Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1510/02.0GABRR-A.L1-9
Relator: FÁTIMA MATA-MOUROS
Descritores: PENA DE MULTA
CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
PRISÃO ALTERNATIVA DA MULTA
DESCONTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A prisão subsidiária cumprida em virtude do não pagamento da pena de multa a ter em conta no cálculo do remanescente da pena (de multa) deverá considerar que a prisão se obtém reduzindo o tempo da multa a 2/3, o que faz corresponder a cada 2 dias de prisão três dias de multa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No processo comum singular n.º 1510/02.0GABRR-A.L1 do 1.º Juízo Criminal da Comarca do Barreiro, por despacho proferido em 21 de Outubro de 2009, na sequência de manifestação de familiar do arguido, então em cumprimento de prisão subsidiária, no sentido de liquidar a multa devida, foi fixada em 114 dias, à razão diária de € 3,50 (perfazendo, pois, o montante de € 399,00) o remanescente da multa a pagar pelo mesmo.

2. Inconformado com aquela decisão, o MP interpôs recurso da mesma, pugnando pela revogação daquele despacho e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

1- As regras de punição em multa penal e respectivas formas de pagamento estão consagradas no artigo 47º do Código Penal.
2- Quando a multa não for paga voluntariamente ou substituída em dias de trabalho a favor da comunidade e não existindo bens suficientes e desembaraçados do condenado para a cobrança coerciva, é convertida em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
3- A prisão subsidiária é uma punição autónoma da multa reduzida a dois terços.
4- Querendo o condenado evitar a execução da prisão subsidiária pode pagar a multa fixada segundo o regime plasmado no artigo 47º do Código Penal, no todo ou em parte, faculdade que lhe é conferida pelo nº 2 do artigo 49º deste diploma.
5- Tendo comparecido na Secção Judicial um familiar do arguido em cumprimento da prisão subsidiária para pagar, no todo, a multa, com vista à soltura, de imediato, deste, o apuramento do montante da multa a pagar deveria ter sido efectuado segundo o critério aritmético e legal estabelecido no art. 47º do Código Penal, como aliás, o MºPº promovera a fls. 324 dos autos.
6- Ao invés, o cálculo foi feito com base nos dias de prisão subsidiária à luz do artigo 49º do Código Penal com recurso ao designado “critério matemático” pelo douto despacho recorrido, em violação da sentença condenatória, transitada em julgado, alterando assim os dias da pena de multa de 118 para 78, já que, tendo sido condenado o arguido na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 3,50, perfazendo o total de € 420,00, beneficiou do desconto de 2 dias de detenção, passando a pena para 118 dias de multa, que foi convertida em prisão subsidiária de 78 dias, reduzida a 76 por desconto de 2 dias de cumprimento da prisão.
7- O critério adoptado pelo despacho recorrido parte do pressuposto de que o arguido quer pagar a prisão subsidiária, quando, na verdade, segundo a lei pretende tão-só liquidar a multa em que foi condenado ao abrigo do artigo 47º do Código Penal, que não pagou no prazo de pagamento voluntário.
8- A ser aceite a fórmula matemática para o cálculo do montante da multa na fase de execução da prisão subsidiária, como defende o despacho recorrido, seria a subversão total do regime de pagamento da multa penal, consagrado no artigo 47º do Código Penal, porque todos os condenados optariam por esperar a conversão da mesma em prisão subsidiária para o pagamento ser mais barato em virtude da redução dos dias de multa para dois terços.
9- Tendo o despacho impugnado determinado o pagamento do montante total de € 399,00, que, foi prontamente pago, resta, da parte do arguido, liquidar a quantia de € 7,00, correspondente a 2 dias de multa, à taxa diária de 3,50, que não foram considerados por aquele despacho, por força do uso de denominado “critério matemático”, como se o Direito fosse uma ciência exacta, que não é, para perfazer o total de € 406,00.
10- O douto despacho recorrido violou o disposto nos arts. 47º, nºs 1 e 2, e 49º, nº 2, do Código Penal, 380º e 489º, nº 1, do CPP.
11- Pelo exposto, pretende o recorrente que se declare nulo o despacho impugnado por ser “contra legem”, proferindo outro conforme a promoção do MºPº constante de fls. 324 dos autos, devendo o arguido efectuar o pagamento do montante remanescente da multa penal de € 7,00.

3. Não houve resposta.

4. O Mm. Juiz a quo sustentou o seu despacho.

5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação limitou-se a apor o seu visto.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.


II – Fundamentação
1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

2. A questão suscitada ao recurso consiste em saber qual o critério a seguir no cômputo do remanescente da multa a pagar no caso de solicitação da respectiva liquidação por condenado que se encontre a cumprir já prisão subsidiária.

3.Os elementos relevantes para a decisão são os seguintes:

3.1. Teor do despacho recorrido (transcrição):

Resulta dos autos que o arguido se encontra preso desde o dia de ontem pelas 11h00 em cumprimento da pena de prisão subsidiária de 78 dias de prisão correspondentes a 118 dias de multa, à razão diária de € 3,50.
Do que fica referido conclui-se que o mesmo se encontra preso há mais de 24 horas, o que significa que se encontra a cumprir o segundo dia de prisão, sendo pois de efectuar o desconto de 2 dias de prisão à pena que o arguido tem a cumprir. Isto é, dos 78 dias de prisão subsidiária o arguido cumpriu 2 dias, faltando cumprir 76 dias.
Dispõe o art. 49º, nº2, do Código Penal que “o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado”.
Com efeito, se o arguido já se encontrar a cumprir a pena de prisão subsidiária, e querendo evitar parcialmente a execução desta pena, apenas terá que pagar parte da pena de multa em que foi condenado, já que terá de lhe ser descontada a parte correspondente à prisão subsidiária cumprida.
Da promoção que antecede verifica-se que segundo o Digno Magistrado do Ministério Público dever-se-ia descontar apenas 2 dias de multa à pena em que o arguido se encontra acusado.
Acontece que, conforme resulta do art. 49º, nº1, do Código Penal, o qual estabelece o critério da substituição da pena de multa em prisão subsidiária, 2 dias de prisão subsidiária não correspondem a 2 dias de multa.
Com efeito, o critério matemático que foi utilizado para substituir a pena de multa em prisão subsidiária tem de ser o mesmo, ainda que por raciocínio “a contrario” para se apurar qual a pena de multa que se encontra em dívida.
Assim, verifica-se os 76 dias de prisão subsidiária correspondem a 114 dias de multa (cálculo: (76:2)x3=114, ou, por forma a confirmar o resultado sempre se poderá fazer o seguinte cálculo : (114:3)x2=76).
Em conclusão, querendo o arguido evitar a execução da restante pena de prisão subsidiária terá o mesmo que proceder ao pagamento da pena de multa remanescente, correspondente a 114 dias, à razão diária de € 3,50, o que perfaz o montante de € 399,00.
Notifique e emita DUC.
Após pagamento, emitam-se mandados de libertação imediata do arguido a serem remetidos via fax ao Estabelecimento Prisional onde este se encontra em cumprimento de pena.
DN.

3.2 Recordada, assim, a decisão recorrida, cumpre apreciar e decidir:
Como sublinhado no despacho de sustentação exarado pelo Mm Juiz de 1ª instância, e cujo teor aqui se transcreve pela pertinência da argumentação ali adoptada, «é a própria lei, que no art. 49.º, n.º 1 do Código Penal, faz distinção entre os dias de multa e os correspondentes dias de prisão subsidiária, pelo que se afasta, a nosso ver de forma inequívoca, um juízo de absoluta equivalência entre estas duas formas de cumprimento da pena. As razões desta opção legislativa encontram-se expressas por Figueiredo Dias, que ensina que “se justifica a não correspondência aritmética dos dias de multa aos dias de prisão sucedânea, é coisa que deriva de [que] (…) por um lado, o sofrimento da prisão ultrapassará, em princípio, o dos dias de multa; enquanto, por outro lado, uma correspondência aritmética iria «castigar» a deficiente situação económico-financeira de muitos condenados, funcionando injustificadamente contra eles”. Ora, se o legislador entendeu que o sofrimento da prisão é superior ao da multa para efeitos de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, parece-nos curial que não terá querido afastar semelhante entendimento no momento de operar o desconto correspondente ao período em que o arguido esteve detido em cumprimento da aludida prisão. Entendimento diverso é contraditório com o espírito da norma e coloca em causa a harmonia do sistema penal. De resto, são razões de idêntica natureza que justificam que no art. 80.º do Código Penal, que versa sobre o instituto do desconto, o legislador tenha estabelecido regimes diversos para as hipóteses em que o arguido é condenado em pena de prisão efectiva e para aquelas em que o mesmo é condenado em multa (…). No mesmo sentido aponta a alteração introduzida no art. 491.º-A, n.º 3 do Código de Processo Penal pela Lei n,º 115/2009, de 12 de Outubro. Com efeito, diz-nos o n.º 3 do citado normativo […] sob a epígrafe “Pagamento da multa a outras entidades”, que, “os mandados [de detenção do arguido para cumprimento da prisão subsidiária] devem conter a indicação do montante da multa, bem como da importância a descontar por cada dia ou fracção em que o arguido esteve detido”. Presumindo que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento, não podemos deixar de notar que o mesmo não manda indicar os dias de multa e a respectiva taxa diária, como faria sentido se a cada dia de privação da liberdade apenas equivalesse um dia de desconto na pena de multa, mas sim, repete-se, “ a importância a descontar por cada dia ou fracção em que o arguido esteve detido”. Ora, se por cada dia de prisão subsidiária apenas fosse de descontar um dia de multa, não se revelaria necessário apurar a importância a que corresponde cada dia de prisão subsidiária que o arguido venha a cumprir e fazer constar essa informação dos mandados».
Reconhecendo-se uma natureza específica de pena sucedânea na prisão subsidiária ao sublinhar-se que a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária representa uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação, não pode deixar de concordar-se inteiramente com a argumentação exarada no despacho de sustentação em abono da tese perfilhada na decisão recorrida e que acima se deixou já transcrita. Entendimento que, de resto, encontra também expressão no ac. do TRP de 4/6/97 (processo n.º 9740399) cujo sumário se encontra disponível in www.dgsi.pt, e segundo o qual, «a prisão subsidiária cumprida em virtude do não pagamento da pena de multa a ter em conta no cálculo do remanescente da pena (de multa) deverá considerar que a prisão se obtém reduzindo o tempo da multa a 2/3, o que faz corresponder a cada 2 dias de prisão três dias de multa».
Longe de desvirtuar a sentença condenatória, como se pretende na motivação do recurso, a decisão recorrida respeitou-a integralmente, limitando-se a ter presente a nova fase processual iniciada com a execução da pena e não descurando que a evolução dos acontecimentos registada em sede desta nova fase do processo ditou de há muito a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, sendo, portanto, esta a pena a considerar actualmente nos autos para efeito de apreciação da execução da pena. Não pode, assim, deixar de considerar-se que foi em sede de prisão subsidiária que o arguido, condenado nos autos, cumpriu prisão, contando-se o respectivo período de cumprimento pelas regras próprias estabelecidas na lei penal para o cômputo da prisão subsidiária, e não, como pretende o recorrente, por recurso às regras da aplicação da pena originária, entretanto ultrapassada e transformada nos autos na correspondente prisão subsidiária.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerandos, deverá o recurso improceder.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção deste Tribunal da Relação em:
Negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Sem tributação.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art. 94º, nº 2 do C.P.Penal)
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Lisboa, 11 de Março de 2010

Maria de Fátima Mata-Mouros
João Abrunhosa