Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JORGE ROSAS DE CASTRO | ||
| Descritores: | ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS MATÉRIA DE FACTO REDUÇÃO LIBERDADE DE EXPRESSÃO DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO SOCIAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade do Relator): I. Com o regime dos arts. 358º e 359º do CPP pretende-se, além do mais, salvaguardar o direito de defesa do arguido, que não é compatível com «decisões-surpresa», por essa via densificando-se a dimensão do contraditório plasmada nomeadamente no art. 32º, nºs 1 e 5 da CRP e no art. 6º, nº 3, alíneas a) e b) da CEDH. II. Quando se trata, na sentença, de uma redução da matéria de facto em relação à que constava da acusação pública, da acusação particular ou da pronúncia, não há por norma que recorrer àquele regime: a eventual decisão de considerar não provado este ou aquele facto que antes fora imputado ao arguido não comporta qualquer entorse ou constrangimento constitucional ou processual, visto que o juiz do julgamento nada acrescenta; e o arguido de tudo pôde defender-se. III. Não será necessariamente assim, todavia, se da redução da matéria de facto pela qual se enverede na sentença advier uma alteração essencial do sentido de ilicitude típica do comportamento do arguido, sobretudo se aquela redução não tiver resultado de alegação da Defesa. IV. A liberdade de expressão é um dos fundamentos essenciais de qualquer sociedade democrática e não pode ser encarada como uma mera figura de estilo, que garanta apenas a possibilidade de dirigir a alguém um elogio, uma opinião favorável ou tomar uma posição inócua sobre um qualquer assunto; a razão de ser da liberdade de expressão vai muito além disso, abrangendo também – e aí colhendo aliás o seu pleno e genuíno sentido - a propósito de informações ou opiniões críticas e até ofensivas e perturbadoras. V. Dentro da liberdade de expressão ganha particular realce o desempenho de quem observa, acompanha e vigia a coisa pública, como sejam a imprensa, os bloggers e outros utilizadores de redes sociais, organizações não governamentais ou quem participa no debate político ou de outros assuntos de interesse público - se se tratasse apenas de proteger a circulação de informações e opiniões favoráveis, elogiosas ou inócuas, não seria necessária a liberdade de expressão praticamente para nada e reduzir-se-ia o seu alcance prático-jurídico a uma margem quase irrelevante. VI. O que o Arguido fez foi republicar uma publicação anterior, em que surgia uma das notícias que haviam sido publicadas sobre o alegado envolvimento da Assistente num esquema de burlas, acompanhada de um pequeno texto, no qual figura, na verdade, um juízo de valor depreciativo da Assistente. VII. Todavia, esse juízo de valor está incontornavelmente associado ao teor da notícia que o acompanha e mais não é que a leitura que o seu autor faz do que leu, leitura essa obviamente adjetivada e objetivamente ofensiva para com a Assistente, mas que se inscreve numa liberdade de apreciação que no seu sentido essencial não sai de uma interpretação possível da realidade para que apontam aquelas várias notícias. VIII. Exigir-se para a publicação de um texto na imprensa o mesmo grau de certeza de uma condenação judicial ou de uma escritura pública representaria na prática a morte da imprensa; é manifesto que os Jornalistas têm deveres deontológicos, nomeadamente na feitura de investigações sérias e com respeito pelo contraditório dos visados, mas não ao ponto de ficarem constrangidos com regras procedimentais e critérios de valoração da informação similares às de um processo judicial ou dos atos notariais. IX. Os jornais e as revistas, sejam em suporte de papel, sejam digitais, numa sociedade livre, aberta e democrática, constituem fonte de informação para os cidadãos e é da natureza humana e dos nossos dias confiar, comentar, discutir e partilhar o que é publicado e debatido na imprensa, concordando ou divergindo, aceitando ou recusando, particularmente quando o assunto suscita o interesse de uma larga massa de pessoas. X. Introduzir aqui as restrições pro veritatis preconizadas pela decisão recorrida implicaria restringir a liberdade de expressão e de opinião dos cidadãos a um ponto não compatível com a CEDH. XI. O que o Arguido fez, por via da republicação que protagonizou, não foi mais do que entrar numa discussão que já se encontrava claramente na praça pública, nada de substancial acrescentando ao que resultava do já dito. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | 1 – Relatório O Juízo Local Criminal de Lisboa (Juiz 1) proferiu sentença nestes autos no dia 21 de setembro de 2023, com o seguinte dispositivo, que aqui se transcreve na parte relevante: «Nos termos de facto e de Direito expostos, o Tribunal decide julgar a acusação particular procedente por provada e, em consequência: a. condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelos art.s 180º, nº 1 e 183º, nº 2, ambos do Código Penal, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 7€, no montante de 1.680€; b. fixar 160 dias de prisão subsidiária (art. 49º, nº 1, do C. Penal); c. condenar o Arguido/Demandado AA a pagar à Assistente/Demandante BB, a título de danos não patrimoniais, indemnização no montante de 10.000€, acrescida dos juros, à taxa legal, que se vencerem a partir da data da presente sentença e até integral pagamento; (…)» O Arguido interpôs recurso dessa sentença, na sequência do qual esta Relação proferiu acórdão no dia 11 de abril de 2024, o qual tem o seguinte dispositivo, que aqui se transcreve na parte relevante: «Pelo exposto, acorda esta Relação no seguinte: A. Abstém-se de tomar conhecimento da questão da alegada renúncia ao direito de queixa, por efeito do caso julgado formado nos autos pelo despacho proferido pelo Tribunal de 1ª Instância a 5 de abril de 2022; B. Nega-se provimento ao recurso quanto à invocada nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia; C. Nega-se provimento ao recurso quanto ao invocado erro notório na apreciação da prova; D. Concede-se provimento ao recurso em matéria de facto desde já na seguinte medida: D.1 Determina-se a alteração das alíneas a) a c) dos factos provados, passando as mesmas a ter o seguinte teor: «a) O Arguido, no dia ... de ... de 2020, fez uma publicação na sua página pessoal de Facebook - ... - da qual constam imputações à pessoa da Assistente; tal publicação corresponde à republicação que, igualmente e com o mesmo conteúdo, fora feita na página “...”, também do Facebook. b) Da referida republicação feita pelo Arguido resulta ter a Assistente sido publicamente apelidada de "burlona nos tempos livres", juntamente com a partilha de uma fotografia de um artigo da Revista ...que fazia referência à Assistente. c) Nessa republicação feita pelo Arguido na sua página pessoal do Facebook consta o seguinte texto - "BB, ... anos, ... profissional, líder no partido DD para os assuntos da violência doméstica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca". D.2 Determina-se o aditamento à matéria de facto não provada do seguinte: - que tenha sido o Arguido o autor da frase descrita em c). E. Julga-se parcialmente nula a sentença, por omissão de pronúncia quanto à matéria de facto e de direito mencionada em 2.2.5, sentença que deve assim ser reformulada nessas partes pelo mesmo Tribunal, proferindo-se nova sentença que supra o apontado vício; F. Considera-se prejudicada a necessidade de apreciação da parte restante do recurso. (…)» Regressados os autos à 1ª Instância, aí foi proferida nova sentença, que contém o seguinte dispositivo: «Nos termos de facto e de Direito expostos, o Tribunal decide julgar a acusação particular procedente por provada e, em consequência: a. condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelos art.s 180º, nº1 e 183º, nº 2, ambos do Código Penal, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 7€, no montante de 1.680€; b. fixar 160 dias de prisão subsidiária (art. 49º, nº1, do C. Penal); c. condenar o Arguido/Demandado AA a pagar à Assistente/Demandante BB, a título de danos não patrimoniais, indemnização no montante de 10.000€, acrescida dos juros, à taxa legal, que se vencerem a partir da data da presente sentença e até integral pagamento; d. condenar o Arguido na taxa de justiça que se fixa em duas UC, e nas legais custas; e. condenar o Demandado nas custas do pedido cível, em face do seu decaimento.» Desta sentença o Arguido recorreu de novo, formulando as seguintes conclusões: «1) O presente Recurso tem como objeto a matéria de facto que foi indevidamente dada como provada, e a matéria de Direito, que foi violada, pela Sentença proferida nos presentes Autos. 2) Os Autos tiveram origem com a Queixa da Assistente, apresentada em ..., “contra os administradores do perfil “...”, bem como contra o possuidor do perfil “CC” (fls. 4, do Auto de Denúncia); e contra incertos, “contra qualquer outro agente dos factos e crime(s) denunciado(s)” (fls. 5), devido a uma publicação na rede social Facebook, no perfil de “...”, de uma fotografia de uma publicação da revista EE, acompanhada da seguinte afirmação: “BB, ... anos, ..., líder no partido DD para os assuntos da violência doméstica, Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca.”. 3) De acordo com o documento junto pela Assistente com a sua Queixa, a Fls. 9, tal publicação do perfil “...”, foi alvo de 12 partilhas, sendo que, na sua Queixa, conforme acima referido, a Assistente apenas manifestou pretender procedimento criminal contra o Recorrente e contra o perfil “A ...”. 4) Notificada pelo Ministério Público para deduzir acusação particular, a Assistente veio acusar apenas o Arguido, e apenas pela autoria da frase: “BB, ... anos, ... profissional, líder no partido DD para os assuntos da violência doméstica, Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca.” – cfr. Parecer do Ministério Público de 29/... e despacho proferido em 05/.... 5) A Assistente também pediu € 10.000,00 a título de Pedido de Indemnização Cível (PIC), e que o Arguido fosse “condenado a emitir um pedido de desculpas escrito dirigido à Assistente, na sua página de facebook;”. 6) O Arguido apresentou Contestação, na qual, designadamente, requereu que o procedimento criminal contra o mesmo fosse extinto, por lhe ser aplicável o aproveitamento da desistência tácita da Assistente quanto ao prosseguimento do procedimento criminal contra os administradores do perfil “...”, nos termos do Art. 116º, n.º 3, do CP, pugnou pela sua absolvição, por não ter praticado os factos de que vem acusado, isto é, por não ser o autor da frase aqui em causa, e contestou o PIC, tendo, nomeadamente, contestado o alegado isolamento social da Assistente, por não corresponder à verdade. 7) Em ..., o Arguido apresentou Requerimento nos Autos, a fls., no qual alegou que as provas juntas pelas Assistente a fls. 9 e 10 parecem ter sido retiradas de um computador, e que as mesmas foram cortadas, estando incompletas, já que nas mesmas não surge o fundo da publicação onde se encontram as funções “Gosto”, “Comentar” e “Partilhar”, e, portanto, que a prova apresentada pela Recorrida é incompleta e geradora de dúvidas. 8) Em ..., o Arguido apresentou requerimento nos Autos, a fls., no qual indicou 7 (sete) links de notícia veiculada pela imprensa em vários jornais, e até em canais de televisão, relativos à informação de que a Recorrida estaria envolvida no esquema fraudulento de burla encetado pela empresa ZZ da qual a mesma fez parte. 9) A Assistente, não fez prova dos factos constantes na sua acusação particular, e também não fez prova dos factos alegados no PIC, quer ao longo do Processo, quer em sede de audiência de julgamento; no entanto, 10)Foi proferida Sentença (a primeira), tendo o tribunal a quo entendido, contrariamente ao que devia, nomeadamente, o seguinte: a. 2.2. – Matéria de facto não provada b. - que não tenha sido o próprio Arguido o autor da frase “BB, ...anos, ..., líder do partido DD para os assuntos da violência doméstica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca”. c. - que o perfil “...” não pertencesse, igualmente, ao Arguido.-(sublinhados nossos). 11) E, ao contrário da prova produzida nos Autos, o Tribunal a quo decidiu julgar a acusação particular procedente, por provada e consequentemente: “a) condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelos art.s 180º, nº 1 e 183º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 7€, no montante de 1.680€; b) fixar 160 dias de prisão subsidiária (art. 49º, nº 1, do C. Penal); c) condenar o Arguido/Demandado AA a pagar à Assistente/Demandante BB, a título de danos não patrimoniais, indemnização no montante de 10.000€, acrescida dos juros, à taxa legal, que se vencerem a partir da data da presente sentença e até integral pagamento; d) condenar o Arguido na taxa de justiça que se fixa em duas UC, e nas legais custas; e) e) condenar o Demandado nas custas do pedido cível, em face do seu decaimento.” 12) Inconformado com esta primeira Sentença, o Arguido apresentou Recurso para o Tribunal da Relação, tendo sido proferido douto Acórdão, o qual teve parcialmente provimento: 13) Conforme o ponto 1., do Sumário, do mencionado Acórdão: SUMÁRIO (da responsabilidade do relator) a. 1 - Se o Tribunal manifesta ter ficado numa situação de dúvida razoável perante um facto desfavorável ao Arguido, não pode dá-lo como provado, sob pena de ofensa ao princípio in dubio pro reo; é o que sucede se, ao mesmo tempo que dá como provado que o Arguido republicou um texto no Facebook, o Tribunal dá também como provado que foi o mesmo Arguido o autor da publicação inicial quando se percebe, pela motivação, que o que tinha por certo era apenas a autoria da republicação. 14) Conforme o ponto 3. - DISPOSITIVO, alíneas D) a F), do mesmo Acórdão: 3 - DISPOSITIVO: Pelo exposto, acorda esta Relação no seguinte: (…) (…) D) Concede-se provimento ao recurso em matéria de facto desde já na seguinte medida: D.1 Determina-se a alteração das alíneas a) a c) dos factos provados, passando as mesmas a ter o seguinte teor: «a) O Arguido, no dia ... de ... de 2020, fez uma publicação na sua página pessoal de Facebook - ...- da qual constam imputações à pessoa da Assistente; tal publicação corresponde à republicação que, igualmente e com o mesmo conteúdo, fora feita na página “...”, também do Facebook. b) Da referida republicação feita pelo Arguido resulta ter a Assistente sido publicamente apelidada de "burlona nos tempos livres", juntamente com a partilha de uma fotografia de um artigo da Revista ...que fazia referência à Assistente. c) Nessa republicação feita pelo Arguido na sua página pessoal do Facebook consta o seguinte texto - "BB, ... anos, ..., líder no partido DD para os assuntos da violência doméstica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca". D.2 Determina-se o aditamento à matéria de facto não provada do seguinte: - que tenha sido o Arguido o autor da frase descrita em c). E. Julga-se parcialmente nula a sentença, por omissão de pronúncia quanto à matéria de facto e de direito mencionada em 2.2.5, sentença que deve assim ser reformulada nessas partes pelo mesmo Tribunal, proferindo-se nova sentença que supra o apontado vício; F. Considera-se prejudicada a necessidade de apreciação da parte restante do recurso. – (enquadramentos nossos) 15) Descido os Autos, o Tribunal a quo proferiu nova Sentença, ora recorrida, a qual, conforme determinado pelo douto Acórdão, alterou a supra transcrita matéria de facto provada e não provada – cfr. ponto 2.1., alíneas a), b) e c), e 2.2. da Sentença recorrida; e, 16) A Sentença recorrida também eliminou as seguintes frases que constavam na primeira Sentença proferida nos presentes Autos: - (Penúltimo parágrafo, do ponto 2.3. da Sentença): “A sua tese não merece acolhimento, pois, ainda que admitindo a possibilidade de não ser o autor material do texto em que a Assistente foi apelidada de “burlona”: - (Último parágrafo, do ponto 2.3. da primeira Sentença): O Tribunal a quo afirma na Sentença que a matéria de facto dada como não provada deve-se ao facto de “a Defesa ter sido incapaz de provar, quer que o texto em que a Assistente foi apelidada de “burlona” não foi da autoria do Arguido (...), quer que o perfil “...” não pertencia, também e efetivamente ao Arguido (…)”: 17)No entanto, o Tribunal a quo, embora tenha acrescentado alguns esclarecimentos e eliminado os acima transcritos, manteve a mesma fundamentação e a mesma decisão da primeira Sentença. 18) A Sentença ora recorrida é nula por violação do princípio da presunção de inocência – ART. 32º, N.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que a Assistente deduziu Acusação Particular contra o Arguido apenas sobre a questão da autoria da frase "BB,... anos, ..., líder no partido DD para os assuntos da violência doméstica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca", - cfr. a Acusação Particular, o Parecer do Ministério Público de 29/... e o despacho proferido em 05/..., e, conforme consta da Sentença recorrida, não ficou provado que tenha sido o Recorrente o autor dessa frase – cfr. ponto 2.2., da Sentença recorrida; logo, 19) Como o Tribunal a quo não tinha a certeza sobre os factos decisivos – cfr. ponto 2.2. da Sentença, tinha o dever de se pronunciar favoravelmente ao Arguido, o que não fez, pelo que a Sentença enferma de nulidade, por violação do princípio da presunção de inocência, no Art. 32º, n.º 1, 1ª parte, da CRP, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que absolva o Arguido. 20) A Sentença também é nula, POR CONDENAR O ARGUIDO POR FACTOS DIVERSOS DOS QUE CONSTAM NA ACUSAÇÃO, pois, a Sentença condenou o Arguido com fundamento na partilha/republicação, e não pela autoria da frase aqui em causa - que não ficou provado. 21) Conforme resulta da Acusação Particular, do Parecer do Ministério Público de 29/... e do Despacho proferido em 05/..., a Assistente: 22) Deduziu Acusação Particular contra o Arguido relativamente à autoria da frase "BB, ... anos, ..., líder no partido DD para os assuntos da violência doméstica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca"; 23) Não deduziu Acusação Particular contra o Arguido relativamente à partilha da publicação efectuada pela “...”. 24) O Arguido não recorreu do despacho proferido em 05/... porque o tribunal a quo decidiu que a republicação/partilha não fazia parte da Acusação- cfr. Despacho de Fls, pois, só se estivesse em causa nos presentes Autos a republicação (que não está), é que estaria também em causa a comparticipação, pois caberia à Assistente acusar todos os intervenientes, principalmente os seus autores materiais, visto que foram estes que desencadearam as 12 partilhas da publicação que fizeram no perfil “...”. 25) A Sentença recorrida introduziu um novo texto, relativamente à primeira Sentença, no qual clarificou que o raciocínio do Tribunal teve por base a republicação, o aderir à publicação originária, com o «realce» do facto de a Assistente ter sido vítima de violência doméstica, o que extravasa a estrutura acusatória do Processo Penal, uma vez que o Arguido não foi acusado pela publicação aqui em causa, e muito menos pelo crime de violência doméstica; pelo que, 26) A Sentença condenou o Arguido com fundamento na partilha/republicação, e não pela autoria da frase - que não ficou provado, logo condenou o Arguido por factos diversos dos que constam na Acusação Particular da Assistente, pelo que é nula, nos termos do disposto no Art. 379º, n.º 1, al. b), 1ª parte, e n.º 2, do CPP, “devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo ...4.”. 27) A Sentença ainda é nula por Omissão de pronúncia e por falta de fundamentação, pois, conforme consta na parte final do ponto 2.2.5 do Acórdão proferido nos Autos, o Tribunal ad quem determinou o Tribunal a quo, nomeadamente, para suprir a falta de ponderação dos danos alegados pela Assistente no âmbito do seu alegado isolamento social, quanto aos seguintes pontos da Contestação: a. «- 174 (…) a Demandante continua a ser ativa na política, continua a fazer a sua crónica semanal num canal televisivo; e, b. - 175. A Demandante candidatou-se à ... e à ... (…). c. - 176. (…) a Demandante candidatou[-se] às legislativas de ... pelo círculo de Lisboa (…). 28) No entanto, a Sentença recorrida voltou a não ponderar estes factos e a não pronunciar-se sobre os mesmos, em desrespeito pela determinação do Tribunal ad quem, persistindo a mesma, nessa medida, na nulidade, por violação do Art. 374º, n.º 2, e Art. 379º, n.º 1, do CPP, pelo que o Arguido vem arguir esta nulidade, para as legais consequências. 29) A Sentença recorrida deu indevidamente como provados os factos constantes nas alíneas e), k), m), s), u), v), z) e aa), do ponto 2.1. - Matéria de facto provada, acolhendo as declarações da Assistente em sede de audiência de julgamento relativamente aos seus alegados danos morais, que não provou, e os quais foram contestados pelo Arguido, designadamente nos pontos 169º e 170º da Contestação. 30) A Assistente não provou os seus alegados danos morais, designadamente, não requereu e não se submeteu a uma perícia médica legal para a prova da existência e da extensão dos danos morais que alega ter sofrido. 31) A Assistente também não provou (nem poderia provar, porque não existe) um nexo causal entre os seus alegados danos morais e a republicação do Arguido no seu perfil de Facebook, no dia 22/.... 32) Razão pela qual entende o Recorrente que, ao contrário do que consta na Sentença recorrida, não ficaram provados os factos referidos nas alíneas e), k), m), s), u), v), z) e aa), do ponto 2.1. - Matéria de facto provada. 33) Note-se que Assistente trouxe para os Autos acontecimentos da sua vida passada, que ocorreram há mais de 20 anos – ter sido vítima de violência doméstica por terceira pessoa, o que foi amplamente tido em conta na ponderação da decisão da Sentença recorrida, para justificar e agravar os seus alegados danos morais, ao contrário do que deveria ter feito, pois o Recorrente nada ter a ver com esta ocorrência da vida passada da Assistente 34) A Sentença recorrida deu indevidamente como provados os factos constante nas alíneas g), h), j), k), n), bb), cc) e dd), do ponto 2.1. - Matéria de facto provada, uma vez que não correspondem à verdade, conforme o Arguido alegou nos pontos 39. a 45., 93., 94., 96. a 102., 196. e 197., da sua Contestação, e conforme as suas declarações em sede de audiência de julgamento, conforme consta na Sentença recorrida: “O Arguido negou a prática dos factos, nomeadamente negou ter escrito o texto em que a Assistente foi apelidada de “burlona”; e negou que a página “...” fosse sua. Afirmou que se limitou a partilhar uma publicação da “...”, porque lhe pareceu relevante” (…) Arguido afirmou que não teve intenção de ofender a mesma (…) – cfr. 35) Sendo que, a Assistente não fez prova dos factos dados como provados pela Sentença, nas alíneas g), h), j), k), n), bb), cc) e dd), do ponto 2.1.. 36) Logo, no entender do Recorrente, esta matéria de facto (alíneas g), h), j), k), n), bb), cc) e dd), do ponto 2.1. ) não deveria ter sido dada como provada pela Sentença recorrida. 37) Os factos de que o Recorrente vem acusado, e que não ficaram provados, não preenchem os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de difamação, previstos nos Art.º 180, n.º 1, e 183.º do Código Penal. 38) O Arguido não foi acusado pela partilha da publicação, de todo o modo, os factos referidos no artigo da revista EE, e os da frase que foi partilhada pelo perfil “...”, não podem autonomamente serem vistos como difamatórios, na medida em que foram um tema público, difundido sob diversas formas em vários jornais e canais de televisão, bem como comentado em perfis do facebook e em um vídeo do yutube, conforme o Arguido provou, através de requerimento apresentado em 27/..., a fls., 39)Conforme o requerimento do Arguido de 27/..., o “Jornal Expresso”, o perfil do Facebook do Sr. DD, com 529 partilhas, o observador.pt, o www.diariodigitalcastelobranco.pt, o www.noticiasonline.eu, o www.cmjornal.pt, e o vídeo de EE publicado no youtube.com referem a informação de que a Recorrida estaria envolvida no esquema fraudulento de burla encetado pela empresa ZZ da qual esta fez parte. 40) No caso em concreto, o artigo da revista EE refere um esquema em pirâmide e pessoas que foram burladas, sendo feita menção à Recorrida; conforme pode ler em fls. 9 e 10 dos Autos: a. “Na TV Y, BB apresentou-se como vítima. Arquivado em Portugal, o inquérito foi reaberto em Espanha a partir da denúncia de 272 pessoas burladas em seis milhões de euros.” ...) Ora, este artigo da revista EE - bem como os publicados no “Jornal Expresso”, o observador.pt, o www.diariodigitalcastelobranco.pt, o www.noticiasonline.eu, o www.cmjornal.pt - são da autoria de profissionais do jornalismo, os quais estão obrigados, nomeadamente, a “Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião”, a “Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência”, e a “não encenar ou falsificar situações com o intuito de abusar da boa fé do público”, conforme deveres impostos pelo Art. 14º, n.º 1, al. a), n.º 2, als. c) e i), 2ª parte, e n.º 3, da Lei n.º 1/99, de 01 de Janeiro, que regula o Estatuto do Jornalista, sob pena de responsabilidade criminal, civil e disciplinar; logo, 42) Embora os “artigos jornalísticos não têm a força probatória das escrituras” conforme refere a Sentença recorrida, a verdade é que os mesmos são fidedignos para o público em geral, no qual se inclui o Arguido, portanto é natural que o mesmo tivesse fundamentos sérios para reputar a publicação partilhada e frase escrita pela página “...” como sendo verdadeiras, conforme o mesmo referiu nas suas declarações finais prestadas na sessão da Audiência de Julgamento do dia 11/...: a. [00:01:13]: (…) foi uma publicação de uma situação que estava na página que já era repetida do passado, pensava que até já estivesse resolvida mas continuava a insistência a revista EE nunca me pareceu que fosse uma revista que pudesse falar inverdades e por isso republiquei, poderia ter sido da página que foi como poderia ter sido de outra página (…). 43) Note-se que o Recorrente não foi acusado pela partilha da publicação, assim como nenhuma das outras pessoas que publicaram e partilharam publicações sobre a Assistente sobre o tema aqui em causa, tais como no “Jornal Expresso”, no perfil do Facebook do Sr. DD, com 529 partilhas, em https://observador.pt, em www.diariodigitalcastelobranco.pt, em www.noticiasonline.eu, em www.cmjornal.pt , e vídeo de EE publicado no youtube.com - cfr. requerimento do Arguido, apresentado em 27/..., a fls. 44) Contrariamente ao que foi dado como provado pelo Tribunal a quo na alínea g) e h) ponto 2.1. da Sentença, o Recorrente não agiu com “o intuito de prejudicar, caluniar, difamar e ofender o bom nome da Assistente.”, e também não agiu “ciente de que a sua conduta produziria um resultado nefasto na vida da Assistente”. 45) O Recorrente nunca teve a intenção de difamar ou sequer ofender a Recorrida, e até pediu desculpa à mesma por duas vezes nas Sessões de julgamento, mas apenas a de partilhar no seu perfil uma informação pública e justificada num artigo de uma revista conhecida como fidedigna – a revista EE - e publicados em outros artigos de imprensa, supra apontados, convicto de que essa informação seria verdadeira, conforme o mesmo declarou em sede de audiência de julgamento: [00:09:07]: Eu carreguei no botão partilhar como partilhei outras coisas que nunca ninguém se ofendeu, nem era minha intenção sequer ofender a senhora. – Declarações iniciais do Arguido [00:01:07]: Já pedi desculpas à Assistente porque não foi minha intenção ofendê-la (…). Portanto, se está ofendida repito novamente o meu pedido de desculpas, não foi essa minha intenção. 46) Embora o Recorrente não tenha sido acusado pela republicação, a verdade é que o mesmo não representou que poderia estar a partilhar uma informação não fidedigna, pois tinha fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira, não representando assim estar a cometer o crime de difamação, não sendo a sua conduta punível, nos termos da alínea a) do n.º 2 do Art.º 180 do Código Penal. 47) O Recorrente não agiu com dolo, muito menos com dolo direto e intenso, ao contrário do que consta na Sentença recorrida. 48) A conduta do Arguido não preenche os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime de difamação, logo, não lhe pode ser imputável a prática do crime de difamação, e também não lhe pode ser imputável o crime de difamação com publicidade e calúnia. 49) Quanto à pena de multa aplicada ao Arguido, conforme supra exposto, apesar de no caso concreto não ser aplicável ao Arguido qualquer multa, porque o mesmo é inocente e deve ser absolvido, por dever de patrocínio, sempre se dirá o seguinte: 50) O Tribunal a quo condenou o Arguido pela prática de um crime de difamação previsto e punido pelos Art.º 180, n.º 1 e 183, n.º 2 do Código Penal, ou seja, agravado, por ter sido praticado através de comunicação social; no entanto, 51) Para que uma partilha ou uma publicação na rede social Facebook possam ser incluídas no conceito de meio de comunicação social para o efeito de agravação do crime de difamação o que importa não é o facto de o agente ter postado o conteúdo do texto e/ou imagem com acessibilidade livre a qualquer utilizador no seu mural, mas, antes a capacidade que essa divulgação tem de chegar a um número mais ou menos alargado de destinatários. 52) Ora, conforme o Arguido provou, com a junção do print screen que consta do Art.º 10 do Requerimento apresentado pelo Arguido/Recorrente em 07/..., constante a fls., a publicação que o Recorrente partilhou não teve qualquer reação ou partilha; logo, 53) Não pode o presente caso subsumir-se ao conceito divulgação através de meio de comunicação social, dada a sua nula ou muito baixa capacidade propulsora de divulgação. 54) Assim, o Tribunal a quo não poderia ter aplicado a agravação do crime de difamação prevista no Art.º 183, n.º 2 do Código Penal, quer porque o Arguido não praticou o crime de difamação, quer porque o presente caso não se subsumir ao conceito divulgação através de meio de comunicação social, dada a sua nula ou muito baixa capacidade propulsora de divulgação, pelo que deve a Sentença ser revogada e substituída por uma que absolva o Recorrente da prática do crime de difamação 55) Quanto ao Pedido de Indemnização Cível (PIC), conforme supra exposto, apesar de no caso concreto não ser aplicável ao Arguido qualquer indemnização, porque o mesmo não praticou nenhum crime, é inocente e deve ser absolvido, por dever de patrocínio, sempre se dirá o seguinte: 56) No que concerne ao Pedido de Indemnização Cível, da prova produzida nos Autos e na Audiência de Julgamento não resultam quaisquer provas dos danos que a Recorrida alegadamente sofreu. 57) Não foram provados os factos que foram dados como provados na Sentença e que constam das alíneas k, m, s, t, u, v, w, z e aa, do ponto 2.1., nas quais são referidos vários danos alegadamente causados pela conduta do Recorrente; e, 58) A Recorrida não apresentou qualquer Relatório Médico no qual conste que desde a partilha da publicação da página “...” sofreu os danos que apontou e que foram INCORRETAMENTE dados como provados. 59) Foi ainda INJUSTAMENTE dado como provado nas alíneas i, j, l e n que: “O Arguido vem sistematicamente publicando, na sua página de Facebook notícias em relação ao partido DD, sendo notória sua luta contra o mesmo partido.” (alínea i); “O Arguido tinha consciência dos seus actos, sabia e tinha conhecimento de que ao escrever aquele comentário iria difamar a Assistente, e descredibilizá-la na sua área de intervenção do partido partido DD, e na sua vida profissional e pessoal.” (alínea j); “O Demandado tem a indicação, na sua página pessoal de Facebook de que trabalha na Polícia JJ; sendo um seu colaborador, na área da Informática.” (alínea l); e, “E não só pela gravidade das atitudes do Demandado, mas também pela sua profissão (elemento da Polícia JJ), o que deixou a Demandante assusta.” (alínea n). 60) Mas, a Recorrida não apresentou provas de que o Recorrente faça partilhas constantes acerca do partido DD. 61) O Recorrente disse nas suas declarações iniciais que carregou no botão partilhar como partilhou outras coisas com as quais nunca ninguém se ofendeu e que não era sua intenção ofender a Recorrida. 62) No facto dado como provado na alínea u, o Tribunal aceita que os danos possam ser futuros, o que não se entende, pois, a partilha da publicação foi feita pelo Recorrente há mais de um ano e se estes alegados danos se referem a factos que a Recorrida acha que o Recorrente irá praticar, 63) O Tribunal a quo também não podia ter dado como provados os factos constantes das alíneas bb, cc e dd, uma vez que o Recorrente nunca teve como intenção perturbar a Recorrida, afetar a sua vida, a sua liberdade profissional, política ou pública, nem representou que ao partilhar a publicação estaria a atingir a honra, consideração pessoal e pública e dignidade da Recorrida, até porque conforme supra exposto, o tipo subjectivo do crime de difamação não se encontra preenchido, pois não houve qualquer tipo de dolo da parte do Recorrente. 64) O Tribunal a quo não podia ter dado como provado os factos referidos na alínea j, uma vez que não ficou provado que tenha sido o Arguido o Autor da frase que acompanha a publicação da página “...” conforme o ponto 2.2. da Sentença. 65) O Recorrente apenas partilhou uma publicação referente a um assunto que foi fortemente veiculado pela imprensa na altura, conforme demonstrou com os vários artigos que juntou aos Autos, não teve a intenção de difamar ou descredibilizar a Recorrida nem dentro do partido partido DD, nem na sua vida profissional e pessoal 66) A Recorrida alegou, que apresentou queixa contra o Recorrente por ele ter a informação no seu perfil do Facebook de que trabalha na Polícia JJ, sendo alegadamente um elemento da mesma, tendo sido tal facto dado como provado nas alíneas l e n da Sentença, mas, conforme consta a fls. 10 dos Autos, ficou provado que no perfil do Recorrente consta que o mesmo “Trabalhou na empresa Polícia JJ” e “Trabalha na empresa Ministério da Justiça (Portugal)”, ou seja, não consta no perfil do Recorrente que é um elemento da Polícia JJ. 67) De qualquer forma importa referir que o Recorrente partilhou a publicação da página “...” na qualidade de mero utilizador do Facebook. 68) A testemunha da Recorrida FF referiu que dentro do partido político de que a Recorrida fazia parte desde ..., já corria dentro dos grupos privados do Whatsapp várias notícias e vários boatos acerca do envolvimento da Recorrida no esquema de burla de que fala a publicação qui em causa. 69) Assim, facilmente se comprova pela própria testemunha da Recorrida de que, antes da partilha do Recorrente em ..., ou seja, já em ... a Recorrida estava envolvida em “boatos /difamações“; 70) A testemunha referiu ainda que o cargo que era ocupado pela Recorrida foi mais tarde extinto, ou seja, 71) A Recorrida não deixou de ser porta-voz para os assuntos da violência doméstica por causa do Recorrente, mas porque deixou de existir tal cargo. 72) A Requerida não foi afastada nem do partido DD, nem da rubrica que tinha na TV, foi a mesma quem decidiu sair de ambos os locais e a Recorrida mantém os seus diretos como ... no Facebook, concluiu o seu estágio e agregou à Ordem dos Advogados em ..., ou seja já após a partilha da publicação em causa nos Autos, neste momento apenas não se encontra a trabalhar por opção sua, conforme referiu nas declarações que prestou na sessão de julgamento do dia 03/.... 73) Assim, mais uma vez andou mal o Tribunal a quo, pois nada da vida privada, profissional ou social da vida da Recorrida foi afetada pela notícia partilhada pelo Recorrente, pelo que, entende-se que a indemnização a que o Recorrente foi condenado a pagar, além de injusta, afigura-se completamente excessiva; uma vez que, 74) Para além de a Recorrida não ter feito qualquer prova dos danos que alegadamente a partilha da publicação da página “...” lhe causou; 75) A indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo foi calculada tendo por base o reavivar dos danos que a Recorrida alegou ter sofrido há 22 anos quando foi vítima de violência doméstica,matéria da qual o Recorrente é alheio. 76) Assim, no entender do Recorrente o Tribunal a quo não seguiu as regras da boa prudência, do bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação da realidade da vida; 77) Note-se que, aparentemente, só a partilha/republicação feita pelo Arguido é que alegadamente causou danos à Assistente, o que se estranha, até porque, não foi por esse motivo que acusou o Arguido, sendo que, 78) O Tribunal a quo também não teve em consideração a condição sócio-económica do Recorrente, um mero funcionário público com imensas despesas consigo próprio e com a sua Mãe com doença oncológica a seu cargo, situação esta bem explicada pela testemunha Dr. GG e também referida em sede de Audiência de Julgamento no Depoimento do Recorrente. 79) O Tribunal a quo não atendeu e nem valorou à verdadeira situação do Recorrente e supra descrita referindo na Sentença que o Recorrente “auferindo 1.500€ por mês, vivendo em casa de seus pais, apoiando-se mutuamente, e não tendo filhos, o que nos traça o cenário de uma condição confortável e amparada, reputa-se como adequado fixar a taxa diária de 7€.”; 80) Isto quando foi referido pelo Recorrente e pela testemunha GG que o Recorrente vive com a Mãe, que é viúva, e não com os Pais como é referido na Sentença, que a sua Mãe é doente oncológica, que apenas aufere uma pensão de sobrevivência, que faz face às despesas de saúde da mesma, para além das despesas básicas e das suas despesas medicamentosas pois sofre de diabetes e que não lhe sobra dinheiro ao final do mês e que algumas vezes até tem de pedir emprestado algum dinheiro para fazer face a despesas extra que por vezes surgem. 81) No que concerne ao Pedido de Indemnização Cível, os danos alegados pela Recorrida não foram provados, como o deviam ter sido nos termos do Art.º 79, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP); pelo que, 82) Não é devida pelo Recorrente o pagamento de qualquer indemnização à Recorrida; até porque, 83) Não se encontram preenchidos os critérios previstos no Art.º 494 ex vi Art.º 496, n.º 4 do CC; uma vez que, 84) Não se verifica a culpa do agente (grau de culpabilidade) e a situação económica do Recorrente não lhe permite suportar o pagamento de dez mil euros a que foi condenado pagar pelo Tribunal a quo a pagar à Recorrida, 85) Situação de dificuldade em proceder a tal pagamento conforme demonstrado pelo Recorrente nos Autos e como ficou claramente provado pelo depoimento da Testemunha Dr. GG. 86) Aliás, o valor de dez mil euros, no entender do Recorrente é desproporcional e não atende aos critérios do Art. 494º, do CC. 87) Os factos alegados e referidos na Audiência pela própria Recorrida corroboram o facto de a mesma continuar a ser ... e a dar consultas e relativamente ao partido político de que fazia parte a mesma afirmou ter saído por conta própria por já não se identificar com os ideias do partido, e entretanto segundo a sua testemunha HH, parece que a Recorrida foi eleita para a Autarquia de Loures. 88) Nos termos do supra alegado, não ficou provado que o Recorrente é o autor da frase em causa nos Autos, sendo a Sentença nula, por violação de do princípio da presunção de inocência, por condenar o Arguido por factos diversos dos que constam na Acusação, e por falta de fundamentação e exame crítico dos factos alegados pelo Arguido, não estando preenchidos o tipo objetivo e subjetivo do crime de difamação e não tendo a Recorrida provado os danos que alegou ter sofrido, deve o Recorrente ser absolvido da prática do crime de que vem acusado e do pedido de indemnização civil. Termos em que nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de vossas excelências: Deve o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente: - a sentença recorrida declarada nula, por ter violado: o princípio constitucional de presunção de inocência, uma vez que o arguido deveria ter sido absolvido, por não terem ficado provados os factos de que vem acusado; a estrutura acusatória do processo penal, ao condenar o arguido por factos diversos dos que constam na acusação; e por, omissão de pronúncia sobre os factos alegados na contestação do arguido, relativamente ao alegado isolamento social da assistente, sendo que a assistente não fez prova desse facto, mas a sentença deu-o como prova desse facto, mas a sentença deu-o como provado. - o recorrente ser absolvido da prática do crime de que vem acusado; e, consequentemente; o recorrente ser absolvido do pedido de indemnização cível; o recorrente não ser condenado no pagamento de quaisquer custas. O recurso foi admitido por despacho de ... de ... de 2025, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. A Assistente BB e o Ministério Público responderam ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Chegados os autos a esta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto aderiu à posição sustentada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância. Os autos foram aos vistos e à conferência e nada obsta ao conhecimento do recurso. * 2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.1 Questões a tratar É pacífico, a partir do preceituado pelo n.º 1 do art.º ...2.º do Código de Processo Penal (CPP), que são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal de 2ª Instância, sem prejuízo do dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. A essa luz, são as seguintes, à partida, as questões a tratar: a. a nulidade da sentença por condenação com base em factos diversos dos que constavam da acusação particular; b. a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e falta de fundamentação; c. a persistência da omissão de pronúncia sinalizada no acórdão anterior desta Relação; d. erro de julgamento quanto à matéria de facto; e. falta de preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos do crime de difamação; f. falta de preenchimento dos requisitos da agravação do crime de difamação; g. falta de demonstração dos danos alegados e dos fundamentos da responsabilidade civil; h. desproporcionalidade da indemnização arbitrada. * 2.2 A sentença recorrida A sentença recorrida tem o seguinte teor, em termos de factos provados e não provados e sua motivação e enquadramento jurídico-penal: «(…) - FUNDAMENTAÇÃO (…) Matéria de facto provada a) O Arguido, no dia ... de ... de 2020, fez uma publicação na sua página pessoal de Facebook - ... - da qual constam imputações à pessoa da Assistente; tal publicação corresponde à republicação que, igualmente e com o mesmo conteúdo, fora feita na página “...”, também do Facebook. b) Na referida publicação feita pelo Arguido resulta ter a Assistente sido publicamente apelidada de "burlona nos tempos livres", juntamente com a partilha de uma fotografia de um artigo da revista EE que fazia referência à Assistente. c) Nessa republicação feita pelo Arguido na sua página pessoal do Facebook consta o seguinte texto - "BB, ... anos, ..., líder no partido DD para os assuntos da violência domestica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca". d) O Arguido e a Assistente não se conhecem, nunca conversaram, nunca tiveram contacto por nenhum meio. e) A Assistente sentiu-se ofendida na sua honra e consideração; sentiu-se também ofendida naquilo que é o seu bom nome e reputação. f) A Assistente sempre foi uma pessoa respeitada, tendo feito missão da sua vida, nos últimos dezasseis anos, o combate à violência Doméstica, expondo o seu caso pessoal, dando dessa forma coragem a tantas mulheres vítimas de violência doméstica que a procuram diariamente. g) O Arguido agiu com o intuito de prejudicar, caluniar, difamar e ofender o bom nome da Assistente. h) O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ciente de que a sua conduta produziria um resultado nefasto na vida da Assistente, e era proibida e punida por lei. i) O Arguido vem sistematicamente publicando, na sua página de Facebook notícias em relação ao partido DD, sendo notória sua luta contra o mesmo partido. j) O Arguido tinha consciência dos seus actos, sabia e tinha conhecimento de que ao escrever aquele comentário iria difamar a Assistente, e descredibilizá-la na sua área de intervenção dentro do partido partido DD, e na sua vida profissional e pessoal. k) A Assistente, ora Demandante, sentiu-se e sente-se profundamente ofendida com a acção do Demandado, tendo ficado dominada por um sentimento enorme de injustiça. l) O Demandado tem a indicação, na sua página pessoal de Facebook, de que trabalha na Polícia JJ; sendo um seu colaborador, na área da Informática. m) A Demandante, desde esse evento, voltou a sentir-se mal, com ataques de pânico, situação que já estava clinicamente controlada, após anos de seguimento em ..., em consequência do crime de violência doméstica a que foi sujeita, ao longo de cinco anos. n) E não só pela gravidade das atitudes do Demandado, mas também pela sua profissão (elemento da Polícia JJ), o que deixou a Demandante assustada. o) A Demandante é militante fundadora do partido DD, tendo tido a responsabilidade, primeiro, de Porta-voz a nível Nacional contra a Violência Doméstica, depois, de Presidente do Movimento das Mulheres partido DD. p) É, também, ... (Estagiária, à data dos factos), pautando-se sempre por uma postura publicamente séria, idónea e respeitada. q) A Demandante tem, também, exposição pública, uma vez que apresentou uma crónica semanal, no canal de televisão TV, sobre o tema de Violência doméstica. r) A Assistente foi candidata à Presidência da Junta de Freguesia de ... e Candidata nº3 à Camara Municipal de .... s) As afirmações feitas pelo Demandado tiveram consequências na vida da Demandante, pela sua exposição pública e profissional. t) Durante os meses que se seguiram, a Demandante foi confrontada por terceiros por causa da publicação feita pelo Demandado. u) A Demandante perdeu qualidade de vida, estava sempre triste, cansada, e vive atormentada com tudo o que aconteceu, e continua acontecer, sem saber quando vai ser a próxima difamação que o Arguido vai expor na sua rede social, uma vez que o mesmo o faz regularmente contra o partido DD. v) A Demandante sofreu, em consequência do comportamento do Demandado, problemas como dificuldade de concentração, confusão cognitiva, perturbação de pensamentos, distúrbios de ansiedade, hipervigilância, ataques de pânico, sentimentos de medo, vergonha, níveis reduzidos de auto-estima e um auto-conceito negativo, isolamento social, sentimentos de vergonha, e de falta de confiança. w) A Demandante é uma ex-Vítima de violência doméstica, que esteve em coma cerca de um mês, com um aneurisma cerebral, e que, após ter sido Vítima, estudou e quis reconstruir-se, dando voz a tantas mulheres que, por medo ou vergonha, não tiveram nem têm a coragem para o fazer, apelando às mesmas sempre à denúncia; pois, só quem vivencia a violência doméstica, na primeira pessoa, consegue perceber a extensão dos danos provocados, permanentes, e a dificuldade constante que as ex-Vítimas têm de ser reabilitar. x) A Demandante é uma pessoa que faz como missão da sua vida a luta contra a violência doméstica, dando apoio a inúmeras mulheres que recorrem a ela. y) A Demandante era uma pessoa que, apesar do esforço, se mantinha alegre, bem-disposta, cultivava amizades. z) Em consequência das afirmações públicas de que foi alvo, por parte do Demandado, a Demandante entrou num estado de ansiedade constante, comprometendo a sua saúde física, sofreu transtorno de stress pós-traumático, ansiedade, dificuldades em dormir, e transtorno do pânico. aa) Tomou-se uma pessoa com medo constante, isolou-se socialmente, sente vergonha e humilhação permanente. bb) A publicação feita e exposta pelo Demandado, na sua página pessoal de Facebook, sobre a pessoa da Demandante, visou perturbá-la no seu bem-estar psicológico, na sua tranquilidade, na sua imagem de si própria, enquanto mulher, ... (à data, Estagiária), enquanto política, enquanto comentadora de TV; e ainda na imagem que os outros têm de si, descredibilizando-a publicamente. cc) O Demandado sabia que, ao fazer a publicação que fez na sua página pessoal de Facebook, limitaria a liberdade profissional, política e pública da Demandante, provocando-lhe vergonha, medo inquietação, facto que teve sucesso. dd) O Demandado sabia que a sua conduta era proibida por lei e que atingiria a Demandante na sua honra, consideração pessoal e pública, e dignidade, facto que desejou e conseguiu de forma irreversível, uma vez que a Demandante é publicamente conhecida. ee) O Arguido exerce a profissão de Engenheiro Electrónico e da Telecomunicações, encontra-se colocado na Polícia JJ, auferindo cerca de 1.500€ por mês; vive em casa de seus pais; não tem filhos. ff) O Arguido não tem antecedentes criminais. * (…) Matéria de facto não provada Com interesse para a decisão, não resultou provado: - que tenha sido o Arguido o autor da frase "BB, ... anos, tarologa, líder no partido DD para os assuntos da violência domestica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca"; - que o perfil “...” não pertencesse ao Arguido. * (…) Motivação (…) O Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações da Assistente BB, ..., a qual esclareceu que, à data dos factos, uma colega a avisou relativamente àquilo que, a seu respeito, surgira na rede social Facebook, tendo a Assistente visto, nomeadamente, a publicação do Arguido. No dia seguinte àquele em que apresentou queixa contra o Arguido e contra a página “...” (onde surgira exactamente a mesma publicação que aparecia no perfil do mesmo), a página “...” desapareceu, “foi abaixo”. A Assistente descreveu o impacto negativo que a publicação referida causou na sua vida, ao ver-se apelidada de “burlona”, numa rede social; sendo que nunca fora constituída Arguida em processo. E sendo que nem a revista EE, em algum momento, a apelidou de tal. Sentiu que o dano que lhe foi causado foi exponenciado pelo facto de o Arguido, no seu perfil no Facebook, se apresentar como uma pessoa ligada à Polícia JJ; o que lhe conferiria, automaticamente, uma credibilidade acrescida. A Assistente recordou o seu historial de vida marcado pela violência doméstica de que foi Vítima, durante os anos do seu casamento, em que sofreu um aneurisma cerebral, tendo entrado em coma num Hospital, por força das agressões sofridas, e padecido de cancro. Referiu que essa vivência a mobilizou para a luta contra a violência doméstica, e para o auxílio às mulheres que são Vítimas da mesma, tendo apresentado um programa sobre esse tema na TV. Porém, a vergonha e o constrangimento que a publicação do Arguido lhe provocou, levaram-na a sair da TV. Mais afirmou que, no partido ao qual pertence, foi chamada a pronunciar-se sobre a publicação feita pelo Arguido, e tomou a iniciativa de deixar de exercer a Presidência da Comissão Nacional contra a Violência Doméstica, criada no mesmo partido. A vergonha que sentiu e sente, em consequência da referida publicação, determinou-a a não exercer Advocacia, enquanto o presente processo não se mostrar findo. As palavras da Assistente foram assertivas e afiguraram-se coerentes, a descrição dos factos foi objectiva e, não obstante o visível sofrimento e perturbação que a publicação do Arguido lhe causou, mostrou-se a Assistente absolutamente isenta, tendo merecido todo o crédito ao Tribunal. No que às testemunha da Assistente diz respeito: O Tribunal atendeu ao depoimento de FF, Arquitecto, o qual conhece a Assistente, há alguns anos. O depoente esclareceu que foi um dos fundadores do partido partido DD, tendo a Assistente entrado no mesmo, de uma forma activa, numa das primeiras reuniões. Mais recordou que a Assistente assumiu a função de porta-voz para as questões de violência doméstica. E a mesma encontrava-se, na altura, a preparar-se para fazer exame à Ordem dos Advogados. O depoente esclareceu que teve conhecimento da publicação feita, quer no perfil do Arguido, quer no perfil “...”, no Facebook, pois recebeu vários prints em que a Assistente era referida. Recordou que, em face daquela publicação, procederam a pesquisas; sendo que apuraram que a Assistente nunca tinha sido Arguida em processo. Porém, a Assistente ficou afectada com a situação, e com a imputação que lhe foi feita, na referida publicação. O depoente aconselhou-a a afastar-se do partido, enquanto a questão se não esfumasse; o que a mesma fez. Passado algum tempo, a Assistente regressou, tendo sido eleita Autarca. A testemunha prestou um depoimento assertivo, lógico, coerente, e, não obstante o depoente ser conhecido da Assistente, afigurou-se objectivo e isento. Mereceu todo o crédito ao Tribunal. Atendeu o Tribunal ao depoimento de II, ..., colega e amiga da Assistente. A depoente recordou que conheceu a mesma através do Dr. JJ, de quem a Assistente foi aluna. No ano de ..., no partido partido DD, a Assistente foi nomeada porta-voz para as questões de violência doméstica. Posteriormente, a Assistente foi nomeada presidente das Mulheres partido DD. Esclareceu a depoente que teve conhecimento da publicação aqui em causa, tendo visto com atenção a página “...”, no Facebook, a qual partilhou uma notícia da revista EE, na qual era mencionada a Assistente; sendo que quem fez essa partilha escreveu a frase, reportando-se à mesma, “burlona nas horas vagas”. A depoente afirmou, ainda, que encontrou uma partilha/publicação exactamente igual no perfil do Arguido, também no Facebook (cfr. fls. 10 – perfil do Arguido e republicação com a legenda, do lado direito). De imediato, deu conhecimento à Assistente desta publicação, alertando-a para o que se passava. A página “...” tinha mais publicações que visavam, negativamente, o partido partido DD. Recordou a depoente que a Assistente ficou muito alterada, revoltada, magoada, e apresentou queixa na Polícia JJ; pois nunca foi Arguida, nomeadamente no âmbito do assunto referenciado na revista EE. A Assistente é muito emocional, por força de tudo aquilo que já viveu (Vítima de violência doméstica, na constância do seu casamento). A depoente esclareceu que a referida publicação feita pelo Arguido logrou afectar a relação da Assistente com o partido, pois o assunto foi falado em grupos de Whatsapp e em jantares, tendo a mesma resignado nos cargos que ocupava; posteriormente, voltou e é Autarca. A Assistente foi directamente confrontada por várias pessoas, sobretudo por pessoas que chegavam, de novo, ao partido, e que lhe colocaram questões sobre o referido assunto; sentiu que a sua imagem ficou “manchada”, em consequência daquela publicação. A testemunha prestou um depoimento muito assertivo, lógico, coerente, e, não obstante ser amiga e colega da Assistente, afigurou-se objectiva e isenta. Mereceu todo o crédito ao Tribunal. No que às testemunhas de Defesa diz respeito: Atendeu o Tribunal ao depoimento de KK, Consultor, empresário e amigo do Arguido, há muitos anos. O depoente esclareceu que já tinha conhecimento do assunto abordado no artigo da revista EE. Relativamente à publicação em causa nestes autos, o depoente viu a mesma, quer no perfil “...”, quer no perfil do Arguido, no Facebook. O depoente expressou, acima de tudo, aquelas que são as suas opiniões pessoais, ignorando o facto de, por referência ao assunto abordado na revista EE, a Assistente nunca ter sido constituída Arguida em qualquer processo. Relativamente ao Arguido, afirmou ser o mesmo uma pessoa afável, cordata, que ajuda os outros. O depoente conhece a família do Arguido, sendo que a mãe do mesmo é uma senhora bastante doente, que paga muitas despesas de saúde, e que recebe uma pensão de reforma muito pequena. A testemunha prestou um depoimento aparentemente objectivo e isento. Do depoimento de LL, ... num barco, amiga do Arguido, foi possível concluir que a mesma era “...” da página “...”, conjuntamente com um suposto MM. Porém, quando questionada sobre o paradeiro, contactos, identidade e até características do mesmo, a depoente foi vaga e evasiva, inviabilizando os esforços do Tribunal para o fazer comparecer em audiência; a depoente não sabe se MM é o seu verdadeiro nome, nem sabe onde ele está. O que não mereceu qualquer crédito ao Tribunal, pois não se coaduna com as regras da experiência um tal grau de desconhecimento relativamente a alguém com quem se “administra” uma página no Facebook. Pretendia a depoente comprovar que MM foi o autor do texto, publicado na “...”, que apelidou a Assistente de “burlona nas horas vagas”; e afastar a suspeição da pessoa do Arguido. A testemunha não mereceu crédito ao Tribunal, mostrando-se o seu depoimento interessado, pelo conhecimento que o une ao Arguido, o que contamina a sua credibilidade. O Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações prestadas pelo Arguido AA, quanto às suas condições pessoais, familiares e profissionais; o mesmo esclareceu, em resposta a questão colocada pelo próprio Tribunal, que continua a trabalhar junto da Polícia JJ. O Arguido negou a prática dos factos, nomeadamente negou ter escrito o texto em que a Assistente foi apelidada de “burlona”; e negou que a página “...” fosse sua. Afirmou que se limitou a partilhar uma publicação da “...”, porque lhe pareceu relevante. Mas, o que é certo é que o Arguido fez a republicação da mesma na sua página pessoal, com o seu idêntico e exacto conteúdo, o difundiu por um vasto auditório, como o é a rede social Facebook, veiculando um facto objectivamente ofensivo da honra e da consideração da Assistente; o Arguido assumiu conscientemente, em suma, a responsabilidade pela vasta (porque feita numa rede social) partilha de um facto ofensivo, que se traduz igualmente num juízo de valor ofensivo. Surpreendentemente, o Arguido afirmou que não teve intenção de ofender a mesma; o que é de difícil compreensão, pois o termo “burlona” não se presta a uma interpretação suave, para o senso-comum. Afigura-se ao Tribunal que o Arguido, perante a iminência de uma condenação penal, se encontra em “negação”. Ainda atendeu o Tribunal a todos os documentos juntos aos autos. Antecedentes criminais: C.R.C. de fls. 262. * (…) Aspecto jurídico da causa (…) Ao Arguido AA é imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelos art.s 180º, 183º e 184º, todos do C. Penal. Entende o Tribunal que a Arguida praticou um crime de difamação, p. e p. pelos art.s 180º, nº1, e 183º, nº2, ambos do C. Penal. Dispõe o primeiro dos preceitos legais mencionados: "Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias". O art. 183º (Publicidade e calúnia) determina: “1. Se no caso do(s) crime(s) previsto(s) no(s) artigo(s) 180º (...): a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação (...) são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. 2. Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.”. Torna-se essencial saber a que critérios se deverá apelar para definir o que seja objectivamente injúria ou difamação. É que nem tudo aquilo que se considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração reveste tal natureza: nesta conformidade, não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrém tudo aquilo que o visado entende que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, segundo a sã opinião das pessoas de bem, deva considerar-se ofensivo dos valores sociais e culturais vigentes. Quanto ao tipo subjectivo deste crime, cumpre salientar que basta a verificação de dolo genérico, em qualquer das formas previstas no art. 14º, do C. Penal, não se exigindo qualquer dolo específico. Basta que o agente saiba que está a atribuir um facto, ou a formular um juízo de valor cujo significado é ofensivo da honra ou consideração alheias o que conhece, e o queira fazer. Como se pode ler no Acórdão 16/07.6 S6LSB.L1-3, relatado pela Ex.ma Srª. Desembargadora Maria José Costa Pinto (Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ – Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa): »O bem jurídico protegido com a incriminação é a honra (que respeita mais a um juízo de si sobre si) e a consideração (que se reporta prevalentemente ao juízo dos outros sobre alguém) de uma pessoa. Os direitos à integridade moral e ao bom-nome e reputação dispõem de respaldo no texto constitucional e são emanação da base primeira que sustenta e legitima a República: a dignidade da pessoa humana (art. 1.º da Lei Fundamental). Dispõe efectivamente o n.º 1 do artigo 25.º da Constituição da República que “[a] integridade moral e física das pessoas é inviolável”. E o artigo 26.º estabelece que “[a] todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Quanto ao elemento subjectivo do tipo, traduz-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei (vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2009.10.21, processo n.º 1/08.0TRLSB.S1, sumariado in www.stj.pt). O dolo específico (o chamado «animus injuriandi vel diffamandi», ou seja a intenção concreta de ofender determinada pessoa) não integra o tipo subjectivo, enquanto parte do tipo de ilícito. Quanto ao elemento objectivo, há duas modalidades do comportamento que integram, a igual título, o tipo: o agente imputa à vítima factos desonrosos ou dirige-lhe palavras ofensivas da sua honra e consideração.«. Procurando clarificar o raciocínio deste Tribunal, diremos: Por referência aos documentos juntos, mormente o artigo da revista ...” em que a mesma referiu um esquema em pirâmide e pessoas que foram burladas, sendo feita aí menção à Assistente; artigo que enquadra a frase em apreço nestes autos: "BB, ...anos, ..., líder no partido DD para os assuntos da violência domestica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca". As páginas das revistas e dos jornais não são páginas do Diário da República. Os artigos jornalísticos não têm a força probatória das escrituras. E a afirmação de que uma determinada revista é “séria” constitui a expressão de uma opinião muito respeitável; mas, apenas, uma opinião. Logo, intrinsecamente subjectiva. Porém, admitamos que o Arguido considerou boa, credível e fidedigna a informação que colheu, desde logo, na revista ..., bem como noutras publicações que abordaram suspeitas a respeito de uma pessoa de nome NN, e a um “rasto de burlas”; e nelas acreditou, sentindo-se habilitado a partilhar, referindo-se expressamente à pessoa da Assistente, o que não há dúvida de que partilhou. Ainda assim, essa sua convicção esbarra num argumento que, para este Tribunal, é um argumento “de tomo”: A realidade inarredável é que a Assistente nunca foi julgada e condenada pela prática de qualquer crime, de burla ou outro. Relativamente à Assistente, nunca foi deduzida qualquer acusação pelo Ministério Público. Pelo que, no entender do Tribunal, e com todo o respeito por opinião diferente da nossa, com base na informação constante do referido artigo da revista ..., bem como dos demais documentos juntos, o Arguido não podia tomar como boa e suficientemente densificada tal informação, para através da partilha da frase descrita, lançar o anátema e a suspeição da prática, pela Assistente, de factos com relevância criminal. “Burlona nos tempos livres.”, não constitui o mero exprimir/partilhar de uma opinião. Traduz a imputação de factos, ou seja, de que a Assistente teria intencionalmente ludibriado terceiros; ou estaria, de algum modo, envolvida num “esquema de burlas”. Por outro lado, a forma jocosa como o Arguido o faz ao aderir e, por sua vez, veicular a frase descrita, não denota qualquer interesse sério numa abordagem, também ela séria, de uma questão relevante. O que a partilha daquela frase evidencia é, tão-só, uma vontade de humilhar e achincalhar a Assistente. O dolo está lá, límpido, claramente expresso. Pelo que entendemos que os requisitos, que são cumulativos, das alíneas do nº2 do art. 180º do C. Penal não se mostram preenchidos. Neste caso, o direito à liberdade de expressão tem de ceder perante o direito à honra. A propósito, e a respeito da alegada vontade da Assistente de se “fazer de vítima”, não podemos deixar de realçar o seguinte. A Assistente foi, no passado, Vítima de violência doméstica. Não se tratou de um cenário de ficção, nem de meras nódoas negras e arranhões. A Assistente foi deixada em estado de coma, em consequências das agressões que sofreu. E uma mulher que é deixada em estado de coma não se faz de Vítima. Infelizmente, é uma Vítima que é deixada em perigo de vida. Bafejou-a a sorte de não ter sido encontrada, pura e simplesmente, morta; como acontece a tantas mulheres. Por outro lado, a frase divulgada pelo Arguido, sendo a Assistente uma Senhora ..., sempre seria (e terá sido) apta a causar dano na sua credibilidade e na sua reputação como Causídica. A Assistente afirmou, em audiência de julgamento, que aguarda o desenlace deste processo para voltar a exercer Advocacia. Assim, afigura-se-nos que o Arguido praticou o crime que lhe é imputado, se atentarmos nas ofensivas suspeições que o mesmo deliberadamente veiculou através de uma republicação que fez na sua página pessoal no Facebook, onde se pode ler: "BB, ... anos,..., líder no partido DD para os assuntos da violência domestica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca", juntamente com a partilha de uma fotografia de um artigo da revista EE que fazia referência à Assistente. Não resultou provado que o Arguido tivesse fundamento sério para reputar as suas afirmações como verdadeiras, ultrapassando largamente a sua conduta os limites consentidos à exteriorização de uma impressão meramente subjectiva, pois artigos de revistas ou jornais não fazem prova cabal da prática de condutas ilícitas (nem a revista EE, na verdade, chamou “burlona” à Assistente). O comportamento do Arguido mostrou-se alheado desta realidade objectiva (a inexistência de qualquer Inquérito instaurado contra a Assistente, em que a mesma tenha sido constituída Arguida), ignorando o mesmo, deliberadamente, a ausência de qualquer prova de efectivos comportamentos com relevância criminal, por parte da mesma; na verdade, a Assistente, repetimos, nunca foi acusada da prática de crime de burla. É, pois, notória a vontade evidenciada pelo Arguido, com as suas palavras, de denegrir, de diminuir a Assistente na sua honra e consideração, veiculando, relativamente à mesma, a frase “burlona nos tempos livres”, facto que encerra, também, um juízo de valor; ou seja, e simultaneamente, veiculando a imputação de um facto desonroso e formulando um juízo desonroso sobre a mesma. As ofensas reportadas à Assistente foram, desde logo, veiculadas por escrito, no Facebook, o que agrava o potencial de difusão e de permanência das mesmas. A «palavra escrita» é, consabidamente, apta a, longamente, perdurar no tempo; a «palavra escrita» numa rede social perdura para sempre. Entende, pois, o Tribunal que o Arguido praticou os referidos factos pretendendo que os mesmos tivessem ampla divulgação pública e em circunstâncias aptas a originá-la, e de modo a que fossem potenciados os seus objectivos. A conduta do Arguido integra a previsão dos art.s 180º, nº1 e 183º, nº2, do C. Penal. (…) Porém, dentro de uma visão tripartida do facto punível que perfilhamos (na esteira de vasta doutrina, Portuguesa e Alemã, como a que vem de ser citada supra), o facto além de ser típico, tem de ser ilícito e culposo. Todavia, não se verifica, no caso em apreço, nenhuma causa de justificação do facto nem de exclusão da culpa (não se vislumbra nenhuma actuação em legítima defesa, direito de necessidade, estado de necessidade desculpante, etc., ou seja, nenhum dos tipos justificadores consagrados no nosso Código Penal), susceptíveis de paralisar a responsabilidade penal do Arguido, o qual é imputável e actuou com plena consciência da ilicitude do facto, bem sabendo que a respectiva conduta era proibida por lei. (…)» * 2.3 Da nulidade da sentença por condenação por factos diversos Defende o Recorrente que a Assistente deduzira contra si a acusação particular imputando-lhe a autoria da(s) frase(s) "BB, ... anos, ... ..., líder no partido DD para os assuntos da violência doméstica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca"; ora, acrescenta, dando-se como não provada aquela autoria, não podia o Tribunal recorrido proferir decisão condenatória, já que esta vem a fundar-se na partilha/republicação e não na autoria da(s) frase(s), ou seja, funda-se em factos diversos dos que constam na acusação - e nessa medida é nula, por violação do disposto no art. 379º, nºs 1, alínea b) e 2 do CPP e ofensa do princípio da presunção de inocência. Vejamos. Recuperemos o teor da acusação particular deduzida nos autos em ... de ... de 2021, nos segmentos relevantes para a questão suscitada: «1º O ora Arguido, no dia ... de ... de 2020 fez uma publicação na sua página pessoal de Facebook ... - na qual fez imputação de afirmações difamatórias à pessoa da assistente. 2º Na referida publicação o Arguido publicamente apelidando a Assistente de “burlona nos tempos livres”, juntamente com a partilha de uma fotografia de um artigo da revista EE que fazia referência à Assistente, conforme cópia de publicação que se junta como doc. 1. 3º O Arguido e a Assistente não se conhecem, nunca conversaram, nunca tiveram contacto por nenhum meio. 4º O Arguido agiu com o intuito de prejudicar, caluniar, difamar e ofender o bom nome da Assistente. 5º O Arguido escreveu na publicação da sua página pessoal do Facebook – “BB, ... anos, ..., líder do partido DD para os assuntos da violência doméstica. Burlona nos tempos domésticos. Cada cavadela sua minhoca.” (…) 13º O Arguido tem consciência dos seus atos, sabia e tinha conhecimento que ao escrever aquele comentário iria difamar a Assistente e descredibilizá-la na sua área de intervenção dentro do partido partido DD e na sua vida profissional e pessoal. (…)» E atentemos agora ao que consta da factualidade provada na sentença recorrida datada de ... de ... de 2025, também nos seus segmentos pertinentes: «a) O Arguido, no dia ... de ... de 2020, fez uma publicação na sua página pessoal de Facebook - ... - da qual constam imputações à pessoa da Assistente; tal publicação corresponde à republicação que, igualmente e com o mesmo conteúdo, fora feita na página “...”, também do Facebook. b) Na referida publicação feita pelo Arguido resulta ter a Assistente sido publicamente apelidada de "burlona nos tempos livres", juntamente com a partilha de uma fotografia de um artigo da revista EE que fazia referência à Assistente. c) Nessa republicação feita pelo Arguido na sua página pessoal do Facebook consta o seguinte texto - "BB, ... anos, tarologa, líder no partido DD para os assuntos da violência domestica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca". d) O Arguido e a Assistente não se conhecem, nunca conversaram, nunca tiveram contacto por nenhum meio. (…) g) O Arguido agiu com o intuito de prejudicar, caluniar, difamar e ofender o bom nome da Assistente. (…) j) O Arguido tinha consciência dos seus actos, sabia e tinha conhecimento de que ao escrever aquele comentário iria difamar a Assistente, e descredibilizá-la na sua área de intervenção dentro do partido partido DD, e na sua vida profissional e pessoal.» Aqui chegados, que dizer? Antes de mais, um ponto prévio. Lê-se nos factos provados, sob a alínea j), o seguinte: «O Arguido tinha consciência dos seus actos, sabia e tinha conhecimento de que ao escrever aquele comentário iria difamar a Assistente, e descredibilizá-la na sua área de intervenção dentro do partido partido DD, e na sua vida profissional e pessoal.» (sublinhado nosso). A parte que deixámos sublinhada não pode persistir. Repare-se que ficou decidido, aquando do primeiro acórdão desta Relação, que passaria para a matéria de facto não provada a referência a que fora o Arguido «o autor da frase descrita em c)». Não pode pois manter-se no enunciado de factos provados uma referência de sentido contrário, isto é, a de que teria sido o Arguido a «escrever o comentário». De resto, na sequência do anterior acórdão desta Relação, foi aditado na sentença reformulada um facto não provado com o seguinte conteúdo: «que tenha sido o Arguido o autor da frase “BB, ... anos, ..., líder no partido DD para os assuntos da violência doméstica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca». Determinar-se-á destarte a eliminação da sinalizada passagem, ficando o facto com o seguinte teor: «j) O Arguido tinha consciência dos seus actos, sabia e tinha conhecimento de que, com a sua conduta, iria difamar a Assistente, e descredibilizá-la na sua área de intervenção dentro do partido partido DD, e na sua vida profissional e pessoal.» * Dito isto, importa apreciar a problemática suscitada pelo Recorrente, sob a alegação de que foi condenado por factos diversos dos que constavam da acusação. Foi isso o que sucedeu? E o que sucedeu integra a apontada nulidade? É óbvio que não há, no caso concreto, uma coincidência total entre os factos que constavam da acusação particular e os que vêm a figurar na matéria provada; nesse sentido literal é manifesto que a condenação não está fundada nos mesmos factos da acusação. Daí não resulta, contudo, que a sentença seja necessária e forçosamente nula. Não se ignora naturalmente que o art. 379º, nº 1, alínea b) do CPP prescreve que «é nula a sentença (…) que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º». E que estes arts. 358º e 359º cuidam das situações em que o tribunal entende que no decurso da audiência se verifica uma alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia com relevo para a decisão da causa. Nessa circunstância, e tendo por referência a definição do art. 1º, alínea f) do CPP, se a alteração for não substancial, deve ser observado o disposto no art. 358º; se for substancial, o procedimento é o que consta do art. 359º. Importa todavia ter presente o que está subjacente a este regime da alteração dos factos, para melhor se compreender o seu campo de aplicação. O processo penal português tem estrutura acusatória, imposta pelo art. 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Significa isso, entre o mais, que a entidade acusadora não se confunde com a entidade julgadora, de tal sorte que o juiz do julgamento toma posição sobre o objeto do processo que lhe é heteronomamente posto na acusação pública, na acusação particular ou no despacho de pronúncia. E daí resulta um corolário, que é este: os factos descritos na acusação pública, na acusação particular ou no despacho de pronúncia hão de manter-se por princípio os mesmos até à decisão final, não podendo esta conter uma condenação fundada em factos antes não imputados – os regimes instituídos pelos arts. 358º e 359º cuidam dos desvios admissíveis a essa imperativa identidade factual sem descaracterização da mencionada estrutura acusatória do processo (sobre esta matéria vide Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo IV, Almedina, 2022, pg. 630). Por outro lado, pretende-se ainda, com estes arts. 358º e 359º, salvaguardar o direito de defesa do arguido, que não é compatível com «decisões-surpresa», por essa via densificando-se a dimensão do contraditório plasmada nomeadamente no art. 32º, nºs 1 e 5 da CRP e no art. 6º, nº 3, alíneas a) e b) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (Pedro Soares de Albergaria, ob. cit., pgs. 630-1). À luz do que vimos dizendo, quando se trata, na sentença, de uma redução da matéria de facto, em relação à que constava da acusação pública, da acusação particular ou da pronúncia, não há por norma qualquer especial dificuldade (vide o Ac. do TC nº 330/97, www.tribunalconstitucional.pt): seja do ponto de vista da estrutura acusatória do processo, seja do ponto de vista das garantias de defesa do arguido, a eventual decisão de considerar não provado este ou aquele facto que antes fora imputado ao arguido não comporta qualquer entorse ou constrangimento constitucional ou processual, visto que: o juiz do julgamento nada acrescenta; e o arguido de tudo pôde defender-se. Poderá equacionar-se, ainda assim, a existência de problemática mais delicada, conceda-se, se da redução da matéria de facto pela qual se enverede na sentença advenha uma alteração essencial do sentido de ilicitude típica do comportamento do arguido (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2011, pg. 930). No caso concreto, porém, nada disso ocorre: não estamos em presença de qualquer facto novo que haja sido aditado pelo Tribunal recorrido – o que houve foi uma redução da matéria de facto, na medida em que onde antes se dizia que o Arguido fez uma publicação com palavras da sua lavra, passa a dizer-se apenas que fez a publicação (não estando provado que fosse o autor de tais palavras). E da redução havida não ocorreu qualquer alteração do sentido essencial do ilícito em causa, uma vez que (i) é o mesmo o tipo de crime imputado; (ii) é o mesmo o seu agente; e (iii) são as mesmas as circunstâncias gerais da conduta em causa, porque na base de factualidade que já se lhe imputava. Se, em face da restrição havida à matéria de facto, o que desta resta continua ou não a subsumir-se ao tipo legal de crime em causa, é coisa que contende com o mérito substantivo da condenação, o que é coisa diferente. De resto, a entender-se que da redução da matéria de facto deriva uma alteração do sentido do ilícito imputado e que por essa via integra a figura de uma alteração não substancial dos factos, a verdade é que essa redução fora procurada pelo próprio Arguido na sua contestação, apresentada nos autos em ... de ... de 2022. Recorde-se que nela consta, entre o mais, o seguinte: «(…) 5. O Arguido, no dia 22/Maio/2020, apenas partilhou na sua página do Facebook uma publicação da Revista Visão, com uma fotografia e uma frase, que estava publicada na página de Facebook .... (…) 17. Acresce que, no Art. 5º da Acusação Particular, a Assistente alega que foi o Arguido quem escreveu a frase transcrita no ponto 9 supra - o que é falso e se impugna – pois o Arguido não foi o Autor dessa frase. 18. Na verdade, a autoria da frase transcrita no ponto 9 supra é do perfil “...”, e não do Arguido. 19. Conforme já referido, o Arguido limitou-se a copiar uma publicação que se encontrava na página do Facebook do perfil “...” para o seu próprio perfil; ou seja, 20. O Arguido apenas partilhou na página do seu Facebok a «opinião» do perfil “...”, não a sua própria opinião. 21. O Arguido não é autor de nenhum juízo de valor sobre a pessoa da Assistente; pelo que 22. Não pode o Arguido, com a sua conduta, ter ofendido a honra da Assistente, pois, repita-se, apenas partilhou uma publicação de terceiro; (…)». Ou seja, foi o próprio Arguido quem trouxe aos autos a versão dos factos segundo a qual não escreveu o texto em causa e que apenas fez a sua (re)publicação; e o que resulta da conjugação da matéria de facto considerada provada e não provada da sentença recorrida é, afinal, no ponto em causa, essa versão, isto é, a de que ao Arguido apenas se aponta o ter feito a (re)publicação. Dito isto, é óbvio que a alteração havida nunca seria substancial, de acordo com os critérios plasmados no art. 1º, alínea f) do CPP, pois o crime continua a ser o mesmo, como o mesmo é o limite máximo da sanção aplicável, o que sempre nos afastaria do procedimento previsto pelo art. 359º do CPP; e, a entender-se que da nova configuração dos factos resulta uma alteração não substancial que tivesse que passar pelo procedimento de contraditório previsto pelo art. 358º, nº 1 do CPP, sempre esse procedimento seria, em concreto, dispensável, uma vez que a nova realidade de facto derivara «de factos alegados pela defesa», integrando assim a exceção prevista pelo nº 2 daquela última norma. Não se vislumbra, assim, que a sentença padeça do vício de nulidade fundado no art. 379º, nº 1, alínea b) do CPP. * E a esta conclusão não obsta, acrescente-se ainda, a argumentação que o Recorrente convoca a propósito de despacho prévio à audiência de julgamento, que alegadamente o terá induzido em erro quanto ao objeto do processo. Concretiza o Recorrente que por despacho de 5 de abril de 2022 o tribunal decidiu que a republicação/partilha não fazia parte da acusação. Vejamos. A audiência de julgamento tinha o seu início agendado para ... de ... de 2022 e não se iniciou então face a um requerimento que o Arguido fez juntar nesse mesmo dia, no qual alegou, em síntese, que apenas partilhara uma publicação de outrem, à semelhança do que outras pessoas fizeram, contra as quais não foi apresentada queixa; e continuou esse requerimento dizendo que, não tendo a Assistente apresentado queixa contra todos os comparticipantes, daí resulta que renunciou ao direito de queixa quanto a eles, o que se comunica ao Recorrente. Pugnava então pelo reconhecimento de que se extinguira o direito de queixa e pela não realização da audiência. A esse requerimento respondeu o Ministério Público em ... de ... de 2022, promovendo o seu indeferimento, aí dizendo o seguinte, a que a Assistente entretanto aderiu a ... de ... de 2022: «Não obstante a denúncia de fls. 21 a 24, o certo é que, da leitura que se faz da acusação particular de fls. 107 a 109, a Assistente acabou por deduzir acusação contra o Arguido não pela partilha da publicação efectuada pela “...”, mas, apenas, pelo texto, da sua, alegada, autoria, publicado na sua página do facebook, o qual acompanhava a partilha da publicação referida. Assim, verifica-se que, da versão dos factos constantes da acusação particular, o Arguido não se constitui comparticipante de ninguém em relação aos factos que consubstanciam a prática do crime que lhe é imputado, não tendo aplicação, por isso, o disposto no art. 116º, nº 3, do CP.» Sobre a questão suscitada o Tribunal recorrido tomou então posição no citado despacho de 5 de abril de 2022, despacho esse com o seguinte teor: «O Tribunal acompanha o entendimento da Ex.ma Senhora Procuradora, expendido na promoção que antecede e cujos fundamentos aqui se dão por reproduzidos, concluindo, igualmente, que, nos presentes autos, não se perfila nenhuma situação de comparticipação do Arguido com quem quer que seja, versando a acusação particular sobre a alegada autoria, por parte deste, de um concreto texto, publicado numa rede social. Pelo que se indefere o requerimento formulado pela Ilustre Mandatária do Arguido.» Deste despacho não foi interposto recurso e a audiência de julgamento realizou-se. Aqui chegados, que dizer? Do despacho em apreço percebe-se que para o Tribunal recorrido o que se imputava ao Recorrente, nos autos, isto é, a problemática central a tratar, era na verdade «a alegada autoria, [por parte do Arguido], de um concreto texto, publicado [pelo Arguido] numa rede social - (i) autoria do texto e (ii) sua publicação numa rede social. Isso não significa, porém, que não possa o Tribunal, a final, vir a considerar provado apenas a autoria da publicação na rede social (e não já a autoria do texto contido na publicação), como não significa que, mesmo perante essa restrição fáctica, não possa o Tribunal considerar preenchido o mesmo tipo legal de crime. Não se vê portanto de que forma o despacho a que o Recorrente alude possa ter condicionado o rumo ulterior dos autos ou determinar, quanto à nulidade suscitada pelo Recorrente, um tratamento distinto daquele que preconizámos. * Invocara ainda o Recorrente, nesta matéria, o princípio da presunção de inocência, o qual, contudo, não vemos em que medida possa aqui estar em causa; nem o Recorrente, em bom rigor, o concretiza no seu recurso. O princípio da presunção de inocência tem, como se sabe, várias manifestações – a mais frequente das quais é naturalmente o in dubio pro reo, a que o Recorrente alude. Não se vê, porém, em que contexto possa dizer-se, no segmento do recurso em apreço, que o Tribunal recorrido haja violado o princípio, em qualquer das suas manifestações e nomeadamente na que particularizámos. Improcede portanto este vício. * 2.3 Da persistência da omissão de pronúncia sinalizada pelo anterior acórdão desta Relação Alega o Recorrente que o anterior acórdão desta Relação determinou que a 1ª Instância se pronunciasse sobre os seguintes pontos da contestação que apresentara nos autos, no âmbito do isolamento social que a Assistente invocara: a. «- 174 (…) a Demandante continua a ser ativa na política, continua a fazer a sua crónica semanal num canal televisivo; e, b. - 175. A Demandante candidatou-se à Presidência da Junta de Freguesia de ...e à Câmara Municipal de ... (…). c. - 176. (…) a Demandante candidatou[-se] às legislativas de ... pelo círculo de Lisboa (…). Vejamos. Sobre que matéria de facto tem o tribunal de primeira instância que tomar posição? Que factos tem que dar como provados ou não provados? A resposta à partida a dar é esta: tem de tomar posição sobre os factos relevantes, à luz de todas as soluções jurídicas plausíveis, sejam eles alegados pela acusação ou pela defesa ou resultem da prova produzida em audiência – é isso que decorre dos arts. 339º, nº 4 e 368º, nº 2 do CPP. Ora, o Tribunal da Relação, no seu acórdão de 11 de abril de 2024, proferido nestes autos, sinalizou matéria de facto sobre a qual a 1ª Instância não tomara posição na primeira sentença, de 21 de setembro de 2023. Recuperemos o que ficou dito no acórdão desta Relação: «2.2.5 (…) Ora, o que se espera de uma sentença, à luz do dever de fundamentação a que aludimos atrás, é que ilustre, ainda que em termos concisos, os motivos que fundamentam a decisão judicial, ponderadas todas as questões pertinentes, à luz das soluções plausíveis da causa. Olhando à Contestação que o Arguido apresentou, percebe-se que a sentença, para além de não ter aparentemente considerado o conteúdo do texto do referido artigo da revista EE, não tomou posição sobre matéria de facto que se encontrava alegada naquela peça processual, como omitiu por que razão afastou, no plano da apreciação jurídica, a relevância da potencial causa de justificação ou não punibilidade da conduta do Arguido à luz do art. 180º, nº 2 do Código Penal, ou do exercício de um direito como a liberdade de expressão, ao abrigo do art. 31º, nºs 1 e 2, alínea b) do mesmo diploma. Atentemos que naquela Contestação o Arguido alegara, entre o mais, o seguinte: «(…) - 37. O Arguido limitou-se a partilhar no seu perfil pessoal uma publicação com a qual concordou, tendo a frase conexão com o artigo que foi publicado pela revista EE. - 38. Note-se que, a revista EE é tida no mercado como uma revista de informação profissional e fidedigna, pelo que, o Arguido com a sua publicação, estava convicto de que a informação desta revista não era duvidosa, e que não estaria mais do que a copiar uma publicação que tinha como credível. ou seja, - 39. O Arguido não teve qualquer intenção, directa ou indirecta, eventual ou necessária, de difamar a Assistente; pelo contrário, - 40. O Arguido teve o cuidado de não passar uma informação duvidosa, pois, sendo a revista EE uma revista confiável, a publicação da mesma seria verdadeira. (…) - 44. (…) o Arguido utiliza o seu perfil de Facebook para partilhar e/ou publicar artigos, discursos contraditórios, etc., sobre os temas que mais lhe interessam, nomeadamente a política; pelo que, - 45. Não se verifica a existência de partilhas/publicações no perfil do Arguido exclusivamente direcionadas ao partido partido DD. (…) - 73. foram publicados outros artigos nos quais BB foi associada à empresa ZZ - marca de serviços multimédia, com sede em Lisboa -, no site do jornal Observador – ... -, e no site do Notícias Online – 01/... -, conforme links infra: ... (…) - 94. A publicação que o Arguido partilhou é baseada num artigo publicado pela revista ..., no qual é referido o seguinte: “Na TV Y, BB apresentou-se como vítima. Arquivado em Portugal, o inquérito foi reaberto em Espanha a partir da denúncia de 272 pessoas burladas em seis milhões de euros.” (…) - 113. O Arguido partilha publicações e artigos referentes a vários partidos políticos, o que demonstra que não existe qualquer luta do Arguido contra o partido que a Assistente integra (…). (…)» Mais: resulta dos autos que já depois de iniciada a audiência de julgamento (o que ocorreu em ... de ... de 2022), o Arguido fez juntar aos autos uma exposição, em ... de ... de 2023, em que dava conta de sete outros lugares na comunicação social em que a Assistente era mencionada como interveniente no alegado esquema fraudulento da “empresa ZZ”, juntando para o efeito documentos de suporte, de resto admitidos por despacho judicial de ... de ... de 2023. Tudo quanto vimos de sintetizar reporta-se a aspetos centrais da Defesa do Arguido que não podem deixar de ser ponderados na decisão da causa, que passam nomeadamente pelo seguinte: se o assunto abordado tinha ou não interesse público e/ou se estava ou não sob discussão pública; se o Arguido tinha ou não algum interesse particular em denegrir a honra da Assistente ou se o seu propósito era apenas o de participar num debate público; se o Arguido tinha ou não fundamento para, em boa fé, reputar de verdadeira a informação retratada no artigo da ... e nos demais órgãos de comunicação social. E na mesma senda e por outro lado, alega-se na Contestação junta aos autos pelo Arguido que este atuou a coberto da liberdade de expressão, sublinhando ainda que, adentro dela, as pessoas que tenham exposição pública ou política, nas quais inclui a Assistente, estão sujeitas de forma mais intensa ao escrutínio e à crítica (cfr. pontos 88, 89, 109, 110, 116, 117, 119, 120, 121, 122, 128, 129, 179, 185 e 186), alegação esta que em abstrato nada tem de implausível (Ac. do TEDH Axel Springer AG v. Germany (GC), citado atrás, § 91). O que perpassa pela posição assumida pelo Arguido é uma visão da liberdade de expressão que pode no final vir até a ser rejeitada pelo Tribunal a quo, mas não pode deixar de ser por este ponderada e o caminho seguido explicado, à luz de todas as circunstâncias relevantes do caso concreto. * Por fim, na mesma senda do que vimos de explanar, uma última nota que se prende com o pedido de indemnização civil. Também há matéria de facto alegada na Contestação a esse pedido que nos parece em tese pertinente para a decisão, à luz de todas as soluções plausíveis das questões de direito em apreço, mormente no que concerne a uma melhor ponderação dos danos alegados pela Assistente, particularmente na vertente do alegado isolamento social a que esta terá em dado passo ficado votado, matéria essa sobre a qual a sentença recorrida nada disse; referimo-nos aos seguintes pontos da Contestação: «- 174 (…) a Demandante continua a ser ativa na política, continua a fazer a sua crónica semanal num canal televisivo; e, - 175. A Demandante candidatou-se à Presidência da Junta de Freguesia de ... e à Câmara Municipal de ... (…). - 176. (…) a Demandante candidatou[-se] às legislativas de ... pelo círculo de Lisboa (…). * Dito isto, uma apreciação judiciosa da causa não pode deixar de se pronunciar sobre a matéria de facto e a matéria de direito que se deixaram avançadas. Pode até o Tribunal a quo, debruçando-se especificamente sobre tais matérias, acabar por chegar às mesmas soluções jurídicas a que chegou; mas tem de o explicar, prestando-se ao escrutínio. Não o tendo feito, lamentamos concluir que a sentença recorrida é, na apontada medida, nula, o que se declarará, nulidade que não é suscetível de suprimento nesta Relação (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica (2011), pgs. 985-986], e considerando-se prejudicada a apreciação da parte restante do recurso.» E na sequência do que aqui se transcreveu, ficou decidido e transitou em julgado o seguinte: «(…) E. Julga-se parcialmente nula a sentença, por omissão de pronúncia quanto à matéria de facto e de direito mencionada em 2.2.5, sentença que deve assim ser reformulada nessas partes pelo mesmo Tribunal, proferindo-se nova sentença que supra o apontado vício; (…)» Dito isto, o que notámos na sentença recorrida, para o que aqui ora releva, é que não é dada como provada ou não provada diversa da matéria de facto a que se aludia na passagem transcrita; com particular realce, percebe-se que não estão dados como provados ou não provados os seguintes factos relevantes para a decisão, à luz de todas as soluções jurídicas plausíveis: i. qual o conteúdo do artigo da revista EE aludido nos autos; ii. se foram ou não publicadas, em que datas e com que conteúdo, as notícias alegadas pelo Arguido na sua Contestação que pretensamente mencionam a presença da Assistente num esquema de legalidade duvidosa; iii. se o Arguido utiliza o seu perfil de Facebook para partilhar e/ou publicar artigos e discursos contraditórios, sobre os temas que mais lhe interessam, nomeadamente a política; iv. se no perfil do Arguido não se verifica a existência de partilhas/publicações exclusivamente direcionadas ao partido partido DD, e nomeadamente se partilha publicações e artigos referentes a vários partidos políticos; v. se a Demandante continua a fazer a sua crónica semanal num canal televisivo e se continua a ser ativa na política, e nomeadamente, neste ponto, se se candidatou às legislativas de ... pelo círculo de Lisboa. Da sentença recorrida parece-nos decorrer, conceda-se, que a 1ª Instância entende que estes factos que vimos de sinalizar são irrelevantes para a boa decisão da causa. Mas essa é a sua visão, respeitável decerto, juridicamente plausível, também, mas é apenas uma visão juridicamente pertinente. Uma outra visão, de sentido bem díspar, é a que procura compreender o contexto global dos factos a uma luz que valorize de outra forma a liberdade de expressão, afinal de contas, a liberdade de dizer, escrever ou propalar afirmações de facto ou juízos de valor desfavoráveis para terceiro. Mas para tanto, isto é, para que possa optar-se por um ou outro dos apontados caminhos, importa que o Tribunal tome posição sobre toda a assinalada matéria de facto, dando-a como provada e não provada, como ficou dito no anterior acórdão desta Relação; e do mesmo passo, admitindo-se que tenha existido uma atuação ilícita por parte do Arguido, uma judiciosa apreciação do quantum indemnizatório supõe que se não desconsidere a matéria de facto invocada pelo Arguido em sede de contestação e que atrás sublinhámos como estando ainda por julgar provada ou não provada. Pelo exposto, tudo se encaminharia para nova anulação da sentença. Todavia, uma vez que parte da impugnação ampla da matéria de facto também formulada pelo Recorrente pode já, com inteira segurança, ser julgada procedente, sem risco de supressão de um grau de jurisdição; e uma vez que dessa procedência, em conjugação com outros elementos já adquiridos nos autos, resulta uma solução segura sobre as questões de direito que aqui se suscitam, em sentido favorável a quem invocara a omissão de pronúncia, avançar-se-á para a apreciação dessa parte do recurso, no ponto seguinte (cfr. art. 278º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicável por via do art. 4º do CPP). 2.4 Da impugnação ampla da matéria de facto Alude o Recorrente aos «factos referidos no artigo da revista EE» e que, conforme requerimento que dirigiu aos autos em ... de ... de 2023, «o “Jornal Expresso”, o perfil do Facebook do Sr. DD, com 529 partilhas, o observador.pt, o www.diariodigitalcastelobranco.pt, o www.noticiasonline.eu, o www.cmjornal.pt, e o vídeo de EE publicado no youtube.com referem a informação de que a Recorrida estaria envolvida no esquema fraudulento de burla encetado pela empresa ZZ da qual esta fez parte.»; mais diz que «No caso em concreto, o artigo da revista EE refere um esquema em pirâmide e pessoas que foram burladas, sendo feita menção à Recorrida; conforme pode ler em fls. 9 e 10 dos Autos» Ora, o artigo da revista ... e várias outras referências a notícias e textos surgidos em órgãos de comunicação social estão demonstrados pelos documentos juntos pelo Recorrente com o requerimento de ... de ... de 2023 e/ou pelo acesso a fontes abertas que cita e a sua existência no panorama mediático não se mostra impugnada. De resto, embora não tenha feito disso eco no enunciado dos factos provados, resulta da sentença recorrida que o Tribunal de 1ª Instância não põe em dúvida que assim seja. Atente-se na seguinte passagem que consta da motivação: «Porém, admitamos que o Arguido considerou boa, credível e fidedigna a informação que colheu, desde logo, na revista ..., bem como noutras publicações que abordaram suspeitas a respeito de uma pessoa de nome NN, e a um “rasto de burlas”; e nelas acreditou, sentindo-se habilitado a partilhar, referindo-se expressamente à pessoa da Assistente, o que não há dúvida de que partilhou.» Assim, as seguintes referências podem com inteira segurança ser desde já carreadas para a matéria de facto assente: 1) O artigo da ..., publicado em ... de ... de 2020, cuja imagem consta da republicação realizada pelo Arguido, contém, referindo-se à Assistente, entre outros, os seguintes dizeres: «As consultas da ... BB, de ... anos, também ajudaram. (…) Alegada vítima de violência doméstica - é a porta-voz do partido DD nessa área (…). Polémica é a passagem pela empresa ZZ, da qual foi diretora de operações. A partir das ..., a sociedade terá lesado perto de dois milhões de clientes mundiais através de um esquema fraudulento em pirâmide, criado pelo português NN. Na TV Y, BB apresentou-se como vítima. Arquivado em Portugal, o inquérito foi reaberto em Espanha a partir da denúncia de 272 pessoas burladas em seis milhões de euros». 2) No site... está disponível um artigo, intitulado «... Leaks. Há 28 portugueses identificados numa nova fuga de informação sobre offshores», publicado na edição digital do jornal Expresso, no dia ... de ... de 2016, artigo esse que aqui se dá por reproduzido e do qual se destaca a seguinte passagem, em que é mencionado o nome da Assistente: «Ao contrário dos Panama Papers, cuja fuga de informação foi divulgada pelo ICIJ em ..., o acervo não inclui e-mails ou contratos relacionados com essas companhias ou quem são os seus beneficiários últimos, permitindo no entanto saber nalguns casos quem são as pessoas responsáveis pela administração das offshores e em que altura é que esses cargos foram assumidos. No caso de Portugal, e excluindo os os registos descobertos vão de ... a .... O registo mais recente é de ... e diz respeito a uma companhia chamada empresa ZZ, ligada a uma dos maiores esquemas de burla na ..., cujo rosto foi um português de nome NN e que poderá ter lesado mais de dois milhões de pessoas em todo o mundo. A empresa ZZ foi registada nas ... em ... com um único nome associado, OO, tendo em ... passado a ter como presidente BB, sendo que NN não consta dos registos. O ... não conseguiu localizar nem OO nem BB.» 3) No site Negócios e Dinheiro está disponível para consulta um texto intitulado «História da Megaburla empresa ZZ», ..., texto esse que aqui se dá por reproduzido, no qual se alude ao nome da Assistente e de que se destacam as seguintes passagens: «Este esquema em pirâmide conseguiu enganar entre 1,8 a 3 milhões de pessoas, em mais de mil milhões de euros. Foi o golpe dos 350% ao ano! Qualquer pessoa com experiência em negócios e investimentos sabe que a empresa ZZ era apenas mais uma fraude, apresentada como marketing multinível. Não existem dúvidas! A promessa de ganhos de 350% por ano ou superiores, no caso de recrutar novos afiliados, serviu de chamativo para angariar muito dinheiro, porque nunca existiu um negócio sustentável por detrás. [legenda de foto] BB, NN e PP formam a cúpula da empresa ZZ. Estão em parte incerta! (Fonte: ...) De acordo com o Correio da Manhã, no artigo “Rede saía da Madeira com malas de dinheiro”, durante este tempo os burlões marcaram várias reuniões em hotéis na ilha da Madeira, para vender sonhos em troca de dinheiro vivo. “Eles vinham-nos aqui vender sonhos e levavam esses sonhos em dinheiro vivo. Enchiam malas de dinheiro. Fala-se que nalguns casos chegavam a levar 60 a 90 mil euros”, disse um dos lesados. “Não havia cá cheques ou transferências.” Quem entra num esquema baseado em cliques ou visualizar sites e acredita que pode ganhar 350% ao ano, ou quer burlar, ou está a pedir para ser burlado.» 4) Na edição digital do jornal ..., com data de ... de ... de 2015, está disponível um texto intitulado «Investigação: como o burlão mais procurado da Península Ibérica enganou milhões», que aqui se dá por reproduzido, do qual se destacam as seguintes passagens: «Esta é a história do homem que queria enriquecer pessoas a ver anúncios na internet. Ficou-lhes com o dinheiro e fugiu. A polícia de Portugal e Espanha procura-o. Em agosto de 2015, uma investigação do El País colocou o nome de QQ nas bocas do mundo. O português, um ex-camionista com “dotes de apresentador evangélico”, seria responsável por um esquema em pirâmide que teria prejudicado - pelo menos - dois milhões de pessoas. Chamava-se empresa ZZ. Durante dois anos, NN, juntamente com os principais líderes da empresa ZZ, uma marca de serviços multimédia, com sede em Lisboa, que escondia um esquema fraudulento, viajou por dezenas de locais, recrutando novos afiliados e enchendo os bolsos (literalmente) com dinheiro. Com muito esforço, vídeos de propaganda e uma lábia de fazer inveja aos apresentadores de televendas, RR conseguiu estender a rede empresa ZZ a 26 países. Em Portugal, não se sabe ao certo quantas pessoas terão investido na empresa de capital brasileiro, mas os comentários dos lesados multiplicam-se na sua página do Facebook. “Somos milhões de afetados que foram roubados, mas um dia vocês pagarão”, escreve um antigo afiliado. “Sou vítima deste embuste”, admite outro. Uma coisa, porém, parece ser certa: de NN não há nem sinal. Não atende o telefone e a casa do ..., onde vivia com a família e os três filhos, aparenta estar vazia. Como um truque de magia, o dinheiro investido por milhões de pessoas também parece ter desaparecido. Os antigos diretores apontam o dedo uns aos outros. BB, antiga diretora de operações, diz ser apenas mais uma das vítimas.» 5) No site Notícias online, com data de ... de ... de 2020, está disponível um texto intitulado «Pela Liberdade e pela Democracia – chega do partido DD!», da autoria de SS, que aqui se dá por reproduzido, consta a seguinte passagem: «(…) e até a ... BB juntou ao seu palmarés de Directora de operações da empresa ZZ (uma sociedade que, por meio de um esquema de pirâmide, terá lesado cerca de 2 milhões de clientes) um lugar destacado no partido DD e na elaboração do respectivo programa.» * Por outro lado, defende o Arguido que o facto g), que o Tribunal recorrido deu como provado, deve passar para os factos não provados, no fundo face ao por si declarado em audiência e na ausência de prova de sentido contrário. Recordemos o teor deste facto g): «O Arguido agiu com o intuito de prejudicar, caluniar, difamar e ofender o bom nome da Assistente». Ora, o que consta de relevante nesta matéria na motivação de facto da sentença recorrida é o seguinte: «Afirmou [o Arguido] que se limitou a partilhar uma publicação da “...”, porque lhe pareceu relevante. Mas, o que é certo é que o Arguido fez a republicação da mesma na sua página pessoal, com o seu idêntico e exacto conteúdo, o difundiu por um vasto auditório, como o é a rede social Facebook, veiculando um facto objectivamente ofensivo da honra e da consideração da Assistente; o Arguido assumiu conscientemente, em suma, a responsabilidade pela vasta (porque feita numa rede social) partilha de um facto ofensivo, que se traduz igualmente num juízo de valor ofensivo. Surpreendentemente, o Arguido afirmou que não teve intenção de ofender a mesma; o que é de difícil compreensão, pois o termo “burlona” não se presta a uma interpretação suave, para o senso-comum. Afigura-se ao Tribunal que o Arguido, perante a iminência de uma condenação penal, se encontra em “negação”.» Decorre do exposto que o Tribunal recorrido, considerando o texto em si mesmo objetivamente ofensivo da honra, deduziu daí a intenção de ofensa à honra. Ora, é sabido que os factos que integram os chamados elementos subjetivos da infração são, na verdade e bem, inferidos, as mais das vezes, dos factos objetivos, compreendidos à luz das regras da experiência comum. Em matéria de divulgação de factos ou opiniões potencialmente atentatórios da honra de terceiro justifica-se, contudo, uma particular cautela nessa inferência, desde logo por isto: é que o facto pode ser em si mesmo ofensivo da honra de terceiro, mas o seu autor, estando (bem ou mal) convencido da veracidade da informação ou de que é sustentada a opinião, ter querido apenas dar a conhecer uma ou outra em meio aberto, por entender que esse conhecimento é do interesse público e/ou por ser pessoa que gosta de participar na discussão de matérias de interesse geral, e não propriamente por ter querido «prejudicar, caluniar, difamar e ofender o bom nome» do visado. Afinal de contas, não é isso o que sucede, por exemplo, quando um órgão de comunicação social publica um texto ou uma reportagem que considera, em boa fé, factualmente sustentada e com interesse público, mas que, na sua linearidade objetiva, atinge a honra de alguém? Foi no fundo esta a posição assumida pelo Arguido em audiência – e não vemos que a sentença recorrida haja convocado meios de prova que a desmintam ou contrariem. Aliás, o próprio Tribunal recorrido, quando mais adiante na sentença aborda o aspeto jurídico da causa, acaba por denunciar que na base da sua posição quanto aos factos «do elemento subjetivo» está uma espécie de pré-juízo jurídico, traduzido nisto: o facto objetivo conduz inarredavelmente à prova do facto subjetivo. Não pode aceitar-se esse caminho; veja-se o que aí se lê: «As páginas das revistas e dos jornais não são páginas do Diário da República. Os artigos jornalísticos não têm a força probatória das escrituras. E a afirmação de que uma determinada revista é “séria” constitui a expressão de uma opinião muito respeitável; mas, apenas, uma opinião. Logo, intrinsecamente subjectiva. Porém, admitamos que o Arguido considerou boa, credível e fidedigna a informação que colheu, desde logo, na revista ..., bem como noutras publicações que abordaram suspeitas a respeito de uma pessoa de nome NN, e a um “rasto de burlas”; e nelas acreditou, sentindo-se habilitado a partilhar, referindo-se expressamente à pessoa da Assistente, o que não há dúvida de que partilhou. Ainda assim, essa sua convicção esbarra num argumento que, para este Tribunal, é um argumento “de tomo”: A realidade inarredável é que a Assistente nunca foi julgada e condenada pela prática de qualquer crime, de burla ou outro. Relativamente à Assistente, nunca foi deduzida qualquer acusação pelo Ministério Público. Pelo que, no entender do Tribunal, e com todo o respeito por opinião diferente da nossa, com base na informação constante do referido artigo da revista ..., bem como dos demais documentos juntos, o Arguido não podia tomar como boa e suficientemente densificada tal informação, para através da partilha da frase descrita, lançar o anátema e a suspeição da prática, pela Assistente, de factos com relevância criminal. “Burlona nos tempos livres.”, não constitui o mero exprimir/partilhar de uma opinião. Traduz a imputação de factos, ou seja, de que a Assistente teria intencionalmente ludibriado terceiros; ou estaria, de algum modo, envolvida num “esquema de burlas”. Por outro lado, a forma jocosa como o Arguido o faz ao aderir e, por sua vez, veicular a frase descrita, não denota qualquer interesse sério numa abordagem, também ela séria, de uma questão relevante. O que a partilha daquela frase evidencia é, tão-só, uma vontade de humilhar e achincalhar a Assistente. O dolo está lá, límpido, claramente expresso.» Repare-se bem no que decorre do exposto: para a 1ª Instância é no fundo irrelevante que o Arguido considerasse a ... uma revista «séria»; como é irrelevante que tenha considerado como «boa, credível e fidedigna» a informação nela publicada. E depois esclarece a 1ª Instância, no fundo, o que se exigiria para que o elemento subjetivo pudesse estar ausente: uma condenação da Assistente transitada em julgado, uma acusação, uma escritura; isto é, o facto «intenção de ofender» apenas poderia ser dado como não provado se o facto objetivo propalado ou a opinião veiculada estivesse assente no mundo jurídico, fora de quaisquer dúvidas. Não pode ser. O que se discute, nesta dimensão, é isto: quais os meios de prova em que assenta a convicção do Tribunal recorrido para dar como provado o facto em apreço, isto é, que «o Arguido agiu com o intuito de prejudicar, caluniar, difamar e ofender o bom nome da Assistente»? E têm tais meios de prova consistência suficiente para o efeito? Perguntando ainda de outra forma: há ou não elementos nos autos que impõem solução diversa? Ora, o único meio de prova produzido nesta matéria – as declarações do Arguido – vão no sentido contrário ao afirmado pelo facto dado como provado. E este facto provado, face ao já dito, não resulta necessariamente das circunstâncias objetivas da atuação do Arguido, em si mesmas ou compreendidas à luz das regras da experiência comum; nem tão pouco resultam do tom da republicação, que a sentença considera «jocoso» - o tom empregue releva de uma opção estética ou de apresentação do autor da republicação, que em nada interfere, no caso concreto, sobre a solução do caso, tendo particularmente em conta que esse lado «jocoso» não deixa de estar associado ao tom «sério» do artigo da ... a que se reporta . Assim é que o facto dado como provado que figura na alínea g) passará para os factos não provados. E precisamente pelas mesmas razões passará também para os factos não provados o segmento, que consta da alínea h), em que se diz que o Arguido sabia que a sua conduta «era proibida e punida por lei». Aqui chegados, avançaremos no ponto seguinte para uma apreciação jurídica da causa. * 2.5 O Direito O Tribunal de 1ª Instância condenou o Arguido numa pena de € 1.680,00 e ao pagamento à Assistente de uma indemnização de € 10.000,00, acrescida de juros. Isto porque – e é esta a essência da conduta imputada ao Arguido – fez uma republicação no Facebook, cujo conteúdo se teve por ofensivo da honra e consideração devida à Assistente e causador de danos. Contém essa republicação, além da imagem do artigo da ... que consta dos autos, as palavras «BB, ...anos, ..., líder no partido DD para os assuntos da Violência Doméstica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca.» A expressão que em particular funda a condenação recorrida é «Burlona nos tempos livres». Vejamos. O crime de difamação está previsto, na sua versão base, no art. 180º do Código Penal, que nos diz no seu nº 1 que é cometido por «quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo». Trata-se de um tipo legal de crime integrado no capítulo do Código Penal que tem em vista tutelar a honra. Ora, a expressão de que cuidam os autos («Burlona nos tempos livres»), referida à pessoa da Assistente, contém um juízo indiscutivelmente negativo sobre esta, na medida em que descreve-a como alguém que se dedica a burlas, ou seja, que engana terceiros em proveito próprio. Lê-se na sentença recorrida que aquela expressão é um «facto que encerra, também, um juízo de valor, ou seja, e simultaneamente, veiculando a imputação de um facto desonroso e formulando um juízo desonroso sobre a mesma». Não nos parece que seja inteiramente exata esta posição da 1ª Instância. Dizer-se que uma dada pessoa é «burlona nos tempos livres», ou seja, para o que aqui releva, que uma dada pessoa é «burlona», não encerra qualquer conteúdo fáctico. Facto seria se fosse dito, com maior ou menor dose de densificação, que a pessoa enganara este ou aquele, desta ou daquela forma, causando este ou aquele prejuízo. Nada disso surge na expressão. A mera referência «burlona», ou «burlona nos tempos livres» é, na nossa perspetiva, um juízo, ou seja, uma opinião, sobre a personalidade ou o caráter da visada. Um juízo ou uma opinião que objetivamente ofendem a honra ou consideração daquela, conceda-se, mas que não traduz a imputação de um facto. Há um conteúdo de facto na republicação, é verdade, mas esse é o consubstanciado no artigo da revista ... que acompanha o texto em que aquele juízo de opinião surge. Dito isto, há que notar que o direito à honra, tutelado pelos arts. 180º e seguintes do Código Penal (CP) é um direito fundamental protegido desde logo pelo art. 26º, nº 1 da nossa Constituição (CRP), e tutelado ainda e entre o mais pelo art. 70º do Código Civil, pelo art. 17º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e pelo art. 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), neste caso enquanto dimensão da reserva da vida privada [a este propósito, vide os Acs. do TEDH Axel Springer AG v. Germany (GC), nº 39954/08, § 83, 07.02.2012 e Chauvy and Others v. France, nº 64915/01, § 70, 29.06.2004) – todos os acórdãos do TEDH que citamos estão disponíveis in https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22documentcollectionid2%22:[%22GRANDCHAMBER%22,%22CHAMBER%22,%22DECISIONS%22]} ]. Todavia, é bem certo que não se trata de um direito de perfil absoluto, na medida em que há outros direitos, potencialmente com a mesma dignidade, com que tem que conviver, como é marcadamente o caso da liberdade de expressão, protegida pelo art. 37º da CRP, pelo art. 19º do PIDCP e pelo art. 10º da CEDH. A sentença recorrida dá nota da conflitualidade dos valores em presença, procedendo embora a um juízo de ponderação entre eles que se presta, no caso concreto, à crítica. Recordemos o que neste específico aspeto pode ler-se na sentença de mais relevante: «As páginas das revistas e dos jornais não são páginas do Diário da República. Os artigos jornalísticos não têm a força probatória das escrituras. E a afirmação de que uma determinada revista é “séria” constitui a expressão de uma opinião muito respeitável; mas, apenas, uma opinião. Logo, intrinsecamente subjectiva. Porém, admitamos que o Arguido considerou boa, credível e fidedigna a informação que colheu, desde logo, na revista ..., bem como noutras publicações que abordaram suspeitas a respeito de uma pessoa de nome NN, e a um “rasto de burlas”; e nelas acreditou, sentindo-se habilitado a partilhar, referindo-se expressamente à pessoa da Assistente, o que não há dúvida de que partilhou. Ainda assim, essa sua convicção esbarra num argumento que, para este Tribunal, é um argumento “de tomo”: A realidade inarredável é que a Assistente nunca foi julgada e condenada pela prática de qualquer crime, de burla ou outro. Relativamente à Assistente, nunca foi deduzida qualquer acusação pelo Ministério Público. Pelo que, no entender do Tribunal, e com todo o respeito por opinião diferente da nossa, com base na informação constante do referido artigo da revista ..., bem como dos demais documentos juntos, o Arguido não podia tomar como boa e suficientemente densificada tal informação, para através da partilha da frase descrita, lançar o anátema e a suspeição da prática, pela Assistente, de factos com relevância criminal. “Burlona nos tempos livres.”, não constitui o mero exprimir/partilhar de uma opinião. Traduz a imputação de factos, ou seja, de que a Assistente teria intencionalmente ludibriado terceiros; ou estaria, de algum modo, envolvida num “esquema de burlas”. Por outro lado, a forma jocosa como o Arguido o faz ao aderir e, por sua vez, veicular a frase descrita, não denota qualquer interesse sério numa abordagem, também ela séria, de uma questão relevante. O que a partilha daquela frase evidencia é, tão-só, uma vontade de humilhar e achincalhar a Assistente. O dolo está lá, límpido, claramente expresso. Pelo que entendemos que os requisitos, que são cumulativos, das alíneas do nº 2 do art. 180º do C. Penal não se mostram preenchidos. Neste caso, o direito à liberdade de expressão tem de ceder perante o direito à honra» (sublinhado nosso). Se bem compreendemos os fundamentos da decisão recorrida, a partir do momento em que o escrito ofende a honra da Assistente, o arguido abusou da sua liberdade de expressão e presta-se a censura criminal e cível; e assim não seria apenas se já tivesse havido condenação ou pelo menos acusação contra a Assistente pela prática de um crime de burla. Não podemos aderir a esta linha de pensamento, que confina a liberdade de expressão a um reduto desproporcionadamente limitado. Vejamos porquê. Primeiro aspeto: o direito estritamente interno e nomeadamente o art. 31º, nº 2, alínea b) do Código Penal (CP), que estatui que «não é ilícito o facto praticado (…) no exercício de um direito»; o 180º, nº 2 do CP, que afirma que «a conduta não é punível quando (…) a imputação for feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira»; e o regime penal dos crimes contra a honra, no seu conjunto, não podem deixar de ser interpretados à luz, entre o mais, da CEDH. Recorde-se que a CEDH faz também parte integrante do direito nacional, por via do art. 8º, nº 2 da CRP, desde 9 de novembro de 1978 (cfr. Aviso publicado no Diário da República, I Série, de 02/01/1979). Significa o exposto que não pode ignorar-se o que decorre da jurisprudência do TEDH. Ora, o direito à honra poderá ter que ceder perante outros valores fundamentais que se lhe sobreponham em função das especificidades do caso concreto; pense-se naturalmente na clássica liberdade de expressão, protegida pelo art. 37º da CRP, pelo art. 19º do PIDCP e pelo art. 10º da CEDH – fosse a tutela da honra algo de absoluto e a comunicação social não poderia decerto desempenhar a sua função de «cão de guarda» da democracia, posto que ser-lhe-ia vedado publicar notícias desagradáveis para os visados, por mais verdadeiros que fossem os factos relatados, por mais fundada que fosse uma opinião e por maior interesse público que houvesse na sua divulgação [entre tantos outros, vide os Acs. do TEDH The Sunday Times v. the United Kingdom (nº 2), § 50, 26.11.1991 e Bédat v. Switzerland, nº 56925/08, § 51, 29.03.2016]. A convivência, que frequentemente se reveste de contornos conflituantes, entre direitos e valores fundamentais, é próprio de uma sociedade democrática, como aí estão para o evidenciar as restrições expressamente admitidas pelo art. 18º da CRP, bem assim como as restrições a direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela CRP e que são todavia uma realidade visível (cfr. Jorge Reis Novais, in As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra Editora, 2003), e ainda e entre outros, as que decorrem dos arts. 8º, nº 2 e 10º, nº 2 da CEDH. Assim é que não pode, logo no plano abstrato, conferir-se prevalência a um direito sobre o outro, e nomeadamente ao direito à honra sobre a liberdade de expressão. Importa sempre atentar ao circunstancialismo da situação concreta [Acs. do TEDH Von Hannover v. Germany (no. 2) (GC), nºs. 40660/08 e 606.../08, de 7/12/2012, §§ 104-107, e Axel Springer AG v. Germany, nº 39954/08, de 7/02/2012, §§ 85-88), Couderc and Hachette Filipacchi Associés v. France [GC], nº 40454/07, de 10/11/2015, §§ 90-93, e Perinçek v. Switzerland (GC), nº 27510/08, de 15/10/2015, § 198]. Continuando a olhar para a jurisprudência de Estrasburgo, é patente com efeito a importância nela reconhecida à liberdade de expressão, e importa perceber o contexto e os termos em que uma tal importância é afirmada com essa ordem de grandeza, a partir de alguns pontos de apoio: - a liberdade de expressão é apontada como um dos fundamentos essenciais de qualquer sociedade democrática e uma das condições primordiais para a sua promoção e para o desenvolvimento de cada indivíduo, sendo que são marcas fulcrais de qualquer sociedade democrática as ideias de pluralismo, tolerância e espírito de abertura…; - …dentro da liberdade de expressão ganha particular realce e proteção o desempenho de quem observa, acompanha e vigia a coisa pública, como sejam a imprensa (Ac. do TEDH Barthold v. Germany, nº 8734/79, de 25/03/1985, § 58); os bloggers e outros utilizadores de redes sociais (Ac. do TEDH Falzon v. Malta, nº 45791/13, de 20/03/2018, § 57); e organizações não governamentais (Ac. do TEDH Association Burestop 55 and Others v. France, nºs 56176/18 e cinco outros, de 1/07/2021, § 88); ou o papel de quem participa no debate político ou de outros assuntos de interesse público (Ac. do TEDH Castells v. Spain, nº 11798/85, de 23/04/1992, §§ 42-43); - dada a importância da liberdade de expressão, as limitações previstas no art. 10º, nº 2 da CEDH devem ser interpretadas em termos estritos, devendo a «necessidade» de cada uma de tais limitações ser estabelecida de forma convincente (Acs. do TEDH Lingens v. Austria, nº 9815/82, de 8/07/1986, § ..., e Nilsen et Johnsen v. Norway [GC], no 23118/93, § 43); - e a natureza e o peso das sanções aplicadas são elementos a considerar quando se trata de ponderar a proporcionalidade da restrição (Ac. TEDH Cumpănă and Mazăre v. Romania [GC], no 33348/96, de 17/12/2004, § 111). Vale tudo quanto deixámos dito que é imperativo ter presente, no plano da matéria de facto, as palavras, escritos ou gestos concretamente em causa e o seu impacto na pessoa visada, por certo; mas também, e entre o mais, todo o contexto em que surgem tais palavras, escritos ou gestos, pois só dessa forma poderemos ter reunida a informação necessária em ordem a uma ponderação, no plano do Direito, ajustada ao caso. Ante uma expressão potencial ou realmente lesiva da honra ou consideração da pessoa visada, pelo juízo socialmente desvalioso associado, impor-se-á a ponderação de todo o circunstancialismo fáctico envolvente, pois só nessa eventualidade é que poderá perceber-se se é aceitável, no quadro de uma sociedade democrática assente, entre o mais, na livre circulação e discussão de informações, ideias e opiniões, dirigir um juízo de censura ao agente e, sendo-o, se o concreto juízo de censura feito pelo Tribunal recorrido é necessário, adequado e proporcional à finalidade visada. A liberdade de expressão não é uma mera figura de estilo, que garanta apenas a possibilidade de dirigir a alguém um elogio, uma opinião favorável ou tomar uma posição inócua sobre um qualquer assunto. Nada disso. A razão de ser da liberdade de expressão vai muito além disso, abrangendo também – e aí colhendo aliás o seu pleno e genuíno sentido - a propósito de informações ou opiniões críticas e até ofensivas e perturbadoras (Acs. do TEDH Handyside v. the United Kingdom, nº 5493/72, de 7/12/1976, § 49 e Observer and Guardian v. the United Kingdom, nº 13585/88, de 26/11/1991, § 59). Se se tratasse apenas de proteger a circulação de informações e opiniões favoráveis, elogiosas ou inócuas, não seria necessária a liberdade de expressão praticamente para nada e reduzir-se-ia o seu alcance prático-jurídico a uma margem quase irrelevante. No caso concreto, temos, como atrás dissemos, um juízo de valor. Por natureza, não se admite a prova da verdade da imputação, não podendo portanto exigir-se a quem emite a opinião que prove a exatidão desta; a imposição de um tal ónus representaria ela mesma uma violação da liberdade de expressão e de opinião [Ac. TEDH Morice v. France (GC), nº 29369/10, de 23/04/2015, § 126]; ainda assim, pode e deve averiguar-se se um tal juízo de valor tem ou não algum substrato fáctico em seu apoio [Acs. do TEDH Pedersen and Baadsgaard v. Denmark (GC), nº 49017/99, de 17/12/2004, § 76 e McCann et Healy c. Portugal, nº 57195/17, de 20/09/2022, § 82]. Ora, a verdade é que aquele juízo de valor, na republicação em causa, surge ladeado por um texto da revista ... que contém, por sua vez, a alusão a factos, pelo que não pode ser dele dissociado; no fundo, o juízo de valor procede a uma adjetivação, de forma ofensiva e desprimorosa para com a Assistente, do que se lê no texto da revista – os factos relatados ou aludidos por este como que constituem o «fundamento de facto», um suficiente fundamento de facto, do juízo de valor. Segundo aspeto: o interesse público do assunto. Ao tempo dos factos aqui em causa, já vários textos haviam surgido em órgãos de comunicação social, sobre um fenómeno aparentemente criminoso em larga escala, do espectro da burla, que afetaria um número muito elevado de pessoas, sendo que o nome da Assistente surgia em tais notícias associado à empresa ou a pessoas que dominavam o suposto esquema. A natureza do tema em si mesmo e o aparentemente elevado número de pretensas vítimas envolvidas sugerem um forte interesse público do tema; e os textos publicados em vários órgãos de comunicação social ilustram esse mesmo interesse. Ora, o que o Arguido fez foi republicar uma publicação anterior, em que surgia uma das apontadas notícias, em concreto a da revista ..., acompanhada de um pequeno texto, no qual figura, na verdade, um juízo de valor depreciativo da Assistente. Todavia, esse juízo de valor, como sublinhámos atrás, está incontornavelmente associado ao teor da notícia que o acompanha e mais não é que a leitura que o seu autor faz do que leu, leitura essa obviamente adjetivada e objetivamente ofensiva para com a Assistente, mas que se inscreve numa liberdade de apreciação que no seu sentido essencial não sai de uma interpretação possível da realidade para que aponta a notícia – da realidade para que apontam, acrescente-se, as várias notícias à data já existentes sobre o tema, que no fundo se reconduzem à ideia de que a Assistente teria ganho dinheiro participando de um esquema que enganou/burlou muitas pessoas. É certo, como em dado passo se argumenta na decisão recorrida, que o Recorrente não tinha em benefício das palavras republicadas uma condenação prévia da Assistente pela prática de qualquer crime de burla. Mas era necessário – perguntemos nós - um tal grau de certeza para que o Arguido pudesse fazer uma republicação da natureza da ocorrida? Não cremos que pudesse exigir-se semelhante condenação para ter a conduta do Recorrente como criminalmente atípica, justificada ou não punível. Recorde-se aliás o que constava na versão do Código Penal de 1995, no nº 5 do art. 180º: «Quando a imputação for de facto que constitua crime, é também admissível a prova da verdade da imputação, mas limitada à resultante de condenação por sentença transitada em julgado.»; ora, este nº 5 foi revogado pela Lei nº 65/98, de 02/09. Defende-se ainda na sentença recorrida que «os artigos jornalísticos não têm a força probatória das escrituras». E daí conclui-se que não podia o Recorrente ter por boa a informação contida no artigo da ... (nem tão pouco os demais sobre o tema). É claro que as publicações na imprensa não têm a força probatória das escrituras – mas também não é essa a sua função. E ainda bem, acrescente-se, pois caso contrário exigir-se-ia para a publicação de um texto na imprensa o mesmo grau de certeza de uma condenação judicial, o que por certo representaria na prática a morte da imprensa. É manifesto que os Srs. Jornalistas têm deveres deontológicos, nomeadamente na feitura de investigações sérias e com respeito pelo contraditório dos visados, mas não ao ponto de ficarem constrangidos com regras procedimentais e critérios de valoração da informação similares às de um processo judicial ou dos atos notariais. Os jornais e as revistas, sejam em suporte de papel, sejam digitais, numa sociedade livre, aberta e democrática, constituem fonte de informação para os cidadãos. É da natureza humana e dos nossos dias confiar, comentar, discutir e partilhar o que é publicado e debatido na imprensa, concordando ou divergindo, aceitando ou recusando, particularmente quando o assunto suscita o interesse de uma larga massa de pessoas. Mal andaremos se um cidadão que vê notícias na imprensa, particularmente se estivermos a falar de órgãos de comunicação social de referência, como é sem dúvida o caso da ..., não pode sobre elas falar, comunicar, comentar, discutir, partilhar com os seus amigos e conhecidos. Introduzir aqui as restrições pro veritatis preconizadas pela decisão recorrida implicaria restringir a liberdade de expressão e de opinião dos cidadãos a um ponto não compatível com a CEDH. O que o Recorrente fez, por via da republicação que protagonizou, não foi mais do que entrar numa discussão que já se encontrava claramente na praça pública, nada de substancial acrescentando ao que resultava do já dito - no fundo, a republicação havida sugere que os dizeres replicados constituem a interpretação a que o Recorrente adere de factos que estavam já amplamente no domínio público. Nestas circunstâncias, uma condenação do Recorrente representaria uma ingerência excessiva e injustificada na liberdade de expressão que é incompatível com a CEDH, desde logo pelo seu efeito dissuasor (Ac. do TEDH McCann et Healy c. Portugal, nº 57195/17, §§ 99 e 100, de 20/09/2022). Em suma, entendemos que o Arguido atuou no exercício de um direito (liberdade de expressão e de opinião), intervindo numa matéria de grande interesse público (discussão sobre os contornos de uma alegada burla em larga escala que estava já na praça pública) e tendo razões sérias para crer que o juízo de valor que propalou sobre a Assistente tinha suficiente apoio factual (o conteúdo do texto de uma revista de referência e as demais menções na comunicação social à situação de alegada burla e de possível envolvimento da Assistente na mesma). Assim é que a sua atuação não foi ilícita, à luz do preceituado pelos arts. 31º, nº 2, alínea b) e 180º, nº 2 do CP, interpretados à luz da CEDH, não podendo assim persistir a sua condenação criminal. * Improcedendo a condenação criminal do Arguido, tal não implica necessariamente a sua absolvição civil (art. 377º, nº 1 do CPP). Todavia, tudo quanto dissemos em matéria penal é transponível, nas suas linhas essenciais, para a esfera do pedido de indemnização civil – tendo-se afastado a ilicitude da conduta do Arguido, falece também o correspondente pressuposto da responsabilidade civil do mesmo (cfr. art. 483º, nº 1 do Código Civil). Não pode por isso deixar de decair também o pedido cível. * 3 – DISPOSITIVO Face ao exposto, decidimos: 3.1 Julgar improcedente a arguição de nulidade da sentença por condenação por factos diversos dos que constavam na acusação particular; 3.2 Determinar a alteração da redação da alínea j) dos factos provados, eliminando a referência «ao escrever o comentário», ficando assim um tal facto com o seguinte teor: «j) O Arguido tinha consciência dos seus atos, sabia e tinha conhecimento de que, com a sua conduta, iria difamar a Assistente, e descredibilizá-la na sua área de intervenção dentro do partido partido DD, e na sua vida profissional e pessoal.» 3.3 Determinar que o facto provado da alínea g), bem assim como o segmento «e era proibida e punida por lei» que consta do facto provado da alínea h), passem para o enunciado dos factos não provados; 3.4 Determinar o aditamento à matéria de facto provada dos seguintes pontos: 1) O artigo da ..., publicado em ... de ... de 2020, cuja imagem consta da republicação realizada pelo Arguido, contém, referindo-se à Assistente, entre outros, os seguintes dizeres: «As consultas da ... BB, de ... anos, também ajudaram. (…) Alegada vítima de violência doméstica - é a porta-voz do partido DD nessa área (…). Polémica é a passagem pela empresa ZZ, da qual foi diretora de operações. A partir das ..., a sociedade terá lesado perto de dois milhões de clientes mundiais através de um esquema fraudulento em pirâmide, criado pelo português NN. Na TV Y, BB apresentou-se como vítima. Arquivado em Portugal, o inquérito foi reaberto em Espanha a partir da denúncia de 272 pessoas burladas em seis milhões de euros». 2) No site https://expresso.pt/sociedade/2016-09-21-...-Leaks.-Ha-28-portugueses-identificados-numa-nova-fuga-de-informacao-sobre-offshores está disponível um artigo, intitulado «... Leaks. Há 28 portugueses identificados numa nova fuga de informação sobre offshores», publicado na edição digital do jornal ..., no dia ... de ... de 2016, artigo esse que aqui se dá por reproduzido e do qual se destaca a seguinte passagem, em que é mencionado o nome da Assistente: «Ao contrário dos Panama Papers, cuja fuga de informação foi divulgada pelo ICIJ em ..., o acervo não inclui e-mails ou contratos relacionados com essas companhias ou quem são os seus beneficiários últimos, permitindo no entanto saber nalguns casos quem são as pessoas responsáveis pela administração das offshores e em que altura é que esses cargos foram assumidos. No caso de Portugal, e excluindo os os registos descobertos vão de ... a .... O registo mais recente é de ... e diz respeito a uma companhia chamada empresa ZZ, ligada a uma dos maiores esquemas de burla na ..., cujo rosto foi um português de nome NN e que poderá ter lesado mais de dois milhões de pessoas em todo o mundo. A empresa ZZ foi registada nas ... em ... com um único nome associado, OO, tendo em ... passado a ter como presidente BB, sendo que NN não consta dos registos. O ... não conseguiu localizar nem OO nem BB.» 3) No site Negócios e Dinheiro está disponível para consulta um texto intitulado «História da Megaburla empresa ZZ», in https://www.negociosedinheiro.com/historia-megaburla-libertagia?fbclid=IwAR2nS6M_OwGwEBJCmLqFll49WwkJ5pqX_nJbjJbT hL97qL7BZ6mS2EJUVVg, texto esse que aqui se dá por reproduzido, no qual se alude ao nome da Assistente e de que se destacam as seguintes passagens: «Este esquema em pirâmide conseguiu enganar entre 1,8 a 3 milhões de pessoas, em mais de mil milhões de euros. Foi o golpe dos 350% ao ano! Qualquer pessoa com experiência em negócios e investimentos sabe que a empresa ZZ era apenas mais uma fraude, apresentada como ... multinível. Não existem dúvidas! A promessa de ganhos de 350% por ano ou superiores, no caso de recrutar novos afiliados, serviu de chamativo para angariar muito dinheiro, porque nunca existiu um negócio sustentável por detrás. [legenda de foto] BB, NN e PP formam a cúpula da empresa ZZ. Estão em parte incerta! (Fonte: ...) De acordo com o ..., no artigo “Rede saía da ... com malas de dinheiro”, durante este tempo os burlões marcaram várias reuniões em hotéis na ilha da ..., para vender sonhos em troca de dinheiro vivo. “Eles vinham-nos aqui vender sonhos e levavam esses sonhos em dinheiro vivo. Enchiam malas de dinheiro. Fala-se que nalguns casos chegavam a levar 60 a 90 mil euros”, disse um dos lesados. “Não havia cá cheques ou transferências.” Quem entra num esquema baseado em cliques ou visualizar sites e acredita que pode ganhar 350% ao ano, ou quer burlar, ou está a pedir para ser burlado.» 4) Na edição digital do jornal ..., com data de ... de ... de 2015, está disponível um texto intitulado «Investigação: como o burlão mais procurado da ... enganou milhões», que aqui se dá por reproduzido, do qual se destacam as seguintes passagens: «Esta é a história do homem que queria enriquecer pessoas a ver anúncios na internet. Ficou-lhes com o dinheiro e fugiu. A polícia de ... procura-o. Em ..., uma investigação do ... colocou o nome de QQ nas bocas do mundo. O português, um ex-camionista com “dotes de ... evangélico”, seria responsável por um esquema em pirâmide que teria prejudicado - pelo menos - dois milhões de pessoas. Chamava-se empresa ZZ. Durante dois anos, NN, juntamente com os principais líderes da empresa ZZ, uma marca de serviços multimédia, com sede em Lisboa, que escondia um esquema fraudulento, viajou por dezenas de locais, recrutando novos afiliados e enchendo os bolsos (literalmente) com dinheiro. Com muito esforço, vídeos de propaganda e uma lábia de fazer inveja aos apresentadores de televendas, RR conseguiu estender a rede empresa ZZ a 26 países. Em Portugal, não se sabe ao certo quantas pessoas terão investido na empresa de capital brasileiro, mas os comentários dos lesados multiplicam-se na sua página do Facebook. “Somos milhões de afetados que foram roubados, mas um dia vocês pagarão”, escreve um antigo afiliado. “Sou vítima deste embuste”, admite outro. Uma coisa, porém, parece ser certa: de NN não há nem sinal. Não atende o telefone e a casa do ..., onde vivia com a família e os três filhos, aparenta estar vazia. Como um truque de magia, o dinheiro investido por milhões de pessoas também parece ter desaparecido. Os antigos diretores apontam o dedo uns aos outros. BB, antiga diretora de operações, diz ser apenas mais uma das vítimas.» 5) No site Notícias online, com data de ... de ... de 2020, está disponível um texto intitulado «Pela Liberdade e pela Democracia – chega do partido DD!», da autoria de SS, que aqui se dá por reproduzido, consta a seguinte passagem: «(…) e até a ... BB juntou ao seu palmarés de Directora de operações da empresa ZZ (uma sociedade que, por meio de um esquema de pirâmide, terá lesado cerca de 2 milhões de clientes) um lugar destacado no partido DD e na elaboração do respectivo programa.» 3.5 Conceder no mais provimento ao recurso, revogando a condenação criminal e cível do Arguido, assim sendo este totalmente absolvido. * Condena-se a Assistente nas custas devidas até ao momento e em três unidades de conta de taxa de justiça [arts. 515º, nº 1, alínea b) e 518º do Código de Processo Penal e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III anexa]. Registe e notifique. * Lisboa, 06 de novembro de 2025 (assinaturas eletrónicas; processado pelo Relator e por todos revisto) Jorge Rosas de Castro Ivo Nelson Caires B. Rosa Joaquim Manuel da Silva (vencido, com declaração em seguida) VOTO DE VENCIDO Deixo expresso o presente voto de vencido, por não acompanhar a decisão maioritária que entendeu absolver o arguido do crime de difamação. Os factos relevantes são os seguintes: a. O arguido, no dia ... de ... de 2020, publicou na sua página pessoal da rede social Facebook — ... — uma mensagem contendo imputações à pessoa da assistente, a qual reproduzia, com o mesmo conteúdo, outra publicação da página “...”, também do Facebook. b. Nessa publicação, o arguido partilhou uma imagem de um artigo da revista EE, acompanhado do texto: “BB, ... anos, ..., líder no partido DD para os assuntos da violência doméstica. Burlona nos tempos livres. Cada cavadela sua minhoca.” c) Tal publicação foi pública e acessível a número indeterminado de utilizadores da rede social, associando o nome e a imagem da assistente à expressão “burlona nos tempos livres”, sem prova de qualquer facto que o justificasse. A decisão maioritária entendeu no essencial que a conduta do arguido se encontrava abrangida pela liberdade de expressão protegida pelo artigo 37.º da Constituição, considerando que a expressão usada se inseria no âmbito do debate político e da crítica pública, com mera, qualificou, republicação de um artigo da revista ..., de que não é responsável, e que a fonte jornalística dá garantia de veracidade.4 Com o devido respeito, não posso acompanhar esse entendimento. Nenhum destes direitos em conflito, honra e liberdade de expressão, pode ser sacrificado ao outro. O artigo 18.º, n.º 2, CRP impõe o princípio da concordância prática, exigindo que, em caso de colisão, se procure uma solução que preserve o núcleo essencial de cada direito. Assim, a liberdade não se exerce contra a honra, e a honra não se protege à custa da censura. Ambas coexistem como expressões complementares da mesma dignidade humana. A liberdade de expressão é, sem dúvida, um dos pilares do Estado de Direito Democrático, mas não é um direito absoluto. O seu exercício encontra limite imediato no direito à honra e ao bom nome, garantido no artigo 26.º da Constituição e no artigo 8.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem também afirmado, reiteradamente, que a liberdade de expressão não protege insultos, difamações nem imputações de factos falsos que atinjam injustificadamente a reputação de outrem. Deste modo, não se pode invocar a liberdade de expressão para legitimar a difamação, o rumor ou a ofensa pessoal. E, com maior razão, não se pode usar uma mera “notícia de uma revista” — produzida tantas vezes sob lógica e agendas politicas, sem verificação factual, sendo certo que a posição vulnerável em que se encontram os jornalistas tem de ser enquadrada: A crise estrutural dos meios de informação e o enfraquecimento da verdade pública no contexto contemporâneo revela uma crise profunda dos órgãos de comunicação social, que afeta a própria substância da liberdade de expressão e o direito à informação. Trata-se de uma crise económica, ética e política, cujas causas são interdependentes, salientando-se: 1. Crise económica — A transição digital e o colapso das receitas publicitárias criaram dependência estrutural dos grandes grupos económicos e financeiros, conduzindo à concentração da propriedade mediática e à precarização das redações. Os jornalistas trabalham sob pressão temporal e financeira, com meios escassos para investigar. O modelo de produção privilegia o impacto imediato e a reação emocional, em detrimento da investigação rigorosa. O resultado é a transformação da notícia em mercadoria e do jornalista em operador de conteúdos. 2. Crise ética e cognitiva — A lógica do mercado substituiu a ética do esclarecimento, com a sociedade contemporânea a viver na “ditadura do espetáculo”: a informação deixou de servir o conhecimento e passou a servir o consumo. A veracidade, o contexto e a responsabilidade cederam lugar à velocidade, à polémica e ao escândalo. 3.Crise política e de agendas — A dependência financeira e a concentração empresarial geraram subordinação a agendas políticas e económicas. Os meios de comunicação, em muitos casos, filtram ou moldam os temas segundo os interesses dos seus proprietários ou financiadores. Determinados assuntos são amplificados; outros, silenciados. A vida privada de pessoas visadas é explorada como distração e como instrumento de manipulação simbólica. Quando a imprensa abdica da ética jornalística, deixa de ser agente da liberdade e converte-se em instrumento de poder. Por outro lado, a honra, longe de ser um atributo meramente subjetivo, constitui um mecanismo de integração social. Ela traduz o reconhecimento que cada pessoa obtém do grupo — familiar, profissional ou comunitário — como membro digno de confiança e respeito. Yuval Noah Harari, em Sapiens, no seu livro “Uma Breve História da Humanidade”, descreve que, nas sociedades tribais, a exclusão do grupo equivalia à morte: “A sobrevivência dependia da pertença à tribo; ser excluído era ser condenado ao silêncio e ao esquecimento.” Essa exclusão era operada pela palavra, isto é, pela circulação oral de rumores e estigmas. Hoje, o mesmo processo repete-se, mas em escala global e permanente: as redes sociais e os meios de comunicação difundem palavras digitalizadas, cuja propagação é irreversível e ubíqua. A ofensa à honra, portanto, produz uma exclusão simbólica semelhante à da tribo antiga, mas agora amplificada pela tecnologia e pela indiferença coletiva. O indivíduo torna-se alvo de linchamento público permanente, marcado por motores de busca e arquivos digitais que não esquecem nem perdoam. O progresso tecnológico criou uma assimetria devastadora entre o poder de difusão e o poder de defesa. Um rumor, uma citação ou uma notícia falsa percorrem o mundo em segundos; a reparação judicial chega tarde e é ineficaz. As plataformas digitais e os meios de comunicação interligados constituem hoje um tribunal invisível e contínuo, sem contraditório nem presunção de inocência, onde se julga e condena por simples perceção. A honra é, assim, a primeira vítima da velocidade e a última a ser reparada. Neste contexto, a reafirmação do valor constitucional da honra é não apenas legítima, mas necessária: é a defesa da própria humanidade do discurso público. A liberdade de expressão e o direito à honra são direitos co originários e de igual dignidade, ambos expressão direta da pessoa humana como fim em si mesma. Nenhum pode ser anulado em nome do outro. O uso de notícias de jornais em artigos de opinião ou rumores mediáticos para atacar a honra carece de fundamento constitucional e jurídico. Tal prática viola o dever de boa-fé, a ética da comunicação e o princípio da veracidade. Defender a honra não é censurar; é garantir que a liberdade se mantenha humana. Defender a liberdade não é difamar; é assegurar que a palavra continue a ser instrumento de verdade, e não de poder. A liberdade sem responsabilidade é violência; a palavra sem verdade é ruído; e a informação sem ética é tirania simbólica. Nenhum destes direitos, como supra já referido, pode ser sacrificado ao outro. O artigo 18.º, n.º 2, CRP impõe o princípio da concordância prática, exigindo que, em caso de colisão, se procure uma solução que preserve o núcleo essencial de cada direito. Assim, a liberdade não se exerce contra a honra, e a honra não se protege à custa da censura. Ambas coexistem como expressões complementares da mesma dignidade humana. A expressão “burlona nos tempos livres”, conjugada com a imagem da assistente e com a menção a um artigo de imprensa, não é uma opinião política: é uma imputação de facto desonroso, sem prova e sem relação com qualquer interesse público relevante. Trata-se, pois, de uma difamação agravada (artigos 180.º e 183.º do Código Penal). De fato, esta interpretação extensiva da liberdade de expressão, que a decisão maioritária aqui acolhe, corresponde à erosão sistemática da honra e da coesão social. Tem-se assistido, nas sociedades contemporâneas, a uma perigosa inversão de valores: a honra — fundamento da confiança interpessoal — é sacrificada no altar da impunidade verbal. Esta amplitude que tem sido dada à liberdade de expressão e a consequente compressão da honra expressa uma crise sistémica com contornos destruidores, que ameaça de forma absoluta a honra e a coesão da sociedade ocidental, tornando-se mesmo geradora de violência simbólica e social. Historicamente, aliás, a difamação tem sido usada como instrumento de destruição moral, substituindo o argumento racional pelo ataque pessoal. Em todas as épocas, desde as lutas políticas até aos conflitos sociais, a difamação foi convertida em arma para silenciar, desacreditar e eliminar adversários quando faltam razões ou provas. Trata-se, pois, de um uso perverso da palavra, que corrompe o próprio sentido da liberdade de expressão, convertendo-a em meio de violência simbólica e manipulação coletiva. A ideia defendida no acórdão que fez apenas uma republicação também não tem acolhimento legal na nossa modesta opinião, pois essa republicação configura um assumir como seu o que foi pulicado, como no caso dos autos, usa-lo contra a assistente para a destruir enquanto colaboradora política de um partido de que o arguido não gosta. A publicação em causa representa exatamente esse fenómeno: difusão global de um conteúdo ofensivo, caráter permanente e não controlável, e repercussão imediata e irreversível na esfera pessoal e social da visada. Trata-se de uma forma moderna de banimento simbólico, incompatível com o Estado de Direito. Curiosamente, sendo verdade, aquilo a que é imputado à assistente no artigo da ... teria de ter sido investigada e condenada, não havendo notícia de que assim ocorreu. Dar como certo isso, sem o ser, e sem necessidade de uma postura de controle, estamos a desresponsabilizar o arguido pelos outros e pela honra deles e dos seus, que aliás aqui é nenhuma. Por tudo o exposto, entendo que: 1. A publicação efetuada pelo arguido contém imputações objetiva e subjetivamente difamatórias; 2. O seu conteúdo não se encontra coberto pela liberdade de expressão constitucionalmente protegida; 3. A conduta preenche o tipo legal de difamação agravada (artigos 180.º e 183.º do Código Penal); 4. A absolvição traduz uma interpretação desproporcionada e perigosamente extensiva da liberdade de expressão, em detrimento da tutela da honra, que constitui bem jurídico essencial à dignidade da pessoa humana e à coesão social. Assim, votaria pela confirmação da condenação do arguido, reconhecendo que o direito à honra prevalece quando a palavra se desvia do seu fim legítimo — o esclarecimento — e se converte em arma de destruição moral. Joaquim Manuel da Silva |