva liquidação”[25].
Como tal, deve ter lugar, preliminarmente à execução propriamente dita, uma operação de quantificação da obrigação - a liquidação - feita, por força do artigo 10.º n.º 1, dentro dos limites que lhe são fixados pelo título executivo, não podendo constituir um modo de extensão do seu âmbito»[26].

No caso concreto, é também evidente que estamos perante uma obrigação exequenda líquida, pois que se mostra quantitativamente determinada à face dos títulos executivos e do requerimento executivo.
Os títulos executivos, as livranças dadas à execução, quantificam as respetivas obrigações cambiárias.
O concreto pedido executivo formulado na ação executiva, a quantificação das obrigações exequendas, está dentro dos limites fixados pelos títulos executivos, não constituindo, portanto, extensão do seu âmbito.
No tocante à primeira das referidas livranças, aquela na qual foi aposto o valor de € 4.441.985,01, com data de emissão de __.__.__ e com data de vencimento de __.__.__, o concreto pedido executivo formulado na ação executiva, ou seja. a quantificação da respetiva obrigação exequenda, fica muito aquém daquele montante.
No requerimento executivo, a exequente descreve, relativamente a cada título executivo, a cada livrança, as razões da formulação do concreto pedido executivo.
No tocante àquela referida livrança, a exequente faz o exercício de descrever a razão pela qual, à data da instauração da ação executiva, a dívida exequenda é de montante bem inferior ao que nela se mostra titulado.
Tudo através de simples cálculos aritméticos.
Na verdade, tal como afirmado pela apelante nas alegações de recurso, no requerimento executivo foram efetuados os cálculos e indicados «os valores em causa, por forma a apurar o valor da quantia exequenda».
Podem os embargantes discordar da liquidação efetuada pela exequente no requerimento executivo, caso em que lhes competiria alegar e provar factos concretos demonstrativos da incorreção da liquidação efetuada pela exequente/embargada, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Cód. Civil, preceito aplicável no âmbito da defesa por embargos, em moldes declarativos, contra a pretensão executiva.
O que os embargantes não fazem!
Pode até afirmar-se, como o faz o senhor juiz a quo, que «não resultam especificados os componentes incluídos nas quantias inscritas nas livranças, de forma a espelhar, parcela a parcela, os valores relativos ao capita, juros remuneratórios, comissões, juros de mora, eventuais penalizações, imposto de selo, etc.[27]».
O que não pode é afirmar-se, como fazem tanto os embargantes, como o tribunal a quo, que a obrigação exequenda é ilíquida.
Mas, mesmo que nenhuma liquidação tivesse sido feita no requerimento executivo, isso não daria lugar à extinção da execução.
Tal como salienta Rui Pinto, «a causa de pedir da execução é idêntica à causa de pedir da ação condenatória: são os factos de aquisição de um direito ou poder a uma prestação exigível, comportando factos principais (atinentes à aquisição do direito) e factos complementares (atinentes à exigibilidade)»[28].

Os factos atinentes à liquidação da obrigação exequenda são factos complementares.
Por isso, sempre que confrontado com uma situação de falta de liquidação da obrigação exequenda, à semelhança do que ocorre nos casos de incerteza ou inexigibilidade da obrigação exequenda, deve o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento e, só no caso do requerimento executivo não ser devida e consequentemente aperfeiçoado, indeferir o requerimento executivo[29]. É o que resulta do art. 726.º, n.ºs 2 e 4.
Ou seja, concluso o processo executivo ao senhor juiz a quo para despacho liminar (art. 726.º, n.º 1), e afigurando-se-lhe que o requerimento executivo padecia das irregularidades que agora lhe assaca no saneador-sentença recorrido, em vez de se limitar a proferir o singelo despacho «Cite»[30], o que deveria ter feito era proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Como escrevem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, perante a falta da alegação de factos necessários a satisfazer os requisitos da certeza, da exigibilidade ou da liquidez da obrigação exequenda a que se reporta o artigo 713.º, o tribunal pode convidar ao suprimento de irregularidades.
Em tais casos, afirmam os referidos Autores, em bom rigor, não se pode afirmar a falta ou insuficiência do título executivo, nem a inexistência de factos constitutivos, verificando-se somente a imperfeição do requerimento executivo que é suscetível de sanação, nos termos do n.º 4 do art. 726.º[31].
Assim, se no momento da prolação do despacho liminar, o senhor juiz a quo não convidou a exequente a aperfeiçoar o requerimento executivo, foi, certamente, por nenhuma dúvida se lhe ter suscitado quanto à certeza, exigibilidade ou liquidez da obrigação exequenda; ou, então, porque não se apercebeu de qualquer uma das irregularidades que agora lhe imputa.
Sucede que na contestação aos embargos, a exequente volta a descrever a forma como calculou os valores das obrigações exequendas, se se quiser, como quantificou o pedido executivo, o que fez nos mesmos moldes que já havia feito no requerimento executivo.
Tendo a exequente liquidado, como liquidou, as obrigações exequendas e descrevendo a forma como o fez, tanto no requerimento executivo como na contestação aos embargos, não pode o senhor juiz a quo afirmar a iliquidez da obrigação nos termos em que o fez no saneador-sentença recorrido; quando muito, poderia afirmar que, em seu entender, se lhe suscitam dívidas quanto à liquidação efetuada pela exequente, ou seja, que essa liquidação lhe surge de modo impreciso ou insuficiente[32].

Por isso, não podia também o senhor juiz a quo afirmar, como o fez no saneador-sentença, o seguinte:
«E nem se diga que tem lugar, nestes autos, a prolação de despacho a convidar o exequente a aperfeiçoar do requerimento executivo. O exequente optou por dar à execução duas livranças apoiando-se nas características da literalidade e abstração que lhe são próprias, bem sabendo que não resultava de um dos títulos o valor da obrigação exequenda. Confrontado com a oposição deduzida pelos executados/opoentes manteve a intenção de se fazer valer da natureza do título sem demonstrar a forma como alcançou os valores inscritos nas livranças bem como sem demonstrar como alcançou o valor da obrigação exequenda no que à livrança no valor de €4.441.985,01 concerne.
Como atrás se deixou dito, a afirmação de que o título é condição necessária e suficiente da ação executiva tem o sentido de que, não só, não há execução sem título, como a sua existência dispensa “qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere”.
Ora, estando em causa a definição do direito subjacente e prévio à constituição do direito de crédito titulado pela livrança dada à execução, assim como a definição desse mesmo direito após o preenchimento da livrança dada à execução (atendendo às vicissitudes decorrentes do processo de insolvência), a obrigação exequenda não se mostra certa nem líquida, sendo, pois, inexigível aos executados/opoentes».

Encontrando-se o senhor juiz a quo convicto, após a fase liminar da execução, de que a liquidação da dívida exequenda operada pela exequente é imprecisa ou insuficiente, convicção que, como referido, não adquiriu naquela fase, na qual se limitou a proferir despacho de «cite», impunha-se-lhe que atentasse no disposto no n.º 1 do art. 734.º: «O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo».

Este preceito permite que, ultrapassada a fase liminar da execução, e não tendo o despacho liminar ali proferido («cite») produzido caso julgado formal, o juiz possa convidar o exequente ao aperfeiçoamento do requerimento executivo até à fase da venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé.

***

IVDECISÃO:

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
4.1- em julgar improcedente o recurso subordinado interposto pelos embargantes, confirmando, em consequência, o saneador-sentença recorrido, na parte em que julgou improcedente a exceção de prescrição da obrigação cambiária;
4.2- em julgar procedente o recurso principal interposto pela embargada, revogando, em consequência, o saneador-sentença recorrido na parte em que, por a «a obrigação exequenda não se mostra[r] certa nem líquida, sendo, pois, inexigível aos executados/opoentes», julgou «procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado», determinando, assim, o prosseguimento da ação executiva, eventualmente, caso o senhor juiz a quo assim o entenda, com convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo na parte respeitante à liquidação das obrigações exequendas.
Custas pelos embargados quer ao recurso principal, quer quanto ao recurso subordinado - arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, do C.P.C.



Lisboa, 12 de outubro de 2021



José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara


[1]Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2]Enquanto que relativamente ao recurso principal emitiu pronuncia quanto aos pressupostos da sua admissibilidade, à respetiva espécie, regime de subida e efeito, quanto ao recurso subordinado limitou-se, singelamente, a admiti-lo, olvidando, quanto a este recurso, desde logo, o disposto no art. 641.º, n.º 5.
[3]Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte.
[4]Decorre claramente do art. 218.º do Cód. Civil, o silêncio só vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção, e não quando o juiz assim o decide. Conforme refere Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Coimbra Editora, 2002, p. 130, «fora das hipóteses previstas no citado artigo 218.º, o silêncio não tem qualquer valor jurídico, não valendo como aceitação. Nomeadamente, não são admissíveis, neste domínio as presunções do julgado (presumptiones hominis)». 
[5]Tomé Gomes, A Sentença, CEJ, Lisboa, 2014, pp. 8-9.
[6]Isto, para além de, como já referido, na parte decisória ou dispositiva do saneador-sentença, o senhor juiz a quo se limitar a afirmar que julga «procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado», quando a certeza, a clareza, a objetividade que deve caracterizar qualquer decisão judicial, lhe impusessem a afirmação da consequente extinção da execução.
[7]Cfr. Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 5.ª Edição, Livraria Petrony, 1990, p. 175.
[8]Idem, ibidem.
[9]Cfr. Pinto Furtado, Títulos de Crédito, Almedina, 2000, pp. 144-145.
[10]Cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II volume, Almedina, 1987, p. 445.
[11]Cfr. Manuel de Andrade, op. cit., p. 446 e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 7ª edição, 2014, p. 327.
[12]Ou livrança, nos termos do art. 77º, 1, da LULL.
[13]Cfr. nota anterior.
[14]Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II Volume, Coimbra Editora, 3ª Edição, 1986, p. 29-31.
[15]Corresponde, grosso modo, ao art. 151.º, n.º 1, do anterior CPEREF, e ao art. 1196.º, n.º 1, do anterior C.P.C., na sua redação original.
[16]A este propósito, cfr. Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 162-164, e Luís de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 8.ª Edição, 2018, pp. 181-182.
[17]Ob. cit., p. 162.
[18]Neste sentido, veja-se, por exemplo, os Acs. da R.P. 04.04.2002, Proc. n.º 0230058 (Alves Velho) - «Numa livrança em branco o prazo prescricional a que alude o artigo 70 da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, corre desde o dia do vencimento nela aposto pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento. Na falta de violação do contrato de preenchimento, a aposição da data que consta de livrança, subscrita em branco, tem de considerar-se, em princípio, legítima, não existindo abuso de direito» -, e da R.L. de 01.06.2000, Proc. n.º 0039268 (Moreira Camilo) - «Desde que não haja infracção do contrato de preenchimento, a prescrição na letra em branco, decorre desde o dia do vencimento aposto pelo cumpridor.» - ambos in www.dgsi.pt.
[19]Como é o caso, por exemplo:
a) da falta de alegação, pela exequente, do «incumprimento e/ou resolução dos contratos subjacentes às emissões e preenchimento dos títulos», quando é por demais evidente que tal incumprimento:
- foi alegado no requerimento executivo, quanto mais não fosse por via da invocação da insolvência da subscritora das livranças dadas à execução e que constituem os títulos executivos da ação executiva de que estes embargos de executado constituem apenso;
- foi até expressa e exaustivamente confirmado pelos embargantes na petição de embargos, no segmento em que pugnam pela prescrição das obrigações cambiárias (cfr. arts. 1.º a 31.º);
b) da incerteza e inexigibilidade das obrigações exequendas, questões que não se vislumbra terem sido suscitadas pelos embargantes em sede de petição de embargos, antes resultando, pelo contrário, igualmente de forma inequívoca, do segmento em que pugnam pela prescrição da obrigação cambiária (cfr. arts. 1.º a 31.º), a afirmação da certeza e exigibilidade das obrigações exequendas.
[20]A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, Gestlegal, 2017, p. 100.
[21]Cfr. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 41, e Marco Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, pp. 140-141.
[22]A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, pp. 231 e 233.
[23]Cfr. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, Código cit., p. 41.
[24]Ob. cit., p. 102.
[25]RP 26-2-2002/0220125 (Lemos Jorge).
[26]Ob. cit., p. 240.
[27]Não se percebe, salvo o devido respeito, o que pretende o senhor juiz a quo significar com a expressão «etc.».
[28]Ob. cit., p. 230.
[29]Cfr., por todos, Lebre de Freitas, Ob. cit., p. 124; Rui Pinto, Ob. cit., p. 253, e Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, Ob. cit. p. 41.
[30]Cfr. despacho proferido na ação executiva no dia 6 de fevereiro de 2020.
[31]Ob. cit., p. 72, nota 8.
[32]Isto, não obstante, insiste-se neste ponto, no despacho liminar se ter limitado a exarar «cite».