Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2747/2006-2
Relator: TIBÉRIO SILVA
Descritores: HONORÁRIOS
ACÇÃO
DEVER DE INFORMAR
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE
Sumário: I- Outorgada uma procuração para dedução de pedido de indemnização, deve o advogado, como técnico de direito, escolher os caminhos adequados para o fim visado, mantendo o constituinte devidamente informado das razões por que, por exemplo, se frustrou um pedido de indemnização cível em processo-crime e da possibilidade (ou não) de instaurar, em tempo útil, acção cível em separado.
Para que um advogado seja condenado a indemnizar o constituinte é necessário que este demonstre o nexo de causalidade entre a conduta culposa do advogado e os danos alegadamente sofridos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I
A. intentou contra B., ambos com os sinais dos autos, acção ordinária, alegando, em resumo, que:
O A. foi vítima de um acidente de viação, em 27 de Janeiro de 1979.
Quando, no sentido Cascais-Lisboa, conduzia o seu automóvel ..-..-.., foi este violentamente embatido pelo veículo ..-..-.., conduzido por . S., que, na chamada curva do Mónaco, saiu da sua faixa rodagem.
Em consequência do acidente, o veículo do A. ficou destruído.
O A. sofreu múltiplos traumatismos, com imediata perda de conhecimento, ficando entre a vida e morte.
Com interesses em diversas actividades e empresas, teve de abandonar a sua vida profissional definitivamente, afastando-se do convívio de clientes e fornecedores, colegas de profissão e amizades do meio empresarial e comercial em que vivia.
Ficou num estado de desinteresse pela vida, tendo chegado a pensar suicidar-se, perante a incapacidade em que se via.
No ano de 1981, o A. contactou o R., advogado de profissão, para que o patrocinasse na acção de indemnização a que tinha direito, vindo a constituí-lo mandatário forense. Mas, a partir dessa data, não teve mais qualquer informação sobre o estado do processo.
Telefonou para o escritório do R., mas não conseguiu contactá-lo.
Decorridos anos sem qualquer informação, o A. decidiu escrever-lhe várias cartas, sem resposta.
Em 1989, deslocou-se ao Tribunal de Oeiras e veio a saber que o processo estava arquivado, em virtude da negligência do seu mandatário em requerer o prosseguimento dos autos quanto ao pedido cível, em conformidade com o disposto na Lei nº 3/81 de 13/03 (Lei da Amnistia).
Tentou, de novo, sem êxito, entrar em contacto com o seu advogado.
Participou os factos à Ordem dos Advogados, mas veio a ser considerada extinta qualquer infracção do R. nos termos da nova Lei da Amnistia (Lei nº 15/94 de 11/05).
Não tendo o R. renunciado ao mandato, é responsável pelo seu cumprimento integral e pelos danos que a sua eventual negligência no cumprimento causou ao mandante/A.
É evidente que a negligência do R. em promover o prosseguimento dos autos quanto ao pedido cível foi um acto culposo que causou prejuízo ao A.
Termina, pedindo que o R. seja condenado a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de Esc. 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos).

Contestou o R., alegando, em síntese, que:
Cumpriu integralmente o mandato que lhe tinha sido conferido, apresentando queixa-crime e deduzindo pedido cível, nos termos solicitados pelo A.
Em finais de Janeiro de 1983, o R. tomou conhecimento, por informação do Sr. Solicitador J.P., de que a queixa-crime tinha sido arquivada e o pedido cível tinha sido indeferido.
De imediato, contactou o A. e deu-lhe a conhecer estes factos.
O A. manifestou-lhe, então, vontade de apresentar novo pedido cível, concordando o R. em tratar do assunto.
Porque se tratava de uma nova acção judicial, para a qual seria necessário promover o pagamento de preparos e com a qual iria ter bastante trabalho, o R. solicitou ao A. que lhe entregasse uma procuração forense e determinada quantia a título de provisão para despesas e honorários.
Apesar dessa solicitação, o A. nunca entregou à R. a procuração e a provisão.
No decurso do processo-crime o A. sempre teve as informações que lhe solicitou e, findo o mesmo, foram-lhe explicadas pelo R. as razões do arquivamento e a forma como deveria agir para intentar nova acção, desta vez cível.
Só por culpa exclusiva do A. é que a acção cível não deu entrada.
O A. nada mandou e nada disse ao R., que, face à ausência de notícias daquele, se convenceu de que teria escolhido novo advogado para o representar.

Prosseguindo os autos, foi proferido despacho saneador e realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
Foi proferida sentença, na qual se condenou o R. a pagar ao A. 25.000 €, bem como o montante do valor prejuízo que este liquidar a título de dano material.

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o R., concluindo as suas alegações pela seguinte forma:

«I- Cabia ao A. fazer prova de que o R. não praticou os actos solicitados ou que o fez de forma deficiente, o que não foi feito.
II. Desta forma não pode resultar a alegada inversão do ónus da prova e a afirmação que o R. actuou de forma culposa.
III- Após lhe ter sido comunicado o resultado da demanda o A. esteve 5 anos sem contactar o R..
IV- Nos termos dos artigos 1163° e 1167° do CC o silêncio do A. durante 5 anos, após a comunicação do estado do mandato, tem que valer como aprovação da conduta do R..
V- Para que o A. pudesse ser indemnizado pelos danos decorrentes do alegado incumprimento do mandato necessário seria que o A. alegasse e provasse, em primeiro lugar, que o acidente dos autos ocorreu por culpa de terceiros e que por esse facto teria direito a uma qualquer compensação.
VI- O A. não logrou fazer tal prova.
VII- A douta sentença confunde o sofrimento físico e psicológico que o A. terá sofrido como consequência do acidente com o sofrimento que o A. alegadamente terá tido como consequência de qualquer omissão do R..
VIII- Só este dano moral foi pedido pelo A. e quanto ao mesmo nenhuma prova foi feita. Nem quanto à existência do mesmo nem quanto ao seu valor.
IX- Mesmo que se considere ter havido qualquer violação do mandato conferido, não logrou o A. fazer prova que tal violação lhe tivesse causado qualquer prejuízo.
X- A verba fixada como compensação por danos morais é infundada e exagerada.
X- Não se conhece o grau e a duração do alegado sofrimento.
XI- Cabia ao A. ser célere na propositura da presente acção.
XII- Não é possível deixar para liquidação o valor do prejuízo sofrido a título de danos materiais uma vez a liquidação em execução de sentença só é possível quando o autor desconhece as consequências do facto ilícito.
XIII- A douta sentença violou o disposto nos artigos 342°, 1163° e 1167° e do CC, o princípio do caso julgado, os artgs° 264°, 661° e 664° do CPC.».

Termina, dizendo que deve ser dado provimento ao presente recurso e a douta sentença recorrida revogada.
*
O objecto dos recursos é definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso.
Neste caso, importará apurar:
- se o A. não provou que o R. não praticou os actos solicitados ou que o fez de uma forma deficiente;
- se o R. não tinha de provar que não actuou de forma culposa e se o silêncio do R, durante cinco anos, após a comunicação do estado do mandato, equivaleu a aprovação da conduta do R.;
- se a falta de prova de que a culpa do acidente ficou a dever-se a terceiros leva ao afastamento da responsabilidade do R.;
- se a indemnização fixada na sentença, a título de danos morais, é infundada e exagerada;
- se, no caso dos autos não era possível deixar para liquidação em execução de sentença o prejuízo sofrido a título de danos patrimoniais.
II

Na sentença recorrida, deram-se por provados os seguintes factos:
«1- Logo que se sentiu com forças para tal, e ainda no ano de 1981, o A. contactou o R., advogado de profissão, para que o patrocinasse numa acção de indemnização contra C. S. e a respectiva companhia seguradora (A);
2) após várias consultas no escritório do R., na altura sito no escritório do Prof. André Gonçalves Pereira, no Marquês de Pombal, em Lisboa, foi o R. constituído mandatário forense, através de procuração conferida pelo A. (B);
3) o A. participou do R. à Ordem dos Advogados, que depois de averiguar a queixa declarou extinta qualquer infracção do R., enquanto advogado, nos termos da lei de amnistia nº 15/94 de 11 de Maio, cfr. docs. 8 a 18 juntos pelo A. (C);
4) o A. sofreu um acidente de viação em 27.1.79, em consequência do qual sofreu traumatismos com perda de conhecimento, tendo estado internado em hospital (Q. 1 a 7);
5) correram os autos de inquérito preliminar nº 483/82, pela 1ª secção do 3º Juízo da Comarca de Oeiras referentes aos factos a que se alude em 1 a 7, e cujo teor consta do doc. 5 junto a fs. 16 e ss. (Q. 8);
6) à data do acidente o A. tinha a actividade de empresário comercial e tinha interesse em diversas empresas, quer em nome individual quer como sócio (Q.9);
7) após o acidente, abandonou a sua vida profissional (Q. 10);
8) afastando-se do convívio dos seus clientes, fornecedores e amizades do meio empresarial e comercial em que vivia ( Q. 11);
9) o A. sofreu física e psicologicamente ( Q. 12);
10) o A. e a sua mulher telefonavam com alguma frequência para o escritório do advogado réu ( Q. 14);
11) o A. escreveu várias cartas ao R., seu advogado, algumas delas registadas e com aviso de recepção, a que o R. não respondeu ( Q. 16, 17, 18);
12) em 1989 o A., juntamente com uma pessoa amiga (que percebia de leis), desloca-se ao tribunal de Oeiras, comarca onde decorreu o acidente, tentando saber qual o estado do processo, e sabe que estava arquivado ( Q. 19, 20, 21);
13) o A. veio a saber que o R. não tinha requerido o prosseguimento dos autos, no processo penal, em vista ao ressarcimento dos danos uma vez enxertado o pedido cível (Q. 27);
14) o R. apresentou queixa crime ( Q. 29);
15) 15) o sr. solicitador J. P. informou o R. de que a queixa crime tinha sido arquivada e de que o pedido cível tinha sido indeferido ( Q. 30);
16) pelo menos o sr. solicitador J. P. informou o A., por telefone, de que a queixa crime tinha sido arquivada e de que o pedido cível tinha sido indeferido ( Q. 36).
III
Na douta sentença, considerou-se, em matéria de apreciação de direito, o seguinte:
«a) o R. tinha o ónus especial (art. 342º, nº2, do C. Civil) de provar que, de modo não culposo, na globalidade do seu agir profissional, seja por acção, seja por omissão, não causou nem possibilitou que adviessem prejuízos e danos na esfera jurídica do A.;
b) o R. não demonstrou que as actuações processuais que assumiu foram as necessárias e adequadas para defender, garantir e acautelar o interesse indemnizatório do A.;
c) pelo contrário, da matéria provada resulta que, de modo culposo e não justificado, o R., de forma consciente e não desculpável, se desinteressou do pleito do A. e não providenciou para fazer-se substituir na condução processual da pretensão do A.;
d) o R. não provou que, admonitoriamente, interpelou o A. para lhe entregar numerário satisfatório para o pagamento de honorários e custos judiciais e que o A. não lhe fez entrega desses pecuniários;
e) da conduta do R. resultou que o A. já não está em tempo de exigir do proprietário do veículo, do condutor deste ou da pertinente seguradora a indemnização a que tinha direito, cfr. arts. 483, nº1, 499, 503 e 498º, nº1 do C. Civil;
f) bem como resultou que o A. passou a sofrer física e psicologicamente ( Q. 12);
g) este sofrimento integra um dano que tem de ser ressarcido cfr. art. 496, nº1 e 3, do C. Civil, considerando a perduração do sofrimento, o tempo transcorrido e os fenómenos de inflação e da depreciação monetária, entendo compensatória a verba de 25.000 euros;
h) em sede de dano patrimonial, no contexto do provado sob os Q. 9 e 10, o A. procederá à liquidação do montante dos prejuízos.
O direito assiste ao A.: Dec-lei 84/84, de 16 de Março, arts. 78, a), e 83, nº1, c), d) e j), Código Civil, arts. 1157, 1161, a), b), c), 483/1, 486, 550, 551, 562 a 564, 566, 762/1, 798, 804, 805/2 b).».

O R. discorda do entendimento explanado na douta sentença.
Defende o R. que cabia ao A. fazer prova – e não fez – de que o R. praticou os actos solicitados ou que o fez de forma deficiente e, desta forma, não pode resultar a alegada inversão do ónus da prova e a afirmação de que o R. actuou de forma culposa.
Vejamos:
Está em causa o modo como foi exercido um mandato judicial.
O contrato de mandato é, face à definição do art. 1157º do C. Civil, aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.
Segundo o estatuído no art. 1161º do mesmo Código, o mandatário é obrigado: a) a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante; b) a prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão; c) a comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu; d) a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir; e) a entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.
Por sua vez, o mandante é, de acordo com o art. 1167º, obrigado: a) a fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada; b) a pagar-lhe a retribuição que ao caso competir, e fazer-lhe provisão por conta dela segundo os usos; c) a reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas; d) a indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do mandato, ainda que o mandante tenha procedido sem culpa.
Importará ter em conta o que se preceitua nos arts. 798º e segs. do C. Civil e, tratando-se de mandato judicial, há que tomar em consideração o que vinha previsto nos arts. 538º a 672º do Título V (“Do mandato judicial”) do Estatuto Judiciário, aprovado pelo DL nº 44278, de 14/04/1962, em vigor, à data da outorga da procuração – 19/10/1982 (cfr. fs. 37) – artigos que viriam a ser revogados pelo D. L. n.° 84/84, de 16-3, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Advogados, diploma este que, tendo como objecto um estatuto legal, se passou a aplicar, nos termos do art. 12º, nº2, do C. Civil, a uma relação jurídica que, face aos dados dos autos, se prolongou para além do início da sua vigência.
Já ressaltava do art. 580º do Estatuto Judiciário, que se referia às relações do advogado com o constituinte, o dever de aquele dar ao constituinte a sua opinião sincera sobre o merecimento do direito invocado, de estudar, com cuidado e tratar com zelo a causa que lhe fosse confiada, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 76°, nº 3 do DL 84/84, o advogado cumprirá pontual e escrupulosamente os deveres consignados neste Estatuto e todos aqueles que a lei, usos, costumes e tradições lhe impõem para com os outros advogados, a magistratura, os clientes e quaisquer entidades públicas e privadas.
O patrocínio forense é um elemento essencial à administração da justiça (art. 208º da CRP).
Nos termos do art. 83º, nº1, c) do DL 84/84, deve o advogado, nas relações com o cliente, dar-lhe a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas e, nos termos da al. d), estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
Conforme se exarou no Ac. da Rel. de Lisboa, de 09-11-2004, (Rel. Maria do Rosário Oliveira), acedido em www.dgsi.pt., «Pelo contrato de mandato judicial o mandatário fica adstrito a desenvolver, com adequada diligência e perícia, uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um resultado.».
Na verdade, a sorte de um processo está dependente de múltiplos factores que não se confundem, necessariamente, com o labor, o empenho, ou o saber do mandatário. Daí que seja tarefa complexa determinar o nexo de causalidade entre a conduta do mandatário e o naufrágio da acção e os consequentes prejuízos (e em que medida) daí advindos.

No caso que nos ocupa, alegou o A. que outorgou procuração ao R. e que, a partir daí, não teve mais qualquer informação deste quanto ao estado do processo. E, assim, decorridos vários anos sem qualquer informação, decidiu escrever várias cartas ao R., que não obtiveram resposta.
Mais refere o A. que, face a esse silêncio, decidiu deslocar-se ao Tribunal de Oeiras, onde veio a saber, com enorme surpresa, que o processo estava arquivado, em virtude da negligência do seu mandatário em requerer o prosseguimento dos autos quanto ao pedido cível.
Provou-se que:
- O A. foi interveniente num acidente de viação, em 27-01-1979, em consequência do qual sofreu traumatismos, com perda de conhecimento, o que obrigou ao seu internamento hospitalar;
- Logo que se sentiu com forças para tal, no ano de 1981, o A. contactou o R., então advogado de profissão, para que o patrocinasse numa acção de indemnização contra C. S. (o outro interveniente no acidente e seu alegado causador) e a respectiva companhia de seguros;
- Correram uns autos de inquérito preliminar, com o nº483/82, pela 1ª secção do 3º Juízo da Comarca de Oeiras, conforme doc. de fs. 16 e segs.
Deste documento resulta o seguinte:
- Em 11/01/1982, determinou-se o arquivamento dos autos, tendo em atenção o facto de estarem amnistiadas as infracções, nos termos do art. 1º, als. l) e h) da Lei nº 3/81 de 13/03, e ordenou-se o cumprimento do disposto no art. 6º-A do Dec-Lei nº 605/75 de 03/11 e do art. 387º do C.P. Penal, nas pessoas de A. e de C. S.;
- O ora A., representado pelo ora R., notificado nos termos do art. 387º do CPP, requereu o julgamento do arguido C. S. e deduziu pedido de indemnização civil;
- Foi, com tal requerimento, junta procuração, outorgada, em 19/10/1982, pelo ora A. ao R. e ao Sr. J. P., solicitador, conferindo-lhes, com a faculdade de substabelecer, “os mais amplos poderes forenses”;
- Em 12/01/1083, foi proferido despacho, no qual o Mmº Juiz considerou que o procedimento criminal já fora declarado extinto, por amnistia, por quem tinha, no inquérito, competência para tanto, ou seja, o M.P. e, em consequência, indeferiu o requerimento para julgamento, bem como o de constituição de assistente e ainda o pedido de indemnização civil, “uma vez que o art. 5º da Lei nº 3/81 de 13/3 se reporta a processos judiciais e não a inquéritos preliminares e a pedidos de indemnização deduzidos antes da amnistia”.
- O Sr. Solicitador referido informou o R. e, pelo telefone, o A., de que a queixa crime tinha sido arquivada e de que o pedido cível tinha sido indeferido;
- O A. e sua mulher telefonavam, com alguma frequência, para o escritório do advogado réu;
- O A. escreveu várias cartas ao R., algumas delas registadas e com aviso de recepção, a que o R. não respondeu.

Refere o R. que, após ter-lhe sido comunicado o resultado de demanda, o A. esteve 5 anos sem contactá-lo, o que tem de valer como aprovação da conduta do R., nos termos dos arts. 1163º e 1167º do C. Civil.
Salvo o devido respeito, não nos parece correcta esta leitura do R.. Na verdade, tendo o A. outorgado procuração ao R. para que o patrocinasse numa acção de indemnização contra o pretenso causador do acidente e respectiva companhia de seguros, incumbia ao R., como técnico de direito, escolher os caminhos adequados para o efeito e, não renunciando ao mandato, impunha-se que fosse até ao fim na busca do desiderato para que fora contratado: obter (ou fazer tudo por isso, pois, naturalmente, é necessário que haja fundamento para o êxito das pretensões) a indemnização decorrente do acidente de viação, de que o A. se afirmava vítima.
Nessa medida, face ao aludido despacho que, interpretando a Lei da Amnistia, entendeu não haver razões para o prosseguimento do processo-crime e para a apreciação, por essa via, do pedido de indemnização civil, tinha a R. duas hipóteses: ou recorria de tal despacho ou, conformando-se com ele, intentava acção cível em separado. Mas importaria esclarecer o A., seu constituinte, sobre a situação, informando-o das alternativas, o que, por certo, implicaria também provisões.
O R., aliás, alegou que, ao tomar conhecimento, em finais de Janeiro de 1983, por informação do Sr. Solicitador, de que queixa-crime tinha sido arquivada e o pedido cível indeferido, contactou o A. e deu-lhe a conhecer os factos, manifestando-lhe então o A. vontade de apresentar novo pedido cível, concordando o R. em tratar do assunto e, porque se tratava de nova acção, para a qual seria necessário promover o pagamento de preparos e com a qual iria ter bastante trabalho, solicitou ao R. que lhe entregasse uma procuração forense e determinada quantia a título de provisão para as despesas e honorários. Porém, o A. nunca entregou à R. a procuração e a provisão.
O R. não logrou provar esta sua versão dos acontecimentos, no sentido de que, findo o processo crime explicou ao A. as razões do arquivamento e a forma como deveria agir para intentar nova acção e que, se esta não foi intentada, tal se deveu a culpa do A..
Sobre o R. impendia o cumprimento das obrigações inerentes ao contrato de mandato, tendo em atenção o fim visado pelo constituinte (art. 406º do C. Civil), obrigações que incluíam, como se disse, a prestação das informações adequadas.
Estando em causa responsabilidade contratual, teria o R. de ilidir a presunção de culpa prevista no art. 799º, nº 1 do C. Civil. Não o tendo feito, ter-se-á, pois, de concluir pelo incumprimento culposo do contrato de mandato, o que conduz à obrigação de indemnizar pelos prejuízos derivados desse incumprimento (art. 798º do C. Civil).
Neste sentido, vejam-se os Acs. do STJ, de 06-04-2000 (Rel. Duarte Soares); de 27/05/2003 (Rel. Oliveira Barros) e de 16-02-2006 (Rel. Salvador da Costa), acedidos em www.dgsi.pt.

Refere o Apelante, nas suas alegações, que, para que o A. pudesse ser indemnizado pelos danos decorrentes do alegado incumprimento do mandato, necessário seria que o A. alegasse e provasse, em primeiro lugar, que o acidente dos autos ocorreu por culpa de terceiros e que, por esse facto, teria direito a uma qualquer compensação e não logrou fazer tal prova. Acrescenta que a douta sentença confundiu o sofrimento físico e psicológico que o A. terá sofrido com o acidente e não como consequência de qualquer omissão do R..
Na verdade, o A., embora tenha provado que foi interveniente num acidente de viação, não conseguiu provar as circunstâncias do mesmo, ou seja, não provou que tenha direito a indemnização por virtude desse acidente.
Provou-se, a este respeito, o seguinte:
- O A. sofreu um acidente de viação em 27.1.79, em consequência do qual sofreu traumatismos com perda de conhecimento, tendo estado internado em hospital (Q. 1 a 7);
- à data do acidente o A. tinha a actividade de empresário comercial e tinha interesse em diversas empresas, quer em nome individual quer como sócio (Q.9);
- após o acidente, abandonou a sua vida profissional (Q. 10);
- afastando-se do convívio dos seus clientes, fornecedores e amizades do meio empresarial e comercial em que vivia ( Q. 11);
- o A. sofreu física e psicologicamente ( Q. 12).
Conforme se exarou no Ac. do STJ, de 10-05-2001 (Rel. Óscar Catrola), acedido em www.dgsi.pt, «Para que um advogado possa ser responsabilizado pelos danos resultantes da perda de uma dada causa torna-se necessário a alegação e prova do nexo de causalidade entre essa suposta conduta processual omissiva ou negligente e os invocados danos.».
Igualmente, no citado Ac. do STJ de 16-02-2006 (Rel. Salvador da Costa), se considerou, no que concerne ao nexo de causalidade, o seguinte:
«[…] são pressupostos da responsabilidade civil contratual, além do incumprimento ilícito e culposo de um contrato e do dano ou prejuízo reparável, o nexo de causalidade entre este e aquele (artigos 562º, 563º e 798º do Código Civil).
A propósito do nexo de causalidade, expressa a lei que quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 563º do Código Civil).
Reportando-se a indemnização aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, reconduz a lei a causalidade à probabilidade, ou seja, afasta-se da ideia de que qualquer condição é causa do dano, antes se consagrando a concepção da causalidade adequada.
Assim, decorre do artigo 563º do Código Civil não bastar que o evento tenha produzido certo resultado para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, porque para o efeito é necessário que o primeiro seja uma causa provável ou adequada do segundo.».
E, tratando-se de um caso em que advogada mandatada para intentar uma acção de despejo, por falta de pagamento de rendas, não o fez, violando o contrato de mandato, concluiu-se, neste aresto, que, não resultando dos autos que, se tivesse sido intentado a acção os recorrentes teriam em realizado, no confronto da devedora, o seu direito de crédito de rendas, «os factos não revelam o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa da recorrida da sua obrigação contratual de intentar a aludida acção e o dano dos recorrentes de não terem recebido as referidas rendas.».
In casu, e salvo melhor opinião, o A. também não provou, porque nada se ficou a saber das circunstâncias do acidente, que, se tivesse sido intentada a acção de indemnização contra o pretenso causador do acidente e/ou a sua seguradora, teria direito a receber essa indemnização, não estando, assim, estabelecido o nexo de causalidade entre a omissão do R. e o prejuízo reclamado. E o R. tem razão quando refere que o sofrimento físico e psicológico provado tem a ver, como se retira da leitura da petição inicial (vide arts. VI a XV), com sequelas do acidente, não com a omissão da A..
Com todo o respeito pela decisão recorrida, consideramos que não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta do R., no que tange ao incumprimento do contrato de mandato, e os prejuízos alegados e provados, na medida em que o foram, pelo A./Apelado.
Não está preenchido, assim, um dos requisitos da condenação por responsabilidade civil contratual, motivo por que o R. não poderia ser condenado.
Assiste, pois razão ao Apelante, neste aspecto, tanto bastando para a procedência da apelação.
Ficam prejudicadas as demais questões suscitadas nas conclusões.

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, revogando-se a douta sentença recorrida, absolve-se o R. do pedido.

Custas pelo Apelante nas duas instâncias.

Notifique.
*

Lisboa.12.7.2006

(Tibério Silva)
(Ezagüy Martins
(Maria José Mouro)