Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
712/07-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: ARRESTO
CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I – O risco de perda da garantia patrimonial, requisito do decretamento do arresto, abrange qualquer causa idónea a provocar num homem normal o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito.
II – Tal receio é justificado numa situação em que, cumulativamente:
- o valor corpóreo do património da sociedade requerida não excede metade do valor do crédito do requerente e o restante são quantias em caixa e depósitos bancários, facilmente dissipáveis;
- a capacidade da requerida gerar receitas está diminuída, em virtude de o requerente, sócio cuja actividade era muito importante na empresa, dela foi afastado;
- contra a requerida pende uma execução fiscal, que não se mostra alvo de qualquer oposição, denotando da parte da requerida impossibilidade ou falta de intenção de cumprir obrigações;
- o grande activo da requerida traduz-se nas verbas a receber das suas duas principais clientes, verbas essas facilmente sonegáveis do alcance dos credores;
- o sócio maioritário da requerida destituiu o requerente do cargo de gerente, sem invocação de justa causa, afastando-o da empresa e diligenciando pela venda compulsória da quota do requerente na sociedade, sem qualquer proposta de compensação do requerente pela situação criada.
III – Não há que condicionar a concessão da providência à caução prevista no artigo 390º nº 2 do Código de Processo Civil, quando se entender que a existência do direito a acautelar é mais do que provável, que a urgência da providência não se compadece com a subordinação à prévia prestação da caução e se considera como pouco provável que a providência virá a ser julgada injustificada ou caducará por motivo imputável ao requerente.
(JL)
Decisão Texto Integral: 20

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 17.8.2006 Miguel instaurou, por apenso à acção declarativa de condenação que intentou contra L-P E e que corre os seus termos sob o nº 3935/06.3TVLSB na 2ª Vara Cível de Lisboa, procedimento cautelar de arresto contra a referida Ré.
Alegou, em síntese, que foi destituído sem justa causa da gerência da Ré, da qual era um dos dois sócios, pelo que tem direito a receber uma indemnização, que reclama na acção declarativa pelo valor de € 145 261,76, acrescida de € 20 000,00 a título de compensação por danos morais. A Requerida tem um longo historial de dívidas por regularizar, o sócio maioritário sempre confundiu o património da sociedade Requerida com o seu património pessoal e da sua família, o património da Requerida é praticamente inexistente, a Requerida tem dívida bancária de largas dezenas de milhares de euros e tem uma situação fiscal irregular. A Requerida tem importâncias a receber do seu principal cliente, bem como de uma outra empresa, montantes esses cujo destino mais certo será a conta pessoal do sócio maioritário da Requerida.
O Requerente terminou pedindo que seja decretado o arresto dos créditos da Requerida, até ao montante de € 140 000,00, para segurança do montante devido pela Requerida ao ora Requerente, sobre E S e sobre a E A ou, na falta ou insuficiência destes, sobre os montantes depositados em quaisquer contas bancárias da ora Requerida junto de bancos a operar em Portugal.
Realizada audiência final, sem prévia audição da Requerida, em 12.9.2006 foi proferida decisão que julgou procedente o procedimento cautelar e ordenou o arresto nos termos peticionados.
A Requerida agravou dessa decisão, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1. Em face da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento deviam ter sido considerados não provados os factos constantes dos seguintes artigos: 8° na parte em que vai alegado «com o êxito que se ficou a dever sobretudo ao trabalho dedicado e competente do ora Autor»; 9°; 10°; 12° na parte em que vai alegado «Assim, e depois de ter criado sucessivos incidentes com o ora Autor»; 19° na parte em que vai alegado «Este sócio maioritário pretendeu dar o seu golpe final na espoliação do ora Autor, tendo para o efeito»; 21°; 26°, 27°, 28°, 30°, 31°, 32°, 33°, 35°, 38°, 40°, 42°, 43°, 45°, 50°, 52°, 53°.
2. Deve por isso ser revogada a decisão sobre a matéria de facto de fls. 52 e 53, nos termos descritos na conclusão anterior.
3. O Tribunal a quo interpretou e aplicou indevidamente o disposto nos artigos 619° n° 1 do C.C. e 406° n° 1 do C.P.C., porquanto em face da matéria provada não é provável a existência do crédito do Requerente, nem tão pouco é justificado o receio da perda da garantia patrimonial.
4. Em sede de aferição do fumus boni juris errou igualmente o Tribunal a quo na interpretação e aplicação do disposto no artigo 257° do C.S.C.. Olvidou ainda a aplicação do artigo 255° n° 1 e 63° do C.S.C., que remete alternativamente para o pacto social e para assembleia de sócios a determinação da remuneração dos gerentes.
5. Em face do alegado, dos factos provados não resulta uma probabilidade séria da existência do direito à indemnização invocada. O Requerente não faz prova suficiente da existência de remuneração na sua qualidade de gerente, já que tal obrigação da Requerente apenas poderia ser provada por acta da assembleia-geral de sócios, nos termos do artigo 255° n° 1 e 63º do C.S.C. e da cláusula 4a do pacto social da Requerida. O Requerente também não alega nem faz prova dos prejuízos concretos e quantificados sofridos com a destituição, sendo certo que o que vai disposto no artigo 257° n° 7 constitui um limite e não o montante da indemnização a pagar ao gerente destituído sem justa causa.
6. Igualmente, em face do alegado, dos factos provados não resulta um juízo de certeza sobre o risco da perda da garantia patrimonial. Os factos constantes da matéria de facto provada são ora irrelevantes (reportando-se a considerações subjectivas do requerente) ora de natureza tão genérica (reportando-se a deduções aplicáveis a um universo vastíssimo de situações), que não se logra discernir qualquer facto ou circunstância concretos que permitam concluir que a requerida irá deixar de pagar a indemnização a que seja eventualmente condenada ou que irá dissipar o seu património de forma a tornar impossível a sua cobrança coerciva.
7. O Tribunal errou igualmente ao não ter interpretado devidamente o artigo 406° n° 1 do C.P.C. e artigo 619° n° 1 do C.C. ao não ter considerado que a lesão que se deveria prevenir com a providência fosse grave e de difícil reparação.
8. Para além de ter errado na interpretação e aplicação do que vai disposto nos artigos 619° n° 1 do C.C. e 406° n° 1 do C.P.C, o Tribunal a quo não aplicou de todo, conforme devia, o disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 387° do C.P.C.
9. O n° 1 do artigo 387° contribui para a interpretação correcta e devida do artigo 406°, exigindo quanto à existência do Direito uma «probabilidade séria» e quanto à lesão um receio «suficientemente fundado». Decorre desta redacção e segundo a interpretação da doutrina e jurisprudência que se quanto à existência do Direito a decisão se baseia sobre um juízo de probabilidade (séria), já quanto à lesão é necessário um juízo de certeza sobre o risco da sua ocorrência. Tais exigências quanto ao processo decisório são particularmente relevantes porquanto restringem as situações em que se admite o deferimento da providência. Tal diferença de grau quanto à aplicação dos requisitos, ignorada pelo Tribunal a quo, inquina toda a decisão de Direito, impondo a sua revogação.
10. O n° 2 do artigo 387° constitui um requisito negativo da providência cautela.r, sendo obrigatório que o Tribunal o aplique (seja no sentido positivo, seja no sentido negativo), pelo que a omissão deverá ter como consequência a revogação da decisão de deferimento da providência. Nesta sede os princípios da adequação e da proporcionalidade são fundamentais, porquanto uma decisão injusta e apressada tem consequência gravosas e de difícil reparação.
11. Errou por fim o Tribunal a quo ao não ter aplicado o n° 2 do artigo 390° do C.P.C., quando as circunstâncias do processo exigiram que o Requerente prestasse caução, garantindo dessa forma a indemnização decorrente do seu uso indevido do procedimento cautelar.
A agravante termina pedindo que a decisão recorrida seja revogada.
O agravado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O tribunal a quo sustentou a decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões suscitadas no recurso são as seguintes: parcial impugnação da decisão quanto à matéria de facto; improbabilidade da existência do crédito invocado pelo Requerente; inexistência de certeza sobre o risco da perda da garantia patrimonial; inexistência de ponderação sobre o facto de o prejuízo resultante da providência exceder consideravelmente o dano que o Requerente pretende evitar; exigibilidade de caução ao Requerente.
Primeira questão (impugnação da matéria de facto)
O tribunal a quo indicou os factos provados procedendo a remissão para os artigos do requerimento inicial, pelo que a matéria de facto dada como provada ficou assim alinhada:
1. Na acção principal, pede o Autor que a Ré seja condenada a pagar-lhe €165.261,76, em virtude de o Autor ter sido destituído sem justa causa da gerência da Ré (artigo 1º do requerimento inicial).
2. Quantia esta que corresponde à soma das seguintes parcelas:
a) € 145.261,76, relativa à indemnização devida por destituição sem justa causa, nos termos do artigo 257°/7 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e
b) €20.000,00, a título de compensação por danos morais (2º do r.i.).
3. Em 2002, o Autor, mais lvo e M P C, constituíram a sociedade ora Ré, na qual detinham as seguintes quotas:
a) lvo: 1 quota de €3.500,00 (70% do capital social);
b) Ml (ora Autor): 1 quota de €750,00 (15% do capital social);
c) M: 1 quota de €750,00 (15% do capital social) (Vd. doc. nº 1 junto à p.i.)(5º do r.i.).
4. Ficaram gerentes todos os sócios (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (6º do r.i.).
5. Em 2005, foi excluído o sócio M, pelo não pagamento de prestação suplementar de capital, tendo portanto a Sociedade Ré ficado reduzida a 2 Sócios (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (7º do r.i.).
6. A Sociedade Ré foi desenvolvendo o seu objecto social, na área da engenharia e investigação aeroespacial, com um êxito que se ficou a dever sobretudo ao trabalho dedicado e competente do ora Autor (8º do r.i.).
7. De facto, foi o ora Autor que desenvolveu projectos de hardware para satélites junto da entidade que se tornou a principal Cliente da Ré — a ES. Entre estes projectos, avulta um chamado "S Q L C M" (o desenvolvimento de um aparelho chamado magnetómetro — uma espécie de bússola espacial), orçamentado em €953 000,00, ficando toda a parte técnica deste projecto a cargo do ora Autor (Vd. doc. n02 junto à p.i.)(9º do r.i.).
8. Enquanto o autor dedicava todo o seu tempo e capacidade profissional ao serviço da sociedade Ré, o sócio maioritário desta (Ivo) preparava um doutoramento no Instituto Superior Técnico, recebendo para o efeito uma bolsa da Fundação , que aliás o obrigava a dedicar-se exclusivamente a tal tarefa... (10º do r.i.).
9. Assim, e depois de ter criado sucessivos incidentes com o ora Autor, o dito sócio maioritário e gerente lvo promoveu uma assembleia geral da Sociedade ora Ré, ocorrida em 06/01/2006, para nomear gerente da Ré, a sua mulher, Cátia (Vde doc. n° 3 junto à p.i.) (12º do r.i.).
10. Nomeação essa que foi objecto do competente registo comercial (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (13º do r.i.).
11. A Ré apenas se pode vincular com duas assinaturas. (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (14º do r.i.).
12. Poucos dias depois, o sócio maioritário lvo convoca uma nova assembleia geral, que ocorreu no dia 27/01/2006, para destituir da gerência o ora Requerente. (15º do r.i.).
13. A reunião desta Assembleia foi documentada na acta que ora se junta (Vd. doc. nº 4 junto à p.i.) (16º do r.i.).
14. A deliberação de destituição, como gerente da Ré, do ora Autor, foi aprovada com os votos favoráveis do sócio maioritário Ivo, titular de 70% do capital da Ré, e o voto contra do ora Autor, titular de 15% do capital social da Ré (Vd. doc. nº 4 junto à p.i.) (17º do r.i.).
15. Tendo esta destituição sido objecto do competente registo comercial (Vd. doc. nº 1 junto à p.i.) (18º do r.i.).
16. Este sócio maioritário Ivo pretendeu dar o seu golpe final na espoliação do ora Autor, tendo para o efeito convocado uma assembleia geral, que teve por ponto único da ordem de trabalhos a "alienação compulsiva" da quota do ora Autor na sociedade Ré, a favor da Sra Cátia — ou seja, da mulher da sócio maioritário... (Vd. doc. nº 5 junto à p.i.)(19º do r.i.).
17. Por ora, importa realçar que o ora Requerente foi destituído da gerência da Ré sem justa causa (21º do r.i.).
18. De facto, é isso mesmo que vem atestado na acta de destituição (Doc. nº 3 junto à p.i.), onde se diz o seguinte:
Entrando-se de imediato na apreciação do ponto único da ordem de trabalhos, o sócio lvo propôs a destituição do gerente Miguel sem invocação de justa causa [sublinhado nosso] (22º do r.i.).
19. Sendo certo que, in casu, não existe indemnização contratual estipulada, nem tinha duração determinada o mandato de gerente do ora Autor (25º do r.i.).
20. Sendo também certo que o ora Requerente auferia, enquanto gerente da Ré, o vencimento mensal de €2.500,00, acrescido de subsídio de alimentação de €109,62, o que importava a remuneração mensal de €2.609,62 e anual de €36.315,44 (€2.500,00 x 14, mais €109,62 x 12) (Vd. doc. nº 6 junto à p.i.)(26º do r.i.).
21. Sendo também certo que, desde Janeiro de 2006, inclusive, e na sequência da sua destituição de gerente da Ré sem justa causa, o ora Requerente deixou de receber o seu vencimento (27º do r.i.).
22. Tendo adquirido entretanto uma quota numa pequena empresa, na qual tem procurado, sem êxito (pois dela não tem auferido quaisquer rendimentos), obter meios para o seu sustento e da sua família (28º do r.i.).
23. Por outro lado, o ora Requerente receia fundadamente que a ora Requerida não lhe venha a pagar a indemnização que lhe é devida quando a tanto for condenada judicialmente (30º do r.i.).
24. De facto, é de crer que não o faça, nem voluntariamente nem em sede executiva (31º do r.i.).
25. A ora Requerida tem um longo historial de dívidas por regularizar, nomeadamente salários em atraso e dívidas ao Fisco e à Segurança Social (32º do r.i.).
26. Sendo agora a sociedade Requerida, de facto, uma sociedade em que o sócio maioritário (em conjunto com a assinatura da outra gerente que nomeou — a sua mulher...) faz o que lhe apetece com total arbitrariedade (35º do r.i.).
27. E no entanto, a ora Requerida já apresentou a sua declaração de IRC relativa ao exercício de 2005 (Vd, doc. n° 2) (37º do r.i.).
28. O que leva a supor que terá havido uma assembleia geral, sem convocatória do ora Requerente (pois o sócio ora Requerente não foi convocado...), de aprovação das mesmas (38º do r.i.).
29. Na sua declaração de IRC relativa a 2005 a ora Requerida apresenta um resultado líquido de €4.319,92 (Vd, doc. nº 2) (39º do r.i.).
30. Por outro lado, o património da ora Requerida é praticamente inexistente, sendo composto por algum mobiliário de escritório usado, alguns computadores com mais de 3 anos (e portanto sem valor de mercado), que se encontram na garagem do pai do sócio maioritário, onde a ora Requerida tem a sua sede (40º do r.i.).
31. A ora Requerida tem também uma situação fiscal irregular, tendo o ora Requerente conhecimento da existência de pelo menos um processo de execução fiscal (Vd. doc. n° 3) (42º do r.i.).
32. No entanto, a sociedade Requerida presta serviços de engenharia espacial, bastante sofisticados e pelos quais são cobrados honorários significativos (43º do r.i.).
33. Sendo seu principal cliente a ES, com a qual celebrou um contrato ao abrigo do qual ainda terá importâncias a receber (vd. doc. n° 2, junto à p.i) (44º do r.i.).
34. Contrato esse que foi aliás executado com o trabalho, dedicação e competência profissional do ora Requerente (45º do r.i.).
35. Sendo certo que existem outros projectos contratados com a ES (iniciados antes do ora Requerente ter sido destituído da gerência e proibido de entrar na ora Requerida), dos quais a ora Requerente irá receber pagamentos (46º do r.i.).
36. Outro cliente da Requerida é a E A, com a qual a Requerida celebrou um contrato para venda de um "Magnetómetro", sendo a execução deste aparelho, aliás, objecto do referido contrato com a ES (47º do r.i.).
37. Deste cliente também a Requerida terá ainda algum dinheiro a receber (48º do r.i.).
38. De resto, ao sócio maioritário da Requerida (que, com a sua mulher, são os únicos gerentes) será fácil desviar dinheiro para si próprio ou simplesmente encerrar esta empresa e abrir outra, assim frustrando em absoluto os créditos do ora Requerente (50º do r.i.).
39. Sendo certo que o ora Requerente se encontra numa situação económica bastante difícil (52º do r.i.).
40. De facto:
- não recebe qualquer remuneração desde que foi afastado abusivamente da gerência da ora Requerida em Janeiro p.p., onde auferira a remuneração mensal de €2.500,00;
- tem família para sustentar - esposa, de nacionalidade estrangeira e sem emprego, e um filho menor de 10 meses;
- dedica-se por ora a tentar desenvolver o negócio de uma pequena empresa onde tem uma quota – mas da qual não aufere qualquer rendimento (53º do r.i.).
O Direito
A modificabilidade da decisão de facto pela Relação está regulada no artº 712º do Código de Processo Civil. Nos termos desse artigo, a Relação pode alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Ouvidos os depoimentos prestados, conclui-se que: a 1ª testemunha ouvida, o Professor A L, acompanhou a vida da empresa requerida entre 2002 a finais de 2005, período em que trabalhou para a mesma. Quanto ao empenho do Requerente e do sócio Ivo na actividade da empresa, depôs no sentido de que o Requerente se entregava a tempo inteiro à empresa, estava sempre presente, sendo o Product Manager do projecto do magnetómetro, o respectivo coordenador. Quanto ao sócio Ivo, houve um período em que esteve mais afastado, para elaborar uma tese de doutoramento, mas esse período terá ocorrido numa fase inicial da actividade da empresa. No que concerne à situação económica da Requerida, para além de confirmar a existência das duas principais clientes, mostrou ter conhecimento de que as instalações da Requerida se localizavam num andar de um prédio, um espaço pequeno com quatro salas. Refere que a Requerida tinha material de escritório, composto por mesas, cadeiras, computadores, impressoras e algum equipamento para a realização de testes eléctricos, nada de particularmente valioso, admitindo que o respectivo valor não excedesse os € 5 000,00. Não manifestou conhecer a situação da empresa no que concerne ao seu passivo, tendo apenas referido vagamente que a dada altura houve que regularizar a situação face à segurança social e tendo ainda dito, sem grandes pormenores, que a empresa ainda lhe devia algum dinheiro pelo trabalho por si prestado aquando da sua saída, na “passagem de pasta”.
A segunda e última testemunha ouvida, P S, nunca trabalhou directamente para a Requerida, embora, sendo amigo do Requerente e colega de curso do sócio maioritário Ivo, a quem conhece pessoalmente, e tendo chegado a auxiliar o Requerente numa actividade de desenvolvimento de procedimentos internos de qualidade, denotou algum conhecimento directo da actividade da empresa no que concerne ao total empenho do Requerente na actividade da Requerida, à qual se dedicava inteiramente, embora o sócio Ivo também acompanhasse a actividade, tinha reuniões com o Requerente, decidiam as coisas em conjunto. Mostrou conhecer a situação familiar do Requerente e ainda que este, após deixar de prestar a sua actividade na Requerida, montou uma outra empresa que ainda não lhe confere proventos. Desconhece a situação financeira e económica da Requerida.
Face a isto, e com base nos documentos juntos aos autos, oferece-se-nos dizer o seguinte, quanto à matéria impugnada pela agravante, com referência à numeração dos artigos do requerimento inicial:
Quanto ao artigo 8º, dar-se-á como provado que o êxito da empresa se deveu também ao trabalho dedicado e competente do Requerente.
Quanto ao art.º 9º, provou-se que o Requerente participou no desenvolvimento dos projectos aí referidos e que o Requerente foi o coordenador da parte técnica do projecto do magnetómetro.
Quanto ao art.º 10º, provou-se que o Requerente dedicava todo o seu tempo e capacidade profissional ao serviço da sociedade Requerida e que durante algum tempo o sócio Ivo Vieira esteve assoberbado com a elaboração de uma tese de doutoramento.
Quanto ao artigo 12º, eliminar-se-á a referência à prévia criação de “sucessivos incidentes”, pois nada se provou quanto a isso.
Quanto ao art.º 19º, eliminar-se-á, por consistir num mero juízo conclusivo, a referência inicial, de que o sócio Ivo “quis dar um golpe final na espoliação do ora Autor”.
Quanto ao art.º 21º, explicitar-se-á que o Requerente foi destituído da gerência sem invocação de justa causa, afastando-se a utilização desnecessária de um conceito de direito.
Quanto ao art.º 26º, não vemos razão para modificar o juízo do tribunal a quo, face ao teor dos recibos juntos, referentes aos três últimos meses em que o Requerente prestou a sua actividade à Requerida, sendo certo que o facto de alegadamente não ter sido formalizada em acta uma deliberação da sociedade a atribuir ao Requerente uma remuneração não obsta a que se prove que na realidade ele recebia essa prestação e a dedicação a tempo inteiro do Requerente à actividade da Requerida faz pressupor que era compensado pecuniariamente, com regularidade, por isso.
A matéria do artigo 27º é consequência lógica da destituição do Requerente da gerência, sendo certo que o amigo do Requerente, P S, transmitiu a sua percepção de que efectivamente o Requerente deixou de auferir rendimentos após a sua saída da empresa.
A matéria do artigo 28º foi confirmada pela testemunha P S e, de resto (quanto à aquisição da quota), documentalmente confirmada pela própria agravante, pelo que deve manter-se.
A matéria dos artigos 30º e 31º deve ser eliminada, por consubstanciar meros juízos conclusivos.
A matéria do artigo 32º também deve ser eliminada, uma vez que não foram alegados factos concretos, nem sequer se provaram, que permitam confirmar a existência do alegado “longo historial de dívidas por regularizar, nomeadamente salários em atraso e dívidas ao Fisco e à Segurança Social”.
O artigo 35º carece de correcção, para se eliminar a referência a “total arbitrariedade”, que não passa de um juízo de valor.
Também o artigo 38º deve ser eliminado, por total ausência de prova.
Quanto ao artigo 40º, a prova produzida é composta pelas declarações da testemunha A L, já referidas, e pelo teor da declaração para IRC da Requerida, junta pelo Requerente, referente a 2005, a qual menciona um activo líquido, imobilizado corpóreo, no valor de € 26 382,53, existências no valor de € 18 090,88, depósitos bancários e caixa no valor de € 33 292,39, acréscimos e diferimentos no valor de € 40 126,58 e dívidas de terceiros, a curto prazo, no valor de € 64 419,98. Não há quaisquer indícios de que à data da propositura do arresto a situação tivesse sofrido qualquer modificação significativa, nomeadamente no sentido de uma melhoria (sendo certo que a agravante nada refere nesse sentido, o que aliás só poderia fazer proveitosamente em sede de oposição ao arresto – art.º 388º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil). Assim, atendendo aliás ao carácter perfunctório da actividade probatória em sede de procedimentos cautelares, dar-se-á como provado que a Requerida tem como património equipamento, material, mobiliário e existências cujo valor não ultrapassa € 45 000,00, além de valores pecuniários depositados e em caixa de valor não superior a € 33 000,00.
Quanto ao artigo 42º, apenas está provado que corre contra a Requerida o processo de execução fiscal mencionado no documento nº 3, ou seja, uma execução fiscal referente a IRS, no valor de € 2 693,72.
Quanto ao artigo 43º, não vemos razões para alterar a decisão, face ao próprio teor do documento junto com a p.i., sob o nº 2, e ainda ao depoimento da testemunha A L.
Quanto ao artigo 45º, é mais adequado dar como provado que o Requerente contribuiu para a execução do contrato com o seu trabalho, dedicação e competência profissional.
O artigo 50º deve ser eliminado, por consistir num mero juízo conclusivo, ressalvando-se apenas a menção de que o sócio maioritário da Requerida e a sua mulher são os únicos gerentes da empresa, conforme resulta da documentação societária junta aos autos.
O art.º 52º deve ser eliminado, por conter mera afirmação conclusiva, dependente da articulação de factos.
O artigo 53º deve manter-se, com eliminação do juízo conclusivo “afastado abusivamente”, face à prova já supra referida, maxime o depoimento da testemunha P S, sendo certo que no documento junto pela agravante sob o nº 3 o Requerente surge identificado como casado com uma senhora de nome estrangeiro.
Assim, nesta parte dá-se parcial provimento ao recurso, devendo considerar-se como provada a seguinte
Matéria de Facto
1. Na acção principal, pede o Autor que a Ré seja condenada a pagar-lhe €165.261,76, em virtude de o Autor ter sido destituído sem justa causa da gerência da Ré (artigo 1º do requerimento inicial).
2. Quantia esta que corresponde à soma das seguintes parcelas:
a) € 145.261,76, relativa à indemnização devida por destituição sem justa causa, nos termos do artigo 257°/7 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e
b) €20.000,00, a título de compensação por danos morais (2º do r.i.).
3. Em 2002, o Autor, mais lvo e M P C, constituíram a sociedade ora Ré, na qual detinham as seguintes quotas:
a) lvo: 1 quota de €3.500,00 (70% do capital social);
b) Ml (ora Autor): 1 quota de €750,00 (15% do capital social);
c) M: 1 quota de €750,00 (15% do capital social) (Vd. doc. nº 1 junto à p.i.)(5º do r.i.).
4. Ficaram gerentes todos os sócios (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (6º do r.i.).
5. Em 2005, foi excluído o sócio M, pelo não pagamento de prestação suplementar de capital, tendo portanto a Sociedade Ré ficado reduzida a 2 Sócios (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (7º do r.i.).
6. A Sociedade Ré foi desenvolvendo o seu objecto social, na área da engenharia e investigação aeroespacial, com um êxito que se ficou a dever também ao trabalho dedicado e competente do ora Autor (8º do r.i.).
7. De facto, o ora Autor participou no desenvolvimento de projectos de hardware para satélites junto da entidade que se tornou a principal Cliente da Ré — a ES. Entre estes projectos, avulta um chamado "S Q L C M" (o desenvolvimento de um aparelho chamado magnetómetro — uma espécie de bússola espacial), orçamentado em €953 000,00, tendo o A. sido o coordenador da parte técnica deste projecto (Vd. doc. n02 junto à p.i.)(9º do r.i.).
8. Enquanto o autor dedicava todo o seu tempo e capacidade profissional ao serviço da sociedade Ré, o sócio maioritário desta (Ivo) durante algum tempo esteve assoberbado com a elaboração de uma tese de doutoramento (10º do r.i.).
9. O dito sócio maioritário e gerente lvo promoveu uma assembleia geral da Sociedade ora Ré, ocorrida em 06/01/2006, para nomear gerente da Ré, a sua mulher, Cátia (Vde doc. n° 3 junto à p.i.) (12º do r.i.).
10. Nomeação essa que foi objecto do competente registo comercial (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (13º do r.i.).
11. A Ré apenas se pode vincular com duas assinaturas. (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (14º do r.i.).
12. Poucos dias depois, o sócio maioritário lvo convoca uma nova assembleia geral, que ocorreu no dia 27/01/2006, para destituir da gerência o ora Requerente. (15º do r.i.).
13. A reunião desta Assembleia foi documentada na acta que ora se junta (Vd. doc. nº 4 junto à p.i.) (16º do r.i.).
14. A deliberação de destituição, como gerente da Ré, do ora Autor, foi aprovada com os votos favoráveis do sócio maioritário Ivo, titular de 70% do capital da Ré, e o voto contra do ora Autor, titular de 15% do capital social da Ré (Vd. doc. nº 4 junto à p.i.) (17º do r.i.).
15. Tendo esta destituição sido objecto do competente registo comercial (Vd. doc. nº 1 junto à p.i.) (18º do r.i.).
16. Este sócio maioritário Ivo convocou uma assembleia geral, que teve por ponto único da ordem de trabalhos a "alienação compulsiva" da quota do ora Autor na sociedade Ré, a favor da Sra Cátia — ou seja, da mulher do sócio maioritário... (Vd. doc. nº 5 junto à p.i.)(19º do r.i.).
17. O ora Requerente foi destituído da gerência da Ré sem invocação de justa causa (21º do r.i.).
18. De facto, é isso mesmo que vem atestado na acta de destituição (Doc. nº 3 junto à p.i.), onde se diz o seguinte:
Entrando-se de imediato na apreciação do ponto único da ordem de trabalhos, o sócio lvo propôs a destituição do gerente M C S M sem invocação de justa causa [sublinhado nosso] (22º do r.i.).
19. Sendo certo que, in casu, não existe indemnização contratual estipulada, nem tinha duração determinada o mandato de gerente do ora Autor (25º do r.i.).
20. Sendo também certo que o ora Requerente auferia, enquanto gerente da Ré, o vencimento mensal de €2.500,00, acrescido de subsídio de alimentação de €109,62, o que importava a remuneração mensal de €2.609,62 e anual de €36.315,44 (€2.500,00 x 14, mais €109,62 x 12) (Vd. doc. nº 6 junto à p.i.)(26º do r.i.).
21. Sendo também certo que, desde Janeiro de 2006, inclusive, e na sequência da sua destituição de gerente da Ré sem justa causa, o ora Requerente deixou de receber o seu vencimento (27º do r.i.).
22. Tendo adquirido entretanto uma quota numa pequena empresa, na qual tem procurado, sem êxito (pois dela não tem auferido quaisquer rendimentos), obter meios para o seu sustento e da sua família (28º do r.i.).
23. A sociedade Requerida é agora uma sociedade em que o sócio maioritário (em conjunto com a assinatura da outra gerente que nomeou — a sua mulher...) decide conforme lhe parece melhor (35º do r.i.).
24. A ora Requerida já apresentou a sua declaração de IRC relativa ao exercício de 2005 (Vd, doc. n° 2) (37º do r.i.).
25. Na sua declaração de IRC relativa a 2005 a ora Requerida apresenta um resultado líquido de €4.319,92 (Vd, doc. nº 2) (39º do r.i.).
26. A Requerida tem como património equipamento, material, mobiliário e existências cujo valor não ultrapassa os € 45 000,00, além de valores pecuniários depositados e em caixa, de valor não superior a € 33 000,00 (40º do r.i.).
27. Contra a ora Requerida corre uma execução fiscal referente a IRS, no valor de € 2 693,72 (42º do r.i).
28. A sociedade Requerida presta serviços de engenharia espacial, bastante sofisticados e pelos quais são cobrados honorários significativos (43º do r.i.).
29. Sendo seu principal cliente a ES, com a qual celebrou um contrato ao abrigo do qual ainda terá importâncias a receber (vd. doc. n° 2, junto à p.i) (44º do r.i.).
30. Contrato esse para cuja execução o Requerente contribuiu com o seu trabalho, dedicação e competência profissional (45º do r.i.).
31. Sendo certo que existem outros projectos contratados com a ES (iniciados antes do ora Requerente ter sido destituído da gerência e proibido de entrar na ora Requerida), dos quais a ora Requerente irá receber pagamentos (46º do r.i.).
32. Outro cliente da Requerida é a E A L - , com a qual a Requerida celebrou um contrato para venda de um "Magnetómetro", sendo a execução deste aparelho, aliás, objecto do referido contrato com a ES (47º do r.i.).
33. Deste cliente também a Requerida terá ainda algum dinheiro a receber (48º do r.i.).
34. O sócio maioritário da Requerida e a sua mulher são os únicos gerentes da Requerida (50º do r.i.).
35. O Requerente:
- não recebe qualquer remuneração desde que foi afastado da gerência da ora Requerida em Janeiro p.p., onde auferira a remuneração mensal de €2.500,00;
- tem família para sustentar - esposa, de nacionalidade estrangeira e sem emprego, e um filho menor de 10 meses;
- dedica-se por ora a tentar desenvolver o negócio de uma pequena empresa onde tem uma quota – mas da qual não aufere qualquer rendimento (53º do r.i.).
Segunda questão (improbabilidade da existência do crédito invocado pelo Requerente)
O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor (nº 1 do art.º 406º do Código de Processo Civil).
O requerente do arresto deve deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado (art.º 407º nº 1 do Código de Processo Civil).
Trata-se de um procedimento que visa proteger a expectativa do credor relativamente à garantia geral da satisfação do seu crédito, constituída pelo património do devedor (art.º 601º do Código Civil), mediante a apreensão judicial de bens, pertencentes ao devedor, tidos como suficientes para, se necessário for, obter em execução, em regra através da respectiva alienação, o pagamento do respectivo crédito (artigos 406º nº 2, 408º nº 2 e 872º do Código de Processo Civil).
Para que seja decretado o arresto, são necessários dois requisitos:
a) Probabilidade da existência do crédito;
b) Justificado receio de perda da garantia patrimonial.
Quanto ao crédito a garantir, a lei não exige um juízo de certeza quanto à sua existência, mas de mera probabilidade, aferida mediante prova sumária, prestada nos termos gerais previstos no art.º 384º nº 1 do Código de Processo Civil.
Provou-se que o Requerente foi destituído do cargo de gerente da Requerida, sem invocação de justa causa. Tal situação, se lhe causar prejuízos, confere-lhe o direito a ser indemnizado, nos termos do disposto no nº 7 do artigo 257º do Código das Sociedades Comerciais (CSC): “Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.
Não se mostra que foi estipulada indemnização contratual, nem que a desigação do Requerente como gerente estava delimitada no tempo. O Requerente invocou, como prejuízos, a perda do rendimento que auferia enquanto gerente, que não conseguiu até ao momento fazer substituir por outros, computando esse prejuízo, a título de danos patrimoniais, num valor que corresponde a quatro anos de remuneração.
Nos termos do art.º 562º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
No caso está excluída a reconstituição natural, uma vez que esta implicaria o regresso do Requerente à gerência, o que contrariaria a regra da livre destituição (embora com indemnização, quando não haja justa causa), consagrada no nº 1 do art.º 257º do CSC.
Assim a indemnização será prestada em dinheiro, medindo-se pela diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art.º 566º nº 2 do Código Civil).
Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (art.º 564º nº 2 do Código Civil), podendo, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, julgar equitativamente dentro dos limites que julgar provados (nº 3 do art.º 566º) ou, se o considerar justificado, remeter para decisão ulterior (nº 2 do art.º 564º).
Conforme se pondera no acórdão do STJ, de 27.10.1994, publicado na Col. de Jur., STJ, ano II, tomo III, pág. 112 e seguintes, “da simples invocação da perda de remuneração pelo exercício da gerência não se pode concluir que o Autor tenha sofrido prejuízos. Estes só se terão por verificados se ele não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada a idêntico nível económico, social e profissional”.
No caso dos autos, está suficientemente demonstrado que desde a data da destituição até à data da decisão do procedimento cautelar (período com a duração de nove meses), o Requerente se viu privado de rendimentos que tudo indica que auferiria, se não fora a destituição, rendimentos esses que não conseguiu suprir por qualquer outra forma. Porém, não é crível que o Requerente fique quatro anos sem conseguir obter proventos emergentes da sua actividade, tanto mais que já está envolvido numa outra empresa.
Assim, e sendo certo que nada foi alegado neste procedimento cautelar que funde a expectativa de compensação por danos não patrimoniais, afigura-se-nos que o crédito do Requerente, a título de danos patrimoniais, só se mostra, em termos da razoabilidade e da probabilidade exigíveis em sede de arresto, fundado até ao montante de € 90 000,00, sensivelmente correspondente a dois anos e meio de remunerações, admitindo-se ainda que o Requerente venha a exercer actividade remunerada a troco de rendimentos inferiores aos percebidos ao serviço da Requerida.
Existe, pois, um crédito a garantir, embora de valor inferior ao reclamado pelo Requerente.
Terceira questão (inexistência de certeza sobre o risco da perda da garantia patrimonial)
No que concerne ao segundo requisito do arresto, o risco de perda da garantia patrimonial, abrange qualquer causa idónea a provocar num homem normal o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, volume 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 119). Pode tratar-se do receio de insolvência do devedor (o que se verificará através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas), do da ocultação dos seus bens (por exemplo, se estiver a diligenciar nesse sentido, ou usar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas), de que o devedor venda os bens (como quando se prove que está a tentar fazê-lo). A avaliação deste critério não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, isto é, em simples conjecturas, mas em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem esta medida cautelar imediata (António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, Almedina, pág. 176).
A este propósito provou-se o seguinte:
A sociedade Requerida é agora uma sociedade em que o sócio maioritário (em conjunto com a assinatura da outra gerente que nomeou — a sua mulher...) decide conforme lhe parece melhor (35º do r.i.).
Na sua declaração de IRC relativa a 2005 a ora Requerida apresenta um resultado líquido de €4.319,92.
A Requerida tem como património equipamento, material, mobiliário e existências cujo valor não ultrapassa os € 45 000,00, além de valores pecuniários depositados e em caixa, de valor não superior a € 33 000,00.
Contra a ora Requerida corre uma execução fiscal referente a IRS, no valor de € 2 693,72.
A sociedade Requerida presta serviços de engenharia, bastante sofisticados e pelos quais são cobrados honorários significativos.
Sendo seu principal cliente a ES , com a qual celebrou um contrato ao abrigo do qual ainda terá importâncias a receber.
Sendo certo que existem outros projectos contratados com a ES, dos quais a ora Requerente irá receber pagamentos.
Outro cliente da Requerida é a E A L - , com a qual a Requerida celebrou um contrato para venda de um "Magnetómetro", sendo a execução deste aparelho, aliás, objecto do referido contrato com a ES.
Deste cliente também a Requerida terá ainda algum dinheiro a receber.
O sócio maioritário da Requerida e a sua mulher são os únicos gerentes da Requerida.
Constata-se que o valor corpóreo do património da Requerida não excede metade do valor do crédito do Requerente. O resto são quantias em caixa e depósitos bancários, facilmente dissipáveis. A capacidade da Requerida gerar receitas certamente que actualmente está diminuída, uma vez que o Requerente, sócio cuja actividade era muito importante na empresa, dela foi afastado. De resto, contra a Requerida pende uma execução fiscal, que não se mostra que foi alvo de qualquer oposição, o que denota da parte da Requerida impossibilidade ou falta de intenção de cumprir obrigações. O grande activo da Requerida traduz-se nas verbas a receber das suas principais clientes, a ES e a EADS, verbas essas que, obviamente, são facilmente sonegáveis do alcance dos credores. Tudo isto, conjugado com a atitude que o sócio maioritário da Requerida adoptou face ao Requerente, destituindo-o do cargo de gerente sem invocação de justa causa, afastando-o da empresa e diligenciando pela compulsória venda da quota do Requerente na sociedade, não havendo notícia de qualquer proposta de compensação do Requerente pela situação criada, faz criar, a nosso ver, justificado receio de que o Requerente, uma vez declarado judicialmente o seu direito, não o veja satisfeito, nem voluntariamente nem por meio de execução forçada, por falta de bens da Requerida.
Conclui-se, pois, que também se verifica o segundo requisito para o decretamento do arresto, o receio de perda da garantia patrimonial, o qual consubstancia, substituindo-o, o requisito genérico de ocorrência de fundado receio de que outrem cause lesão grave ou dificilmente reparável ao seu direito, previsto no art.º 381º nº 1 do Código de Processo Civil.
Quarta questão (inexistência de ponderação sobre o facto de o prejuízo resultante da providência exceder consideravelmente o dano que o Requerente pretende evitar)
A Requerida queixa-se de que o tribunal a quo não ponderou acerca da aplicabilidade do disposto no nº 2 do art.º 387º do Código de Processo Civil, ou seja, do preceito segundo o qual “a providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”.
Bem andou o tribunal a quo em não atender ao aludido preceito, uma vez que o mesmo não é aplicável ao arresto, conforme decorre do estipulado no nº 1 do art.º 392º do Código de Processo Civil.
Improcede, pois, esta questão suscitada pela agravante.
Quinta questão (exigibilidade de caução ao Requerente)
No art.º 390º nº 2 do Código de Processo Civil estabelece-se que “sempre que o julgue conveniente em face das circunstâncias, pode o juiz, mesmo sem audiência do requerido, tornar a concessão da providência dependente da prestação de caução adequada pelo requerente”.
Esta norma tem em vista o disposto no nº 1 do mesmo artigo, que consagra a responsabilidade do requerente pelos danos que culposamente causar ao requerido por força de providência que venha a ser considerada injustificada ou que vier a caducar por facto imputável ao requerente. Tal cautela justificar-se-á, por exemplo, se ao juiz se lhe suscitarem dúvidas acerca da existência do direito do requerente ou se considerar que será difícil a reparação do eventual prejuízo do requerido (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, volume 2º, Coimbra Editora, 2001, páginas 61 e 62).
Trata-se de norma que muito raramente é aplicada, e compreende-se porquê: se o juiz tem dúvidas acerca do direito do requerente, não decreta a providência. Por outro lado, o carácter urgente da providência cautelar, ou seja, a exigência de tomada imediata de medidas que acautelem o direito do requerente, dificilmente se compadece com a sua subordinação à prévia prestação de uma caução pelo requerente. Acresce que o enfoque dado a qualquer procedimento cautelar é o da garantia do direito do requerente e não a do eventual e hipotético direito do requerido, no caso de decaimento da providência, decaimento esse que o juiz necessariamente ajuizará como pouco provável.
No caso sub judice não se perfilam razões para fugir à regra: o direito do requerente é mais do que provável, a providência cautelar vai ser confirmada em sede de recurso e não se encontram motivos para julgar que aquela caducará por motivo imputável ao requerente.
Termos em que improcede também esta questão.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e consequentemente determina-se que o arresto decretado seja reduzido à garantia do montante de € 90 000,00, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas, nesta instância, pelo Requerente e pela Requerida, na proporção de 1/3 pelo Requerente e 2/3 pela Requerida, sem prejuízo do apoio judiciário de que o Requerente beneficie.

Lisboa, 22.02.2007

Jorge Leal
Américo Marcelino
Francisco Magueijo