Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
| Descritores: | FALTA DE CITAÇÃO NULIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/25/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | I - A recepção da carta por terceiro só tem eficácia se expedida e recebida na residência da citanda (artigo 236º nº 2 do Código de Processo Civil). Sem a verificação deste pressuposto não pode operar a presunção iuris tantum contida no artigo 238º do Código de Processo Civil segundo a qual a citação postal efectuada ao abrigo do artigo 236º “tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”. II - Não tendo a carta registada com aviso de recepção destinada a citar a executada sido remetida para a sua residência, não pode a recepção dessa mesma carta pelo outro executado em morada diversa e o ulterior envio para esta mesma morada da carta prevista no artigo 241º do Código de Processo Civil valer como citação da executada. F.G. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, que com o nº 1356/2001 corre termos no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, movida por W, SA, contra Luís e Maria, veio esta arguir a nulidade da sua citação com fundamento em que a carta para citação não foi expedida para a sua residência, sita na Avenida Engº Arantes e Oliveira, nº 2, 6º andar G, bloco 1, Lisboa, mas para a do seu co-executado, situada na Rua Passos Manuel, nº 94, 2º andar direito, Lisboa, o qual não lhe fez entrega da mesma, pelo que deve anular-se o processado após a citação deste e, consequentemente, ordenar-se o levantamento da penhora. Subsidiariamente, deduziu embargos de executado, pugnando pela extinção da execução e levantamento da penhora efectuada. A exequente pronunciou-se sobre a arguida nulidade, alegando que a morada constante dos autos foi a morada fornecida pelo executado Luís Barbosa para o envio de toda a correspondência e documentação referente ao contrato em apreço, a qual ali tem sido recebida, esclarecendo que o mandatário que subscreveu o requerimento inicial nunca teve a direcção efectiva do processo, não tendo reparado ou associado o nome dos executados ao seu processo de divórcio. Não foi admitido o depoimento de parte do co-executado Luís por despacho proferido em 2 de Abril de 2004 (fls. 82). Dele agravou a executada. Admitido o recurso, foi julgado deserto por falta de alegação (fls. 258). Produzida a prova testemunhal oferecida e fixados os factos, foi julgada improcedente, por não provada, a arguição da nulidade por despacho proferido em 30 de Abril de 2004 (fls. 108-112). Interposto recurso deste despacho pela requerente/embargante, que foi admitido, foi proferido novo despacho em 3 de Dezembro de 2004 (fls. 116), o qual, considerando-a citada para os termos da execução em 18 de Setembro de 2001, rejeitou liminarmente os embargos de executado por terem sido deduzidos fora de prazo. Deste despacho agravou também a requerente/embargante, o qual foi, igualmente, admitido. Sustentou a agravante nas suas alegações, em resumo, as seguintes conclusões: 1ª dos autos constam documentos que demonstram que a executada, ora agravante, residia na Avenida Engº Arantes e Oliveira, nº 2, 6º andar G, bloco 1, em Lisboa, e não na morada onde foi requerida a sua citação; 2ª tal facto era do conhecimento do mandatário da ora agravada que subscreveu o requerimento de execução, por este ter assumido o patrocínio judicial do executado Luís Barbosa num litígio entre os executados; 3ª não tendo a citação observado as regras previstas nos artigos 236º e seguintes do Código de Processo Civil, não pode a mesma presumir-se, devendo ter-se por verificada a falta de citação por facto não imputável à executada; 4ª A falta de citação da executada constitui nulidade processual que, não estando sanada, determina a anulação de todos os actos processados após a citação do executado Luís em conformidade com o disposto nos artigos 194º al. a), 195º, 197º al. a) e 204º nº 2 do Código de Processo Civil; 5ª Com a consequente determinação do imediato levantamento da penhora ordenada nos autos de execução e que recaiu sobre o saldo da conta bancária da executada; 6ª e ainda com a consequente anulação da decisão que rejeitou liminarmente os embargos, por extemporâneos, por pressupor a citação da executada, ora agravante, em 18.09.2001, facto que não ocorreu. Devem, assim, ser revogados os despachos recorridos. Houve contra alegações, defendendo a exequente a confirmação dos despachos recorridos. Foi proferido despacho de sustentação. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. Fundamentos: 2.1. De facto: Na 1ª instância consideraram-se assentes os seguintes factos: a) a exequente requereu nos autos a citação da executada na Rua Passos Manuel, 94, 2º dtº, em Lisboa, morada para onde foi remetida a carta para citação; b) a carta de citação foi recepcionada pelo executado Luís, que assinou o respectivo aviso de recepção; c) foi emitida carta de notificação à executada, nos termos do artigo 241º do Código de Processo Civil, para a morada indicada na petição como sendo da executada. Está ainda apurado, como se decidirá infra, estoutro facto: d) a executada Maria reside desde, pelo menos, 1997 na Avenida Engº Arantes de Oliveira, 2 - 6º G, em Lisboa. 2.2. Uma nota prévia para referir que a presente execução foi instaurada em Janeiro de 2001, pelo que lhe são aplicáveis as disposições do Código de Processo Civil com as alterações introduzidas pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto. Com base na factualidade assente considerou-se que não houve falta de citação nos presentes autos, julgando-se improcedente, por não provada, a arguição da nulidade invocada. A executada Maria Teresa insurgiu-se contra tal decisão, sustentando que houve erro no julgamento da matéria de facto, uma vez que a prova documental junta ao processo demonstra que residia na Avenida Engº Arantes e Oliveira, nº 2, 6º andar G, bloco 1, Lisboa, na data da citação para os termos da acção executiva, sendo a morada indicada para a sua citação no requerimento inicial da acção executiva apenas a morada do executado. Analisando a decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que apenas se consideraram apurados factos relacionados com a dinâmica deste processo, ou seja, a morada indicada pela exequente no requerimento inicial para a citação da executada, o envio para essa morada da carta para citação da executada, a recepção da mesma pelo executado e o posterior envio de carta à executada em cumprimento do disposto no artigo 241º do Código de Processo Civil. Não se extraíram quaisquer factos quer dos documentos juntos pelas partes ao processo, quer dos depoimentos das testemunhas inquiridas, tendo sido apenas valorizado o depoimento da testemunha João, arrolada pela exequente, por ter revelado que, após a assinatura do contrato de mútuo alegadamente subjacente à emissão do título executivo, do qual consta a morada que a executada afirma ser a sua - Avenida Engº Arantes e Oliveira, nº 2, 6º andar G, bloco 1, Lisboa -, houve um pedido de alteração dessa morada para aquela que foi indicada no requerimento inicial - Rua Passos Manuel, 94, 2º dtº, em Lisboa - para efeitos de recepção de correspondência, sendo que todas as cartas que para esta foram enviadas foram recebidas. Acontece que uma leitura mais atenta dos documentos juntos aos autos permite, salvo o devido respeito, concluir pela demonstração de um outro facto relevante, para além dos apurados, sem necessidade de se recorrer a outros meios de prova e sem pôr em causa o depoimento da testemunha referida, único que, com o alcance referido, revelou alguma pertinência, embora escassa, como o evidencia o exarado na motivação da decisão sobre a matéria de facto. Assim: - do título executivo apresentado pela exequente, que tem como data de emissão 5 de Novembro de 1999, figuram como subscritores os executados Luís e Maria, residentes na Av. Engº Arantes e Oliveira, 2 – 6º G, 1900 Lisboa (fls. 266); - do contrato de aluguer, alegadamente subjacente à emissão desse título de crédito, celebrado entre a exequente e os executados Luís e Maria, em 29 de Julho de 1997, figura como morada destes a Av. Engº Arantes e Oliveira, 2 – 6º G, 1900 Lisboa (fls. 52); - na petição inicial da acção de divórcio litigioso movida, em Janeiro de 2001, pelo executado Luís contra a executada Maria, subscrita pelo advogado que assinou o requerimento inicial desta acção executiva, foi indicada como sua residência a Rua Passos Manuel, nº 94 -2º Dtº, 1150 Lisboa, e como residência da Maria a Av. Engº Arantes de Oliveira, 2 – 6º G, 1900 Lisboa (fls. 38); - nessa acção de divórcio a Maria foi convocada para a tentativa de conciliação por carta datada de 23 de Janeiro de 2001 remetida pelo 1º juízo do Tribunal de Família para a Av. Engº Arantes de Oliveira, 2 – 6º G, 1900 Lisboa (fls. 42); - na mesma acção de divórcio foi acordado atribuir à Maria “o direito ao uso e ocupação da casa de morada de família, sita na Avenida Engº Arantes e Oliveira, nºs 2ª e 2, 6º andar direito, Bloco 1, em Lisboa, (…), que nela continuará a residir com os filhos do casal”, tendo ainda sido acordado que na partilha dos bens do casal “a casa de morada de família será atribuída à cônjuge mulher” (fls. 49); - mostra-se inscrita na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, através da Ap. 2 de 2003/05/22, a aquisição, por partilha subsequente ao divórcio, a favor da executada Maria residente na Av. Engenheiro Arantes e Oliveira, 2 e 2ª, Bloco B-1, 6º, em Lisboa, da fracção autónoma correspondente a tal residência; - O Banco B comunicou à executada Maria a penhora do saldo de conta bancária de que é titular à ordem da presente acção executiva por carta registada de 29 de Dezembro de 2003 dirigida para a Av. Engº Arantes de Oliveira, 2 – 6º G, 1900 Lisboa (fls. 51); - no âmbito desta acção executiva foi informado, em 19 de Maio de 2003, pela Direcção Geral de Contribuições e Impostos que o executado Luís tem o domicílio fiscal na Rua Passos Manuel, nº 94 -2º Dtº, 1150 Lisboa, e a executada Maria tem o domicílio fiscal na Av. Engº Arantes de Oliveira, 2 – 6º G, 1900 Lisboa (fls. 267 e 268). Sem dificuldade, pode retirar-se destes documentos, que não foram impugnados pela exequente, que a executada sempre foi dada como residente na Avenida Engº Arantes de Oliveira, 2 – 6º G, Lisboa, desde, pelo menos, 1997, encontrando-se esta morada referenciada como sua residência quer junto de entidades oficiais, quer na documentação associada à emissão da livrança que a exequente apresentou como título executivo, quer ainda, por indicação do seu ex-marido e co-executado, no âmbito da acção de divórcio que este lhe moveu, na qual foi patrocinado pelo advogado subscritor do requerimento inicial desta acção executiva (cfr. fls. 38 a 41). Não existe qualquer sinal que permita estabelecer uma ligação entre a executada Maria e a Rua Passos Manuel, nº 94 -2º Dtº, em Lisboa, local para onde foi expedida a carta para a sua citação, a não ser a indicação feita nesse sentido pela exequente no requerimento inicial desta acção executiva. Ao contrário, toda a prova documental, que é abundante e credível, aponta inequivocamente no sentido de que esta tem residência na morada que refere. Aliás, a Rua Passos Manuel, nº 94 -2º Dtº, em Lisboa, surgiu apenas na acção de divórcio como sendo a residência do executado Luís, por indicação deste, o qual ali mencionou como residência da Maria, a citada Avenida Engº Arantes de Oliveira, 2 – 6º G, em Lisboa. Esta última era a casa de morada de família do casal formado por ambos, à qual a executada se manteve vinculada, como o revela o acordo relativo à atribuição da casa de morada de família e a partilha subsequente ao divórcio. Neste contexto forçoso é considerar como provado que a executada Maria reside, pelo menos, desde 1997 na Avenida Engº Arantes de Oliveira, 2 - 6º G, em Lisboa (artigo 712º nº 1 al. a) do Código de Processo Civil). Saber se tal facto era do conhecimento do mandatário do exequente é de todo irrelevante, embora fosse difícil ignorá-lo face à intervenção que teve como mandatário do executado Luís na acção de divórcio. Também é irrelevante saber se a carta expedida para citação da executada Maria lhe foi ou não entregue pelo mesmo, posto que não foi remetida, como devia, para o local da sua residência, como se exige no caso de citação postal (artigo 236º nº 1 do Código de Processo Civil). Logo, não tendo a carta registada com aviso de recepção destinada a citar a executada sido remetida para a sua residência, não pode a recepção dessa mesma carta pelo executado Luís em morada diversa e o ulterior envio para esta mesma morada da carta prevista no artigo 241º do Código de Processo Civil valer como citação da executada. A recepção da carta por terceiro só teria eficácia se expedida e recebida na residência da executada (artigo 236º nº 2 do Código de Processo Civil). Sem a verificação deste pressuposto não pode operar a presunção iuris tantum contida no artigo 238º do Código de Processo Civil segundo a qual a citação postal efectuada ao abrigo do artigo 236º “tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”. Logo, tem de concluir-se que, no caso vertente, existe falta de citação não imputável à citanda, nos termos do disposto no artigo 195º nº 1 al. e) do Código de Processo Civil, nulidade que determina a anulação do processado posterior à citação do executado Luís, salvando-se apenas esta e o requerimento inicial, pelo que a penhora em bens da executada Maria não pode subsistir (artigos 194º al. a) do mesmo código). Procedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente respeitantes ao primeiro agravo, o que prejudica o conhecimento do segundo agravo interposto do despacho que, considerando a executada citada para os termos da execução em 18 de Setembro de 2001, rejeitou liminarmente os embargos de executado por terem sido deduzidos fora de prazo, visto que tal despacho se tornou insubsistente por força da anulação do processado decorrente da falta de citação da executada. 3. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: a) em conceder provimento ao primeiro agravo e revogar o despacho recorrido, julgando-se nulo todo o processado por falta de citação da executada, ora agravante, Maria, incluindo a penhora em bens desta, salvando-se apenas o requerimento inicial e a citação do executado Luís; b) em não tomar conhecimento do segundo agravo, por prejudicado; c) em condenar a agravada nas custas dos agravos. 25 de Outubro de 2007 (Fernanda Isabel Pereira) (Maria Manuela Gomes) (Olindo dos Santos Geraldes) |