Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3912/2007-6
Relator: CARLOS VALVERDE
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Bastando-se a lei para considerar interrompida a instância com a circunstância do processo estar parado por mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos, tal despacho de declaração de interrupção da instância tem função meramente declarativa e não constitutiva, não afectando o normal decurso do prazo interruptivo, nem os efeitos decorrentes da inércia das partes.
(C.V.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Na execução ordinária para pagamento de quantia certa, em que é exequente A e em que são executados B e outros, notificada a exequente, em 7-06-2001, de que lhe fora devolvido o direito de nomeação de bens à penhora e nada tendo sido requerido, foram os autos à conta em 10-12-2001, ao abrigo do art. 51º, 2, b) do CCJ (cfr. fls. 52 e 54).

Em 07-01-2002, foi proferido o seguinte despacho: “Aguardem os autos o impulso processual da Exequente, sem prejuízo do disposto no artº 285º do CPC” (cfr. fls. 58).

Este despacho foi notificado à exequente em 09-01-2002 (cfr. fls. 59).

Por requerimento ajuizado em 10-08-2006, veio a exequente nomear à penhora 1/3 dos vencimentos dos executados (cfr. fls. 60), na sequência do que, em 12-09-2006, foi proferido o seguinte despacho: “A presente instância encontra-se extinta por deserção” (cfr. fls. 61).

Notificada deste despacho, a exequente veio arguir a sua nulidade, alegando não ter sido notificada de qualquer despacho de interrupção da instância, tendo ainda, prevenindo o caso de desatendimento da arguição dessa nulidade, interposto recurso do mesmo despacho.

Por despacho de 11-12-2006, indeferiu-se a arguida nulidade e admitiu-se como de agravo e subida imediata o recurso interposto pela exequente do despacho de fls. 61 (cfr. fls. 78).

A exequente apresentou as seguintes conclusões:
1ª - A Recorrente, notificada que foi do despacho de fls…, declarando que a instância encontrava-se extinta por deserção, arguiu a nulidade do mesmo, nulidade essa decorrente do facto de não ter sido notificada de qualquer despacho a julgar interrompida a instância e de ter constado que, efectivamente, não houve nos autos nenhum despacho a declarar interrompida a instância, nos termos do artigo 285.° do CPC;
2ª - A deserção da instância, nos termos do artigo 291.° do CPC, depende de dois requisitos: que se tenha verificado a interrupção da instância e que tenham decorrido, após a interrupção, dois anos sem qualquer impulso processual;
3ª - A lei impõe que seja expressamente proferido despacho a declarar interrompida a instância e que seja o mesmo notificado à parte;
4ª - De facto, a maioria da jurisprudência é no sentido de que não basta o decurso do tempo pela inércia da parte para operarem as consequências da interrupção da instância, tornando-se necessário que ela seja decretada por adequado despacho judicial notificado à parte, que nunca poderá, portanto, ser dispensado;
5ª - É que a interrupção da instância supõe um juízo sobre a diligência ou inércia da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo e será este juízo prévio (controlo judicial) que legitima a decisão de interrupção da instância;
6ª - Tanto assim é que, quando a lei regulamente a deserção da instância, expressamente refere que, esta sim, tem lugar com o facto objectivo do decurso do tempo. Daí que a lei prescreva no n.° 1 do artigo 291.° do CPC, que: "Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial (...) ", o que não acontece com o normativo da interrupção da instância;
7ª - O tribunal "a quo", ao omitir o despacho a julgar interrompida a instancia, praticou uma nulidade, nos termos do artigo 201.° do CPC, nulidade essa que foi tempestivamente arguida pela Recorrente, nos termos do 205.°, n.° 1 do CPC;
8ª - Assim, se nunca foi julgada interrompida nem notificada a decisão à Recorrente, a instância não pode considerar-se deserta.

Não houve contra-alegação e o Sr. Juiz manteve a sua decisão.

Cabe decidir, tendo em conta que os factos que relevam ao conhecimento do recurso são os constantes do relatório que antecede.

A questão a decidir é a de saber se, à data (10-08-2006) da entrada do requerimento da exequente a nomear bens à penhora, já se verificara ou não a deserção da instância.

A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento (art. 285º do CPC) e fica deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos (art. 291º, 1 do CPC).
No entendimento da agravante, a lei impõe que seja expressamente proferido despacho de declaração da interrupção da instância, sem o que não poderá ocorrer a deserção desta.
Da leitura conjugada dos citados arts. 285º e 291º do CPC, parece, na verdade, resultar que, enquanto a deserção da instância não necessita de despacho judicial a declará-la (“…independentemente de qualquer decisão judicial…”, diz a própria lei), verificando-se automaticamente pelo simples decurso do prazo de interrupção de dois anos, já a interrupção da instância, no silêncio da lei, exigirá a proferição de despacho judicial da sua declaração.
Tal despacho intercalar, todavia, apenas é justificado pela necessidade de constatação da negligência da parte onerada com o impulso processual.
Bastando-se a lei para considerar interrompida a instância com a circunstância do processo estar parado por mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos, tal despacho de declaração de interrupção da instância tem função meramente declarativa e não constitutiva, não afectando o normal decurso do prazo interruptivo, nem os efeitos decorrentes da inércia das partes, que não podem ficar dependentes da maior ou menor celeridade da tramitação processual a que haja lugar, sob pena de se criarem situações de absurda desigualdade no tratamento entre processos, resultantes do andamento mais ou menos rápido, mais ou menos diligente dos funcionários das respectivas secções ou dos respectivos magistrados judiciais, beneficiando o infractor e, mais ainda, prejudicando a parte contrária que, contra as suas normais expectativas e o próprio regime legal, pode ver pendente contra si uma qualquer providência judicial ao fim de 4 e mais anos de paragem processual, pois, na ausência de despacho interruptivo da instância, a parte relapsa estaria sempre e em qualquer altura em condições de a voltar a impulsionar.
A interrupção da instância não nasce com o despacho que a declara, devendo a mesma ter-se como ocorrida logo que se perfaz o tempo de paragem da marcha do processo prevista na lei.
Se é assim, não dependendo o decurso do prazo de um ano e a respectiva interrupção da instância do despacho declarativo desta, por maioria de razão a deserção da instância ocorrerá logo que decorridos três anos e um dia sobre o seu não impulso, independentemente da existência ou não de despacho prévio a declarar a sua interrupção (neste sentido, Abílio Neto, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, págs. 434 e sgs., Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. I, anotação ao art. 291º e Acs. do STJ de 12-1-99, BMJ 483-167, 15-6-2004 e 17-6-2004, ambos em www.dgsi.pt.JSTJ000).
Neste enquadramento, é apodíctico que a omissão do despacho de interrupção da instância não constitui irregularidade processual susceptível de configurar qualquer nulidade processual relevante, pois, nem a lei a declara enquanto tal, nem influi no exame ou decisão da causa (art. 201º do CPC).
Revertendo para o caso dos autos e não relevando que à exequente foi dado conhecimento de que, na ausência de impulso processual da sua parte, a instância se interromperia decorrido mais de um ano sob o início da sua inércia (como que antecipando-se a notificação da declaração dessa interrupção), temos que, desde a data em que foi devolvido o direito de nomeação de bens à penhora à exequente (7-6-2001) até à data em que esta exerceu esse direito (10-8-2006), o processo esteve sempre parado, não tendo durante todo esse período a exequente promovido, por qualquer forma, os seus respectivos termos.
Logo, a instância interrompeu-se em 8-6-2002 e ficou deserta em 9-6-2004, seja, dois anos antes da entrada em juízo do requerimento da exequente de nomeação de bens à penhora.
Foi, pois, tardia a apresentação de tal requerimento e, como tal, não podia ser atendido, por a instância se encontrar já extinta por deserção (art. 287º, c) do CPC), como se entendeu no tribunal recorrido.

Pelo exposto, negando provimento ao agravo, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela agravante.
Lisboa, 17-05-2007
Carlos Valverde
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues (vencido nos termos do voto anexo)
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Declaração de voto:
Concederia provimento ao agravo pelo que, em síntese, se passa a relatar, aliás de acordo com Acórdão desta Relação, de 3.11.2005, de que fui Relator e que passo a transcrever:
"É verdade que alguma jurisprudência tem entendido que o despacho a declarar a interrupção da instância, tem natureza meramente declarativa, não constitutiva, pelo que a interrupção da instância se verificaria, não quando ocorre o despacho a declará-la, mas logo que termina o prazo previsto no respectivo normativo legal (art. 2850). Ou seja, a declaração de interrupção deve ser entendida como valendo desde que se perfez aquele tempo de paragem da marcha do processo(1).
Ora, com o devido respeito, não parece de seguir este entendimento, pois que se os prazos de interrupção da instância e de deserção da instância corressem automaticamente, um seguido do outro, independentemente de ser declarada, ou não, a interrupção da instância, poderia verificar-se a situação de ter de se constatar a deserção da instância sem que tivesse ainda sido proferido despacho a declará-la interrompida. Bastava para tanto que tivessem decorrido três anos sobre a data da remessa dos autos à conta, sem que as partes impulsionassem o processo e, por qualquer motivo, o juiz não tivesse declarado ainda a interrupção da instância, hipótese que não é tão académica como se poderia pensar.
Veja-se, a propósito, a situação a que alude o Ac da RP de 2.05.2005, em que no despacho objecto daquele recurso, de uma assentada, se declarou interrompida e deserta a instância, sem que antes tivesse notificada a parte de que estava a correr o prazo para interrupção e deserção. Tendo este douto aresto, e bem, considerado violada a lei, por desrespeitada a defesa processual do exequente e por constituir decisão-supresa, que a lei não permite (art. 30, n.03, do CPC)(2)
Se a interrupção da instância carece de ser declarada não é certamente para o cumprimento de uma mera formalidade, que tanto faça ser observada no momento em que o prazo se completou ou em qualquer data ocorrida posteriormente, mas antes para chamar a atenção das partes para os decursos dos prazos e, implicitamente, as advertir para o dever de impulsionar o processo e para as consequências que lhe poderão advir da manutenção da sua inércia.
Acresce que entender-se que a interrupção da instância operava desde a data em que se completava o prazo não teria até utilidade o despacho a declará-la, nem a sua notificação às partes, mormente naquelas situações em que entretanto até já também tivesse decorrido o prazo para a deserção da instância.
E não se pode retirar argumento em sentido contrário do facto de o prazo para deserção da instância poder ser excessivamente alargado no caso de a instância ser declarada interrompida muito tempo depois de decorrido o prazo de um ano depois da remessa dos autos à conta, porque o tribunal tem obrigação de proferir despacho no devido tempo, não podendo a parte ser prejudicada se tal não se verificar. Se parece indiscutível que a parte deva ser penalizada por causa da sua inércia em promover o andamento do processo, injustificado seria que também o fosse por virtude da própria inércia do tribunal".
Ora, o caso dos autos é paradigmático em relação ao que se acaba de transcrever, pois que devido ao decurso do tempo sem que a parte impulsionasse o andamento do processo veio a proferir-se despacho a considerar a instância extinta por deserção, sem que tivesse sido proferido despacho a declará-la interrompida.
Dentro do entendimento que se deixa defendido, a omissão do despacho a declarar interrompida a instância, constitui no caso irregularidade processual que veio a influir na decisão do processo, com o julgamento da extinção da instância por deserção, decisão que para a parte também não pode deixar de constituir decisão-surpresa, que a lei não admite.
Do que se entende que o prazo para a deserção da instância só poderá contar a partir da notificação às partes do despacho a declarar interrompida a instância, sob pena de apenas se estar a sancionar a negligência da parte e de, num tratamento de total desigualdade, se dar cobertura à negligência do tribunal, que não é menor do que a da parte, até por ser mais fácil de evitar.
Concederia, por isso, provimento ao agravo.
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1 Vd. Ac. da RP de 28.04.2005, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.
2 Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.