Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
766/14.0TVLSB.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULAS EXCLUÍDAS
CLÁUSULAS NULAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO:
1. Considera-se não escrita uma cláusula contratual geral que o proponente não comunicou com a antecedência necessária e de modo adequado à contraparte, sociedade comercial (art. 8º da LCCG) – não bastando que essa cláusula seja explicadas pelo notário quando da escritura pública onde a cláusula foi incluída.
2. Considerando-se não escrita aquela cláusula, não se põe a questão da sua eventual nulidade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório

A Instância Central Cível da Comarca de Lisboa (1ª Secção) julgou improcedente o pedido de providência cautelar apresentado contra B – Sucursal em Portugal (requerida, recorrida), por A, AII  e D  (requerentes, recorrentes). O pedido era o seguinte:
Que a requerida se abstenha de alterar as margens contratualmente estabelecidas de 0,25%, e de denunciar os mesmos contratos invocando o seu incumprimento, enquanto os planos de pagamento inicialmente estabelecidos estiverem a ser cumpridos e ainda a retirar as comunicações de incumprimento que enviou à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, tudo com as consequências legais. 
Recorreu pedindo que se decrete a providência requerida, com as consequências legais.
A recorrida pede que se mantenha aquela decisão. Foram dispensados os vistos.
Cumpre decidir se são de admitir os documentos apresentados com as alegações de recurso, se o artigo 5º.3 dos contratos pode ser tido em conta na decisão, se a requerida podia alterar o spread contratual, se estão reunidos os pressupostos para decretamento da providência cautelar.

Fundamentos

Factos

Ficaram sumariamente demonstrados os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo:

1. As Requerentes são sociedades comerciais, as quais têm os mesmos administradores e as suas sedes no mesmo local, na Av. (…), tendo todas elas como objecto social a realização de investimentos imobiliários e a administração de bens imóveis, conforme certidões de registo comercial que se juntam;
2. Com data de 4 de Outubro de 2007, as Requerentes celebraram três contratos de empréstimo com o B tendo este mutuado, à 1ª Requerente, € 1.537.500, (um milhão quinhentos e trinta sete mil e quinhentos euros), à 2ª Requerente € 1.537.500 (um milhão quinhentos e trinta sete mil e quinhentos euros), e à 3ª Requerente € 1.075.000, (um milhão e setenta e cinco mil euros);
3. Com a 1ª requerente, um contrato de mútuo com hipoteca e mandato, conforme escritura pública e respectivo documento complementar junto a fls. 56 a 73 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4. Com a 2ª requerente, um contrato de mútuo com hipoteca e mandato, cuja cópia foi junta a fls. 74 a 95 cujo teor se reproduz;
5. Com a 3ª Requerente nos presentes autos, um contrato de mútuo com hipoteca, conforme cópia da Escritura pública e respectivo documento complementar junto a fls. 96 a 114 cujo teor se reproduz;
6. Nos termos das escrituras celebradas, foram constituídas hipotecas sobre os imóveis melhor identificados nas mesmas, e que garantem o pagamento:
       a) Relativamente à sociedade A para garantia do pagamento do mútuo devido a título de capital no montante de € 1.537.500,00, bem como, do pagamento de juros remuneratórios, fixados apenas para efeitos de registo em 5,980% ao ano, acrescida de 4% ao ano a título de cláusula penal, em caso de mora, dos respectivos encargos e indemnizações, bem como dos demais encargos e despesas incorridas para cobrança dos seus créditos;
   b) Relativamente à sociedade AII para garantia do pagamento do mútuo devido a título de capital no montante de € 1.537.500,00, bem como, do pagamento de juros remuneratórios, fixados apenas para efeitos de registo em 5,980% ao ano, acrescida de 4% ao ano a título de cláusula penal, em caso de mora, dos respectivos encargos e indemnizações, bem como dos demais encargos e despesas incorridas para cobrança dos seus créditos e
          c) Relativamente à sociedade D para garantia do pagamento do mútuo devido a título de capital no montante de € 1.075.000,00, bem como, do pagamento de juros remuneratórios, fixados apenas para efeitos de registo em 5,988% ao ano, acrescida de 4% ao ano a título de cláusula penal, em caso de mora, dos respectivos encargos e indemnizações, bem como dos demais encargos e despesas incorridas para cobrança dos seus créditos
7. Refere-se nas referidas escrituras que compareceram pessoalmente nas referidas três escrituras, em representação das sociedades mutuárias, os seus únicos administradores, no caso da primeira e segunda requerentes e únicos gerentes, no caso da terceira requerente, o Sr. Dr. (…) e o Sr. Dr. (...);
8. Mais declararam as Requerentes através dos seus legais representantes nessa qualidade, nas respectivas escrituras o seguinte: “Que a mutuária desde já se confessa devedora ao B da totalidade da quantia mutuada, juros e demais encargos resultantes da presente escritura e do Contrato, de acordo com as condições de utilização do montante mutuado, reembolso, vencimento antecipado e demais termos e condições do empréstimo previstos no contrato”.
9. Ficou, além do mais, estipulado nos documentos complementares anexos às referidas escrituras no “ARTIGO QUINTO – JUROS”, o seguinte:
   “UM. Sobre o capital mutuado e em dívida incidirão juros contados dia a dia, com base num ano de 360 dias, e calculados a uma taxa revisível no início de cada Período de Aplicação de Taxa, correspondente à Euribor divulgada no segundo Dia Útil anterior ao início do respectivo Período de aplicação de taxa ou no Dia Útil imediatamente anterior, caso não seja possível apurar aquela, arredondada à milésima do ponto percentual imediatamente superior, acrescida de uma margem de 0,25% (zero vírgula vinte e cinco por cento).
    DOIS. Para o primeiro Período de Contagem de Juros, a taxa nominal, na presente data será de 5,633% (cinco vírgula seiscentos e trinta e três por cento), à qual corresponde a Taxa Anual Efectiva de 5,980 % (cinco vírgula novecentos e oitenta por cento), calculada nos termos do Decreto-lei nº 220/94, de 23 de Agosto.
    TRÊS. A MUTUÁRIA pelo presente reconhece e aceita expressamente o direito de o B proceder, no início de cada Período de Contagem de Juros, a alterações à margem referida no número UM supra, nomeadamente se se verificarem modificações das disposições legais ou regulamentares sobre a matéria, das condições do mercado financeiro ou do risco inerente ao presente financiamento.
   QUATRO. As alterações referidas no número anterior serão comunicadas por escrito à MUTUÁRIA, passando a vigorar a partir do primeiro Período de Contagem de Juros imediatamente seguinte ao da expedição da referida comunicação.
10. Quanto à forma e prazo do reembolso, ficou estipulado no ARTIGO SEXTO – REEMBOLSO nos respectivos Documentos Complementares integrantes das Escrituras celebrados com as sociedades requerentes o seguinte:
     1) Até ao termo do prazo de 36 meses a contar da data da celebração do contrato, vigorou um período de carência de capital, sendo em consequência devidos apenas juros por parte da mutuária;
    2) Findo aquele período de carência (ou seja, a partir de 4/11/2010), o empréstimo será amortizado, através de 203 prestações mensais, prestações correspondentes a 70% do capital e aos juros aplicáveis à totalidade do capital mutuado, de acordo com os respectivos planos de pagamentos de cada uma das sociedades e uma última amortização através do pagamento de 30% do capital mutuado em 4 de Outubro de 2027.
11. Na data da celebração das escrituras foi entregue a cada uma das requerentes os planos de pagamento juntos a fls. 417 a 428 ( já haviam sido também juntos pelas requerentes a fls. 160 a 177 ) cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
12. Na data da celebração das escrituras os imóveis dados de garantia nos empréstimos em causa foram avaliados da seguinte forma: os da A., em € 3.320.100,00, os da BII em € 2.494.000,00 e os da D em € 1.468.000,00. (cf. docs. de fls. 115 a 159 dos autos)
13. Com as quantias mutuadas, as Requerentes pagaram empréstimos anteriormente obtidos, fizeram obras e melhoramentos nos imóveis que lhes pertencem, pagaram indemnizações a inquilinos com rendas antigas, para que estes rescindissem os arrendamentos de que eram titulares e desocupassem os locais arrendados, celebraram outros arrendamentos com rendas mais elevadas;
14. Da apresentação de contas e IES das requerentes resulta que o rendimento das empresas cresceu de nos termos constantes do mapa junto a fls. 178 cujo teor se reproduz;
15. Em 07 de Outubro de 2009, o B comunicou às Requerentes que a margem então fixada em 0,25 %, seria alterada para 1,5 %, a partir de Dezembro 2009, dizendo que comunica a necessidade da alteração nos termos constantes da carta de fls. 179 a 183, cujo teor se reproduz, e que além do mais refere que a aplicação desta nova taxa, na real “crise económico-financeira sem precedentes”, a qual implicou que o “capital e financiamento (funding) imprescindíveis aos bancos para poderem emprestar dinheiro aos seus clientes tenham hoje em dia um custo mais elevado quando comparado como de há uns meses atrás, sendo este aumento dos encargos dos bancos incompatível com as margens negociadas no cenário económico-financeiro anterior ao dos efeitos da crise”;
16. Por carta de 06 de Novembro de 2009, as sociedades responderam ao B, nos termos constantes de fls.185 a 196, dizendo além do mais que «Acusamos a recepção da vossa comunicação datada de 7 de Outubro de 2009, relativa ao aumento do spread do Contrato de mútuo em vigor, a qual causou alguma surpresa e perplexidade, pois, apesar de nela serem invocada a existência de uma “crise económica-financeira sem precedentes” não são indicados quaisquer circunstâncias concretas que justifiquem o aumento de seis vezes o spread contratualmente estabelecido. Sobre este assunto, não podemos deixar de referir o seguinte: 1. É do nosso conhecimento, através da consulta a diversos bancos que, para o crédito à habitação, continua a ser praticado, inclusive pelo B um spread de 0,45% (...)», concluindo que «solicitamos queiram informar-nos quais os motivos concretos com base nos quais é comunicado o aumento do spread para que se possa avaliar do período de tempo de duração do mesmo»;
17. O Banco Requerido, por carta datada de 12/11/2009, junta afls.197 a 202 cujo teor se reproduz, respondeu no essencial que “(...) os indicadores financeiros e a situação relacionada com o funding do B, são questões de natureza interna não sendo, portanto, susceptíveis de divulgação. De qualquer forma pudemos assegurar, tal como foi comunicado e é genericamente conhecido, que os financiamentos que os bancos recorrem para, por sua vez poderem financiar os seus clientes têm hoje em dia um custo muito mais elevado que outrora (...), mantendo disponibilidade para num futuro poder reavaliar a situação (...);
18. Para evitar a possibilidade de entrar em incumprimento as Requerentes, começaram a pagar as prestações mensais englobando a nova margem de 1,5 % (um e meio por cento) indicada pelo ora Requerido;
19. Entre 2009 e Janeiro de 2013, em consequência do aumento de margem de 0,25% para 1,5%, as ora Requerentes pagaram mais de €166.425,02, (a A, € 61.657,45, a BII, € 61.657,45 e a D € 43.110,12), do que o deveriam ter pago se tivessem sido mantido o spread a 0,25%;
20. Em 10 de Outubro de 2012, o B enviou três novas cartas às Requerentes, juntas a fls. 205 a 210 cujo teor se reproduz, comunicando que o spread passaria a ser de 5,5% dizendo que tal advém da sequência «da crise económica-financeira sem precedentes que temos vindo a assistir, é notório que a mesma tem implicado, para os bancos, um aumento do custo do capital, aumento esse que não tem sido compatível com as margens negociadas outrora, nem com o cenário económico-financeiro anterior aos efeitos da crise (...)»;
21. O B sucursal é um banco alemão;
22. As Requerentes, responderam em 29 de Outubro de 2012, comunicando não ser possível aceitar o aumento indicado, não só por este não estar alicerçado na invocação de quaisquer factos concretos, como também porque este aumento colocaria as ora AA. em curto prazo, na situação de impossibilidade de cumprimento das suas obrigações para com o Banco. (docs. de fls. 212 a 217 cujo teor se reproduz )
23. Em 2 de Novembro seguinte, o B (Sucursal em Portugal) acusou a recepção das cartas enviadas, dizendo que se “encontra iniciado um processo de averiguação interno (...)” (docs. de fls. 218 a 223 );
24. Em 12 do Novembro de 2012, as Requerentes receberam três cartas do Requerido, em resposta ás cartas destas de 29 de Outubro, apenas dizendo que os contratos de mútuo celebrado prevêm a possibilidade de no inicio de cada período de contagem de juros, serem efectuadas alterações, nomeadamente, se forem identificadas modificações das disposições legais ou regulamentares sobre a matéria das condições de mercado financeiro ou de risco inerente ao presente financiamento. Face ao exposto, não nos é possível proceder ao solicitado (...) (docs de fls. 224 a 229 cujo teor se reproduz );
25. Com o intuito de obter uma solução extra judicial, por cartas de 21 de Novembro de 2012, as AA. solicitaram a intervenção do Mediador de Crédito do Banco de Portugal. (doc. de fls. 230 a 236 );
26. A pedido desta entidade, as Requerentes apresentaram uma proposta de alteração da margem praticada, por um período de tempo limitado, condicionado á carência de amortização de capital durante o mesmo período de tempo e à celebração de um aditamento “explicitando as condições em que, qualquer das partes, pudesse pedir a alteração da margem, em sentido positivo ou negativo”, nos termos constantes do documento de fls. 239 cujo teor se reproduz;
27. Em 11 de Dezembro de 2012, a pedido do B, realizou-se uma reunião entre Requerentes e Requerido, tendo sido explicitadas as posições de ambas as partes, conforme descrito no mail junto, enviado ao Mediador de Crédito, junto a fls. 241;
28. Por carta de 18 de Dezembro 2012, o B, apresentou uma proposta de atribuição de um período de carência de amortização de capital de três anos, e que a margem ficasse fixada em 4,25 % (quatro virgula vinte cinco por cento) (doc. de fls. 242 a 245 e 250 a 253);
29. Nessa proposta, o B altera ainda a taxa de referência de euribor a um mês para euribor a três meses;
30. As Requerentes responderam a esta proposta nos termos constantes das cartas de 27 de Dezembro de 2012 juntas a fls. 254 a 265 cujo teor se reproduz, não aceitando tal proposta nos termos e fundamentos constantes das cartas;
31. Por carta datada de 7 de Janeiro de 2013, o B confirma a mesma proposta anteriormente feita, constando da carta, além do mais, que o ajustamento da margem da taxa de juro do contrato é necessária em face das “condições actuais do mercado financeiro” e “ a actual situação do mercado de funcionamento dos Bancos”, e “foi previamente autorizado por V.Exas no momento da assinatura do contrato”e ainda que “A razão atendível que justifica o aumento do spread é o agravamento do financiamento junto do mercado financeiro, quer do Estado Português, quer das instituições de crédito a operar em Portugal. Esse agravamento é do conhecimento público e é facilmente comprovável. A título de exemplo à data de 4 de Janeiro de 2013, a taxa de juro do financiamento da República Portuguesa a 10 anos é de 6,412%” ( conforme cartas juntas a fls. 266 a 277 cujo teor se reproduzem);
32.Nessa carta, o B afirma que, com as condições propostas, as AA. diminuiriam o valor das prestações mensais de € 4.719,66 para € 3.665,73, com o que facilitaria o funcionamento da sua tesouraria;
33. Actualmente as prestações mensais incluem amortizações de capital de € 4.765,41., € 4.765,41 e € 3.331,90
34. Os juros mensalmente pagos pelas AA., foram, em Janeiro de 2013, de € 1.980,63, € 1.980,63 e € 1.384,83, já calculados com um spread de 1,5 % e, a ser aceite a proposta constante da carta de 7 de Janeiro, esses juros passariam a ser de € 6.898,38, € 6.898,38 e € 4.823,26 mensais;
35. Mantendo-se o spread em 0,25%, o valor de juros pago mensalmente por cada uma das sociedades seria, em Fevereiro de 2014, de € 448,70, € 448,70 e € 313, 73, respectivamente;
36. Em Janeiro de 2013, as prestações pagas pelas Requerentes foram, de € 6.750,22, € 6.750,22 e € 4.719,66, o que perfaz € 18.220,10, já calculadas com spread de 1,5 %.
37. A situação de crise económica existente desde 2011, também teve consequências para as empresas Requerentes, exercem a sua actividade no sector imobiliário, tendo diminuído o indice de ocupação dos imóveis e as rendas praticadas
38. No decurso das negociações efectuadas sobre o patrocínio dos serviços do Mediador de Crédito, por carta de 3 de Junho de 2013, o B sucursal aceitou prescindir da alteração de condições contratuais constante da carta enviada em 7 de Outubro de 2012 (alteração do spread de 1,5% para 5,5%), declarando encerradas as negociações (doc. de fls. 289 cujo teor se reproduz );
39. O Banco de Portugal, emitiu recomendações constante da carta-circular no 32/2011- DSC, acerca das alterações das margem iniciais dos contratos de financiamento, na qual se afirma que: “quando correspondam a variações de mercado ... as instituições de crédito devem concretizar com detalhe suficiente tais factos”, os quais deverão ser relevantes, excepcionais e ter subjacente um motivo ponderoso;
40. As Requerentes, a 14 de Janeiro de 2014, apresentaram uma proposta para uma nova redacção da cláusula contratual que permitia alterações da margem, ou “spread” aplicáveis, nos termos constantes de fls. 291 a 299 cujo teor se reproduz
41. Desde o início de 2013, as sociedades têm pago as prestações mensais com o cálculo de um spread de 0,25% e a taxa Euribor devida em cada momento;
42. O B comunicou á Central de Responsabilidades do Banco de Portugal a existência de uma mora por parte das sociedades desde há mais de trinta dias, nos termos constantes de fls. 329 a 331, reportado à data de 30/09/2013;
43. Com data de 14/02/2014 foi recusada pelo Banco C a uma das Requerentes a celebração de um contrato de renting ( cf. doc. de fls. 328 );
44. A comunicação de incumprimento feita á Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, prejudica o bom nome comercial das Requerentes;
45. A base de cálculo de juros de uma entidade bancária, como é o caso do B, a assenta em três factores:
     1) Os custos do financiamento, os quais incluem: i. Os juros a pagar pela obtenção de financiamento no mercado (remunerações de depósitos a prazo, emissões obrigacionistas); ii. O custo de alocação de capital para fazer face ao risco de crédito (segundo as regras definidas nos acordos de Basileia, aplicáveis aos bancos portugueses). iii. O custo de imobilização de capital; iv. Custo médio estimado pelo banco para o incumprimento de cada um dos contrato celebrados (perda esperada).
          2) Custos operacionais com a própria estrutura do banco
          3) A margem de remuneração do banco;
46. A partir de 2011, verificou-se ainda um agravamento sério da crise económico-financeira em Portugal e na Europa, altura que os bancos portugueses perderam o acesso aos mercados internacionais de dívida por grosso a médio e longo prazo;
47. A escassez do crédito e a crise da dívida soberana acabaram por obrigar Portugal a pedir em 2011, um resgate financeiro da ordem de 78 mil milhões de Euros concedidos pela UE, FMI e BCE; [foi corrigido o valor: não é milhões, é mil milhões]
48. Em 2012 existia algum risco de Portugal não cumprir com as condições previstas no memorando da Troika e, consequentemente, ter de pedir um segundo empréstimo ou abandonar a zona Euro;
49. Em 2012, a situação do sistema bancário português era muito desfavorável;
50. Resulta do “Relatório de Estabilidade Financeira – Novembro de 2012” do Banco de Portugal, o seguinte:
  «1. A envolvente em que o sistema bancário português tem desenvolvido a sua atividade continuou a ser muito desfavorável. De facto, a crise da dívida soberana na área do euro e a interação entre o risco apercebido pelos operadores de mercado relativamente à dívida pública e aos bancos da respetiva jurisdição persistem como importante fonte de incerteza e de vulnerabilidade dos bancos portugueses. (…)   
   2. No primeiro semestre de 2012, os bancos portugueses continuaram a promover a desalavancagem gradual dos seus balanços, consubstanciada numa diminuição do crédito concedido e, simultaneamente, na resiliência dos depósitos de particulares. A rendibilidade do sistema bancário deteriorou-se face ao primeiro semestre de 2011, refletindo o aumento das provisões e imparidades associadas à carteira de crédito a clientes e a evolução da margem financeira. Por outro lado, observou-se uma melhoria face aos resultados do segundo semestre do ano anterior, embora estes tenham sido fortemente penalizados por eventos extraordinários. (...)
   5. O ajustamento em curso da economia portuguesa tenderá a persistir no futuro, com implicações diretas sobre as perspetivas de materialização do risco de crédito. O incumprimento dos particulares e, principalmente, das empresas deverá assim continuar a aumentar nos próximos trimestres. É importante assegurar que este processo seja consistente com a reestruturação em curso da economia portuguesa e que não adie a dinâmica de recuperação económica a médio prazo. Neste contexto, a situação financeira do setor empresarial e dos particulares continuará a ser acompanhada no sentido de identificar possíveis medidas que atenuem os efeitos do elevado endividamento destes setores na sua capacidade de financiamento e no seu grau de incumprimento junto do sistema bancário. Paralelamente, as autoridades nacionais, incluindo o Banco de Portugal, estão a identificar medidas visando a diversificação das fontes de financiamento das empresas e o apoio ao financiamento dos segmentos mais dinâmicos e produtivos da economia.
 (...)
  7 – (...) Deste modo, mantém-se a necessidade de continuar a reforçar o conjunto de ativos disponíveis para utilizar como garantia nas operações de cedência de liquidez num contexto em que subsistem riscos sobre a sustentabilidade da diminuição das tensões nos mercados financeiros internacionais. Por outro lado, a adoção de regras mais exigentes no âmbito da futura regulamentação comunitária sobre requisitos de liquidez constitui um desafio adicional para os bancos a nível internacional, incluindo os portugueses. Neste contexto, a continuação do ajustamento gradual do balanço dos bancos portugueses, traduzido numa redução gradual do rácio entre o crédito e os depósitos permitirá convergir a prazo para uma estrutura de financiamento mais sustentável e menos sensível a alterações na perceção de risco por parte dos investidores internacionais.
  8 - A rendibilidade dos bancos portugueses deverá manter-se sob pressão, num quadro de deterioração expectável da qualidade da carteira de crédito bancário, em conjugação com a persistência de níveis muito reduzidos de taxas de juro interbancárias. Neste contexto, a manutenção de níveis de capitalização adequados continuará a ser um elemento crucial para preservar a solidez e a resistência do sistema bancário a choques adversos. Por outro lado, é fundamental que a estratégia de restruturação das redes comerciais e, mais genericamente, de racionalização dos custos dos bancos, prossiga no futuro próximo de modo a permitir adaptar a capacidade instalada do sistema bancário ao menor nível estrutural de procura de serviços bancários. Estes desenvolvimentos irão ocorrer em simultâneo com a entrada em vigor de novo quadro regulamentar no contexto da União Europeia, que reflete em boa parte os preceitos de Basileia III, que se traduzem em requisitos de liquidez e solvabilidade gradualmente mais exigentes. A evolução recente da solvabilidade e liquidez dos bancos portugueses é consentânea com o cumprimento das metas nos calendários previstos.
   9 - As condições de financiamento dos bancos continuam a estar fortemente influenciadas pela situação financeira dos respetivos Estados. (...)»;
51. Entre 2009 e 2012 houve uma tendência do aumento do spread praticado aos novos empréstimos em Portugal;
52. A empresa mãe da requerida no primeiro semestre de 2012 comunicou às suas sucursais ou subsidiárias sedeadas em Itália, Espanha e Portugal que iria proceder ao encerramento das linhas de crédito intragrupo, o que no caso de Portugal ocorreu em Setembro de 2012;
53. As prestações contratuais das sociedades A e da sociedade BII, tendo por base o spread de 1,5%, em 4/02/2013 perfaziam o valor de € 6.751,86, em 4/03/2013 de € 6.753,50, a 4/04/2013 de € 6.759,19, a 4/05/2013 de € 6.757,58, a 4/06/2013 de € 6.757,58, a 4/07/2013 de € 6.752,75, a 4/08/2013 de € 6.760,00, a 4/09/2013 de € 6.764,01, a 4/10/2013 de € 6.766,41, a 4/11/2013 de € 6.766,41, a 4/12/2013 de € 6.766,41, a 4/01/2014 de € 6.769,59, a 4/02/2004 de € 6.836,85, a 4/03/2014 de € 6.844,76, a 4/04/2014 de € 6.844,76 e a 5/05/2014 de € 6.851,83,;
54. As prestações contratuais da sociedade D perfaziam em 4/02/2013 o valor de € 4.720,81, em 4/03/2013 de € 4.721,96, a 4/04/2013 de € 4.724,94, a 4/05/2013 de € 4.724,81, a 4/06/2013 de € 4.724,81, a 4/07/2013 de € 4.726,50, a 4/08/2013 de € 4.726,30, a 4/09/2013 de € 4.729,30, a 4/10/2013 de € 4.730,99, a 4/11/2013 de €4.730,99, a 4/12/2013 de € 4.730,99, a 4/01/2014 de € 4.733,20, a 4/02/2004 de €4.780,24, a 4/03/2014 de € 4.785,76, a 4/04/2014 de € 4.785,77 e a 5/05/2014 de €4.790,71;
55. Por cartas datadas de 13 de Fevereiro de 2014 o ora Requerido interpelou as sociedades Requerentes para que num prazo de 10 dias regularizassem os valores em mora, sob pena de declarar o vencimento antecipado dos contratos de mútuo, conforme cartas juntas a fls. 515 a 523 cujo teor se dá por reproduzido.

Não ficaram sumariamente demonstrados os seguintes factos:

- Que tenha sido apenas o B a elaborar os textos das escrituras notariais de hipoteca e dos documentos complementares, não tendo estes sido previamente comunicados ás Requerentes, as quais não negociaram nem discutiram o teor das cláusulas contratuais.
- Que se fosse aceite a proposta feita pelo Requerido, as Requerentes, ficariam, impossibilitadas de cumprir os planos de pagamento dos empréstimos contraídos, o que sucederia, o mais tardar, assim que terminasse o prazo de carência de pagamento de capital.
- Que outros Bancos continuam a praticar e a anunciar spreads, ou margens, de 1%, para financiamentos agora concedidos;
- Que o aumento de custos de financiamento suportados pelo Requerido é susceptível de provocar uma alteração significativa ao equilíbrio económico subjacente ao contrato;
- Que no próprio dia da celebração das Escrituras, as Requerentes solicitaram uma alteração relevante aos bens imóveis dados de garantia aos Contratos, o que obrigou a uma negociação e revisão de toda a documentação contratual, e que culminou com a alteração dos contratos e implicou um atraso de muitas horas na realização das escrituras.

Análise jurídica

Considerações do Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:

No caso dos autos as requerentes pretendem que o tribunal decida que a requerida se abstenha de alterar as margens contratualmente estabelecidas de 0,25%, e de denunciar os mesmos contratos invocando o seu incumprimento, enquanto os planos de pagamento inicialmente estabelecidos estiverem a ser cumpridos e ainda a retirar as comunicações de incumprimento que enviou à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, tudo com as consequências legais.

A questão primordial a discutir prende-se com a cláusula referida: “A MUTUÁRIA pelo presente reconhece e aceita expressamente o direito de o B proceder, no início de cada Período de Contagem de Juros, a alterações à margem referida no número UM supra, nomeadamente se se verificarem modificações das disposições legais ou regulamentares sobre a matéria, das condições do mercado financeiro ou do risco inerente ao presente financiamento”.
Em primeiro lugar, referem as requerentes que tal cláusula não foi negociada nem lhes foi comunicada, porém, não há que olvidar que estamos perante sociedades comerciais. É certo que as cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré – elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar e para que as cláusulas se possam incluir nos contratos, necessária se torna a sua aceitação pelo aderente, pelo que ficam naturalmente excluídas do contrato as cláusulas contratuais gerais não aceites especificamente por um contraente, ainda que sejam habitualmente usadas pela outra parte relativamente a todos os seus contraentes. Mas, para além disso, mesmo que ocorra a aceitação, a lei impõe o cumprimento de certas exigências específicas para permitir a inclusão das cláusulas contratuais gerais no contrato singular. Essas exigências constam dos arts. 5º a 7º da LCCG, reconduzindo-se à (i) comunicação das cláusulas contratuais gerais à outra parte (art. 5º); (ii) à prestação de informação sobre aspectos obscuros nelas compreendidos (art. 6º) e (iii) à inexistência de estipulações específicas de conteúdo distinto (art. 7º). Como resulta do nº 2 do art. 1º, o regime consagrado no DL nº 446/85 (redacção introduzida pelo DL n.o 249/99), também se aplica às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo, previamente elaborado, os destinatários não podem influenciar. Relativamente à comunicação à outra parte, a mesma deve ser integral (art. 5º, nº 1) e ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo por quem use de comum diligência (art. 5º, nº 2).
No entanto, tal resulta evidente quando estamos perante um consumidor singular e não empresas como é o caso dos autos, (…)

A presença dos contratos assinados pressupõe que a recorrente os entendeu e, em conformidade com o disposto no art. 6º, a exequente apenas teria que informar a outra parte dos aspectos cuja aclaração se justificasse, e prestar os esclarecimentos solicitados». Logo, transpondo tal entendimento para os autos, estamos perante sociedades comerciais com um volume de negócios já considerável, pelo que não é de aplicar o regime das CCG e consequentemente considerar nula qualquer cláusula.
Não obstante o referido importará aferir da cláusula em causa tendo por base o comportamento da requerida por um lado, e das requerentes, por outro.

Para evitar a possibilidade de entrar em incumprimento as Requerentes, começaram a pagar as prestações mensais englobando a nova margem de 1,5 % (um e meio por cento) indicada pelo ora Requerido.

É certo que ficou sobejamente demonstrado e é do conhecimento público a situação de crise económica e financeira em especial bancária, porém, esta poderia justificar o aumento para 1,5%, mas nunca seria admissível os 5,5% que a requerida queria impor às requerentes, com os mesmos argumentos já referidos em 2009 aquando do aumento para 1,5%, pois a situação tem neste momento tendência a normalizar ou até melhorar.
Acresce que nesta acção não há que olvidar que as requerentes aceitam até determinado momento o aumento de 0,25% para 1,5%, tanto que procederam ao pagamento nesses moldes, apenas tendo deixado de o fazer face á atitude posterior da requerida. Mas esta aceitação nesta acção terá de ser ponderada, nomeadamente na circunstância que as requerentes tinham solvabilidade para fazer face a esse aumento, tanto que o aceitaram (com reservas, é certo, mas tal tem de ser discutido numa acção principal e não a nível cautelar), logo o segundo pressuposto da providência cai desde logo por terra. Na verdade, após as negociações a requerida acaba por aceitar recuar para o que existia anteriormente, em Junho de 2013, e nada nos autos se provou que nos leva a concluir que pretende aplicar outra taxa de spread.
Todavia ainda que o direito das requerentes possa efectivamente existir tratando- se de uma acção de natureza cautelar entendemos que é manifesto que a requerente não logrou demonstrar a existência e factos que integrem o pressuposto do fundado receio de que esse (eventual) direito sofra lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora). Na verdade não se logrou provar que caso fosse aceite a proposta feita pelo Requerido, as Requerentes, ficariam, impossibilitadas de cumprir os planos de pagamento dos empréstimos contraídos, o que sucederia, o mais tardar, assim que terminasse o prazo de carência de pagamento de capital. Acresce que são as requerentes que pagando as prestações tendo por base a taxa de 1,5% que depois decidem não efectuar esse mesmo pagamento, mas sem que existam razões de ordem financeira manifesta para essa ausência de pagamento. Também não lograram provar quaisquer prejuízos irreparáveis pela comunicação ao BdP efectuado pela requerida, pois apenas se provou que não obtiveram um contrato de renting com o Banco C mas não resulta da recusa o motivo da mesma, ainda que o bom nome das requerentes seja posto em causa pela existência desse incumprimento junto do BdP, mas sem existam prejuízos concretos invocados justificadores da procedência de uma providencia cautelar.
De tudo o referido e não obstante a aparência, em nosso entender, do direito das requerentes, improcede a presente providência cautelar.

Conclusões das recorrentes
A  isto, opõe o recorrente as seguintes conclusões:
(…)

Conclusões da recorrida
Mas a recorrida objeta o seguinte:
I. Da não comunicação da cláusula contratual correspondente ao nº 3 do “Art. Quinto – Juros”:
A) Após a prova produzida, resultou como não provado que
“Que tenha sido apenas o B a elaborar os textos das escrituras notariais de hipoteca e dos documentos complementares, não tendo estes sido previamente comunicados às Requerentes, as quais não discutiram o teor das clausulas contratuais”.
B) Acresce que o regime jurídico das “Cláusulas Contratuais Gerais” previsto no DL 446/85 de 25/10, não é aplicável ao caso sub iudice.
C) As cláusulas constantes do escrito particular “Documento Complementar”, não têm a natureza e características de cláusulas contratuais gerais, sujeitas ao regime do DL 446/85.
D) Atento o art. 342 nº 1 do Código Civil, esta prova competia em exclusivo às Recorrentes.
E) Ora, o “Documento Complementar” não foi elaborado de antemão; nem se destinava a que os clientes o subscrevam e aceitem, podendo outrossim ser utilizado por pessoas indeterminadas, quer como proponentes quer como destinatários; nem se destinava a receber a adesão das partes, sem possibilidade de alterações.
F) O documento complementar não tem caraterísticas de formulário, tendo sido entregue às Recorrentes com o objetivo de integrar a escritura de mútuo e para complementar esse concreto contrato de mútuo e não qualquer contrato de mútuo.
G) Assim, a cláusula constante do nº 3 do artigo quinto do “Documento Complementar”, não se encontra sujeita ao regime do DL 446/85 de 25/10.
H) Acresce que o recorrido não “impõe” o clausulado dos contratos que celebra aos seus clientes, ainda que utilize uma “minuta” própria, sendo a mesma preenchida caso a caso de acordo com o que é negociado com cada um dos seus clientes, situação que ocorreu com as Recorrentes, tendo sido previamente negociadas todas as cláusulas que integram os presentes contratos.
I) Tal como ficou demonstrado, por via da outorga da escritura, as Recorrentes declararam expressamente que leram e tomaram perfeito conhecimento do conteúdo do documento complementar.
J) Vêm as recorrentes juntar nas suas alegações de recurso um e-mail (documento nº 1 das alegações de recurso) trocado entre as partes em fase de negociações prévias, junção essa que, nos termos do art. 651 do Código de Processo Civil é inadmissível, consubstanciando um ato que a lei não admite, nos termos do art. 195 do Código de Processo Civil.
K) As Recorrentes não alteraram o teor do artigo 5º do documento complementar, não por falta de negociações, mas porque simplesmente o quiseram aceitar, pois doutra forma não beneficiariam da taxa de spread manifestamente baixa e que foi inicialmente acordada.
L) Pelo que decidiu e bem o Mmo. Juiz do Tribunal a quo ao considerar a este respeito como não provado que quer as escrituras quer os documentos complementares não tenham sido previamente comunicados, nem objeto de negociações prévias com as Recorrentes, não merecendo a douta sentença a este respeito qualquer reparo.

II. Da não verificação dos pressupostos necessários para o decretamento do procedimento cautelar – art. 362 nº 1 do Código de Processo Civil.
M) Os procedimentos cautelares constituem medidas judiciais preventivas e urgentes com a finalidade de evitar o “periculum in mora”, isto é, o perigo de que a morosidade própria de uma normal ação judicial acabe por inviabilizar, na prática, o direito de que o requerente da providência se arroga, sendo que quanto ao procedimento cautelar comum há que atender ao que dispõem os art.362 e 368, ambos do Código de Processo Civil.
N) Decide bem a douta sentença, ao considerar que para o decretamento do procedimento cautelar não basta a verificação do requisito da existência ou da aparência de um direito, necessariamente terão de se verificar os demais requisitos, sendo que desde logo não se verifica neste caso, o “periculum in mora”, o que determina o seu indeferimento.
O) Tal como resulta da matéria dada como provada, as sociedades Recorrentes não deixaram de pagar ao Recorrido as prestações com a inclusão de 1,5% de spread porque deixaram de ter capacidade económica para esse efeito, mas sim porque não aceitaram a posterior proposta de alteração da taxa de spread para 5,5 %.
P) Todos os pagamentos efetuados foram sempre imputados às prestações e juros mais antigos que iam ficando em aberto,       após cada  pagamento, tendo originado posteriormente prestações de valor integral em dívida, atentas as regras da imputação de pagamentos previstas no art. 784.o do Código Civil e que foram cumpridas pelo Recorrido.
Q) A taxa de 5,5% foi objeto de negociações malogradas entre as partes, nunca tendo sido efetivamente aplicada a qualquer prestação na vigência do contrato.
R) A margem do spread aplicada e em vigor antes da data de vencimento antecipado dos contratos, por falta de pagamento das prestações, entretanto ocorrida, era de 1,5%.
S) As Recorrentes tinham solvabilidade para o único aumento de spread ocorrido de 0,25% para 1,5%, tendo pago pontualmente todas as prestações desde a prestação vencida em 4/01/2010 para a sociedade A, e desde as prestações vencidas em 4/12/2009, para as sociedades BEMLEMBRADOS II e DGL, Lda., conforme resulta dos pontos 18. e 19. da matéria de facto dada como assente na sentença recorrida se fls._.
T) Tal como decidiu o Tribunal a quo esta margem de spread à taxa de 1,5% foi aceite pelas sociedades Requerentes em Novembro de 2009.
U) Encontrando-se ininterruptamente em vigor desde as datas referidas (4/12/2009 e 4/01/2010) até à data de vencimento antecipado dos contratos, ou seja, durante praticamente cinco anos esta taxa de spread de 1,5% incidiu sobre todas as prestações vencidas.
V) Assim decidiu bem o tribunal a quo, ao considerar que não existe qualquer “periculum in mora” quando as Recorrentes pagaram pontualmente todas as prestações vencidas desde 4/12/2009 até 4/02/2013 (data do início do incumprimento contratual por falta de pagamento das prestações acordadas) e apenas decidiram deixar de o fazer, não por incapacidade financeira, mas porque não concordaram com a segunda proposta (não aplicada) de alteração de spread.
W) Pelo que não se verifica nos presentes autos, o segundo requisito acima referido - fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito -: o autor pode solicitar a adoção da medida que julgar mais adequada para acautelar o efeito útil que através do processo principal pretende ver reconhecido ou satisfeito.
X) Ora, relativamente a este requisito, as sociedades Requerentes vêm alegar que o receio que tinham acabou agora por se verificar, ou seja, o Recorrido declarou o vencimento antecipado dos contratos por cartas datadas de 4 de Dezembro de 2014, após a notificação da sentença recorrida a fls._.
Y) A este propósito, cumpre desde já frisar que a matéria de recurso implica uma reapreciação por parte do tribunal superior, quer da prova produzida, quer da matéria do direito por parte da primeira instância, não cabendo neste conceito a apreciação de fatos supervenientes.
Z) Tal implicaria um ato que a lei não admite e consequentemente uma nulidade processual, atento o disposto no art. 588 do Código de Processo Civil.
AA)   Pelo que não cabe a este tribunal apreciar esta nova matéria de fato, devendo a mesma ser considerada como não escrita com o consequente desentranhamento dos documentos juntos como doc.2, doc.3 e doc.4 nas alegações das Recorrentes.
BB) Por último cumpre referir a este respeito que a decisão cautelar ainda que não transitada em Julgado, não impedia o Recorrido de declarar o vencimento antecipado dos contratos de mútuo, pois como é entendimento jurisprudencial e doutrinário, não se retira qualquer efeito prático do efeito suspensivo da decisão que não decreta o procedimento cautelar, uma vez que não existe qualquer sentença que ordene a prática de qualquer ato.

As recorrentes não podiam juntar o documento nº 1 com as alegações de recurso

As recorrentes apresentaram, com as alegações de recurso, um documento (fls. 649) “por a sua junção só se ter mostrado necessária em face da douta sentença recorrida”.
Pretendem fazer prova de que a cláusula do art. 5º-TRÊS do contrato não foi negociada antes da assinatura da escritura (conclusão I do recurso).
Mas trata-se de uma questão que já haviam alegado nos arts. 8º e 9º do requerimento inicial, e por isso foi sujeita a discussão em julgamento; o tribunal recorrido deu essa questão como “não demonstrada”, em resultado de tal discussão. Assim, as recorrentes não foram surpreendidas com tal decisão do tribunal. Pelo que não pode dizer-se que o documento em causa só se tenha tornado necessário em face da decisão recorrida.
Assim, o documento em causa não pode ser admitido, porque foi apresentado depois do encerramento da discussão e não se mostra necessário em virtude do julgamento proferido, – arts. 651, 423.3 e 425 do CPC. 
Pelo que se confirma a decisão de determina o desentranhamento deste documento, a restituir às recorrentes.

As recorrentes não pediram a alteração da matéria provada

Seja como for, lendo as conclusões das recorrentes vê-se que estas, embora aleguem que as escrituras e os demais documentos complementares não foram previamente negociados, não impugnaram tal matéria de facto de acordo com o que se exige no art. 640.1 do CPC: isto é, não especificaram que tal matéria devia ter-se por demonstrada, não especificaram os meios probatórios que impunham decisão diversa e não apresentaram tempestivamente qualquer documento comprovando essa tese, nem produziram prova testemunhal sobre a questão. Não pode, portanto admitir-se a impugnação daquela decisão de facto.

Mas os Docs. 2, 3 e 4 são de admitir

Com as alegações de recurso, as recorrentes apresentaram também mais três documentos, nos quais o mandatário judicial do Banco comunica que considera incumpridos os contratos em causa  e vencidas as obrigações assumidas nos termos dos mesmos, com a execução judicial das hipotecas constituídas em garantia – fls. 649 vº, 651 e 652 vº.
As requerentes haviam invocado o receio de que a requerida determinasse o incumprimento dos contratos, exigindo a totalidade da dívida. A decisão recorrida havia julgado injustificados tais receios “de grave lesão e de difícil reparação”. Recorre da decisão nesta parte.
O recorrido objecta que se está aqui perante factos supervenientes, que não podem ser apreciados no presente recurso; pede consequentemente o desentranhamento daqueles documentos – alíneas Y, Z, AA das conclusões.
Os documentos foram apresentados, não para apreciação de factos supervenientes, mas sim para apreciação do invocado receio de prejuízo das requerentes. Assim, os documentos são de admitir nos termos dos arts. 423.3, 425 e 651.1 do CPC, pois constituem documentos de prova de um receio já alegado e não articulados supervenientes proibidos pelo art. 588 do Código. Oportunamente será a questão apreciada neste acórdão.

As cláusulas contratuais gerais na mira da análise económica do direito

A análise económica do direito incidiu criticamente nas clássicas formulações da formação dos contratos, servindo-se dos instrumentos da teoria económica dos jogos: v. abaixo, nas Referências,  A.W.Katz 1990.
Nestas matérias, a teoria jurídica tradicional centrava as suas preocupações nos aspectos de igualdade das partes e do equilíbrio dos direitos de dois sujeitos abstratos, sem atender às diferenças de poder económico de uma e outra; mas a análise económica do direito centra as suas preocupações no aspecto de eficiência económica; o aspecto do equilíbrio das partes mantem-se, mas fica agora reforçado do ponto de vista da realidade económica, dos custos de tranação relativos e da força negocial (poder negocial) de cada contraente.
A análise económica do direito, em matéria de formação de contratos, desloca a questão das medidas a tomar face ao comportamento dos indivíduos para as medidas a tomar face ao funcionamento do próprio sistema de justiça que é chamado a intervir em situações de conflito.
Esta análise crítica parte das considerações da teoria microeconómica das externalidades, das economias de escala e dos bens públicos. A análise jurídica torna-se assim instrumento da análise microeconómica. Sobretudo, uma exigência da análise económica do direito é a eliminação dos regimes jurídicos economicamente ineficientes. Aqui, o dispositivo tradicional da formação dos contratos revela-se economicamente ineficiente porque não contêm um mecanismo suficientemente dissuasor da prática de ilícitos, antes premeiam a prática desses ilícitos pela parte economicamente mais forte. Torna-se necessário restituir o equilíbrio das situações jurídicas.
Põe-se assim a questão não só de reparar a situação particular, o conflito que é levado à apreciação do tribunal, mas sobretudo a questão de corrigir o sistema de justiça que intervém em situações de conflito. Assim, a análise económica do direito não é uma qualquer teoria do direito:  é desde logo, e principalmente, uma prática crítica do direito.
O desenvolvimento da moderna produção capitalista criou sistemas de produção em massa. Como nota A.W.Katz (1998:3:502), assim como os custos fixos e as economias de escala levam os fabricantes a desenvolver produtos padronizados no sector industrial, assim também as mesmas condicionantes levam os fornecedores de serviços a desenvolver contratos padronizados para serem assinados pelos seus clientes. Sob uma consigna simples: é pegar ou largar.
Num mercado concorrencial, os interessados em contratar um serviço dispõem de alternativas contratuais. Mas o que se passa é que frequentemente estamos aqui num mercado pouco ou nada concorrencial, oligopolístico ou mesmo monopolístico, em que o cliente não tem verdadeira alternativa de escolha do fornecedor. Também há situações de informação assimétrica que põem ainda mais em questão as já de si frágeis condições de negociação dos contratos.
Esta segunda perda de eficiência do mercado resulta da informação assimétrica dos fornecedores e dos clientes: os fornecedores conhecem perfeitamente a qualidade dos bens e serviços que fornecem, mas os clientes só têm uma vaga noção disso (este fenómeno foi descrito por Akerloff, 1970, como o market for lemons, mercado dos “barretes”). Finalmente, uma terceira perda de eficiência resulta do poder negocial do fornecedor, que impõe cláusulas abusivas nos contratos padronizados.
Então o Estado, como regulador da sociedade intervém para estabelecer normas que restituam condições da igualdade negocial possível, por exemplo, entre uma seguradora e o dono de um automóvel, entre uma operadora de telecomunicações e os seus clientes, entre um banco e uma empresa que procura obter aí um financiamento. Se o fornecedor for uma grande empresa, decerto disporá de um serviço jurídico para lhe preparar determinados contratos-tipos, e incluir neles cláusulas sempre idênticas, estabelecendo a situação jurídica a seu favor: são as cláusulas contratuais gerais.
O regime legal das cláusulas contratuais gerais surgiu em Portugal em 1985 por recomendação do Conselho da Europa (feita nove anos antes), e que representou um acertar do passo de Portugal relativamente aos países dos centros de decisão europeia: a Alemanha, a Grã-Bretanha, a França. Refere-se a este respeito a AGB-Gesetz alemã de 1976 (Allgemeine Geschäftsbedingungen Gesetz).
O DL 446/85 beneficiou da experiência legislativa daqueles países, inspirada pela análise económica do direito dos Estados Unidos (a primeira decisão jurisprudencial aí inspirada encontra-se no caso Henningsten v. Bloomfield Motors, Inc., 1960).  Mas a dogmática jurídica do nosso país, que até então fora incapaz de sentir sequer o problema, também não foi capaz de atualizar-se, limitando-se, a partir de 1985, a repetir, sem compreender, uma legislação inovadora. Daí a necessidade de atualização, introduzida dez anos depois pelo DL 220/95, de 31 de agosto, e finalmente pelo DL 249/99, de 7 de julho.
O DL 220/95 adaptou a LCCG à directiva comunitária 93/13/CEE, do Conselho. Estabeleceu nomeadamente que “o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo” (atual art. 1º.3 – trata-se de qualquer cláusula contratual, independentemente de ser geral ou não). Alargou o regime a contratos aprovados por entidades públicas (art. 3º). Definiu o ónus da prova da comunicação adequada eefetiva das cláusulas contratuais gerais (art. 5º.3). E alterou o regime da interpretação das cláusulas ambíguas nas ações inibitórias (art. 11.3).
O DL 249/99 adaptou melhor o diploma àquela diretiva comunitária (o legislador foi forçado a isso pela Comissão Europeia). Alargou a proteção a sujeitos determinados  (novo art. 1º.2).  E nas ações inibitórias ressalvou a regra de prevalência mais favoráveis de proteção aos consumidores (art. 11).

O art. 5º-TRÊS é uma cláusula contratual geral

As recorrentes alegam que aquele art. 5º-TRÊS das escrituras é uma cláusula contratual geral, nos termos da LCCG, com a redação do DL 220/95 de 31 de agosto.
São cláusulas contratuais gerais as cláusulas inseridas nos contratos sem prévia negociação individual que as partes se limitem a subscrever ou aceitar – art. 1º.1 da LCCG, redação do DL 249/99, de 7 de julho.
Mas o tribunal recorrido não julgou demonstrado “que tenha sido apenas o B a elaborar os textos das escrituras notariais de hipoteca e dos documentos complementares, não tendo estes sido previamente comunicados ás Requerentes, as quais não negociaram nem discutiram o teor das cláusulas contratuais”.
O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem queira prevalecer-se do respetivo conteúdo – art. 1º.3 da LCCG.
A requerida pretende prevalecer-se do conteúdo daquela cláusula, isto é, pretende proceder a alterações dos juros acordados inicialmente.
Assim, atentas a regra de repartição do ónus da prova acima referida, e embora não se tivesse determinado se aquela cláusula foi previamente negociada pelas partes, fica estabelecido que aquela cláusula é uma cláusula contratual geral, sujeita às exigências dos arts. 5º a 8º daquela LCCG.

A cláusula considera-se excluída do contrato

Isto é, a Sucursal do B em Portugal deveria ter comunicado às recorrentes, na íntegra, de modo adequado, e com a antecedência necessária, as cláusulas contratuais gerais constantes das escrituras, e designadamente a cláusula 5ª-TRÊS – art. 5º.1.  O ónus da prova dessa comunicação adequada e efetiva, aqui, era daquela entidade bancária – art. 5º.3 da mesma Lei.
Não tendo feito essa prova, a cláusula 5ª-TRÊS considera-se excluída daqueles contratos – art. 8º.a da LCCG. Considera-se não escrita.
Contra isto, o tribunal recorrido observa que “estamos perante sociedades comerciais”.
Sociedades ou não, comerciais ou não, consumidores ou não, aplicam-se-lhes sempre aquelas exigências legais. Quando a lei fala em “contratos singulares” não se refere a contratos assinados por pessoas singulares, mas refere-se a contratos concretos, por oposição a contratos que são feitos segundo um modelo geral. Contratos singulares mas que têm cláusulas contratuais gerais.
Também é certo que na outorga das escrituras, a Notária leu-as e explicou o seu conteúdo aos outorgantes.
Só quem nunca outorgou uma escritura pública em Portugal é que não sabe o cuidado e o pormenor com que as escrituras são sempre “lidas e explicadas” aos outorgantes! Ninguém põe em dúvida que isso tivesse acontecido, como se diz nas escrituras.
Mas não é esta a questão. A questão é que à Sucursal do B não lhe bastava ler e explicar as escrituras aos outorgantes no momento da assinatura. Devia sobretudo também ter-lhes comunicado, de modo adequado e com a antecedência necessária, aqueles clausulados. Sem isso, a cláusula de que pretende prevalecer-se considera-se excluída do contrato.

Não se põe a questão da nulidade daquela cláusula

A sentença argumenta que “estamos perante sociedades comerciais” e por isso “não é de considerar nula qualquer cláusula”.
Segundo o art. 12 da LCCG, “as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposições deste diploma são nulas nos termos nele previstos”. 
Mas o vício anteriormente referido (não ter sido comunicada a cláusula de modo adequado e com a necessária antecedência) importa que seja considerada não escrita, solução mais radical que a nulidade.  A nulidade refere-se a cláusulas proibidas, conforme descritas nos artigos 15 e seguintes da LCCG. Mas, ocorrendo aquele vício formal, a cláusula considera-se não escrita e não chega a apreciar-se se há ou não vício material, se é ou não proibida.

A crise bancária não afectou severamente o B

Uma palavra só sobre “a crise bancária que se abateu sobre Portugal”.
Ficou sumariamente demonstrado (e é comummente sabido) que  “a partir de 2011, verificou-se um agravamento sério da crise económico-financeira em Portugal e na Europa, altura em que os bancos portugueses perderam o acesso aos mercados internacionais de dívida por grosso a médio e longo prazo – facto 46; “a escassez do crédito e a crise da dívida soberana acabaram por obrigar Portugal a pedir em 2011, um resgate financeiro da ordem de 78 mil milhões [diversamente do que o Banco alegou a fls. 375, não é milhões, é mil milhões: não é Millionen, é Milliarden, Atenção!] de Euros concedidos pela UE, FMI e BCE” – facto 47; “em 2012 existia algum risco de Portugal não cumprir com as condições previstas no memorando da Troika e, consequentemente, ter de pedir um segundo empréstimo ou abandonar a zona Euro”  – facto 48; “em 2012, a situação do sistema bancário português era muito desfavorável” – facto 49.
Tudo isto está muito certo. Só que... o B Portugal é um banco alemão (facto 21), não é um banco português; e a crise afecta Portugal, não afecta a Alemanha.
Como é sabido, o B, fundado em 1870, é uma instituição financeira global, uma das maiores do mundo. Está cotado nas bolsas de Frankfurt (FWB) e Nova Iorque (NYSE). Está presente em mais de 70 países, na Europa, Américas e Ásia. Em 2013 era o 4º banco do mundo em ativos; hoje desceu alguns lugares, com o crescimento galopante dos bancos chineses, mas mesmo assim era o 11º banco do mundo em 2014 e continua a ser, de longe, o maior banco da Alemanha – http://relbanks.com; portanto, um dos bancos conhecidos como “demasiado grandes para falir”.
É certo que depois da crise financeira internacional a casa-mãe da recorrida encerrou as linhas de crédito intragrupo em Portugal, Espanha e Itália, o que ocorreu em setembro de 2012 (facto 52).  Isto não passou de um expediente para levar a sucursal portuguesa a elevar as taxas de spread bancário em consonância com as praticadas pela generalidade da banca nos países do Sul da Europa (os PIGS), permitindo-lhes beneficiar de um spread acrescido nesses países, desnecessário e injustificado, face à situação da sua casa-mãe na Alemanha (consta que o B tinha uma exposição insignificante à dívida soberana da Grécia, ao contrário de outros bancos alemães).
Até ao encerramento das linhas de crédito, o B, Sucursal em Portugal, beneficiava de uma enorme vantagem concorrencial sobre a generalidade da banca portuguesa, porque financiava-se nas linhas de crédito da sua casa-mãe, aos preços da banca alemã. Depois do encerramento das linhas de crédito, o B, Sucursal em Portugal, prescindiu voluntariamente dessa enorme vantagem concorrencial, para proteger os resultados financeiros da sua casa-mãe na Alemanha. Aumentou o seu spread em consonância com a generalidade da banca nacional.
E a prova disso é que só foram encerradas as linhas de crédito para os PIGS da Europa do Sul. Não foram encerradas as linhas de crédito para os demais países, pelo menos tal não foi alegado.
Se o B em Portugal passou a estar sujeito aos custos de financiamento da generalidade dos bancos portugueses foi porque quis, não foi porque tivesse sido afetado pela crise da dívida soberana de Portugal (a que não estava exposto, como não estava exposto à da Grécia, o que é igualmente sabido). Também por aqui se revela totalmente injustificado, do ponto de vista económico, aquele aumento de spread, de 0,25% para 4,5%, 5,5%, ou mesmo apenas 1,5%.

As recorrentes aceitaram a margem de 1,5%, mas só provisoriamente

Como a sentença observa, as recorrentes aceitaram pagar o aumento de spread de 0,25% para 1,5%, embora não concordando com ele: “para evitar a possibilidade de entrarem em incumprimento” – facto 18.  Afinal, só não poderiam pagar (e recusaram) o segundo aumento para 5,5% – facto 22.
Daqui conclui o Tribunal recorrido que os requerentes tinham condições para pagar o primeiro aumento; acrescentando que nada permite concluir que o Banco pretenda aplicar outra taxa de spread (o segundo aumento). E assim, julgou não demonstrado o receio de lesão grave ou de difícil reparação.
Mas não podemos seguir por aí. Na verdade, depois do segundo aumento para 5,5%, o Banco entabulou necociações com as requerentes e pretendeu fixar o spread em 4,25% com uma alteração da taxa de referência euribor – factos 28, 29 e 31. Com o que as requerentes não concordaram (propunham uma solução por arbitragem, que o Banco não aceitou) – factos 30 e 40 e fls. 292.
Daqui só pode concluir-se que o Banco pretendia alterar consideravelmente o spread, muito para além da margem de 0,25% que as requerentes tinham acordado em pagar.
Esse aumento para vinte vezes mais do inicialmente acordado não encontrou justificação nestes autos: não se pode atender à cláusula que permitia o aumento (por se considerar não escrita), e, mesmo que se pudesse atender, não haveria justificação, do ponto de vista do mercado e da situação do Banco, para um tal aumento, conforme vimos e foi demonstrado provisoriamente no âmbito deste procedimento cautelar. Isso permite concluir  provisoriamente (embora sujeito a melhor apuramento na ação definitiva) que as requerentes ficariam, com o novo aumento de vinte vezes mais, sujeitas a lesão grave ou de difícil reparação, quando tudo indica, num plano de mera probabilidade que têm direito à manutenção do spread que havia sido acordado inicialmente.
Também é de admitir que a previsível demora na solução da ação principal justifica a urgência da medida requerida.
A comunicação de incumprimento ao Banco de Portugal não pode manter-se enquanto não for decidida a questão principal: isto é uma decorrência lógica do cumprimento, tal como fica aqui estabelecido nesta providência, e daí a procedência desta parte do pedido provisório das requerentes; torna-se pois desnecessário comprovar os prejuízos dessa comunicação.
Assim, é de concluir que o pedido das requerentes é procedente (art. 362 do CPC), enquanto pedem que a requerida se abstenha de alterar as margens contratualmente estabelecidas, e de denunciar os mesmos contratos invocando o seu incumprimento, enquanto os planos de pagamento inicialmente estabelecidos estiverem a ser cumpridos dentro daquela margem, e ainda a retirar as comunicações de incumprimento que enviou à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, tudo com as consequências legais. 
Enfim, deve notar-se que esta medida cautelar mantém a utilidade apesar de a requerida ter entretanto denunciado os contratos com as requerentes, na medida em que essa denúncia só pode produzir efeitos em função da procedência da acção principal.

Referências

Para uma introdução geral à análise económica do direito pode ver-se a obra basilar de Richard Posner, 2009, Economic  Analysis of law, 748 pp., 7ª Ed. Aspen Publ., N.York. Também recente é  o livro de J. Harrison / J. Theeuwes, 2008, Law and economics. 552 pp., Norton, N. York. Igualmente útil é o livro de W.Z. Hirsch, 1999, Law and economics – an introductory analysis. 358 pp., Academic Press, London, N.York.  Uma boa aproximação aos direitos de raiz continental é a de H.-B. Shaefer e Claus Ott, 1991,  Manual de analisis economico del derecho civil, trad., 374 pp., Tecnos ed., Madrid, 1991. 
Uma útil coletânea de estudos é a de Donald A. Wittman, 2003, Economic analysis of the law. Selected readings, 338 pp., Blackwell Pub., Oxford, especialmente pp. 19-68.  Enfim, um enquadramento atualizado da análise económica do direito no pensamento jurídico pós-moderno pode encontrar-se em J.E. Penner, 2002, Textbook on jurisprudence, 272 pp., 4ª ed., Oxford Univ. Press, Oxford.
Sobre contratos padronizados, pode ler-se A.W.Katz, 1998, Standard form contracts, The Palgrave Dictionary of Economics and the Law, 3:503, Macmillan, London, 1998, e C.P.Gillete, 2004, Rolling contracts as an agency problem, Wisconsin Law Review, 2004. A.W.Katz, 1990, The strategic structure of offer and acceptance: game theory and law of contract formation, Michigan Law Review, 1990:215-295. T. Rakoff, 1983, Contracts of adhesion: an essay in reconstruction, Harvard Law Review 96:1174-1284. G.Akerloff, 1979, The market for lemons: qualitative uncertainty and the market mechanism, Quarterly Journal of Economics 84:488-500.  E finalmente, em Portugal, a extensa monografia de Fernando Araújo, 2007, Teoria económica do contrato, 1340 pp., Almedina, Coimbra, especialmente a pp. 460-474.
Também pode consultar-se: A.Pinto Ribeiro, 2002, O novo regime dos contratos de adesão / cláusulas contratuais gerais, Revista da Ordem dos Advogados, 62:1 www.oa.pt.
Nos Estados Unidos, a análise económica do direito tornou-se dominante nas maiores faculdades de direito nos últimos 60 anos – Harvard, Yale, Stanford, Chicago. E também nos tribunais superiores.  Veio ocupar o primeiro plano na jurisprudência dos tribunais e desde logo no Supreme Court. Está agora a chegar às nossas faculdades de direito. O tema foi introduzido em Portugal pela revista Sub Judice, nº 2, Justiça e Economia: a análise económica do direito e da justiça, 1992.

Em suma:
1.  Considera-se não escrita uma cláusula contratual geral que o proponente não comunicou com a antecedência necessária e de modo adequado à contraparte, sociedade comercial (art. 8º da LCCG) – não bastando que essa cláusula seja explicadas pelo notário quando da escritura pública onde a cláusula foi incluída.
2.  Considerando-se não escrita aquela cláusula, não se põe a questão da sua eventual nulidade.

Decisão

Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar procedente o recurso e, revogando a decisão  recorrida, decretamos que a requerida se abstenha provisoriamente de alterar as margens contratualmente estabelecidas acima de 0,25%, e de denunciar os mesmos contratos invocando o seu incumprimento, enquanto os planos de pagamento inicialmente estabelecidos estiverem a ser cumpridos dentro daquela margem; determinamos ainda que a requerida retire as comunicações de incumprimento que enviou à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal. 
Ordenamos o desentranhamento e restituição às recorrentes do doc. 1, de fls. 649, mantendo-se nos autos os docs. 2, 3 e 4, de fls. 649vº a 654vº.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.
Custas do desentranhamento pelas recorrentes – art. 534.2 do CPC.

Processado e revisto.

Lisboa, 2015.03.03

João Ramos de Sousa
Manuel Ribeiro Marques
Pedro Brighton
Decisão Texto Integral: