Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
141/18.8JELSB-A.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ESCUTA TELEFÓNICA
REGISTO DE VOZ E IMAGEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Para que alguém seja alvo de escutas telefónicas basta que seja suspeito, não sendo necessário que tenha a qualidade de arguido, e que a suspeita respeite à prática de um ou mais crimes do catálogo, ou seja, dos crimes especificados no n.º 1 do artigo 187.º, do CPP, entre os quais está o de tráfico de estupefacientes e os demais crimes puníveis com prisão superior a 3 anos (alíneas a) e b), do mesmo preceito).

Resulta do mesmo preceito que a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, «se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter», critérios têm de ser apurados em face dos elementos de prova existentes no momento em que deve ser proferida a decisão de autorizar ou não aquele meio de obtenção de prova e «não em função do que a final se revele ter sido o conteúdo das escutas telefónicas e a sua importância probatória».

Quanto ao registo de voz e de imagem, a Lei n.° 5/2002, de 11 de Janeiro, não exige, como requisito de admissibilidade do registo de voz e de imagem, a «indispensabilidade» da diligência mas sim a sua necessidade para a investigação - artigo 6.°, n.° 1 e, sendo o tráfico de estupefacientes um crime de grande danosidade social devido ao leque de consequências que resulta desta actividade criminosa, a compressão dos direitos individuais que implica a utilização dos referidos meios de obtenção de prova não pode considerar-se desproporcionada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.Não se conformando com o despacho de fls. 52 a 54 destes autos, proferido em 23 de Maio de 2018 no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa (J2), Comarca de Lisboa, que não autorizou intercepções telefónicas e a captação e registo de som e imagem dos suspeitos, o Ministério Público interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal indeferiu a realização de intercepções telefónicas a quatro telemóveis de suspeitos e a captação e registo de som e imagem desses indivíduos e das pessoas que com eles se relacionassem.
2.Indicia-se no inquérito a existência de uma organização que se dedica à introdução de elevadas quantidades de estupefacientes em P., a partir da A.
3.Há, igualmente, indícios de que os suspeitos identificados nos autos integram a referida organização e que usam os telemóveis indicados a fls. 33.
4.Essa indiciação resulta de informações obtidas pela PJ da parte das suas congéneres americana e italiana e da obtenção de dados no meio criminal, no âmbito das suas competências de prevenção e detecção criminal (art. 2.° a 4.°, da Lei 37/2008 e arts. 125.° e 127.°, do CPP).
5.A factualidade indiciada integra a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei 15/93.
6.É admissível a utilização dos citados meios de obtenção de prova na investigação de crimes de tráfico de estupefacientes (arts. 187.°, n.° 1, alínea b) e 189.°, do CPP e art. 1.°, n.° 1, alínea a) e 6.°, n.°s 1 e 2, da Lei 5/2002).
7.Resulta das regras de experiência comum que, em casos de tráfico de estupefacientes com contornos transnacionais e altamente organizados, os agentes do crime desenvolvem a sua actividade delituosa de modo encoberto, sigiloso, cauteloso e alertado (art. 127.°, do CPP).
8.Das mesmas regras flui que o telemóvel é o meio principal para preparar encontros tendentes às transacções de estupefacientes.
9.O Tribunal a quo não aplicou ao caso, como se impunha, as preditas regras de experiência comum, tendo violado o aludido art. 127.°, do CPP.
10.O Tribunal recorrido interpretou equivocamente o art. 187.°,
n.º1, alínea b), do CPP eoart. 6.°, n.° 1, da Lei 5/2002, dado que
entendeu que a autorização dos correspondentes meios de obtenção de
prova só pode ser concedida quando existam indícios suficientes
ou muito fortes da prática de um crime e de quem são os seus agentes.

11.Essas normas deviam ter sido interpretadas no sentido de que o recurso às intercepções telefónicas e à captação e registo de som e imagem deve ser autorizado face à existência de indícios de estar em execução um crime de tráfico de estupefacientes (art. 412.°, n.° 2, alínea b), do CPP).
12.O juízo de suspeita existente nos autos só pode ser ultrapassado através do recurso às promovidas intercepções telefónicas e captação e registo de som e imagem.
13.O Tribunal a quo não enumerou as razões pelas quais, em seu entender, a investigação podia lançar mão de outros meios de obtenção de prova.
14.Nessa parte o despacho recorrido incorreu no vício de falta de fundamentação, tendo violado o art. 97.°, n.° 5, do CPP.
15.O recurso aos aludidos meios de obtenção de prova é essencial para a descoberta da verdade e não se divisa que a prova possa ser obtida através de outros métodos de investigação.
16.A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que autorize a intercepção telefónica aos números dos suspeitos, indicados a fls. 33, nos termos aí promovidos e pelo prazo de 30 dias e a captação e registo de som e imagens dos suspeitos, por igual período - arts. 187.°, n.° 1, alínea b), 189.° e 269.°, n.° 1, alínea e) e art. 1.°, n.° 1, alínea a) e 6.°, n.°s 1 e 2, da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.

2.Admitido o recurso, não houve qualquer resposta.

3.Nesta Relação, a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, subscrevendo a posição assumida pelo Ministério Público na respectiva motivação, pugna pela «procedência do recurso e consequente revogação da decisão proferida».

4.Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o artigo 418.º, do CPP, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.

***

II–FUNDAMENTAÇÃO:

1.Confiramos, em primeiro lugar, o teor do despacho recorrido:

«II.- Intercepções telefónicas e registo de som e imagem
De fls. 33 e 34 consta uma promoção no sentido da autorização de intercepções telefónicas e do registo de som e imagem dos suspeitos e de terceiros que com ele se relacionem.
A razão de tal requerimento encontra-se, de acordo com o Ministério Público, no teor de informações cujo suporte probatório real, origem, validade e fidedignidade se desconhece (destacando-se a referência a conversas telefónicas, cuja realidade ou validade se desconhece, pois nada se encontra junto aos autos), ou seja, no teor de informações sem qualquer utilidade para a convicção do tribunal, para além da referência a outros processos pendentes pelo mesmo tipo de crime, da referência a serem os suspeitos do costume.
Em face da ausência desses elementos, não é possível sustentar a existência de qualquer indício qualificado que sustente a ideia de participarem os suspeitos agora referidos ou outros na prática dos factos em investigação (como o exige o disposto no art. 187.° do Código de Processo Penal).
A autorização do registo de som e imagem, que segue o regime de realização de intercepções telefónicas, porque constitui excepção ao princípio constitucional de reserva da vida privada (art. 34.° da CRP) e se encontra limitada pelo princípio constitucional da proporcionalidade (art. 18.° da CRP), apenas deve ser autorizada quando houver razões para crer que se revela de grande interesse para a descoberta da verdade material ou para a prova, para além de apenas dever ser autorizada quando não existe outra razoável possibilidade investigatória (art. 187.º, n° 1 do Código de Processo Penal).
Nada é referido que possa ser validamente valorado neste processo penal sobre qualquer dos suspeitos.
Sem quaisquer indícios recolhidos no processo, inexistem razões sérias para crer que as diligências concretamente promovidas revestem grande interesse para a descoberta da verdade material, destinando-se apenas à procura de indícios que podem ou não existir.
Pelo exposto indefiro o promovido nos pontos 2. e 3. de fls. 33 e 34.»

Na aludida promoção do MP de fls. 33 e 34 pode ler-se o seguinte:
«…
2.-Intercepções
No presente inquérito, como acima se disse, investiga-se uma organização que se dedica à importação de elevadas quantidades de estupefacientes em território nacional.
A rede em causa é bastante organizada e tem contactos em diversos países.
Logrou-se apurar que os suspeitos usam os seguintes números de telefone no desenvolvimento da actividade delituosa, nomeadamente para acertar pormenores relativos à importação do estupefaciente e marcar encontros entre si e com outros elementos da organização:
1.123 (MEO), usado pelo suspeito A. ;
2.456 (Vodafone) utilizado pelo suspeito B.;
3.789 (Vodafone) usado pelo suspeito B.;
4.001 (MEO) utilizado pela suspeita C..

Assim, por se revelar essencial para a descoberta da verdade e não se divisar que a prova possa ser obtida através de outro meio, promovo que o Tribunal autorize que se proceda, até ao dia 25.06.2018, à intercepção e gravação de todas as comunicações áudio, SMS, MMS e fax, efectuadas e recebidas de/e para os números acima referidos, com registos de facturação detalhada, traceback e de localização celular - arts. 187.°, n.° 1, alínea b), 189.° e 269.°, n.° 1, alínea e), do CPP.

Mais, promovo que a intercepção seja extensível a todos os IMEI que estejam ou venham a ser utilizados pelos referidos números de telefone, nos sobreditos termos.

3.-Som e imagem
Uma vez que se afigura essencial para a descoberta da verdade, promove-se que o Tribunal autorize que se proceda à captação e registo de som e imagem dos suspeitos e das pessoas que com eles se relacionem, também até 25.06.2018 – art. 1.°, n.° 1, alínea a) e 6.°, n.°s 1 e 2, da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.»

2.A abertura do presente inquérito teve na sua origem a comunicação de fls. 15, pela qual a Embaixada dos Estados Unidos/DEA deu conhecimento ao Sr. Director da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes, da Polícia Judiciária, da existência de uma organização criminosa dedicada ao tráfico de várias centenas de quilogramas de cocaína,  da A. para E. , dela fazendo parte os três indivíduos - dois homens e uma mulher - acima indicados como suspeitos, que se encontram em Portugal, sabendo-se que o suspeito A tem utilizado o telefone indicado supra para os respectivos contactos, tendo contactado, nomeadamente, a fonte da cocaína no Brasil, conhecido como “D.”, para um número de telefone que também é indicado no ofício em causa.

Das diligências feitas apurou-se a identidade completa dos referidos suspeitos – sendo de nacionalidade portuguesa os dois primeiros e de nacionalidade brasileira o elemento feminino -, o número de telemóvel usado por cada um deles, os respectivos antecedentes criminais – com passado ligado ao tráfico de estupefacientes, quer o A. , quer o B. -, tendo ainda sido informado que os três suspeitos viajaram no dia 12/5/2018 para I. , «com vista a estabelecerem contactos relativos a transportes de produto estupefaciente – cocaína – a partir da A. com destino a E.» (fls 18 a 36).

A denúncia não foi feita por um qualquer anónimo, mas pelo “M. », não havendo razão alguma para não confiar nas informações oficialmente transmitidas, as quais teremos de supor que têm fundamento em actos prévios de investigação que tiveram lugar no estrangeiro e que, por isso, estão minimamente sustentadas.

Daí que, a suspeita de que os três indivíduos acima indicados estarão envolvidos em organização internacional que se dedica ao tráfico transcontinental de elevadas quantidades de cocaína é séria e sustentada, não sendo de menosprezar a mencionada viagem por aqueles feita a I.., tudo indicando que a mesma se insira no desenrolar da aludida actividade ilícita, apesar de se desconhecer, em concreto, o que lá fizeram e com quem se encontraram.

Para que alguém seja alvo de escutas telefónicas basta que seja suspeito, não sendo necessário que tenha a qualidade de arguido, e que a suspeita respeite à prática de um ou mais crimes do catálogo, ou seja, dos crimes especificados no n.º 1 do artigo 187.º, do CPP, entre os quais está o de tráfico de estupefacientes e os demais crimes puníveis com prisão superior a 3 anos (alíneas a) e b), do mesmo preceito).

No presente caso, estão preenchidas as aludidas condições.

Por outro lado, determina-se naquele mesmo normativo que a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, «se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter».

Tais critérios têm de ser apurados em face dos elementos de prova existentes no momento em que deve ser proferida a decisão de autorizar ou não aquele meio de obtenção de prova e «não em função do que a final se revele ter sido o conteúdo das escutas telefónicas e a sua importância probatória» (Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do CPP”, Lisboa, 2008, página 507).

Tratando-se de uma diligência de investigação que restringe direitos fundamentais com tutela constitucional, aquela há-de respeitar os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade (art.º 18.º, n.º 2, da CRP).

A busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico, mas o Estado, como titular que é do ius puniendi, também está interessado em que só os culpados de actos criminosos sejam punidos (satius esse nocetem absolvi innocentem damnari).

Acompanhando-se de perto o recente Acórdão de 8/5/2018, desta mesma 5.ª seção, proferido no Processo n.º 40/18.3JAPDL: «É quase um lugar-comum dizer-se que a verdade material não pode conseguir-se a qualquer preço: há limites decorrentes do respeito pela integridade moral e física das pessoas; há limites impostos pela inviolabilidade da vida privada, do domicílio, da correspondência e das telecomunicações, que só nas condições previstas na lei podem ser transpostos.

Componente essencial do princípio do Estado de Direito é a ideia de justiça, a qual exige também a manutenção de uma administração de justiça capaz de funcionar, devendo reconhecer-se as necessidades irrenunciáveis de uma acção penal eficaz e acentuar-se o interesse público numa investigação da verdade, o mais completa possível, no processo penal, sendo o esclarecimento dos crimes graves tarefa essencial de uma comunidade orientada pelo aludido princípio. Em contraponto, como acentua a doutrina (Manuel da Costa Andrade, “Sobre as proibições de prova em processo penal”, Coimbra, 1992, p. 117) existem “limites intransponíveis à prossecução da verdade em processo penal”, que decorrem do reconhecimento de que “quando em qualquer ponto do sistema ou da regulamentação processual penal, esteja em causa a garantia da dignidade da pessoa – em regra do arguido, mas também de outra pessoa, inclusive da vítima –, nenhuma transacção é possível. A uma tal garantia deve ser conferida predominância absoluta em qualquer conflito com o interesse – se bem que, também ele legítimo e relevante do ponto de vista do Estado de direito – no eficaz funcionamento do sistema de justiça penal” (Figueiredo Dias, “Para uma reforma global do processo penal português. Da sua necessidade e de algumas orientações fundamentais”, in Para Uma Nova Justiça Penal, Coimbra, 1983, p. 207).

Iniludível é, pois, a existência de uma tensão incontornável entre “dois princípios ético-jurídicos fundamentais: o princípio da reafirmação, defesa e reintegração da comunidade ético-jurídica – i. é, do sistema de valores ético-jurídicos que informam a ordem jurídica, e que encontra a sua tutela normativa no direito material criminal –, e o princípio do respeito e garantia da liberdade e dignidade dos cidadãos, i. é, os direitos irredutíveis da pessoa humana”(Castanheira Neves,“Sumários de Processo Criminal”, 1967-1968).

Como em adequada síntese refere João Conde Correia [Revista do Ministério Público, n.º 79, 45]: “A máxima protecção dos direitos fundamentais colocaria barreiras intransponíveis à descoberta da verdade e, em consequência, à realização da justiça, e a busca da verdade a todo o custo eliminaria os mais elementares direitos, conduzindo a uma mistificação da justiça. Este conflito revela-se, em toda a sua amplitude, de forma exponencial, no domínio dos meios de prova e de obtenção da prova. Com efeito, o interesse punitivo do Estado e a plêiade de métodos, tendentes a determinar a existência de um facto ilícito, a punibilidade do seu autor e a determinação da pena ou medida de segurança aplicáveis, dada a natureza das coisas, podem afrontar, de forma grave e irreversível, os direitos fundamentais inerentes a um ser livre e digno”.

… Dado o alto teor de danosidade social que o caracteriza, o legislador teve, desde o início, a preocupação de traçar com rigor os apertados pressupostos e delinear os princípios estruturantes deste meio de prova, que, consensualmente e não só entre juristas (veja-se, entre outros, o sociólogo JEAN ZIEGLER, Os Senhores Do Crime, edição Terramar, capítulo 5.º), se tem entendido ser imprescindível, nesta era da criminalidade organizada, para a descoberta de determinados crimes, mas sem postergar ou anular os direitos fundamentais atingidos por tal meio. Estes só devem ser sacrificados excepcionalmente, quando tal se mostre necessário (por falta de outro meio) à prevenção e investigação desses crimes, e apenas enquanto houver necessidade de lançar mão dele, revelando-se esse meio como adequado e proporcional, o que envolve forçosamente uma ponderação dos bens e direitos em conflito».

Quanto ao registo de voz e de imagem, tal como se refere no Ac. TRC, processo 98/14.4TANZR.A.C1, datado de 11/05/2016, «A Lei n.° 5/2002, de 11 de Janeiro, não exige, como requisito de admissibilidade do registo de voz e de imagem, a «indispensabilidade» da diligência mas sim a sua necessidade para a investigação - artigo 6.°, n.° 1. Sendo o tráfico de estupefacientes um crime de grande danosidade social devido ao leque de consequências que resulta desta actividade criminosa, a compressão dos direitos individuais que implica a utilização dos referidos meios de obtenção de prova não pode considerar-se desproporcionada».

No presente caso, estamos perante uma forte suspeita de tráfico de droga, mais concretamente cocaína, da A. para a E., em quantidades muito elevadas e envolvendo valores enormíssimos, com repercussões de grandes dimensões na saúde pública e na de milhares de consumidores de tais substâncias, actividade que é levada a cabo por uma organização criminosa de cariz internacional, a operar em vários países de diferentes Continentes e com pessoas de várias nacionalidades.

Todos sabemos quão difícil é a obtenção de provas neste tipo de criminalidade - tornando-se praticamente impossível seguir o itinerário da droga traficada e os passos dados pelos intervenientes no negócio, nos percursos que têm de fazer para levarem a droga ao seu destino -, através das habituais diligências de vigilância e acompanhamento “à vista”, sendo o papel de cada um dos membros nessa organização de quase impossível determinação sem o recurso à pretendida intercepção e gravação das suas comunicações telefónicas.

Também sabemos, porque é do conhecimento e da experiência comum, que os traficantes são extremamente cautelosos e conhecedores dos métodos policiais, usando do máximo sigilo e das mais incríveis manobras de dissimulação da droga traficada e da sua actividade ilícita, para evitarem ser apanhados, o que torna ainda mais difícil a tarefa da investigação criminal, tornando ineficazes a maioria dos métodos tradicionais e não invasivos de obtenção de prova.

O que nos permite concluir que a diligência promovida pelo Ministério Público é «indispensável para a descoberta da verdade», sendo a prova do crime a investigar e da sua autoria pelos suspeitos identificados nos autos «impossível ou muito difícil de obter», sem o recurso à pedida «intercepção» e «gravação» das conversações e comunicações telefónicas, bem como ao «registo de voz e de imagem» dos suspeitos, a efectuar sem o seu conhecimento, nos termos do supra mencionado artigo 187.º e seguintes do CPP e artigos 1.º, n.º 1 alínea a) e 6.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, republicada em 30/05/2017.

Entendemos, por isso, que o recurso deve proceder, com a consequente revogação do despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que autoriza as diligências de prova promovidas pelo Ministério Público.
***

III–DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso do Ministério Público, revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que defira as mencionadas diligências de obtenção de prova, promovidas pelo recorrente, pelo prazo pretendido (30 dias).
Sem custas.



Lisboa, 11/09/2018



José Adriano (Texto elaborado em computador e revisto pelo relator).

Vieira Lamim