Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2277/18.6T8BRR.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
DISPENSA DE PENA
ADMOESTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. O instituto da dispensa de coima não é geralmente aplicável às contra-ordenações e também não às laborais por não apresentação pelo motorista das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores a que alude o art.º 25.º, n.º 1, alínea a) do RPCLSS.
II. Isto porque: (i) o RGCC regula integralmente o regime de coimas nos art.os 17.º a 26.º e no 51.º a admissibilidade de admoestação, tal como no art.º 48.º do RPCLSS, mas não previu a dispensa de coima; (iii) se fosse intenção da lei permitir a dispensa de coima tê-lo-ia dito de forma expressa, como fez no caso das contra-ordenações tributárias (art.º 32.º, n.º 1 do RGIT) e até no caso de certas contra-ordenações laborais (art.º 560.º do CT).
III. A admoestação só pode ser aplicada se, cumulativamente: (i) a contra-ordenação for classificada como leve, e (ii) houver reduzida culpa do arguido (art.º 48.º do RPCLSS).
IV. Não é o caso daquela que é legalmente classificada como muito grave (art.º 25.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório.
A arguida AAA, Ld.ª interpôs recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho que a julgara autora de uma contra-ordenação muito grave, a título de negligência, ao disposto no art.º 25.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto e lhe aplicara uma coima no valor de 30 UC pedindo que a decisão recorrida seja revogada e a mesma absolvida da suposta prática de tal contra-ordenação, concluindo a motivação com as seguintes conclusões:
"I. Por decisão datada de 27.03.2018, proferida no âmbito do processo contra-ordenacional n.º 11600483, que correu termos na Autoridade Para as Condições do Trabalho, foi a aqui Recorrente condenada pela prática de uma contra ordenação muito grave, a título de negligência, ao disposto no art.º 25.º, n.º 1, a) da Lei 27/2010, de 30/08, na coima de 30 UC.
II. Tendo a Arguida sido condenada em coima correspondente a 30 UC será admissível o presente recurso nos termos da aludida alínea a) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei 107/2009.
III. A sentença recorrida não foi proferida na presença do Arguido, tendo-lhe sido notificada apenas aos 15.03.2019.
IV. Pelo que é antes de mais oportuno, admissível e tempestivo o presente recurso, devendo ser admitido e apreciado por este venerando tribunal superior.
V. A decisão recorrida é, antes de mais, nula e nenhum efeito, devendo como tal ser declarada, com todas as consequências legais, como ao diante melhor se demonstrará.
VI. Não desconhece a recorrente, a limitação dos poderes de reapreciação da decisão recorrida por este Tribunal da Relação de Lisboa, desde logo atento o disposto no artigo 51.º da Lei 107/2009 de 14 de Setembro – isto é, no recurso sobre a decisão proferida pela primeira instância é insindicável a decisão sobre a questão de facto, limitando-se o poder de apreciação da Relação à decisão sobre a questão de direito.
VII. Colendos Desembargadores, antes de mais não pode deixar de ficar claro – translúcido – que o Senhor (…) não é nem nunca foi trabalhador por contra de outrem da Recorrente, tendo realizado para esta apenas 1 trabalho com a duração de poucos dias e tendo recebido o pagamento acordado para aquele único serviço. Depois disto nunca mais teve qualquer relação com a Recorrente, seja de que natureza for.
VIII. Isto é o que resulta da prova documental junta aos autos, resulta desde logo as declarações do próprio (…) proferidas em sede de procedimento administrativo e foi o que resultou claro também das declarações prestadas em sede de julgamento pela Recorrente, seu legal representante e demais testemunhas.
IX. Nunca o Sr. (…) foi trabalhador da Recorrente (prestou-lhe apenas um único serviço, como o próprio afirma), tendo o Tribunal a quo entendido diversamente sem que possa a Recorrente compreender com base em que elementos de prova poderá ser sustentada uma tal decisão.
X. O Tribunal a quo, para sustentar a posição que pretendeu tomar quanto à contra-ordenação de que veio acusada a Recorrente, acabou por decidir a mais do que aquilo que lhe era imposto, indo para além daquilo que estava verdadeiramente em causa no presente processo.
XI. Encontrando-se assim a sentença recorrida viciada e ferida de verdadeira nulidade, mais não seja ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1, c) do CPP – nulidade que aqui se deixa invocada para os devidos efeitos legais.
XII. O Tribunal a quo, data vénia, revela falta de conhecimento do modo de funcionar das pequenas empresas de transportes em Portugal e da sua estrutura organizativa e comercial.
XIII. Dos elementos carreados para os autos seria possível concluir que de facto a Recorrente não é responsável por qualquer contra-ordenação, muito menos por aquela de que vem acusada.
XIV. É imputada à Recorrente a prática de contra-ordenação muito grave prevista e punida pelas disposições conjugadas do art.º 15.º, n.º 7 do Regulamento (CEE) n.º 3821/1985, com as alterações introduzidas pelo Regulamento n.º 561/2006 de 15 de Março e artigo 25.º, n.º 1 alínea a) da Lei n.º 27/2010 de 30 de Agosto – não apresentação dos registos de condução dos 28 dias anteriores.
XV. Cumpre referir que esta obrigação – de apresentação dos registos de condução – é, como resulta da lei e foi de resto atestado pelo próprio agente autuante nas declarações que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento, do condutor e não da sociedade contratante.
XVI. Simplesmente, a lei responsabiliza (artigo 13 da Lei 27/2010) a empresa pelas contra-ordenações praticadas pelo condutor ainda que fora do território nacional – esta norma consubstancia verdadeira presunção iuris tantum de responsabilidade da entidade empregadora pelo comportamento incumpridor do seu trabalhador.
XVII. Trata-se naturalmente de uma norma pensada para a realidade de uma relação laboral em que se impõe (se exige) à entidade empregadora um especial cuidado com o comportamento do seu trabalhador e a organização do trabalho deste.
XVIII. Simplesmente esta não é a realidade dos autos, simplesmente porque nem a Recorrente é ou alguma vez foi empregadora do Sr. (…), nem este é ou alguma vez foi seu trabalhador – como resulta abundantemente dos autos e da prova neles produzida.
XIX. Numa situação como a dos autos, naturalmente que não é exigível (nem poderia ser) à Recorrente que planeasse o trabalho do seu prestamista (tarefeiro) tanto mais que é absolutamente alheio à Recorrente para quem e em que condições trabalhou o condutor antes de lhe prestar o serviço (único) que efectivamente lhe prestou.
XX. A recorrente não tinha trabalho do condutor a organizar, simplesmente porque este não trabalha nem nunca trabalhou para a primeira – a Recorrente solicitou ao aludido condutor que lhe prestasse um serviço, o que este afirmou estar em condições de fazer – simplesmente.
XXI. Não tem pois qualquer aplicação no caso dos autos o disposto no artigo 13.º da aludida lei – pensado para uma realidade laboral que, como se vem afirmando, inexistia e sempre inexistiu no caso dos autos.
XXII. A Recorrente contactou o Condutor para um serviço único com a duração de poucos dias, perguntou-lhe se este estaria em condições para realizar tal trabalho e o condutor respondeu afirmativamente. Cumpriu o serviço que lhe foi encomendado e recebeu o preço acordado, tout court – e isto é o que resulta de todas as declarações prestadas nos autos (pelas partes e pelas testemunhas, incluindo o próprio condutor).
XXIII. A decisão recorrida parte pois de um errado (erradíssimo) enquadramento de facto para uma manifestamente errada (também) decisão de direito – o Tribunal a quo faz um correcto enquadramento da questão jurídica, porém aplica o direito a uma realidade fáctica errada e inexistente.
XXIV. Mas ainda que assim não fosse, a responsabilidade seria sempre do condutor ao abrigo do disposto no artigo 13.º, n.º 3 da Lei 27/2010.
XXV. Posto que a Recorrente inquiriu o Condutor sobre se estaria em condições (pessoais e legais) de realizar o aludido serviço e este, omitindo-lhe qualquer informação em sentido contrário, afirmou que sim, o que fez.
XXVI. Pelo que nunca seria a Recorrente, seja como for, responsável pela aludida contra-ordenação.
XXVII. Considerando a factualidade relevante no presente caso, verifica-se que, ainda que a Recorrente fosse responsável por qualquer infracção (que, ressalvado o devido respeito, como se viu, não é) sempre a sua conduta deveria ser isenta de qualquer censura, particularmente por não ter resultado da mesma qualquer dano concreto para terceiros, encontrando-se sempre plenamente justificada.
XXVIII. Por ser assim, ainda que qualquer infracção houvesse (que não houve) sempre a pretensa conduta da Recorrente deveria ser considerada dispensada de aplicação de qualquer pena, nos termos do artigo 74.º do Código Penal – o que, nessa hipótese, cautelarmente se requer.
XXIX. Ainda que assim não fosse (no que em qualquer caso não se consente), a considerar-se ser de aplicar uma qualquer sanção à Recorrente, atenta a supra descrita factualidade, nunca esta poderá ser outra que não a mera admoestação (nos termos do artigo 51.º do RGCO).
XXX. Na verdade, no presente caso, a haver infracção, responsabilidade e culpa, sempre estas serão manifestamente ténues, em função de todos os circunstancialismos já invocados e sintetizados.
XXXI. Pelo que, a existir qualquer infracção, concluindo-se pela sua qualificação como culposa, sempre estas serão de tal maneira ténues que, a entender-se sancionar a Recorrente (no que não se consente), justificarão a aplicação de simples admoestação nos termos do artigo 51.º do RGCO - o que, nessa hipótese, cautelarmente se Requer.
XXXII. O Tribunal a quo errou por deficitária interpretação ou aplicação, além do mais, o disposto no artigo 12.º, 13.º e 25.º da Lei 27/2010 de 30 de Agosto".
Admitido o recurso, o Mm.º Juiz pronunciou-se acerca da invocada nulidade da sentença, negando que esta de tal padecesse, admitiu o recurso e determinou que o Ministério Público fosse notificado para, querendo, responder.
O Ministério Público veio a respondeu ao recurso, opinando pela validade da sentença e adequada decisão da impugnação da decisão da autoridade administrativa.

Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da resposta do Ministério Público na instância recorrida.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir do recurso.
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II - Fundamentação.
1. Factos provados:
"1. No dia 28/06/2016 pelas 10 horas, a arguida “AAA.” mantinha em circulação na Praia da Mata, Costa da Caparica, o veículo pesado de passageiros de matrícula (…) conduzido pelo motorista ao serviço da arguida (…).
2. O veículo pesado de passageiros de matrícula (…) é propriedade da ora arguida.
3. No dia referido no ponto 1, numa acção de fiscalização estradal efectuada pelo agente autuante da GNR melhor identificado no auto de notícia n.º 185163-OG, o referido condutor não se fazia acompanhar de todos os discos/folhas de registo de tacógrafo referentes aos últimos 28 dias de trabalho anteriores ao dia da fiscalização, designadamente dos dias 6, 10, 13 a 17 e 20 de Junho de 2016.
4. No momento da fiscalização não foi apresentado documento justificativo do motivo de ausência de tais registos nem o condutor (…) tinha declarações substitutivas e justificativas da ausência de discos emitidas pela sua entidade empregadora e ora arguida.
5. O condutor (…) encontrava-se inscrito na Segurança Social na situação de desempregado e assim se manteve entre 5/01/2016 a 26/09/2016.
6. A arguida admitiu ao seu serviço o condutor (…) e não comunicou a sua admissão à Segurança Social.
7. A arguida no dia da acção de fiscalização estradal ocorrida em 28/06/2016, pelas 10 horas, na (…), Costa da Caparica tinha ao seu serviço e no seu interesse o condutor (…).
8. A arguida omitiu o dever de cuidado e vigilância ao não controlar e fiscalizar a actuação do seu motorista, nomeadamente, ao permitir que o mesmo iniciasse viagem no dia 28/06/2016 sem os 28 discos anteriores à fiscalização ou a justificação da sua ausência.
9. Por não ter actuado com o cuidado a que estava obrigada e que de que era capaz, a arguida não diligenciou pela correcta utilização do aparelho do tacógrafo nem verificou se os regulamentos estão a ser cumpridos.
10. A arguida não organizou o trabalho do seu motorista no respeito pelas disposições legais em vigor, fornecendo-lhe todas as instruções necessárias e mantendo controlos regulares adequados por forma a se assegurar que o motorista cumpria a legislação comunitária e nacional em vigor no que se refere à regulamentação comunitária dos transportes rodoviários".
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2. Poderes de cognição e objecto do recurso.
2.1. O âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[1] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[2] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso dos vícios da sentença e das suas nulidades que se não devam considerar sanadas, tudo de acordo com o disposto no art.º 410.º, n.os 2, alíneas a), b) e c) e 3 do Código de Processo Penal.[3] Daí que as questões a apreciar neste recurso versem acerca:
i. da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia (art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal);
ii. da dispensa de coima.
iii. da admoestação da arguida.

2.2. Apreciemos então as questões atrás enunciadas.
2.2.1. E para o efeito importa desde logo atentar na invocada nulidade da sentença, por violação da alínea c) do n.º 1 do art.º 379.º do Código de Processo Penal.

Estatui este normativo que "é nula a sentença: (…) c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento" e o seu n.º 2 desse que "as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º".

No caso sub iudicio, parece-nos que a recorrente lavra em evidente erro de percepção das coisas, uma vez que a sentença manifestamente não excedeu os horizontes do que poderia conhecer, a saber, decidir se o (…), condutor do pesado de passageiros de que aquela era proprietária, não era seu trabalhador subordinado, pois que essa era a realidade da factualidade onde a autoridade administrativa entroncara a sua própria decisão e que aquela se propôs impugnar judicialmente junto do Tribunal a quo.
O que efectivamente se passa é que a recorrente discorda dessa decisão proferida pelo Tribunal a quo, pretendendo que tal condutor não era seu trabalhador subordinado, mas isso, como está bem de ver, não se prende com a assacada nulidade da sentença mas com a decisão proferida sobre a matéria de facto e consequente hipotético erro de julgamento por parte do Mm.º Juiz a quo. Mas isso, como a própria reconhece, não pode ser objecto de recurso para a Relação (n.º 1 do art.º 75.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aplicável ex vi do art.º 60.º do Regime Processual Aplicável às Contra-ordenação Laborais e de Segurança Social).
Assim sendo, falecem as conclusões I a XXIII do recurso.
E pela mesma ordem de ideias o mesmo se terá que dizer relativamente às conclusões XXIV a XXVI, posto não é facto assente que "a Recorrente inquiriu o Condutor sobre se estaria em condições (pessoais e legais) de realizar o aludido serviço e este, omitindo-lhe qualquer informação em sentido contrário, afirmou que sim, o que fez".
2.2.2. Da isenção de coima.
A recorrente pretende que deveria ser isenta de qualquer censura, por da conduta não ter resultado qualquer dano e, por via disso, dispensada da aplicação de qualquer coima (por lapso evidente referiu "pena"), nos termos do art.º 74.º do Código Penal.
De acordo com estabelecido pela alínea b) do n.º 7 do art.º 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/1985, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.º 561/2006, de 15 de Março, "Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo de acordo com o anexo 1 B, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo: i) O cartão de condutor de que for titular, ii) Qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006, e iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea anterior, no caso de ter conduzido um veículo equipado com um aparelho de controlo de acordo com o anexo I. No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos na subalínea ii) devem abranger o dia em curso e os 28 dias anteriores".
Por sua vez, o n.º 1 do art.º 25.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto estatui que "Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização: a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor; b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar; c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável".
A contra-ordenação em causa consiste, portanto, na omissão pelo empregador do dever de organizar a jornada de trabalho do trabalhador por sua conta de modo a que na condução de veículo automóvel pesado de passageiros se faça acompanhar de aparelho de registo dos respectivos períodos de condução de modo a habilitar as autoridades de fiscalização competentes a observarem a sua correspondência com o estabelecido na lei.[4]
Como flui do exposto, tal contra-ordenação prescinde da produção de qualquer dano, seja ao responsável pela sua prática, ao próprio motorista ou a terceiro, razão por que não se pode isentar a recorrente de qualquer censura pelo facto de não terem ocorrido quaisquer danos da sua conduta; o juízo de censura (de culpa, portanto) deve ser e foi feita em função dos factos provados e que integram o acto ilícito e não de outros quaisquer que lhe sejam alheios.

Por outro lado, também não pode ser atendida a pretensão da recorrente segundo a qual mesmo sendo responsável pela contra-ordenação, deveria ser dispensada de coima (e não de pena, como refere, já que esta é inaplicável neste contexto processual).
E assim é, diga-se, pois que conforme foi decidido pelo acórdão da Relação do Porto, de 30-06-2014, no processo n.º 271/12.0TTVNG.P2, publicado em http://www.dgsi.pt, "o instituto da dispensa da pena não é aplicável às contra-ordenações". Isto porque, como ali se refere, "o RGCC nos seus artigos 17.º a 26.º regula a aplicação da coima e das sanções acessórias prevendo, inclusive, os casos de atenuação especial e, o artigo 51.º daquele e a Lei n.º 107/2009 de 14/09, estabelecem a possibilidade de o juiz proferir uma admoestação, razão pela qual, se fosse intenção do legislador integrar tal instituto naquele regime certamente tê-lo-ia feito de forma expressa. Aliás, nem se vê como aplicar em concreto o disposto no citado artigo 74.º do C.P. Como seria feita a equiparação entre a pena de prisão não superior a 6 meses ou a multa não superior a 120 dias com as coimas previstas para as contra-ordenações?". De resto, um outro argumento se poderá acrescentar: quando a lei pretendeu que a dispensa de coima fosse aplicável no domínio contra-ordenacional teve o cuidado de o dizer expressamente, como no caso das contra-ordenações tributárias (art.º 32.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias) e até mesmo, diga-se com propósito, no caso de certas contra-ordenações laborais (art.º 560.º do Código do Trabalho), pelo que o silêncio aqui não pode deixar de ser valorado como significando que o quis afastar.

Do que resulta, portanto, que nesta parte o recurso também não pode proceder.

2.2.3. A admoestação da arguida.
A lei geral permite que a conduta contra-ordenacional seja sancionada com uma admoestação, já que o n.º 1 do art.º 51.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, estatui que "quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação".

E o mesmo se dirá no domínio das contra-ordenações laborais dado que o art.º 48.º do Regime Processual Aplicável às Contra-ordenação Laborais e de Segurança Social estabelece que "excepcionalmente, se a infracção consistir em contra-ordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o juiz proferir uma admoestação".
Porém, como resulta da copulativa legal e de resto também o reconheceu o acórdão da Relação de Évora, de 22-11-2017, no processo n.º 3232/16.6T8FAR.E1, publicado em http://www.dgsi.pt, "a sanção de admoestação só pode ser aplicada se, cumulativamente, (i) a infracção consistir em contra-ordenação classificada como leve, e (ii) houver reduzida culpa do arguido".[5]

Ora, conforme vimos atrás, no caso sub iudicio a recorrente arguida não foi condenada como autora de uma contra-ordenação leve mas muito grave.

Assim sendo, não poderia aqui ser proferida a sanção de admoestação já que só as qualificadas como leve o podem ser.

Daí que também nesta parte e, consequentemente, in totum, se não poderá prover ao recurso.
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III - Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente (art.º 92.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e 513.º, n.º 1 e 522.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
*
Lisboa, 09-10-2019.
António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto

[1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[2] Idem. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[3] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, consultado em www.dgsi.pt, assim sumariado: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» No sentido propugnado, vd. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2009, 3.ª edição actualizada, página 1049.
[4] Acórdão da Relação do Porto, de 19-03-2018, no processo n.º 2204/17.8T8MTS.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[5] Assim também João Soares Ribeiro, Contra-ordenações Laborais - Regime Jurídico, 2011, 3.ª edição, Almedina, página 90.