Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2881/11.3TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: DUPLO EMPREGO
APOSENTAÇÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – O artigo 392.º, por referência também ao disposto na al. c) do art.º 387.º, ambos do Código do Trabalho de 2003 regulam uma situação muito específica e concreta: a da existência de uma relação laboral fundada num contrato de trabalho por tempo indeterminado que, apesar da reforma por velhice comunicada ao trabalhador e ao empregador, se continua a desenvolver por um período superior a 30 dias contado desde a última das comunicações feita a um deles pela Segurança Social, com referência à concessão da dita reforma em razão da idade do empregado, implicando tal cenário a constituição de um vínculo de trabalho por termo certo de 6 meses renováveis.
II – As duas disposições citadas em I implicam a extinção por caducidade do contrato de trabalho por tempo indeterminado e a formação de um segundo contrato com termo certo, nas situações em que o trabalhador reformado por velhice se mantenha ao serviço do mesmo empregador por período superior a 30 dias, nos moldes referidos no Ponto anterior.
III – Também do ponto de vista dos regimes legais contributivos e de proteção social dos funcionários públicos e dos trabalhadores assalariados do sistema privado, resulta uma lógica e regulamentação próprias e independentes das dos demais.
IV – A empregadora não podia considerar, por sua auto recriação e em virtude da aposentação da Autora da função pública, que se havia operado a conversão jurídica, ao abrigo dos números 1 e 2 do artigo 392.º do Código do Trabalho de 2003, do contrato de trabalho por tempo indeterminado que mantinha com a recorrida em contrato de trabalho a termo certo, por seis meses renováveis, livremente denunciável pela mesma nos moldes ali previstos, correspondendo, nessa medida, a um despedimento ilícito, porque não precedido de procedimento disciplinar e de invocação de justa causa, a denúncia oportunamente feita.
V – Tendo ficado demonstrado que a Ré pagava à trabalhadora as mencionadas prestações e que o fazia com carácter quantitativamente certo e mensal, referindo-se os recibos juntos a meses dos anos de 2009, 2010 e 2011 e a ficha de fls. 51 aos anos de 1996 a 2008, tendo começado a fazê-lo, relativamente ao prémio de exclusividade, desde Fevereiro de 2006, traduzindo os nomes dados a algumas delas uma correspondência e contrapartida específica de uma forma particular da execução da prestação laboral pela recorrida, possuem as mesmas natureza retributiva.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

AA, enfermeira perito, (…), veio instaurar, em 02/08/2011, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra BB, SA., (…) pedindo, em síntese, o seguinte:
1) Que seja declarado que a categoria profissional da Autora é, desde 1 de Fevereiro de 2010 a de Enfermeiro Perito, tendo a mesma direito a auferir a retribuição base mínima de 1.676 Euros mensais;
2) Que seja reconhecido que a declaração de rescisão do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré, por parte da Ré é ilícita, porque viola o disposto nos artigos 343.º, alínea c), 348.º, n.º 1 e o n.º 1 e 338.º do Código do Trabalho;
3) Que seja a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização correspondente a 1,5 meses de retribuição mensal de base por cada ano de antiguidade, no montante atual de 86.942,50 Euros;
4) Que seja a Ré condenada a pagar-lhe todas as retribuições, vencidas e vincendas, desde a data da cessação do contrato de trabalho até à data do trânsito da sentença, no montante atual de 10.056 Euros;
5) Caso se entenda que as retribuições pagas à Autora a título de subsídio de sala de partos, de prémio de exclusividade, prémio especial de antiguidade, subsídio de função e subsídio permanente não integram o conceito de retribuição de base, que seja a Ré condenada a pagar as diferenças salariais entre 1. 663 Euros e 1.676 Euros desde 1 de Fevereiro de 2010, no montante atual de 299 Euros, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde as datas de vencimento até à de integral pagamento.
*
Para tanto, alega a Autora, em síntese, o seguinte:
1) Que ao longo da sua vida profissional exerceu atividade de enfermeira simultaneamente na Maternidade Alfredo da Costa e na Ré.
2) Porém passou à situação de aposentada da função pública em 16/9/2005, razão pela qual a Ré veio a considerar caducado o contrato, facto que a Autora contesta, porquanto não se reformou por velhice ou invalidez.
3) E porque considera que, sendo a aposentação extintiva do vínculo público, em nada afeta o vínculo privado que a une à Ré e conclui que foi despedida sem justa causa.
4) Mais reclama a categoria de enfermeira perita de acordo com o CCT aplicável ao setor e a diferença salarial relativamente à categoria de enfermeira especialista reconhecida pela Ré.
*
Designada data para audiência de partes (fls. 24), que se realizou, nos termos do artigo 54.º do Código do Processo do Trabalho, com a presença das partes (fls. 33 e 34) - tendo a Ré sido citada para o efeito a fls. 27 e 28, por carta registada com Aviso de Recepção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.
*
A Ré apresentou, a fls. 35 e seguintes, contestação, onde, sem impugnar os factos, defendeu a caducidade do contrato da Autora em resultado da impossibilidade de manter o vínculo laboral por estar aposentada por velhice.
Contesta que os acréscimos remuneratórios pagos à Autora integrem a retribuição da mesma.
*
Foi proferido, a fls. 59 e em 14/12/2011, despacho de aperfeiçoamento em que a Autora foi convidada a liquidar todos os pedidos pela mesma formulados, bem como o valor da ação e a esclarecer se era sindicalizada, o que veio a ser cumprido pela trabalhadora a fls. 62 e seguintes, com a apresentação de um novo articulado inicial aperfeiçoado.
A Ré veio responder a tal petição inicial aperfeiçoada nos termos do articulado de fls. 75 e seguintes.  
*
Foi proferido ainda, a fls. 89 e 90, despacho saneador, onde veio a ser dispensada a realização de Audiência Preliminar e considerada a instância válida e regular, não se tendo procedido à seleção da matéria de facto assente nem à elaboração da base instrutória, vindo a ser admitido o requerimento de prova da Autora (fls. 72), fixado o valor da ação - € 97.297,50 - e designada a data para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respectiva acta (fls. 97 e 98 e 99 e 100), tendo as partes chegado a acordo quanto aos factos provados e prescindido da prova testemunhal a produzir nessa sede.
*
Foi então proferida a fls. 102 e seguintes e com data de 18/07/2012, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Face ao exposto decido julgar parcialmente procedente a ação e consequentemente:
1. Declaro ilícita a cessação do contrato de trabalho entre Autora AA e Ré BB, SA;
2. Condeno a Ré a pagar à Autora indemnização de antiguidade (calculada à presente data) no valor de €59.875,20 (cinquenta e nove mil oitocentos e setenta e cinco euros e vinte cêntimos), acrescida das quantias que se vencerem até trânsito da sentença.
3. Condeno a Ré a pagar à Autora a título de retribuições intercalares, a retribuição base, subsídio de sala de partos, de prémio de exclusividade, prémio especial de antiguidade, subsídio de função e subsídio permanente, acrescidas de subsídios de Natal e férias, vencidos desde a cessação do contrato, bem como as vincendas até trânsito, sendo deduzidas as quantias do (eventual) subsídio de desemprego que tenha sido atribuído à Autora, a entregar pela Ré à Segurança Social e as importâncias que a trabalhadora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, relegando-se para execução de sentença eventuais descontos a efetuar.
4. Absolvo a Ré do demais peticionado.
5. Custas da ação a cargo de ambas as partes, sendo a repartição de 1/5 para a Autora e 4/5 para a Ré.
Registe e notifique.”
*
A Ré, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 119 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 149 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
A Apelante apresentou, a fls. 120 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
*
A Autora apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da respetiva notificação, onde formulou as seguintes conclusões (fls. 141 e seguintes):
(…)

*
O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 157 a 159), não tendo as partes se pronunciado acerca do seu teor dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito.
*
Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS

Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância, resultantes, aliás, do cordo entre as partes, alcançado no início da Audiência de Discussão e Julgamento:

«1. A Autora exerce sob a direção e autoridade da Ré as funções de enfermeira desde 4 de Fevereiro de 1976.
2. Em Janeiro de 2011, a Autora detinha a categoria profissional de Enfermeiro Perito e auferia 1.663, 20 Euros a título de retribuição base, 166,32 Euros a título de subsídio de sala de partos, 166,32 Euros a título de prémio de exclusividade, 39,90 Euros a título de prémio especial de antiguidade, 550,00 a título de subsídio de função, 190,84 Euros a título de subsídio permanente e 166,32 Euros a título de subsídio de turno.
3. Ao mesmo tempo em que trabalhava para a Ré a Autora exercia funções de enfermeira na Função Pública, tendo trabalhado na Maternidade Alfredo da Costa.
4. A Ré aposentou-se da função pública em novembro de 2005;
5. Com a data de 31 de Janeiro, recebeu a Autora carta da Ré com os seguintes dizeres:
«Tendo o BB tomado conhecimento que V. Exa. se encontra aposentada por velhice, pela presente se dá nota a V. Exa. que o contrato de trabalho que a vincula a esta empresa passa a regular-se pelo regime estabelecido no artigo 348.º do Código do Trabalho, com todas as consequências daí resultantes».
6. A esta carta respondeu a Autora dizendo:
«Estou aposentada, da função pública, a pedido voluntário e antecipado, ao abrigo do D.L 498 de 9/12/1972, art.º 37.º. Nasci a 20.07.1947. Estou vinculada ao BB  desde 1975 e não requeri qualquer alteração à entidade empregadora. Assim sendo é de considerar o art.º 85 do D.L.110/2009.»
7. Com data de 17 de Maio de 2011, a Ré remeteu à Autora carta, comunicando-lhe a caducidade do seu contrato de trabalho em 31 de Julho de 2011.
8. E, em 23 de Maio de 2011, reiterou o conteúdo das cartas de 31 de Janeiro e de 17 de Maio, à qual a Autora respondeu com a carta de fls. 20 que se dá por reproduzida.
9. A Autora exerceu sempre funções de enfermeira obstetra.
10. Os montantes referidos no ponto 2. foram pagos mensalmente em montantes certos e iguais;
11. O subsídio de exclusividade começou a ser pago à Autora em Fevereiro de 2006.
12. A Autora e Ré mantiveram contactos para que fossem expostos motivos, explicado o regime legal aplicável e esclarecidas as eventuais dúvidas que pudessem subsistir;
13. A Autora não é filiada no SEP.»
*
III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
*
A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado efetiva entrada em tribunal em 02/08/2011, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal), mas esse regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância tem para a economia deste processo judicial.        
Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do atual Código do Processo do Trabalho e, essencialmente, da reforma do processo civil de 2007 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011 e Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março -, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.  
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência sucessiva da LCT e legislação complementar, do Código do Trabalho de 2003 e do Código do Trabalho de 2009, (que entrou em vigor em 17/02/2009)[1], sendo, portanto, os regimes decorrentes de tais diplomas que aqui irão ser chamados à colação, em função dos factos que estiverem a ser considerados, tudo sem prejuízo das normas de direito transitório e de sucessão de leis que forem aplicáveis, bem como da legislação referente aos estatutos da aposentação e da reforma dos trabalhadores.  

B – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Realce-se que a Recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-B e 712.º do Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, a recorrida requerido a ampliação subordinada do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 684.º-A do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância (em rigor, a impugnação da Factualidade dada como Provada não seria expectável, atenta a circunstância da mesma ter resultado do acordo entre Autora e Ré).  

C – OBJECTO DO RECURSO

Se lermos as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, verificamos que são suscitadas as seguintes questões pela empregadora:
1) Despedimento da Autora ou caducidade do contrato de trabalho provocado pela Ré;
2) Prestações em que a Ré tem de ser condenada, por força do despedimento ilícito, caso o mesmo venha a ser confirmado por este Tribunal da Relação de Lisboa;
3) Valor da retribuição da Autora.      

D – DESPEDIMENTO ILÍCITO DO AUTOR OU DENÚNCIA DO CONTRATO

A Ré começa por colocar em crise a circunstância do tribunal recorrido ter considerado que a Autora havia sido despedida por si e não visto cessado por caducidade o seu contrato de trabalho a termo certo, mas o julgamento de tal questão depende da apreciação prévia de diversas premissas de facto e de direito que a particular situação profissional da trabalhadora demanda.

E – DUPLO EMPREGO, APOSENTAÇÃO POR VELHICE E CONTRATO DE TRABALHO DOS AUTOS  

Se compulsarmos a matéria de facto dada como provada, constatamos que a Autora, como enfermeira obstetra, desempenhava funções para a Ré, no Hospital ..., desde 4/02/1976, ao abrigo de um contrato de trabalho de natureza privada (cfr. artigos 1152.º do Código Civil, 1.º da LCT, 10.º e 12.º do Código do Trabalho de 2003 e 11.º e 12.º do Código do Trabalho de 2009), ao mesmo tempo que desempenhava idênticas atribuições para o Estado, na Maternidade Alfredo da Costa, num cenário muito habitual no sector da saúde, de duplo emprego.
A Apelada aposentou-se de tal cargo de enfermeira e da respetiva atividade desenvolvida na função pública e no aludido Hospital no mês de Novembro de 2005, mantendo-se a laborar para a aqui recorrente em moldes similares aos que até aí executou.  
A Apelante, ao abrigo do artigo 348.º do Código do Trabalho de 2009[2], veio denunciar o contrato de trabalho que mantinha com a Autora, por entender que o mesmo, com a aludida aposentação da recorrida, se havia convertido em contrato de trabalho a termo certo de 6 meses, renovável por idêntico período, denunciável pelo empregador no prazo de 60 dias e sem direito a qualquer compensação.
Sendo este o quadro fáctico e jurídico, que, muito sinteticamente, nos é colocado à consideração, diremos, desde já, que a Apelante não tem razão no que sustentou na altura e continuou a defender na ação e agora nas alegações e conclusões de recurso.
Importa referir que, tendo a Autora se aposentado em Novembro de 2005, estava em vigor o artigo 392.º do Código do Trabalho de 2003[3], que, no que à sustentada (pela Ré) conversão jurídica, possui uma redação diversa da do atual artigo 348.º, muito embora nos pareça que o seu sentido e alcance são idênticos.    
Se interpretamos corretamente a letra e o espírito das normas constantes do transcrito artigo 392.º, por referência também ao disposto na alínea c) do artigo 387.º[4], ambos do Código do Trabalho de 2003, o legislador com tal regime pretende regular uma situação muito específica e concreta: a da existência de uma relação laboral fundada num contrato de trabalho por tempo indeterminado que, apesar da reforma por velhice comunicada ao trabalhador e ao empregador, se continua a desenvolver por um período superior a 30 dias contado desde a última das comunicações feita a um deles pela Segurança Social, com referência à concessão da dita reforma em razão da idade do empregado, implicando tal cenário a constituição de um vínculo de trabalho com outro formato ou numa outra modalidade, a saber, a de um contrato de trabalho por termo certo de 6 meses, nos termos acima elencados.
Importa realçar a deficiente redação de que, em nosso entender, os dois preceitos em presença padecem (atente-se na forma idêntica como o artigo 392.º trata situações radicalmente diversas, a saber, a caducidade do contrato de trabalho devido à reforma do trabalhador e a emergência de um novo contrato de trabalho a termo, por um lado, e a manutenção da mesma relação laboral, apesar de convertida, após os 70 anos do trabalhador ativo) bem como a aparente contradição entre o estatuído no artigo 387.º, alínea c) do Código do Trabalho, quando afirma que o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente, com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez (ou seja, a relação laboral finda com o conhecimento de tal facto extintivo), ao passo que o artigo 392.º, número 1, estipula que se considera a termo o contrato de trabalho em que o trabalhador permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da reforma daquele por velhice, sendo tal situação qualificada pela epígrafe dessa mesma disposição como Reforma por velhice.     
Logo e em rigor, face ao estipulado no artigo 387.º, alínea c) do Código do Trabalho, parece que o dito contrato, por tempo indeterminado, com a comunicação a ambos da reforma cessa, por caducidade, ao passo que, ao abrigo da segunda disposição mencionada, a caducidade em questão só se verifica quando o empregador impede o referido trabalhador de retomar o seu trabalho ou este deixe de prestar serviço por sua iniciativa, desde que tal ocorra até 30 dias após a mencionada comunicação.
Abordando mais aprofundadamente a questão deixada em aberto, afigura-se-nos que as descritas duas interpretações do regime legal em presença são as únicas que, em teoria, são defensáveis, já não sendo possível, em nosso entender, sustentar que após a comunicação da situação de reforma do trabalhador a este último e ao empregador, tenha início, desde logo, uma nova relação jurídica de trabalho, reconduzível já ao aludido contrato especial a termo certo de 6 meses ou a um outro vínculo de natureza similar, distinto do anterior (por tempo indeterminado) pois a lei faz depender do decurso do prazo de 30 dias a ocorrência da dita “conversão”.
A cessação imediata do contrato com a comunicação da reforma, obriga a questionarmos juridicamente o período de 30 dias previsto no artigo 392.º, que se segue a tal conhecimento, podendo falar-se, eventualmente, numa relação ou situação contratual de facto que virá ou não a culminar, por imposição legal, num (novo) contrato de trabalho a termo certo de 6 meses, conforme o trabalhador ou empregador venham ou não a colocar um ponto final na mesma durante o referido prazo, ficando ainda por saber se esse contrato a prazo, numa aproximação jurídica, porventura abusiva, entre tal prazo de 30 dias e o período experimental, de idêntica duração, previsto para os contratos de trabalho a termo certo por período de 6 meses ou superior (artigo 108.º, alínea a) do Código do Trabalho de 2003), se retroage e abrange esse período ou se só tem início no 31.º dia após o seu decurso.       
O artigo 392.º do Código do Trabalho evita tais escolhos, dado fazer depender a caducidade da interrupção da prestação laboral em momento anterior ao decurso do prazo de 30 dias aí previsto, por iniciativa de qualquer uma das partes, o que implica estarmos perante dois momentos distintos mas juridicamente radicados numa relação contratual.
Aqui chegados, a doutrina divide-se, pois existem uns que se referem a um só contrato de trabalho que, após o decurso do prazo de 30 dias sobre o conhecimento comum da reforma por velhice, não cessa, deixando, tão-somente, de ser um contrato de trabalho por tempo indeterminado, para se transformar num contrato de trabalho especial a termo certo de 6 meses, mantendo-se, portanto um só, único e ininterrupto vínculo laboral (neste sentido, Pedro Romano Martinez, em “Código do Trabalho Anotado”, 8.ª Edição, 2009, Almedina, página 927, em anotação ao artigo 348.º, muito embora sejam de realçar as dúvidas de interpretação assinaladas por esse autor, face à diferença de redação de tal disposição, quando confrontada com o teor do anterior artigo 392.º do Código do Trabalho de 2003 e tendo por pano de fundo o que era determinado pelo artigo 5.º da LCCT), posicionando-se outros autores (como o Professor Jorge Leite, em “Direito do Trabalho”, Volume II, Serviço de Textos dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2004, página 201 e, aparentemente, Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, II Volume, Julho de 2006, Almedina, página 793) no polo oposto, defendendo que a manutenção do vínculo laboral, apesar de afetado pela “conversão”, só acontece na hipótese constante do número 3 do artigo 392.º, ao passo que na reforma por velhice o original contrato de trabalho por tempo indeterminado ou tempo certo cessa por caducidade, decorridos que se mostrem os aludidos 30 dias, emergindo a partir daí uma nova relação contratual, sujeita às condicionantes previstas nas diversas alíneas do número 2 do artigo 392.º do Código do Trabalho.                 
Temos de aderir à segunda posição enunciada (dois contratos sucessivos e diferentes), dado a primeira tese, apesar da equivocidade da lei, não ter na devida conta o artigo 387.º, alínea c) do Código do Trabalho, que aponta claramente para a extinção por caducidade do contrato de trabalho em que o trabalhador se reforme por velhice, bem como implica que, em situações de despedimento individual sem justa causa, coletivo ou por extinção do posto de trabalho desse trabalhador, se tenha, necessariamente, de contabilizar toda a antiguidade do trabalhador, para efeitos de cálculo da indemnização ou da compensação devidas (sem ignorar que, face ao estatuído nas alíneas b), c) e d) do número 2 do artigo 392.º, tais casos, a existirem, serão raros), o que nos parece trair o teor, sentido e alcance do regime jurídico em análise.
Esta busca da melhor interpretação jurídica das regras estabelecidas nos artigos 387.º, alínea c) e 392.º do Código do Trabalho[5], não só quanto à reforma por velhice como também quanto à permanência no desempenho de funções de trabalhador com mais de 70 anos, que não tenha requerido a sua reforma por limite de idade, faz ressaltar com absoluta nitidez o que se defendeu antes, ou seja, que os dois vínculos laborais que se sucedem, nos moldes expostos, têm de se referir ao mesmo trabalhador e à mesma entidade empregadora.
Ora, conforme ressalta da factualidade dada como provada e dos documentos que a complementam (designadamente, Ficha da Autora, a fls. 51, recibos de vencimento de fls. 16 - Janeiro de 2011 - e 52 a 54 - Março e Outubro de 2009 e Abril de 2010 - e cartas de fls. 17 a 21, trocadas entre as partes desde 31/01/2011 a 23/05/2011), constata-se que a situação de aposentação - que a Autora define, na carta de fls. 18, datada de 21/2/2011, como antecipada e a seu pedido, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 498 de 9/12/1972 (artigo 37.º) - só afetou a prestação funcional que era prestada pela Apelada na maternidade Alfredo da Costa e ao nível do vínculo público que mantinha com o Estado e não já o desempenho de funções, de cariz privado, que executava no HOSPITAL ..., para a aqui Ré.
Não é igualmente despiciendo fazer notar que a Apelante, entre 2005 e Janeiro de 2011, continuou a fazer os normais «descontos» para a Segurança Social, na percentagem de 11%, no salário e por conta da Apelada, o que mal se compreenderia caso a dita Aposentação se referisse à relação laboral firmada entre Autora e Ré (muito embora não ignoremos o último parágrafo da carta da recorrente de fls. 17, onde invoca a aplicação dos artigos 89.º e seguintes do Código Contributivo).  
Pensamos que o único raciocínio jurídico plausível e correto é aquele que estabelece uma conexão entre o estatuto de aposentado da função pública e a atividade desenvolvida para o Estado, na qualidade de funcionária pública, bem como uma conexão (independente daquela outra) entre os descontos para a Segurança Social, a subsequente reforma por velhice ou incapacidade e a inerente caducidade do correspondente vínculo de natureza privada e laboral com a Ré.
A atitude da Ré só seria legítima perante a reforma por velhice da Autora, por referência à atividade profissional de cariz privado que desenvolvia para a Apelante, por aí ocorrer, efetivamente, após o decurso do prazo de 30 dias sobre a comunicação da situação de reforma, a aludida conversão do vínculo efetivo em vínculo a prazo.                                 
       
F – REGIMES LEGAIS APLICÁVEIS  
           
Importa aprofundar um pouco mais a problemática analisada, posicionando, de um lado, o ESTATUTO DO APOSENTADO que se mostra regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro[6], bem como a Lei n.º 4/2009, de 29/01 e Decreto-Lei n.º 54/2009, de 2/03 (Regime de proteção social dos trabalhadores que exercem funções públicas) e, do outro, o CÓDIGO DOS REGIMES CONTRIBUTIVOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro[7], que revogou as normas e diplomas elencados no artigo 5.º de tal Lei, convindo mencionar, entre eles, o Decreto-Lei n.º 103/80, de 9/05[8] e o Decreto-Regulamentar n.º 12/83, de 12/02[9] (regime jurídico das contribuições para a Previdência), Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro (Regime de proteção na velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral de segurança social)[10], depois revogado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio (Regime de proteção nas eventualidades de invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral de segurança social)[11], Decreto-Lei n.º 141/91, de 10/04 (regime de acumulação de pensões), Decreto-Lei n.º 199/99, de 08/06 e Decreto-Regulamentar n.º 26/99, de 27/10 (taxas contributivas) e o Decreto-Lei n.º 8-B/2002 de 15 de Janeiro (estabelece normas destinadas a assegurar a inscrição das entidades empregadoras no sistema de solidariedade e segurança social e a gestão, pelo instituto de gestão financeira da segurança social, do processo de cobrança e pagamento das contribuições e quotizações devidas à segurança social)[12].   
A interpretação e confronto entre tais regimes jurídicos permitem afirmar que o legislador tem mantido a distinção entre o sistema contributivo e de proteção dos funcionários públicos e equiparados (situação em que a Autora se encontrava face ao Estado) e o seu congénere, gizado para os trabalhadores por conta de outrem, que prestam serviço ao abrigo de um contrato de trabalho, como era o caso do vínculo firmado entre a Apelada e a Ré (muito embora não se ignore a progressiva tendência privatística que nas duas últimas décadas tem vindo a singrar no âmbito da Administração Pública, com a transformação dos vínculos jurídicos, do sistema contributivo e do tipo de proteção social disponibilizado).
Tal destrinça ressalta com grande nitidez das normas que regulamentam a acumulação de pensões atribuídas por sistemas sociais diferentes, como é o caso do já referido Decreto-Lei n.º 141/91, de 10/04 (cfr., particularmente, os artigos 2.º a 5.º) e 89.º e seguintes do Código Contributivo (Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro), como lhe chama a Ré na carta de fls. 17.    
Não será despiciendo, recordar o que Ilídio das Neves afirma em «Direito da Segurança Social - Princípios Fundamentais numa Análise Prospetiva», 1996, Coimbra Editora, páginas 814 e 815, acerca do sistema de proteção social da função pública:         
«424. A natureza institucionalmente limitada do regime
O que foi referido sobre as particularidades do sistema de proteção social da função pública permite ter uma ideia da natureza da estrutura institucional que nele prevalece para concretizar o direito à proteção social garantida aos funcionários e agentes da Administração Pública. Com efeito, às diferentes obrigações contributivas correspondem outras tantas instituições.
Assim, a Caixa Geral de Aposentações, criada em 1929, é uma instituição de previdência que, conjuntamente com o Montepio dos Servidores do Estado, com competência no domínio das pensões de sobrevivência, constituía a Caixa Nacio­nal de Previdência. 0 Montepio, organismo criado em 1934, encontra-se hoje total­mente integrado num novo instituto público com aquela designação de Caixa Geral de Aposentações, de acordo com a reforma estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 277/93, de 10 de Agosto. Até esta alteração legislativa a Caixa não teve autonomia, uma vez que funcionava como instituição anexa à Caixa Geral de Depósitos. A partir de então passou a ser, de acordo com o artigo 1.º daquele diploma, «uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e com património próprio».
Não parece inteiramente correta a indicação do fim da Caixa Geral de Aposentações («… a gestão do regime de segurança social do funcionalismo público em matéria de pensões» ), já que as suas competências ultrapassam um pouco o âmbito das eventualidades que conferem prestações diferidas.
Assim, cabe à instituição em matéria previdencial: a) proceder à inscrição dos subscritores, ou seja, dos beneficiários, que são ao mesmo tempo contribuintes; b) conceder pensões de aposentação ou reforma por velhice, invalidez ou em consequência de desvalorização sofrida em acidentes de serviço; c) conceder pensões de sobrevivência, bem como, nos termos do Decreto-Lei n.º 140/87, de 20 de Marco, pensões especiais de preço de sangue e de outra natureza; d) conceder as prestações familiares a que tenham direito os pensionistas.
Cabe igualmente a instituição, em matéria gestionária, centralizar os respetivos processos, arrecadar as receitas, gerir o orçamento e exercer a fiscalização necessária.
A Direção-Geral de Proteção dos Funcionários e Agentes da Administração  Pública, que utiliza ainda a sigla ADSE do antigo Serviço de Assistência na Doença aos Servidores do Estado, foi criada pelo Decreto-Lei n.º 476/80, de 15 de Outubro, cujo regime jurídico foi desenvolvido pelo Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de Fevereiro, que definiu o esquema de benefícios atribuídos aos funcionários e agentes, designadamente em relação aos cuidados de saúde.
Não obstante este organismo ser concebido como um órgão coordenador do sistema de segurança social da função pública, continua a atuar fundamental­mente no domínio da concessão de cuidados de saúde (vejam-se, designadamente, os artigos 20.º a 38.º), incluindo a verificação domiciliária e outros controles médicos da situação de doença dos funcionários e agentes.»
Afigura-se-nos, nessa medida, que também do ponto de vista dos regimes legais contributivos e de proteção social dos funcionários públicos e dos trabalhadores assalariados do sistema privado, resulta uma lógica e regulamentação próprias e independentes das dos demais, que reforça a conclusão tirada pela sentença da 1.ª instância e por nós aqui confirmada.
Sendo assim, não podia a recorrente considerar, por sua auto recriação e em virtude da aposentação da Autora da função pública, que se havia operado a conversão jurídica, ao abrigo dos números 1 e 2 do artigo 392.º do Código do Trabalho de 2003, do contrato de trabalho por tempo indeterminado que mantinha com a recorrida em contrato de trabalho a termo certo, por seis meses renováveis, livremente denunciável pela mesma nos moldes ali previstos, correspondendo, nessa medida, a um despedimento ilícito, porque não precedido de procedimento disciplinar e de invocação de justa causa, a denúncia oportunamente feita e vertida na carta de fls. 19.       
Logo, improcede, nesta vertente, o recurso de Apelação interposto pela BB.    

G - PRESTAÇÕES DECORRENTES DO DESPEDIMENTO ILÍCITO

Logo, chegados aqui e tendo agora em consideração o estatuído nos artigos 389.º a 391.º do Código do Trabalho de 2009 e a circunstância da trabalhadora ter pedido a condenação da Ré no pagamento da indemnização em substituição da reintegração, não restam dúvidas de que a Autora tem direito a receber o montante equivalente a, pelo menos, 36 meses x retribuição-base (€ 1.663,00), bem como as retribuições que normalmente auferiria entre 1/08/2011 e a data do trânsito em julgado da sentença da 1.ª instância (sem prejuízo do que se irá dizer no Ponto seguinte), dado este Tribunal da Relação de Lisboa confirmar a sentença nessa vertente.
       
H – VALOR DA COMPENSAÇÃO

A Ré, nas suas alegações de recurso, vem, contudo, impugnar o valor da retribuição mensal encontrada pelo tribunal da 1.ª instância e que seria constituída pela retribuição-base + subsídio da sala de partos + prémio de exclusividade + prémio especial de antiguidade (no fundo, uma realidade equivalente às diuturnidades, conforme ressalta da ficha junta pela Ré a fls. 51 e se acha definida no artigo 262, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho de 2009) + subsídio de função + subsídio permanente.
Ora, salvo melhor opinião, importa desfazer o equívoco em que a Apelante aparentemente labora no que respeita a esta matéria, pois o que sempre esteve em causa nos autos foi a determinação das prestações que deveriam integrar a retribuição-base da Autora, para efeitos do disposto no número 2, alínea b) do já citado artigo 262.º do Código do Trabalho e do cálculo da indemnização por antiguidade devida à mesma, conforme ressalta do artigo 30.º da Petição Inicial aperfeiçoada de fls. 62 e seguintes, em que a trabalhadora manifesta essa pretensão, ainda que depois não apareça refletida corretamente nos pedidos finais, face ao montante peticionado, visando igual e fundamentalmente as respostas da Ré (contestação de fls. 35 e seguintes e de fls. 75 e seguintes), para além dos motivos e início da atribuição do prémio de exclusividade, essa específica e única questão (ao contrário do que afirma nas suas alegações e conclusões de recurso), pois, ainda que admita que os diversos subsídios e prémios alegados pela Autora e constante dos recibos emitidos pela empregadora integrem – em parte – «o conceito de retribuição, com a amplitude que o artigo 258.º do Código do Trabalho estabelece» (artigo 12.º), já não aceita que formem a remuneração-base.
Foi esta a problemática inicialmente abordada pela sentença recorrida, sem dela extrair contudo e (a)final as consequências jurídicas perseguidas pela trabalhadora, tendo esta última se remetido, contudo, ao silêncio no que a essa parte do seu pedido respeita.
Importa recordar igualmente que o pedido de diferenças salariais formulado, a título subsidiário, pela recorrida, em função da categoria profissional reclamada e em virtude da regulamentação coletiva aplicável, foi igualmente julgado improcedente, sem idêntica reação recursiva da interessada.
Chegados aqui, nunca a Apelante discutiu na sua contestação que prestações deveriam integrar a compensação prevista no artigo 390.º do Código do Trabalho de 2009, com base na argumentação exposta nas suas alegações de recurso e que se reconduz à natureza não retributiva e obrigatória dos prémios e subsídios provados nos autos, numa questão, de índole fáctica e jurídica, que tem de ser encarada como nova e vedada, em termos de conhecimento e julgamento, a este Tribunal da Relação de Lisboa.   
Dir-se-á que, em rigor e para efeitos da aplicação do regime do artigo 390.º, número 1, por referência à alínea a) do número 1 do artigo 389.º, ambos do Código do Trabalho de 2009, não é forçoso aferir expressa, individual e previamente se uma dada prestação tem natureza retributiva ou não, só se justificando tal operação se a entidade patronal alega factos e avança com argumentos jurídicos que imponham tal julgamento, por forma a averiguar se a prestação em questão deve ou não ser equacionada nos moldes referidos (o que não foi o cenário dos autos, mesmo no que toca ao prémio de exclusividade).
Procurando o artigo 390.º e 389.º, número 1, alínea a) reparar o trabalhador por todos os prejuízos que lhe foram causados pela rescisão ilícita do contrato de trabalho, numa expressão particular do princípio da restauração natural previsto nos artigos 562.º a 566.º do Código Civil, bastará, ao trabalhador demonstrar, em regra, tal cessação ilícita e as prestações laborais que à data da mesma recebia da sua entidade empregadora, com um mínimo de persistência e regularidade, para ter direito à sua perceção, de acordo com tais normas imperativas e a presunção do número 3 do artigo 258.º, com a natural ressalva das exceções dos artigos 260.º a 262.º e sem prejuízo das deduções que sobre elas haja a fazer, nos termos do número 2 do artigo 390.º (discordando, por tal motivo e em tese, da decisão impugnada, por entendermos que o subsídio de refeição, a existir, pois não se acha referido nos recibos de vencimento nem na Factualidade dada como Provada, também seria devido a esse título, convindo realçar igualmente que a Autora, salvo erro, nunca demanda a liquidação do subsídio de turno, não havendo justificação para o acionamento do artigo 74.º do Código do Processo do Trabalho).
Dir-se-á, de qualquer forma, que tendo ficado demonstrado que a Ré pagava à trabalhadora as mencionadas prestações - Ponto 2 - e que o fazia com carácter quantitativamente certo e mensal - Ponto 10 - , referindo-se os recibos juntos a meses dos anos de 2009, 2010 e 2011 e a ficha de fls. 51 aos anos de 1996 a 2008, tendo começado a fazê-lo, relativamente ao prémio de exclusividade, desde Fevereiro de 2006, traduzindo os nomes dados a algumas delas uma correspondência e contrapartida específica de uma forma particular da execução da prestação laboral pela recorrida, não podem restar dúvidas quanto à natureza retributiva de todas as prestações acessórias ou complementares aqui em apreço.
Logo, pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente também nesta segunda vertente o recurso de Apelação da Ré, confirmando-se, nessa medida, a sentença recorrida.             

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 712.º e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por BB – HOSPITAL ..., SA., decidindo-se, nessa medida, confirmar a sentença recorrida.
*
Custas do presente recurso a cargo da Ré – artigo 446.º, número 1 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Abril de 2013     

José Eduardo Sapateiro
Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
----------------------------------------------------------------------------------------
[1] O Código do Trabalho de 2009 foi aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que, depois de retificada pela Declaração de Retificação nº 21/2009, de 18 de Março, foi alterado pelas Leis n.ºs 105/2009, de 14 de Setembro e 53/2011, de 14 de Outubro – em regra, com entrada em vigor a 1 de Novembro de 2011-, Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, retificada pela Declaração de Retificação n.º 38/2012, de 23 de Julho – com entrada em vigor, em regra, a 1 de Agosto de 2012 - e Lei n.º 47/2012, de 29 de Agosto – com entrada em vigor a 3 de Setembro de 2012.
[2]                                                        Artigo 348.º
Conversão em contrato a termo após reforma por velhice ou idade de 70 anos
1 - Considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice.
2 - No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma
[3]                                                               Artigo 392.º
Reforma por velhice
1 - A permanência do trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice determina a aposição ao contrato de um termo resolutivo.
2 - O contrato previsto no número anterior fica sujeito, com as necessárias adaptações, ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, ressalvadas as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, sendo renovável por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 dias, se for da iniciativa do empregador, ou de 15 dias, se a iniciativa pertencer ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 - Quando o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem ter havido caducidade do vínculo por reforma, é aposto ao contrato um termo resolutivo, com as especificidades constantes do número anterior.
[4]                                                                Artigo 387.º
Causas de caducidade de contrato de trabalho
O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.
[5] Interpretação jurídica que nos parece perfeitamente válida - se não mesmo reforçada pelas diferenças de redação existentes - para o regime contido nos artigos 343.º, alínea c) e 348.º do Código do Trabalho de 2009.  
[6] Importa referir que tal diploma foi posteriormente alterado pelos seguintes textos legais: Decretos-Lei n.ºs 508/75, de 20-09, 543/77, de 31/12, 191-A/79, de 25-06, 75/83, de 08-02, 101/83, de 18-02, 214/83, de 25-05, 182/84, de 28-05, 40-A/85, de 11-02, 198/85, de 25-06, 20-A/86, de 13-02, 215/87, de 29-05, Leis n.ºs 30-C/92, de 28-12 e 75/93, de 20-12, Decretos-Lei n.ºs 78/94, de 09-03, 180/94, de 29-06, 223/95, de 08-09, 28/97, de 23-01, 241/98, de 07-08 e 503/99, de 20-11, Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, Decreto-Lei n.º 8/2003, de 18-01, Lei n.º 1/2004, de 15-01, Decreto-Lei n.º 179/2005, de 02-11, Lei n.º 60/2005, de 29-12, Despacho Normativo n.º 5/2006, de 30-01, Lei n.º 52/2007, de 31-08, Decretos-Lei n.ºs 309/2007, de 07-09, 377/2007, de 09-11 e 18/2008, de 29-01, Leis n.ºs 11/2008, de 20-02 e 64-A/2008, de 31-12, Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16-09, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decretos-Lei n.ºs 72-A/2010, de 21 de Junho e 137/2010, de 28 de Dezembro, com entrada em vigor em 29 de Dezembro de 2010, alterado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 1-1-2011, Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março, com produção de efeitos a 1 de Janeiro de 2011 e entrada em vigor em 2 de Março de 2011, Decreto-Lei n.º 68/2011, de 14 de Junho, que aprova uma norma interpretativa relativa à alteração aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, efetuada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2012, e Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro, com entrada em vigor em 14 de Janeiro de 2012 e produção de efeitos em 1 de Janeiro de 2012 (informação obtida na DATA JURIS).
[7] E alterado pela Lei n.º 119/2009 de 30 de Dezembro que adia a entrada em vigor do Código para 1 de Janeiro de 2011, Decreto-Lei n.º 140-B/2010, de 30 de Dezembro e Leis n.ºs 55-A/2010, de 31 de Dezembro, 64-B/2011, de 30 de Dezembro, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2012 e 20/2012, de 14 de Maio, com início de vigência em 15 de Maio de 2012 (informação obtida na DATA JURIS).
[8] E alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 275/82, de 15/07 e 118/84, de 9/04.
[9] E alterado pelo Decreto-Regulamentar n.º 53/83, de 22/06/1983. 
[10] E alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 265/99, de 14 de Julho, 437/99, de 29 de Outubro, 35/2002, de 19 de Fevereiro e 125/2005, de 3 de Agosto, que suspendeu a vigência das normas constantes do n.º 2 do artigo 23.º, do n.º 2 do artigo 26.º e dos n.ºs 1 a 4 do artigo 38.º-A.
[11] E retificado pela Declaração de Retificação n.º 59/2007, de 26 de Junho e alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, Decretos-Lei n.ºs 323/2009, de 24 de Dezembro e 85-A/2012, de 5 de Abril.
[12] E alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 111/2005, de 07-08, 125/2006, de 06-29, 40/2007, de 08-24, 73/2008, de 04-16 e 122/2009, de 05-21 (informação obtida na DATA JURIS).
Decisão Texto Integral: