Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
184/19.4YUSTR-J.L1-PICRS
Relator: PAULA POTT
Descritores: CONEXÃO
APENSAÇÃO
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGAR PROVIMENTO
Sumário: Infracções ao direito da concorrência – Conexão de contraordenações ou conexão material e conexão de processos ou conexão formal – Interesse em agir.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Decisão objecto de recurso


1.–Por despacho de 13.10.2022, com a referência citius 375982, no processo nº 184/19.4YUSTR-D, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante também Tribunal a quo ou Tribunal recorrido), proferiu as seguintes decisões que indeferiram a apensação ao processo n.º 184/19.4YUSTR-D dos processos 91/22.3YUSTR, 44/22.1YUSTR, 49/22.2YUSTR, 161/22.8YUSTR:


Requerimento entrado em juízo em 05.10.2022 da SCC, compaginados com os requerimentos entrados em juízo em 13.09.2022 e 26.09.2022 (ref.ªs 64648 e 65058):

Os Recorrentes SCC e LD..., mediante os requerimentos entrados em juízo em 13.09.2022 e 26.09.2022 (ref.ªs 64648 e 65058) vieram requerer que sejam apensos aos presentes autos os processos que correm termos sob os n.ºs 91/22.3YUSTR, 44/22.1YUSTR, n.º 49/22.2YSTR e n.º 161/22.8YUSTR, neste tribunal, invocando para o efeito os fundamentos de facto e de direito constantes nos requerimentos mencionados, que aqui se consideram integralmente reproduzidos.
Foi proferido despacho de 28.09.2022, em sede do qual se escreveu o seguinte:
“Tendo em vista que, com todo o respeito, não se vislumbra em qual das alíneas do n.º 1 do artigo 24.º do CPP se subsume a alegada conexão de processos, sob o prisma da própria Requerente da conexão, notifique a Recorrente para, querendo, em 10 dias, motivar o requerido nos preditos termos.”
Mais foi determinado que, depois dessa resposta, fosse a AdC notificada e aberta vista para pronuncia se assim fosse entendido.
Porém, a notificação determinada no referido despacho, mereceu a resposta dos Recorrentes vertida no requerimento entrado em juízo em 05.10.2022, que aqui se dá por reproduzido.
Apesar de serem tecidas considerações sobre o processado ocorrido, nomeadamente, em sede dos autos apensos a estes (que corriam no J1), onde a Recorrente nem sequer era Visada (e por isso não se compreende como pretendia ser notificada, se a apensação foi determinada não nestes autos principais, mas nos apensos, nem como pretendia a notificação do Ministério Público, se foi Ministério Público que promoveu a apensação), os Recorrentes continuam a não justificar o seu interesse processual em agir nos moldes em que agiram, sendo certo que ambos não são Visados nos processos 91/22.3YUSTR, 44/22.1YUSTR, n.º 49/22.2YSTR e n.º 161/22.8YUSTR.
Consideramos que a ausência de justificação dos Recorrentes relativamente ao seu interesse processual para requererem o que requereram, importa a desnecessidade de realizar qualquer tipo de contraditório quanto aos requerimentos de apensação em causa.
Os factos com interesse para a decisão dos requerimentos entrados em juízo em 13.09.2022 e 26.09.2022 (ref.ªs 64648 e 65058) resultam do sumário supra realizado, que se dá por reproduzido, por economia processual.
Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 24.º do CPP o seguinte:
“Há conexão de processos quando:
a)-O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma acção ou omissão;
b)-O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros;
c)-O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação;
d)-Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uma causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou
e)-Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar.
f)-Esteja em causa responsabilidade cumulativa do agente do crime e da pessoa coletiva ou entidade equiparada a que o mesmo crime é imputado.”
Por sua vez, de acordo com artigo 25.º do mesmo diploma legal, “para além dos casos previstos no artigo anterior, há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19.º e seguintes.”
Ora, sob o prisma dos Recorrentes SCC e LD..., não se verifica que relativamente aos processos n.ºs 91/22.3YUSTR, 44/22.1YUSTR, n.º 49/22.2YSTR e n.º 161/22.8YUSTR exista alguma circunstância que lhes permita requerer a conexão daqueles processos ao presente, limitando-se a referir que o tipo de infracção que é discutida aqui (infracção às normas da concorrência, na modalidade hub and spoke) também é discutida ali.
Porém, a existência do mesmo tipo de infracção não lhes atribui interesse em agir, ou seja, não é porque lhes é imputada a infracção X neste processo que institui os Recorrentes de interesse em pedir a conexão de todos os processos em que neste tribunal se discute a mesma infracção X. Também não é porque estão a ser julgados em conjunto com os Visados Y e Z que também são Visados noutros processos que institui os Recorrentes de interesse em pedir a conexão de todos os processos que neste tribunal corram contra os Visados Y e Z, mas onde não são os Recorrentes Visados.
Na verdade, sob a perspectiva de quem requer a apensação (os Recorrentes CSS e LD...) não se vislumbra qual o interesse que tem na conexão de processos, se apenas são Visados nos presentes autos e não noutros, nem está em causa nenhuma situação em que tenha existido o cometimento de infracções de forma reciproca e na mesma ocasião.
Com efeito, percebia-se o interesse dos Recorrentes se também fossem Visados noutros processos, já que, desde logo, seriam beneficiados pela realização de cúmulo jurídico de eventuais coimas que viessem a ser aplicadas. Aliás, esse foi, como bem sabem os Recorrentes, um dos principais argumentos subjacentes à decisão respeitante à conexão destes autos com os autos que corriam termos sob o n.º 20/19YUSTR (no J1), na medida em que a AdC havia realizado cúmulo jurídico entre as coimas aplicadas em cada um dos processos.
Ora, o pressuposto processual de interesse em agir ou interesse processual, o qual não se confunde com a legitimidade, consubstancia-se na necessidade de se usar do processo, exprimindo a ideia de necessidade ou de situação objectiva de carência de tutela judiciária por parte do autor, face à pretensão que deduz, situação de carência essa que tem de ser real, justificada e razoável.
Consideramos, assim, que os Recorrentes não têm interesse no pedido que formulam a este tribunal.
Nestes termos e em face do exposto, julgo verificada a excepção de falta de interesse processual em agir por parte dos Recorrentes SCC e Luís Duarte, no que tange ao pedido formulado no sentido de serem a estes autos apensos os processos n.ºs 91/22.3YUSTR, 44/22.1YUSTR, n.º 49/22.2YSTR e n.º 161/22.8YUSTR.
Fica prejudica a apreciação do de mais requerido em sede do requerimento entrado em juízo em 05.10.2022.
Notifique

Do conhecimento oficioso da conexão de processos:

Constituindo os casos de conexão de processos, o fundamento para apreciação da competência por conexão, pode e deve ser apreciada, contudo, oficiosamente, logo que no processo (seja ele qual for) conste a comprovação de uma das situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal.
Ainda que não constem dos autos as decisões proferidas pela AdC no âmbito dos processos n.ºs 91/22.3YUSTR, 44/22.1YUSTR, n.º 49/22.2YSTR e n.º 161/22.8YUSTR, o certo é que nestes autos já se mostram designadas as datas para a realização da audiência de discussão e julgamento final, sendo que a primeira data é já a de dia 18 de Outubro de 2022, não fazendo sentido, com todo o respeito por melhor entendimento, dar sem efeito a calendarização realizada da audiência final, reforça-se (situação distinta da ocorrida anteriormente que tinha que ver com o incidente de fixação de efeito ao recurso e por isso estavam os autos numa situação embrionária), sempre que exista noticia de uma possível conexão subjectiva dos processos, sob pena de paralisação do processado.
Na verdade, como se mostra vertido quer na promoção do Ministério Público que promoveu a apensação dos autos com o n.º 20/19.1YUSTR-H, quer na decisão que lhe subjaze e que decidiu a apensação, essa apensação foi especialmente motivada pela questão das coimas únicas que foram apuradas no âmbito daqueles autos, incorporando as coimas que nestes haviam sido cominadas.
Nesta senda e minudenciando, consideramos que, em sede dos processos contra-ordenacionais, a interpretação que tem se ser realizada sobre a necessidade dos processos estarem na mesma fase processual (n.º 2 do artigo 24.º do CPP) deve ser mais restrita do que no processo penal.
Apesar do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO assumir que se aplica subsidiariamente aos processos contra-ordenacionais as normas do CPP, o certo é que também é expresso em determinar que essa remissão apenas poderá operar até onde as normas do CPP não contrariarem a natureza do processo contra-ordenacional.
Ora, por um lado, a razão de ser da conexão assenta essencialmente em princípios de economia processual.
Por seu turno, no processo contra-ordenacional vigoram princípios de celeridade, economia processual e descomplexificação.
Se em processo penal se poderá considerar que está na mesma fase processual um processo em que já foi designado julgamento e outro em que ainda está em fase de saneamento, como por exemplo foi entendido no âmbito do acórdão da Relação de Coimbra de 06.12.1995, in CJ XX, 5, pág. 73, esse entendimento não poderá ser revertido para o processo contra-ordenacional, tendo em vista que é uma interpretação que se mostra irremediavelmente avessa àqueles princípios que vigoram neste ramo do direito.
Por isso, consideramos que a interpretação que deve ser dada ao n.º 2 do artigo 24.º do CPP, quando aplicado por remissão do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO para que possa ser compatível com o ramo do direito contra-ordenacional e não contrarie o que resulta deste diploma, deve ser restritiva, no sentido de que os processos não têm que estar só na mesma fase, mas têm que estar em momentos compatíveis da mesma fase.
Assim, dentro da fase de julgamento pode estar-se no saneamento, no julgamento ou na sentença. Para que possa operar a conexão, os processos têm que estar na mesma fase e no mesmo momento para que os processos sejam juntos com efectiva utilidade processual e assim cumprindo com os princípios que subjazem ao direito contra-ordenacional.
Na verdade, para além da conexão apenas se justificar quando puder contribuir efectivamente para a eficácia e a economia processual, no âmbito do processo contra-ordenacional, esperar pela apensação de processos que, de acordo com o que vinha vertido no requerimento da SCC e de LD..., há pouco tempo foram distribuídos (com as implicações que tal importa, nomeadamente, necessidade de processar eventuais incidentes de fixação de efeito suspensivo aos recursos, cumprimento do n.º 2 do artigo 72.º do RGCO) afectar-se-ia desproporcionalmente a regular evolução e a dinâmica processual do presente processo, retardando o seu andamento, com perturbação dos tempos de julgamento e decisão, num processo contra-ordenacional em que vigoram, reforçamos, princípios de celeridade e descomplexificação.
Tal desvirtuaria a própria razão de ser do processo contra-ordenacional. Se nestes autos está designado julgamento e se a conexão implicaria dar sem efeito esse julgamento, então os objectivos de simplificação e economia jamais lograriam ser atingidos, já que a paralisação de um processo apto para julgamento configuraria um obstáculo intransponível quer àquela economia de meios quer à agilização processual.
Nestes termos, dever-se-á retornar ao regime normal da competência, não sendo de operar a conexão, o que se decide.
Notifique”

Alegações de recurso

2.–A recorrente SCC interpôs recurso dos dois segmentos do despacho, mencionados no parágrafo anterior, por meio de requerimento de 27.10.2022, junto com a referência citius 66298, cujo teor se dá aqui por reproduzido e que a seguir se sintetiza.

Invocou, em síntese, no que ao objecto do recurso diz respeito, que:
  • A conexão de processos foi requerida pela recorrente para assegurar a uniformidade de julgamento e a economia processual;
  • Os factos objecto dos processos em questão integram omesmo tipo de infração, foram praticados pelas mesmas pessoas, de modo idêntico, em período temporal semelhante e dizem respeito ao mesmo mercado;
  • A falta de interesse em agir da recorrente para requerer a apensação de processos foi erradamente considerada pelo Tribunal a quo como fundamento para negar a apensação, pois não é uma exigência legal;
  • Verificam-se os mesmos requisitos que levaram à apensação a estes autos do processo 20/19.1YUSTR-H;
  • O Tribunal recorrido incorreu em erro na interpretação do artigo 24.º n.º 2 do Código de Processo penal (CPP) uma vez que a interpretação que fez desse preceito não encontra o mínimo de correspondência na letra da lei como impõe o artigo 9.º do Código Civil (CC);
  • O Tribunal a quo errou ao indicar como fundamento para recusar a apensação a designação de audiência de julgamento nos presentes autos, uma vez que a mesma foi designada já depois de ter dado entrada o requerimento de apensação;
  • O despacho recorrido violou os artigos 24.º, 25.º e 29.º do CPP e os artigos 20.º e 32.º, n.ºs 1, 7 e 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP);
  • O despacho recorrido omite uma diligência essencial à descoberta da verdade ao rejeitar conhecer a globalidade dos factos e, por isso, é nulo por violar os artigos 120.º n.º 2 – d) do CPP, aplicável por força dos artigos 41.º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) e 83.º do Regime Jurídico da Concorrência (RJC);


Formulou o seguinte pedido:

“(...) seja declarado nulo ou, pelo menos, revogado o despacho recorrido e o mesmo substituído por decisão que defira a apensação requerida pela Recorrente, por se encontrarem reunidos os requisitos para a mesma e por ser necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (...)”

Resposta ao recurso

3.–O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal de primeira instância respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, conforme requerimento de 14.11.2022, junto com a referência citius 67895, cujo teor se dá aqui por reproduzido e que a seguir se sintetiza.

Alegou, em síntese, que:
  • O processo nº 184/19.4 YUSTR tem (à data da resposta) 42 volumes, sete visados, entre os quais a recorrente como pivot “hub” da prática anticoncorrencial;
  • Aquando da distribuição, o processo 20/19.1 YUSTR-H, que foi apensado a estes autos, tinha 31 volumes, 17 tomos e dois apensos; tem sete visados, entre os quais a Primedrinks como pivot “hub” da prática anticoncorrencial;
  • Nos presentes autos, a audiência de julgamento teve início no dia 18.10.2022, tendo sido agendada a audição de dezenas de testemunhas arroladas, até março de 2023;
  • Aquando da distribuição, o processo 91/22.3 YUSTR, tinha 27 volumes, 11 tomos e oito visados, entre os quais a Sogrape como “hub” da prática anticoncorrencial;
  • Aquando da distribuição, o processo 44/22.1 YUSTR, tinha 37 volumes e sete visados, entre os quais a Super Bock como “hub” da prática anticoncorrencial;
  • Aquando da distribuição, o processo 49/22.2 YUSTR, tinha 30 volumes, 14 tomos, um apenso e cinco visados, entre os quais a Bimbo Donuts Portugal como “hub” da prática anticoncorrencial;
  • Aquando da distribuição, o processo 161/22.8 YUSTR tinha 37 volumes e sete visados, entre os quais a Sumol + Compal como “hub” da prática anticoncorrencial;
  • As alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 24º do CPP prevêem casos de conexão subjetiva, associada à prática de diversos crimes pelo mesmo agente;
  • As alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 24.º do CPP prevêem casos de conexão objetiva, onde a lógica é invertida, partindo do/s crime/s para o/s agente/s;
  • Nos seis processos em questão a recorrente é visada apenas num deles, os presentes autos;
  • Consequentemente, não existe fundamento para a conexão subjetiva;
  • Sendo apenas imputada uma infração à recorrente também não existe fundamento para operar a junção de processos através da conexão objetiva;
  • Em primeiro lugar, porque não ocorre uma situação de comparticipação da recorrente com os outros hubs nos termos previstos no artigo 24.º n.º 1 – c) do CPP;
  • Em segundo lugar, porque tendo a recorrente cometido apenas uma infração, falta o primeiro requisito exigido pelo artigo 24.º n.º 1 - d) do CPP, a saber, o cometimento de diversos crimes, pelo que fica prejudicada a questão de saber se as diversas infrações foram praticadas na mesma ocasião ou lugar, se foram causa ou efeito umas das outras, ou se se destinaram a continuar ou a ocultar-se umas às outras;
  • Assim como não existe fundamento para o processamento conjunto, a que alude o artigo 25º do CPP;
  • A apensação de processos extensos e complexos – de nível de complexidade III que é o mais elevado – criaria um processo gigantesco e de difícil tramitação, o que, na prática comprometeria os objectivos da realização efectiva e em tempo útil da justiça.

Admissão do recurso no Tribunal da Relação

4.–O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer que acompanha a posição já defendida na primeira instância, pelo digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal a quo.

5.– Foi cumprido o disposto no artigo 417.º do CPP, tendo a visada defendido, em síntese,  que, se foi ordenada a apensação do processo 20/19.1YUSTR-H e se verificam os mesmos requisitos, também deve ser ordenada a apensação dos demais processos pelos motivos alegados na motivação do recurso, para tratar de modo igual o que é igual.

6.–Cumpre decidir.

Factos com relevo para a decisão do recurso

7.Os autos, termos e peças processuais mencionados nos parágrafos 1 a 3.

8.–A recorrente não é visada no processo 20/19.1YUSTR-H, no qual foi proferido o despacho de 24.2.2022, com a referência citius 341836, que, mediante prévia promoção do digno magistrado do Ministério Público, ordenou a apensação desse processo ao processo que veio a ter o n.º 184/19.4YUSTR-D, na fase judicial de ambos, tendo a AdC, na fase organicamente administrativa, efectuado o cumulo jurídico das coimas que aplicou nesses dois processos, às visadas Modelo Continente Hipermercados S.A, Pingo Doce Distribuição Alimentar, Auchan Retail Portugal S.A e ITMP Alimentar S.A. – cf. despacho com a referência citius 341836/processo 20/19.1YUSTR-H cujo teor se dá por reproduzido.

9.–No processo n.º 184/19.4YUSTR-D, no qual é visada a recorrente, foi aceite a apensação ordenada no despacho referido no parágrafo anterior – cf. despacho com a referência 344030 junto ao apenso D, cujo teor se dá por reproduzido.

10.–Na fase organicamente administrativa, a AdC não procedeu ao cúmulo jurídico das coimas aplicadas nos processos 91/22.3YUSTR, 44/22.1YUSTR, 49/22.2YUSTR, 161/22.8YUSTR – cf. informação prestada pela AdC no processo nº 184/19.4YUSTR-D, incluída na certidão junta ao presente recurso com a referência citius 385533 (referência electrónica que é a mesma para todos os documentos nela certificados).

11.–Por requerimento de 13.9.2022 a recorrente veio requerer a apensação do processo n.º 91/22.3YUSTR ao processo 184/19.4YUSTR-D – cf. requerimento com a referência citius 64648/ processo 184/19.4YUSTR-D, ao qual este Tribunal acedeu electrónicamente.

12.–Por requerimento de 26.9.2022 a recorrente veio requerer a apensação dos processos 44/22.1YUSTR, 49/22.2YUSTR, 161/22.8YUSTR ao processo 184/19.4YUSTR-D – cf. requerimento com a referência citius 65058/processo 184/19.4YUSTR-D ao qual este Tribunal acedeu electrónicamente.

13.–Por despacho de 28.9.2022, foram agendadas datas para audiência de julgamento no processo n.º 184/19.4YUSTR-D, para os meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2022 e Janeiro, Fevereiro e Março de 2023, tendo Tribunal repartido as pessoas a ouvir/prova a produzir, por cada uma dessas datas – cf. despacho com a referência citius 371308/processo n.º 184/19.4YUSTR-D.

14.–O processo n.º 91/22.3YUSTR foi distribuído com complexidade muito elevada em 18.8.2022, não sendo a recorrente visada nesses autos – cf. conhecimento oficioso por meio de acesso electrónico à informação constante do Citius sobre a distribuição do processo n.º 91/22.3YUSTR.

15.–O processo n.º 49/22.2YUSTR foi distribuído com complexidade muito elevada em 5.8.2022, não sendo a recorrente visada nesses autos – cf. conhecimento oficioso por meio de acesso electrónico à informação constante do Citius sobre a distribuição do processo n.º 49/22.2YUSTR.

16.–O processo n.º 44/22.1YUSTR foi distribuído com complexidade muito elevada em 2.8.2022, não sendo a recorrente visada nesses autos – cf. conhecimento oficioso por meio de acesso electrónico à informação constante do Citius sobre a distribuição do processo n.º 44/22.1YUSTR.

17.–O processo n.º 161/22.8YUSTR foi distribuído com complexidade muito elevada em 2.8.2022, não sendo a recorrente visada nesses autos – cf. conhecimento oficioso por meio de acesso por este Tribunal à informação constante do Citius sobre a distribuição do processo n.º 44/22.1YUSTR.

18.–O processo n.º 184/19.4YUSTR-D, no qual foi proferido o despacho recorrido, foi distribuído em 9.7.2021 e quando foi apresentado em juízo tinha 30 volumes, sendo o volume 22 composto por 4 tomos e o volume 27 composto por 2 tomos, tendo juntos a folhas 11940 dois discos externos e sendo acompanhado por várias caixas de duplicados – cf. referências citius 309050, 52105 e 310312 / processo n.º 184/19.4YUSTR-D, ao qual este Tribunal teve acesso electrónico.

Âmbito do recurso

19.–As questões suscitadas pelo recurso são as seguintes e serão aqui analisadas em conjunto:

Conexão de processos e interesse em agir da requerente/recorrente

Quadro legal relevante

20.–Têm particular relevo par a apreciação do recurso os seguintes textos legais:

Regime Jurídico da Concorrência ou RJC

Artigo 7.º
Prioridades no exercício da sua missão
1-No desempenho das suas atribuições legais, a AdC é orientada pelo critério do interesse público de promoção e defesa da concorrência, podendo, com base nesse critério, atribuir graus de prioridade diferentes no tratamento das questões que é chamada a analisar e rejeitar o tratamento de questões que considere não prioritárias.
2-A AdC exerce os seus poderes sancionatórios sempre que as razões de interesse público na perseguição e punição de violações de normas de defesa da concorrência determinem a abertura de processo de contraordenação no caso concreto, tendo em conta, em particular, as prioridades da política de concorrência e a gravidade da eventual infração à luz dos elementos de facto e de direito que lhe sejam apresentados.
3-Durante o último trimestre de cada ano, a AdC publicita na sua página eletrónica as prioridades da política de concorrência para o ano seguinte, sem qualquer referência setorial no que se refere ao exercício dos seus poderes sancionatórios.

Artigo 13.º
Normas aplicáveis
1-Os processos por infração ao disposto nos artigos 9.º, 11.º e 12.º regem-se pelo previsto na presente lei e, subsidiariamente, com as devidas adaptações, pelo regime geral do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.
2-O disposto no número anterior é igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, aos processos por infração aos artigos 101.º e 102.º do TFUE instaurados pela AdC, ou em que esta seja chamada a intervir ao abrigo das competências que lhe são conferidas pela alínea h) do artigo 5.º dos estatutos da AdC, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 125/2014, de 18 de agosto.
3-Todas as referências na presente lei a infrações ao disposto nos artigos 9.º e 11.º, devem ser entendidas como efetuadas também aos artigos 101.º e 102.º do TFUE, sempre que aplicáveis.
4-As referências na presente lei à empresa devem entender-se como efetuadas também a associações de empresas e, nos casos previstos no n.º 9 do artigo 73.º, a pessoas singulares, sempre que aplicável.

Artigo 83.º
Regime processual
Salvo disposição em sentido diverso da presente lei, aplicam-se à interposição, à tramitação e ao julgamento dos recursos previstos na presente secção os artigos seguintes e, subsidiariamente, o regime geral do ilícito de mera ordenação social.

Artigo 85.º
Recurso de decisões interlocutórias
1-O recurso de uma decisão interlocutória da AdC pode ser interposto no prazo de 20 dias úteis, não prorrogável.
2-Interposto recurso de uma decisão interlocutória da AdC, o requerimento é remetido pela AdC ao Ministério Público, no prazo de 20 dias úteis, não prorrogável, com indicação do número de processo na fase administrativa, podendo no mesmo prazo juntar alegações e quaisquer elementos ou informações que a AdC considere relevantes para a decisão do recurso.
3-Formam um único processo judicial os recursos de decisões interlocutórias da AdC proferidas no mesmo processo na fase administrativa.
4-O tribunal decide por despacho, salvo se concluir pela necessidade de audiência de julgamento.

Artigo 89.º
Recurso da decisão judicial
1-Das sentenças e despachos do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão cabe recurso para o tribunal da relação competente, nos termos do n.º 3, que decide em última instância.
2-Têm legitimidade para recorrer:
a)-O Ministério Público e, autonomamente, a AdC, de quaisquer sentenças e despachos que não sejam de mero expediente, incluindo os que versem sobre nulidades e outras questões prévias ou incidentais, ou sobre a aplicação de medidas cautelares;
b)-O visado.
3-Notificados da decisão prevista no artigo 88.º, o Ministério Público, a AdC e o visado podem interpor recurso no prazo de 30 dias, aplicando-se o mesmo prazo para a apresentação da resposta ao recurso.
4-Notificados das decisões previstas nos artigos 85.º e 86.º, o Ministério Público, a AdC e o visado podem interpor recurso no prazo de 20 dias, aplicando-se o mesmo prazo para a apresentação da resposta ao recurso.
5-Notificados das demais decisões, o Ministério Público, a AdC e o visado podem interpor recurso no prazo de 10 dias, aplicando-se o mesmo prazo para a apresentação da resposta ao recurso.
6-Aos recursos previstos no presente artigo é aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 84.º, no n.º 3 do artigo 85.º, no artigo 86.º e nos n.ºs 3, 4 e 9 do artigo 87.º, com as necessárias adaptações.

Regime Geral das Contraordenações ou RGCO

Artigo 36.º
(Competência por conexão)
1-Em caso de concurso de contra-ordenações será competente a autoridade a quem, segundo os preceitos anteriores, incumba processar qualquer das contra-ordenações.
2- O disposto no número anterior aplica-se também aos casos em que um mesmo facto torna várias pessoas passíveis de sofrerem uma coima.

Artigo 41.º
Direito subsidiário
1-Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.
2-No processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.

Código de Processo Penal

Artigo 24.º
Casos de conexão
1-Há conexão de processos quando:
a)-O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma acção ou omissão;
b)-O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros;
c)-O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação;
d)-Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou
e)-Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar.
f)-Esteja em causa responsabilidade cumulativa do agente do crime e da pessoa coletiva ou entidade equiparada a que o mesmo crime é imputado.
2-A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.
3-A conexão não opera quando seja previsível que origine o incumprimento dos prazos de duração máxima da instrução ou o retardamento excessivo desta fase processual ou da audiência de julgamento.

Artigo 25.º
Conexão de processos da competência de tribunais com sede na mesma comarca
Para além dos casos previstos no artigo anterior, há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19.º e seguintes.

Artigo 29.º
Unidade e apensação dos processos
1-Para todos os crimes determinantes de uma conexão, nos termos das disposições anteriores, organiza-se um só processo.
2-Se tiverem já sido instaurados processos distintos, logo que a conexão for reconhecida procede-se à apensação de todos àquele que respeitar ao crime determinante da competência por conexão.

Artigo 52.º
Legitimidade no caso de concurso de crimes
1-No caso de concurso de crimes, o Ministério Público promove imediatamente o processo por aqueles para que tiver legitimidade, se o procedimento criminal pelo crime mais grave não depender de queixa ou de acusação particular, ou se os crimes forem de igual gravidade.
2-Se o crime pelo qual o Ministério Público pode promover o processo for de menor gravidade, as pessoas a quem a lei confere o direito de queixa ou de acusação particular são notificadas para declararem, em cinco dias, se querem ou não usar desse direito. Se declararem:
a)-Que não pretendem apresentar queixa, ou nada declararem, o Ministério Público promove o processo pelos crimes que puder promover;
b)-Que pretendem apresentar queixa, considera-se esta apresentada.

Doutrina que o Tribunal leva em conta para a apreciação do recurso

21.- Na apreciação do presente recurso o Tribunal leva em conta a seguinte doutrina, que pontualmente será mencionada infra:
  • José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal, 2.ª Edição, Rei dos Livros, páginas 106 a 109 e 115 a 118 e 180 a 182;
  • Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense (vários autores), 2.ª Edição, Almedina, páginas 151 a 164, 280 a 283 e 946 a 947;
  • Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, páginas 330 a 331.

Apreciação do recurso

Conexão de processos e interesse em agir da requerente/recorrente

22.-No que diz respeito ao segmento da decisão recorrida que apreciou oficiosamente a conexão de processos, recusando-a, a recorrente defende, no essencial, que o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação do disposto no artigo 24.º do CPP, aqui aplicável subsidiariamente, defendendo que estão verificados os requisitos para a aplicação desse preceito legal e, consequentemente, do disposto no artigo 29.º do CPP.

23.-Para resolver esta questão importa, antes de mais, recordar que a conexão de infracções ou conexão material é diferente da conexão de processos ou conexão formal, sendo esta última que está prevista no artigo 24.º do CPP e que tem por efeito a apensação de processos, se já estiverem instaurados, como prevê o artigo 29.º n.º 2 do CPP.

24.-Na verdade, contrariamente aquilo que parece defender a recorrente, não obstante o n.º 1 do artigo 24.º do CPP enunciar os casos de conexão material como um dos pressupostos – de natureza material – da conexão de processos, o mesmo não basta para que se aplique esse preceito legal.

25.-Adicionalmente, para que exista conexão de processos e se possa aplicar o disposto no artigo 24.º do CPP, como pretende a recorrente, é necessário que se verifiquem os três requisitos formais seguintes:
  • Em primeiro lugar, têm de existir dois ou mais processos distintos, quer sob o ponto de vista formal, quer quanto ao seu objecto (devem ter por objecto crimes diferentes);
  • Em segundo lugar, a aplicação do regime legal típico sobre a competência tem de resultar numa pluralidade de Tribunais competentes;
  • Em terceiro lugar, deve verificar-se uma derrogação do regime típico das regras determinativas da competência.

26.–Ora dos três requisitos enunciados no parágrafo anterior, desde logo não se verificam os dois últimos. Na verdade, resulta dos factos acima provados que os processos cuja conexão foi requerida são todos da competência do mesmo Tribunal – o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – e a sua conexão não implica, por isso, uma derrogação ao regime típico das regras determinativas da competência constantes do artigo 84.º n.º 3 do RJC. Idêntico raciocínio vale para o artigo 25.º do CPP, que também não é aqui aplicável pelos mesmos motivos.

27.–Em consequência, contrariamente ao que pretende a recorrente, embora por razões que não são inteiramente coincidentes com as que constam da decisão recorrida, não há lugar à aplicação do disposto nos artigos 24.º, 25.º e 29.º do CPP, ex vi artigos 41.º do RGCO e 83.º do RJC, por falta dos dois últimos requisitos formais mencionados no parágrafo 25, sendo assim inútil apreciar se se verificam ou não os restantes pressupostos materiais da sua aplicação. Assim, não estando preenchidos todos os pressupostos formais exigidos pelo artigo 24.º do CPP para que possa ser aplicado o regime de conexão de processos, fica prejudicada a questão de saber se a decisão recorrida, ao apreciar os pressupostos materiais dessa aplicação, violou os critérios de interpretação previstos no artigo 9.º do CC, ou se violou os artigos 20.º, 32.º n.ºs 1, 7 e 10 da CRP, ou se incorreu no vício previsto no artigo 120.º n.º 2 -d) do CP aplicável ex vi artigos 83.º do RJC e 41.º do RGCO.

28.–Diversamente, o que pode suceder é que, se existirem vários processos por uma só infracção ou vários processos por infracções diferentes, esses processos podem vir a ser apensados. Porém, nesse caso, não se trata de competência por conexão mas de mera unificação ou apensação de processos. Esta unificação de processos é uma solução que não resulta dos artigos 24.º, 25.º e 29.º do CPP, mas resulta antes, directamente, do artigo 52.º do CPP que, no caso de concurso de crimes, atribui legitimidade ao Ministério Público para promover um único processo (José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal, 2.ª Edição, Rei dos Livros, página 115).

29.–Assim, a questão colocada no presente recursonele incluídos ambos os segmentos da decisão recorrida, tanto o que julga que a recorrente não tem interesse em agir como o que recusa oficiosamente a conexão de processos – terá de ser solucionada à luz do regime da unificação ou apensação de processos e não da competência por conexão defendida pela recorrente.

30.–Ora a este propósito, importa começar por sublinhar que, embora não tenha sido especificado pela recorrente, nem conste da decisão recorrida de forma inequívoca, qual é o objecto de cada um dos processos em crise, é forçoso concluir que a recorrente não pode vir a ser punida pelo concurso das infracções que lhe são imputadas no processo 184/19.4YUSTR-D com as infracções objecto dos processos cuja apensação requereu, pelo simples facto de que a recorrente não é visada nestes últimos, como se apurou. O que basta para afastar a aplicação, no que à recorrente diz respeito, do disposto no artigo 52.º do CPP.

31.–A este propósito a recorrente invoca fundamentos para a apensação de processos que se prendem com o concurso de infracções praticadas pelas outras co visadas. Porém, à luz do disposto no artigo 52.º do CPP, a recorrente não tem legitimidade para invocar, como fundamento da unificação de processos, circunstâncias que, ou dizem respeito a outras visadas e apenas a estas podem beneficiar, ou se prendem com as atribuições legais da AdC e do Ministério Público, na prossecução do processo contraordenacional.  Com efeito, de acordo com o princípio da oficialidade (cf. artigos 48.º do CPP e 7.º do RJC) e com as limitações legalmente previstas a esse princípio (cf. artigo 52.º do CPP), a recorrente não tem legitimidade para promover o processo contraordenacional, para o dirigir ou para apreciar o seguimento a dar aos processos instaurados pela Adc ou remetidos por esta ao Ministério Público, incluindo a sua unificação. Et pour cause, a recorrente não tem qualquer interesse em agir no que diz respeito ao pedido de apensação de processos aqui em crise, como decidiu o Tribunal a quo.

32.–Acresce que, a recorrente carece também de interesse em agir para interpor o presente recurso. Na verdade, à luz do disposto no artigo 401.º nº 2 do CPP, não pode recorrer quem não tiver interesse em agir. O interesse em agir traduz-se aqui no interesse na revogação da decisão impugnada e não pode ser abstracto, não pode assentar na mera pretensão, da recorrente, em obter a correcção da decisão judicial, mas tem de ser um interesse concreto. A esta luz, só existiria interesse em agir da recorrente se, independentemente da posição que defendeu no processo, a decisão recorrida lhe fosse objectivamente desfavorável, o que não sucede, uma vez que as razões que a recorrente  invoca para a apensação de processos não lhe dizem respeito, nem é a recorrente que pode beneficiar da apreciação conjunta dos factos relativos ao concurso de infracções  nem existe risco de contradição de julgamentos sobre a mesma infracção cometida pela recorrente (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, páginas 330 a 331).

33.–Ainda que assim não fosse, quod non, convém levar em conta que, tanto na fase organicamente administrativa (cf. artigo 13.º do RJC), como na fase judicial (cf. artigo 83.º do RJC), o RJC remete para RGCO e este último, por sua vez remete para a aplicação do CPP (cf. artigo 41.º do RGCO). A aplicação do regime subsidiário resultante destas disposições legais visa colmatar espaços de regulamentação deixados vazios pela regulamentação primária, prevista no RJC. O que, no caso em análise, cria dificuldades que cabe ao Tribunal resolver em sede de interpretação – cf. Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense (vários autores), 2.ª Edição, Almedina, páginas 280 a 283.

34.–A primeira dificuldade prende-se com saber se a omissão de regulamentação no RJC, sobre a unificação de processos, deve dar lugar à aplicação do direito subsidiário, neste caso do artigo 52.º do CPP, ou, se a ausência de regra expressa no RJC, tem o sentido de regular a situação. Com efeito, os únicos casos de unificação de processos na fase judicial são os previstos nos artigos 85.º n.º 3 e 89.º n.º 3 do RJC, que dizem respeito a recursos interpostos no âmbito de um mesmo processo, neles não se enquadrando a apensação de processos diferentes, aqui em causa. Por seu lado, o RGCO regula a conexão de processos para os quais sejam competentes várias autoridades administrativas (cf. artigo 36.º do RGC), regime que aqui não se aplica, desde logo por não haver derrogação às regras típicas de competência, como já foi explicado supra; porém, o RGCO não regula a unificação de processos aqui em causa

35.–A segunda dificuldade que o Tribunal tem de resolver é a de saber se, no caso de ser necessário recorrer à analogia, sendo possível uma analogia dentro do RJC, nomeadamente por aplicação do disposto no artigo 7.º n.º 2 do RJC, que consagra o princípio da oportunidade do exercício do poder sancionatório pela AdC, o direito subsidiário previsto no artigo 52.º do CPP se sobrepõe ao critério da oportunidade ou se, pelo contrário, apenas é aplicável se aquela analogia interna não existir.

36.–Por último, se for de ponderar a aplicação do direito subsidiário constante do artigo 52.º do CPP, importa levar em conta que se trata de uma norma que foi pensada para outro sector e que, por isso, só se aplica se houver analogia substancial, ou seja, só se aplica com as necessárias adaptações, como prevê o artigo 41.º do RGCO. Se, por falta de analogia substancial de regimes a aplicação do regime subsidiário previsto no CPP desvirtuar a regulamentação contida no direito primário (RJC), não deve aplicar-se o regime subsidiário.

37.–Feito este enquadramento, afigura-se que a regulamentação da unificação de processos na fase judicial, contida no RJC, deve ser interpretada com o sentido de que, quando são interpostos recursos judiciais, a unificação dos recursos num só processo se limita aos casos previstos nos artigos 85.º n.º 3 e 89.º n.º 3 do RJC, nos quais não se enquadra a situação em análise.

38.–Na fase judicial, a unificação de processos prevista no artigo 52.º do CPP, ainda que a visada tivesse legitimidade e interesse em agir para invocá-la, o que não acontece, só poderia aplicar-se com as necessárias adaptações, para não desvirtuar o princípio da oportunidade do exercício do poder sancionatório, consagrado no artigo 7.º n.º 2 do RJC.

39.–Com efeito, a razão de ser do artigo 7.º n.º 2 do RJC é permitir à AdC prosseguir objectivos de eficiência e celeridade na aplicação da lei, quando exerce o poder sancionatório. Estando a AdC vinculada à prossecução do interesse público da defesa da concorrência, como estabelece o artigo 7.º n.º 1 do RJC, quando instaura processos sancionatórios, a opção por não os unificar só deve ser censurada caso se mostre contrária à prossecução do interesse público na defesa da concorrência ou ao princípio da proporcionalidade dos interesses em jogo, que é um princípio geral do direito da União Europeia, cuja violação aqui não foi invocada nem está em causa. Ora este critério deve aplicar-se, por analogia interna, na fase judicial.

40.–Assim, à luz dos objectivos e critério mencionados no parágrafo anterior, a unificação entre, por um lado, o processo 184/19.4YUSTR-D, em que é visada a recorrente e outras co visadas, que é um processo volumoso e ao qual já foi apensado o processo 20/19.1YUSTR-H, e, por outro lado, os processos 91/22.3YUSTR, 44/22.1YUSTR, 49/22.2YUSTR, 161/22.8YUSTR, todos eles de complexidade muito elevada, com pluralidade de visadas, entrados em juízo cerca de um ano após a entrada do primeiro, nos  quais a recorrente não é visada, representaria um grave risco para a pretensão punitiva do Estado e retardaria excessivamente o julgamento. Isto, tal como defende o digno Magistrado do Ministério Público, pela complexidade acrescida que resultaria da unificação de processos por si só muito complexos, com pluralidade de visados e meios de prova tão numerosos quanto o número de visados e o nível elevado de complexidade. Estes factores não só seriam impeditivos da conexão à luz do disposto no artigo 24.º n.º 3 do CPP, se tal disposição legal fosse de aplicar, que não é, como determinariam a separação de processos, por força do disposto no artigo 30.º n.º 1 -b) e c) do CPP, nos casos em que tivesse havido conexão dos mesmos à luz dos artigos 24.º ou 25.º do CPP. Por tais motivos, é irrelevante que a audiência tenha sido programada depois da recorrente ter requerido a apensação de processos, uma vez que o Tribunal andou bem em não esperar pelo decurso dos prazos de contraditório e decisão sobre esses dois requerimentos, para marcar a audiência, uma vez que isso retardaria inutilmente o andamento do processo que já estava preparado para a marcação do julgamento e que, as desvantagens apontadas neste parágrafo, se manteriam inalteradas como fundamento legal de recusa da apensação.

41.–Adicionalmente, ainda que fosse de aplicar o disposto no artigo 24.º do CPP, quod non, a apensação de processos não traria nenhuma vantagem para a recorrente. Com efeito, como já foi explicado, não existe risco de contradição de julgados nem vantagem no aproveitamento da prova, pois não foi alegado nem se apurou que a recorrente esteja a ser julgada nos autos cuja apensação requer por infracções que lhe sejam imputadas em concurso.

42.–Enfim, a recorrente alega ter sido violado o princípio da igualdade, com base na diferença de critério adoptado pelo Tribunal no despacho que ordenou a unificação do processo 20/19.1YUSTR-H com o processo 184/19.4YUSTR-D. A este propósito, convém sublinhar que a decisão que ordenou a unificação do processo 20/19.1YUSTR-H com o processo 184/19.4YUSTR-D, teve por objectivo, como resulta dos fundamentos nela indicados, garantir a proporcionalidade na aplicação das sanções entre as co visadas e a apreciação conjunta dos factos relativamente ao concurso em que incorreram co visadas diferentes da recorrente, sem entorpecer de modo intolerável a efectividade da administração da justiça.  Acresce que, tal decisão não é objecto de apreciação no presente recurso, nem constitui causa prejudicial da decisão recorrida.

43.–Motivos pelos quais improcede totalmente o recurso.


Decisão

Acordam as juízes que compõem a presente secção em:

I.–Negar provimento ao recurso

II.–Condenar a recorrente nas custas fixando em 3 Ucs a taxa de justiça –  artigo 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e artigo 513.º n.º 1 do CPP, aplicável por força dos artigos 83.º do RJC e 74.º n.º 4 do RGCO.



Lisboa, 27 de janeiro de 2023


Paula Pott - (relatora)
Eleonora Viegas - (1.ª adjunta)  
Ana Mónica Pavão - (2.ª adjunta)