Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4594/05.6TVLSB.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: PUBLICIDADE
CONCORRÊNCIA DESLEAL
DEFESA DO CONSUMIDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -A publicidade mais não é do que apresentar ao público (publicitar), produtos, bens ou serviços em termos de procurar a sua adesão e (ou) consumo, com propósito primeiro de motivar as pessoas à respectiva aquisição, buscando a obtenção de um lucro.
-Se se trata de difundir ideias, crenças, princípios e doutrinas, entramos no âmbito da propaganda (que pode ser ideológica; política; eleitoral; governamental; institucional; corporativa; legal; religiosa; e social). A delimitação entre propaganda e publicidade, está na finalidade comercial desta última.
-A publicidade comparativa está definida, e regulada no artigo 16.º do Código de Publicidade. É considerada, como tal, a que, explicita ou implicitamente, identifica um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos pelo concorrente não podendo ser enganosa, nos termos do artigo 11.º, podendo comparar características essenciais e representativas, entre bens e serviços de natureza idêntica, cuja publicidade tem de ser lícita, não gerar a confusão no mercado, não desacreditar, ou desprestigiar marcas ou sinais distintivos da concorrente e, cumpridos estes requisitos, pode mesmo constituir um meio legítimo de informação dos consumidores e respectivos interesses.
-A publicidade comparativa é lícita, entre outras situações, se não for enganosa (na acepção do n.º 2 do artigo 2.º, do artigo 3.º e do n.º 1 do artigo 7.º da Directiva sobre publicidade enganosa e comparativa ou dos artigos 6.º e 7.º da Directiva sobre práticas comerciais desleais); compare bens ou serviços que respondem às mesmas necessidades ou têm os mesmos objectivos; compare objectivamente uma ou mais características substanciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens e serviços, entre as quais se pode incluir o preço; não desacredite ou denigra marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente.
-Embora se entrecruzem a publicidade e a concorrência fazem-no de modo secante, ou seja, para além de uma área comum, existem campos autónomos. Assim, a proibição da concorrência desleal, constante do Código da Propriedade Industrial, visa a especial protecção dos concorrentes, ainda que colateralmente proteja o consumidor se o interesse deste for conexo com o daqueles.
-Já o direito da publicidade tem como escopo primeiro a defesa do consumidor, embora em certos casos, ou reflexamente - como na publicidade comparativa - vise também a protecção dos concorrentes.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1.-“L ... S. A.”, intentou acção declarativa de condenação contra “A ...” e A ..., pedindo:
a)Que seja proferida decisão que iniba os Réus de procederem à distribuição de documentos (como os n°s 1 e 2 por si juntos, ou de conteúdo análogo) bem como de proferirem afirmações, junto da comunicação social ou dos consumidores, (com o teor do documento n° 3 e n° 10, outro similar ou essencialmente análogo);
b)a prolação de decisão no sentido da inibição dos Réus de produzirem as seguintes afirmações:

-“não é verdade que o gás natural seja mais seguro que o gás propano”;
-“os gases natural e propano e butano têm características semelhantes, pelo que não se poderá concluir que qualquer um deles seja mais ou menos ecológico”;
-“o gás natural não é mais barato do que o gás propano”;
-“o gás natural é mais caro que o gás propano”;
-“o propano é o único que pode chegar a todos os clientes, independentemente de onde habitem”;
-“a Autora utiliza argumentos falsos, enganosos ou fraudulentos na sua actuação e na sua publicidade”;
c)a condenação dos Réus no pagamento à Autora e ao Estado, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de 50.000 Euros por cada vez que os Réus desrespeitem a condenação aludida em b), relativamente a cada uma das afirmações aludidas;
d)a condenação dos Réus a pagar solidariamente à Autora a quantia de 150.000 Euros, a título de indemnização pelos danos causados pelos Réus ao bom nome, crédito comercial, imagem e clientela da Autora com os documentos n°s. 1 a 3 por si juntos.
e) valores esses acrescidos de juros à taxa legal para os créditos de que são titulares comerciantes, a contar da citação e até integral pagamento.

A Autora alegou, em suma e para o efeito, dedicar-se ao fornecimento e distribuição de gás canalizado, natural e propano e que os Réus iniciaram uma campanha contra o consumo de gás natural mediante o recurso a práticas reprováveis e que afectam a imagem da Autora e do produto por esta fornecido; que do exposto são exemplos os documentos referidos, por conterem afirmações não verdadeiras quanto as características e preço do gás natural e que afectam o bom nome e imagem da demandante, atentando contra os direitos dos consumidores e daquela, em violação de vários preceitos do Código da Publicidade, por se entender tratarem-se de mensagens publicitárias.

Pugna ainda pela recondução dos actos descritos a concorrência desleal e, por tal, à fixação de uma indemnização pelo prejuízo ao seu nome.

Contestando - por impugnação e por excepção - vieram os Réus arguir as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade do segundo Réu, e ainda a de prescrição do direito da demandante, e que tem sido a demandante a tentar angariar os clientes dos distribuidores de propano, associados ou não da primeira Ré.

Mais alegaram que os documentos em causa nos autos apenas visaram prestar um esclarecimento aos consumidores relativamente a factos incorrectamente divulgados pela Autora.

No mais, impugnaram na generalidade, os factos alegados pela demandante, concluindo pela absolvição do pedido.

A Autora pugnou, em sede de réplica, pela improcedência das excepções arguidas.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções dilatórias (ineptidão da p. i. e ilegitimidade do segundo Réu) e indeferiu a suspensão da instância - por alegada existência de causa prejudicial -, para a sentença o conhecimento da excepção de prescrição do direito da Autora.

A Autora requereu a realização de prova pericial, cujo relatório consta de fls. 745 a 748.

Corridos os subsequentes termos processuais, foi proferida sentença a condenar a Ré A... no pedido referido em a) e b) e a pagar à Autora a quantia de 75.000 euros a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal vigente desde o trânsito e até integral pagamento.

Foi ainda condenada, por cada infracção referida nas alíneas b) e c), numa sanção pecuniária compulsória de 2000.00 euros.

O Réu C... foi absolvido do pedido.

Inconformada apelou a Ré “APDC” formulando as seguintes conclusões:

a)A Recorrente é uma associação de distribuidores de gás propano que vive exclusivamente das escassas quotizações dos seus associados, a qual vive com muitas dificuldades e tem como resultado um prejuízo fiscal de €1.346,52.
b)Neste sentido, é evidente que se o presente recurso não tiver efeito suspensivo, o mesmo causará um prejuízo considerável e irreparável à Recorrente, pelo que determinará necessariamente o fim desta associação.
c)Nestes termos, desde já se requer ao abrigo do disposto no artigo 647°, n°4 do C.P.C, seja atribuído efeito suspensivo ao recurso, mediante a prestação de caução, cujo valor terá que ser ponderado proporcionalmente de acordo com as possibilidades da Recorrente, sob pena de ser necessariamente afectado o núcleo essencial do  princípio constitucional do acesso ao direito e o princípio constitucional de justiça.
d)Por sentença proferida a 24 de Fevereiro de 2014, veio a Mma. Juiz do Tribunal a quo julgar a presente acção parcialmente improcedente, por não provada e, consequentemente, condenou a Recorrente A... no seguinte:
“(...)a não proceder à distribuição de documentos como os documentos n° 1 e 2 juntos com a petição inicial ou de conteúdo análogo bem como de proferir afirmações, junto da comunicação social ou dos consumidores, com o teor do documento n° 3 junto com a mesma peça processual ou outro similar ou essencialmente análogo.
(...)a não produzir as seguintes afirmações:
-não é verdade que o gás natural seja mais seguro que o gás propano;
-os gases natural e propano e butano têm características semelhantes, pelo que não se poderá concluir que qualquer um deles seja mais ou menos ecológico;
-o gás natural não é mais barato do que o gás propano;
-o gás natural é mais caro que o gás propano;
-o propano é o único que pode chegar a todos os clientes, independentemente de onde habitem;
-a autora utiliza argumentos falsos, enganosos ou fraudulentos na sai actuação e na sua publicidade.
(...)a pagar à Autora a quantia de 75.000 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais por esta sofridos no seu nome e consideração, quantia acrescida de juros de mora vincendos, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, juros esses à  taxa legal vigente em cada momento para os créditos de que sejam titulares comerciantes e até integral pagamento.
(...)a pagar à Autora, por cada infracção das obrigações aludidas em B) e C), uma sanção pecuniária compulsória de 2.000 euros.”
e) Salvo o devido respeito, não tem razão o douto Tribunal, não se conformando a Recorrente A... com tal decisão, pelos motivos que se passam a explicitar.
f)Da matéria dada como provada pelo Tribunal a quo, veio o mesmo a considerar o ponto 28 como provado, o que está em contradição aberta com diversas testemunhas da Recorrente e até da Recorrida.
g)Ponto 28 – “Até 2005 os documentos aludidos em 4 a 6 - foram entregues aos consumidores da área da grande Lisboa pelos comerciais da D..., empresa comercializadora de gás propano de que o segundo Réu é administrador, além de Presidente da primeira Ré e em 2012, pelo menos, o documento aludido em 5- e 6- voltou a ser referido como distribuído em Rio de Mouro ou Tapada das Mercês.”
h)Em concreto, o depoimento da testemunha M.J. (prestou depoimento que se encontra gravado e consta da acta de inquirição de testemunhas de 10/04/13), o qual esclareceu que o comunicado da A... e da A... foi publicado uma única vez em 1997, que o folheto foi distribuído em 2000 e que estes documentos há muito não eram distribuídos.
i)Do mesmo passo, veio o tribunal a quo considerar como provado o ponto 32, sendo que tal se encontra em contradição com os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento.
j)Ponto 32 – “Das pessoas contactadas pela Autora para a promoção do gás natural algumas, em número não concretamente apurado, referiram logo a existência dos documentos aludidos em 4- a 6- e 7- e as suas dúvidas relativamente ao gás natural, referindo ter receio de vir a pagar cerca do triplo do preço pelo consumo desse gás e outras, em número também não apurado, chegaram a ter intervenções agendadas para conversão para gás natural e desistiram, ulteriormente, de fazer tal conversão ou mudança de fornecedor.”
k)Este ponto foi incorrectamente julgado como provado porque nenhuma das testemunhas da Recorrida disse isto e nem sequer foram ouvidos condóminos que pudessem fazer prova sobre esta matéria, pelo que faltam elementos probatórios para que tal se possa considerar como provado.
I)Importa ainda esclarecer o douto Tribunal que a maior parte das referências apresentadas no presente processo, reportam-se a situações que ocorreram há mais de 10 anos, ou seja, situações que aconteceram no início da forte concorrência entre a Recorrida e as distribuidoras de gás propano, e que se reportam aos anos de 1997 e 2001, as quais não se voltaram a repetir.
m) Desde logo as situações apresentadas como núcleo central da causa de pedir, o comunicado da Recorrente e o artigo do jornal Nova Guarda, datam respectivamente de 10 de Outubro de 1997 e 31 de Outubro de 2001.
n)O único facto posterior a 2000 que resultou provado, foi uma alegada distribuição por parte da empresa Digal e não nenhum comportamento da Recorrente, que apenas emitiu o comunicado em 1997 e o folheto no ano de 2000.
o)Neste sentido, foi a Recorrente condenada no pagamento à Recorrida da quantia de 75.000 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
p)Nos termos do artigo 498°, n°1 do C.C., o direito de indemnização por responsabilidade extracontratual prescreve ao fim de três anos, pelo que, em função da factualidade provada e atrás mencionada, esta norma foi incorrectamente aplicada na sentença recorrida.
q)No presente caso já passaram mais de 3 anos desde a ocorrência das situações descritas pela Recorrida.
r)Assim sendo, ter-se-á de considerar procedente por provada a excepção da prescrição relativamente à Recorrente, com as demais consequências legais.
s)Quer da matéria assente, quer dos factos que resultaram provados em sede de audiência de julgamento, não resultaram quaisquer factos provados de que a A... tenha feito as afirmações em causa.
t)A única coisa que resultou provada foi que a Recorrente emitiu um comunicado em 10 de Outubro de 1997 (ponto 4 da matéria dada como provada) e um folheto com o teor constante do ponto 6 da matéria dada como provada.
u)Note-se que o primeiro documento é um comunicado com data de há 17 anos e o segundo documento é um folheto do ano de 2000 e que não foi feita nenhuma prova de que a Recorrente tenha feito qualquer tipo de distribuição dos respectivos documentos ou que alguma vez tenha proferido através dos seus funcionários, ou de qualquer outra maneira, as afirmações em causa.
v)De resto, a Recorrente nem sequer tinha meios ou recursos financeiros para o fazer. Ou seja, nada mais é imputado à Recorrente que justifique a condenação da mesma nos termos em que o Tribunal a quo o fez.
w)Existe no presente caso uma total e completa falta de matéria factual que justifique a proibição da Recorrente de fazer o que quer que seja.
x)Saliente-se que os únicos factos em causa reportam-se a alegados documentos entregues aos consumidores pela empresa Digal - Distribuição e Comércio, S.A. até 2005, sendo que esta empresa e a Recorrente são pessoas colectivas distintas, pelo que não faz qualquer sentido que a Recorrente venha a ser condenada por actos praticados por outra empresa que não ela.
y)A sentença proferida e as respectivas cominações não fazem rigorosamente sentido nenhum, pois não há comportamentos por acção ou omissão que justifiquem as cominações contidas na sentença recorrida ou que justifiquem qualquer tipo de indemnização.
z)Assim sendo, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e em consequência ser a Recorrente absolvida da instância.

aa)Sem prejuízo do que atrás se disse, o que implicará a procedência do presente recurso, também se dirá que conforme supra se esclareceu, o único facto que se encontra em discussão nos presentes autos está relacionado com documentos distribuídos pela empresa “D... S.A.” até 2005, documentos esses que nunca mais foram distribuídos pela mesma, o que há partida faz também por esta via cair por terra qualquer interesse no peticionado pela Recorrida e o teor da sentença.
bb)Do mesmo passo, os factos imputados à Recorrente remontam há mais de 10 anos.
cc)O peticionado pela Recorrida na presente acção não tem, actualmente, qualquer efeito útil, pelo que estamos perante uma inutilidade superveniente da lide.
dd)Deveria ter sido reconhecida a inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277°, al. e) do C.P.C., extinguindo-se assim a instância. Pelo que, face ao exposto, deverá o presente recurso ser declarado procedente, por provado e em consequência ser declarada extinta a instância, com a consequente absolvição da Recorrente, pelo que esta norma foi incorrectamente aplicada na sentença recorrida.
ee)Veio o douto Tribunal a quo, na sentença que ora se recorre, considerar que os documentos juntos como docs. n° 1 a 3 da p.i. constituem actos de concorrência desleal por parte da Recorrente.
ff)O Tribunal a quo condenou a Recorrente a não proceder à distribuição de documentos como os does. n° 1 e 2 juntos com a p.i. ou de conteúdo análogo, bem como de proferir afirmações junto da comunicação social ou dos consumidores, com o teor do doc. n° 3 junto com a p.i. ou outro similar ou essencialmente análogo.
gg) Salvo o devido respeito, não tem razão o douto Tribunal a quo, pelos motivos que se passa a explicitar.
hh)No caso concreto, a Recorrente enquanto associação de empresas distribuidoras de gás propano canalizado, não empreendeu nenhuma campanha contra o consumo de gás natural, mas sim reagiu contra práticas contrárias à concorrência e publicidade utilizadas sistematicamente pela Recorrida através dos seus comerciais e empreiteiros, na tentativa da mesma de angariar os clientes das suas associadas.
ii)Na verdade, o doc. n° 1 junto com a p.i. constituiu apenas um esclarecimento, dado à opinião pública, referente a um conjunto de informações que tinham vindo a ser incorrectamente e propositadamente prestados pela Recorrida.
jj)O comunicado em questão teve como único objectivo das entidades que o subscreveram permitir o acesso aos consumidores a informação autêntica sobre a segurança dos tipos de gases em causa, numa tentativa de repor a verdade face às informações difundidas pela Recorrida.
kk)Qualquer um dos documentos em causa não corresponde a actos de concorrência desleal por parte da Recorrente. Na verdade, os mesmos são consequência de actos de concorrência desleal praticados pela Recorrida.
II)Face ao exposto, não poderia o douto Tribunal a quo ter condenado a Recorrente no presente processo, uma vez que nenhuma das testemunhas ouvidas em sede de julgamento alguma vez mencionou a A... ou quaisquer afirmações que a mesma tivesse feito neste âmbito.
mm)Do mesmo passo, todas as testemunhas foram peremptórias em afirmar que os documentos juntos com a p.i. já não eram veiculados há muito tempo, pelo que não faz qualquer sentido que a Recorrente venha a ser condenada por actos que já não são praticados há mais de 10 anos pela mesma.
nn)Assim sendo, deverá ser dado provimento ao presente recurso, absolvendo-se a Recorrente da instância, pelos motivos supra explanados.
oo)Pelo exposto foram incorrectamente aplicadas no presente recurso as normas constantes do artigo 317º do C.P.I.
pp)Na sentença que ora se recorre, veio o Tribunal a quo condenar a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de €75.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais por esta sofridos no seu nome e consideração, quantia à qual acrescem juros de mora vincendos, a contar do trânsito em julgado da presente decisão.
qq)Salvo o devido respeito, tal condenação da Recorrente, para além de descabida e desproporcional, não poderá proceder.
rr)Desde logo existe um vazio factual absoluto relativamente aos comportamentos ilícitos da Recorrente e aos prejuízos da Recorrida, o que terá que implicar necessariamente a revogação da sentença na parte em que determinou o pagamento da quantia de €75.000 à Recorrida.
ss)Para que tal pedido de condenação por parte da Recorrida pudesse proceder, era necessário que se tivessem verificado os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos, o que no presente caso não sucedeu.
tt)No presente caso, a Recorrida nada alegou, ou provou, que justifique a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de €75.000
uu)Não só o montante peticionado pela Recorrida, como a condenação em si da Recorrente constituem fórmulas vazias, sem qualquer tipo de sustentabilidade, ainda que meramente teórica.
vv)Não resultou provado a existência de um qualquer dano na honra e consideração da Recorrida que tenha sido praticado ou seja passível de ser imputado à Recorrente.
ww)Assim sendo, face à inexistência de prova quanto aos eventuais prejuízos causados à Recorrida, o Tribunal a quo não poderia ter condenada a Recorrente no pagamento da quantia de €75.000 à Recorrida a título de danos morais, tendo em conta que os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos não se encontravam preenchidos.
xx)Pelo que deverá também nesta sede o presente recurso ser julgado procedente, por provado e em consequência ser a Recorrida absolvida da instância.
yy)A Lei define como requisitos deste tipo de responsabilidade a existência de um facto ilícito por parte do agente, a existência do dano, bem como a existência do nexo de causalidade entre o facto e o dano, nos termos do artigo 483° do C.C., sendo que cabia à Recorrida provar a existências dos requisitos em causa, nos termos do artigo 342°, n° 1 do C.C.
zz)Pelo que estas normas foram incorrectamente aplicadas na sentença que ora se recorre.

aaa)Veio ainda o douto Tribunal a quo condenar a Recorrente a pagar à Recorrida, por cada infracção das obrigações em causa, uma sanção pecuniária compulsória de €2.000.
bbb)Conforme supra se esclareceu, os únicos factos imputados à Recorrente reportam-se a um comunicado emitido pela mesma em Outubro de 1997 e a emissão de um folheto, situações estas que já ocorreram há mais de 10 anos e que nunca mais se repetiram por parte da Recorrente.
ccc)Não faz sentido vir condenar a Recorrente numa sanção pecuniária compulsória por factos ocorridos há mais de 10 anos e que não mais se voltaram a repetir.
ddd)Pelo que nestas circunstâncias, a decisão do Tribunal de proceder à fixação de uma sanção pecuniária compulsória de €2.000 por cada alegada infracção praticada pela Recorrente carece de base factual e não resulta de qualquer facto que tenha sido dado como provado pelo Tribunal.
eee)Assim sendo, deverá também nesta sede o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser a Recorrente absolvida da instância.

A recorrida contra alegou em defesa do julgado.

Foram colhidos os vistos.

Matéria de Facto.

2.-Na 1ª Instância foi dada por provada a seguinte matéria de facto:
1-A Autora dedica-se ao fornecimento e distribuição de gás canalizado, quer natural quer propano, sendo concessionária da rede e serviço de distribuição de gás natural da área da Grande Lisboa, sendo a única empresa que, nessa área, fornece gás canalizado, tendo a Autora por objecto a obtenção, armazenagem e distribuição de gás combustível canalizado (Al. A) da Matéria Assente).
2-A primeira Ré é uma associação de empresas distribuidoras de gás propano (Al. B) da Matéria Assente).
3-O segundo Réu é o Presidente da primeira Ré (Al. C) da Matéria Assente).
4-Com data de 10 de Outubro de 1997 a primeira Ré e a “Anarec” emitiram um comunicado com o seguinte teor:
Comunicado
A propósito dos anúncios publicitários que têm vindo a ser divulgados pela G... S. A.” cumpre a estas associações esclarecer o seguinte:
1.Constam da publicidade em causa as seguintes afirmações: "O gás natural é mais seguro porque acaba de vez com o maior factor de insegurança nos edifícios — a armazenagem de gás engarrafado. E porque é mais leve que o ar, o gás natural tem tendência a dissipar-se na eventualidade de uma fuga" e "é muito mais ecológico".
2.Estão em causa afirmações que não correspondem à verdade e, como tal, susceptíveis de induzir os consumidores em erro, porquanto:
3.Não é verdade que o gás natural seja mais seguro do que os gases butano e propano, com os quais se pretende estabelecer a comparação. Na verdade, o factor determinante para o risco associado ao consumo de gás (seja ele qual for) depende, única e exclusivamente, do cumprimento das regras de segurança associadas ao respectivo manuseamento.
4.Em caso de fuga, o risco de inflamação existe tanto na presença de gás natural como de gás butano ou propano: a única diferença consiste nas zonas de acumulação dos referidos gases, isto é, enquanto uns têm atendendo às suas características físicas, tendência para se acumularem ao nível dos tectos, outros fazem-no ao nível do solo.
5.Contrariamente ao que se pretende fazer crer junto da opinião pública, a actividade de distribuição de gás é extremamente segura. Os felizmente poucos acidentem registados, em Portugal como no estrangeiro, resultaram da quebra dos adequados procedimentos de segurança e ocorreram quer com gás natural quer com gás butano ou propano.
6.E tanto é seguro distribuir gás propano que as próprias empresas concessionárias de distribuição de gás natural, entre as quais a G..., têm vindo a fornecer este tipo de gás à esmagadora maioria dos seus clientes.
7.A semelhança de características e de comportamento dos gases natural e propano/butano é sublinhada pelo facto de, actualmente, 60% da produção de gás propano/butano ter a sua proveniência nas próprias jazidas de gás natural, resultando da respectiva combustão os mesmos teores de resíduos e emissões para o ambiente, pelo que não se pode concluir que qualquer um dos referidos tipos de gás seja mais ou menos ecológico.
8.Em Portugal mais de 3.500.000 de clientes dispõem - e continuarão a dispor - de gás propano ou butano nos seus lares e empresas, em garrafas ou canalizado, graças a uma actividade vital para a economia, mesmo que desprovida de quaisquer apoios ou subsídios e suportada por empresas totalmente privadas, responsáveis por mais de 60.000 postos de trabalho.
9.As associações subscritoras do presente comunicado lamentam constatar que seja através do recurso a fundos comunitários que se promova a distorção da verdade e se procure influenciar negativamente os consumidores portugueses. Para a sua implementação no mercado, onde terá seguramente um papel complementar a desempenhar, o gás natural não carece de estratégias de difusão de receios infundados junto da opinião pública.
10.E porque, em nosso entender, está em causa publicidade que resvala para a violação da verdade e que contém aspectos tendenciosos e não suportados objectivamente, vão estas associações promover as diligências necessárias e adequadas junto das autoridades competentes de modo a garantir aos consumidores o acesso a informação autêntica.” (Al. D) da Matéria Assente).

5-A primeira Ré emitiu um folheto com o seguinte teor:
Gás propano
Canalizado
Uma energia
Independente,
Acessível,
Ecológica
E segura.”
(Al. E) da Matéria Assente ).

6-Do folheto referido em 5 - constava o seguinte:
Sabia que:
O gás propano canalizado existe no país há dezenas de anos, sempre em constante desenvolvimento e conta, de Norte a Sul, com quase um milhão de consumidores?
No resto da Europa, apesar de haver gás natural há cerca de 30 anos, a evolução do propano canalizado mantém-se progressiva e constante?
Porquê ?                                   Consumo mensal médio
Pelo simples motivo que            1000 lts          1000 lts
1 m3 de propano equivale         Gás natural   Gás propano
a 2,6 m3 de gás natural.            (metano)         (GPL
Porque o seu duche que
gasta apenas 0,32 m3 de                      021 m3       008 m3
propano equivale a 0.83 m3                   20 mbar       37mbar
de gás natural (consome e
tem de pagar 2,6 vezes mais
se usar o gás natural).
Quais as vantagens do consumo do propano?
•Custo competitivo.
•Independência e segurança (sempre disponível, sem depender de gasodutos) e compatível com os aparelhos de queima com gás em garrafa ).
•O propano não é tóxico e proporciona uma combustão limpa, não poluindo a atmosfera.
•Garantia do fornecimento do gás no presente e futuro.
•Todo o excelente e eficiente apoio técnico que as distribuidoras oferecem aos seus clientes.
•E o único que pode chegar a todos os portugueses independentemente onde habitem.” (Al. F) da Matéria Assente ).

7-O gás propano tem maior poder calorífero que o gás natural ( Al. G) da Matéria Assente ).

8-No Jornal “Nova Guarda”, edição de 31 de Outubro de 2001, foi publicado o seguinte texto:
“Associação de Distribuidores de Propano Canalizado fala em campanhas de sedução de clientes.
Alerta aos consumidores de gás.
A chegada do gás natural à Guarda, à semelhança de outros pontos do país, levanta, por parte da A..., algumas críticas à forma como tem sido feita a introdução do produto. A Associação mostra-se preocupada com o “monopólio do gás natural” e quer, assim, chamar a atenção do consumidor para as outras formas de energia existentes. Numa reunião realizada no sábado, na Guarda. A..., presidente da A... mostrou alguns erros cometidos em cidades onde o gás natural já chegou há alguns anos e alertou, ainda, os consumidores para que não se deixem levar por alguma informação enganosa. E A... dá o exemplo de Lisboa, “onde o gás natural é vítima da falta de serviço da concessionária local e onde as queixas se multiplicam”.

Sem a intenção de lançar uma nuvem de fumo nem de denegrir o produto, o presidente diz apenas que quer alertar os consumidores para que não se deixem enganar com as promessas que surgem com a chegada do tubo do gás natural. Por outro lado, o mesmo responsável considera que são muitas as pessoas que não distinguem o gás natural do propano, apenas querem gás nas suas casas sem terem que acarretar com as garrafas às costas”.

E para provar que o propano tem futuro, A... dá provas de que, mesmo com a presença há já alguns anos do gás natural em Portugal, os distribuidores daquela energia proliferam. Além disso, o mesmo responsável serve-se de França, onde o gás natural existe há 30 anos, para dar conta que a utilização das duas fontes de energia é repartida a meio, surgindo agora o propano canalizado como “a grande novidade no mercado francês”, capaz de chegar onde o outro não chega. E é disso mesmo que a A... se serve para garantir que o propano é a energia do futuro. Salienta, precisamente, que o “gás natural não vai chegar a todos os pontos dos distritos do interior” até porque “não será economicamente viável”. Segundo A..., nos distritos cobertos pela Beiragás serão muitos os espaços a que não chegarão os tubos do gás natural e que, por isso, serão preenchidos pelo propano. “Se se ousasse pôr a hipótese de os distribuidores de propano fecharem as suas portas o país levantava-se ", sublinhou A..., reforçando a necessidade de contrariar um monopólio, que tende abusar do seu poder económico. Por isso, a luta dos distribuidores de propano segue pela necessidade de mostrarem que é ao consumidor que cabe a escolha, em vez do produto lhes ser imposto.

Contra uma informação enganosa, a Associação ... acusa alguns responsáveis pelo gás natural de promoverem campanhas de sedução de clientes através de um determinado tipo de ofertas e de cativação, nomeadamente a pessoas que não dispõem de uma bagagem técnica que lhes permita julgar a informação que lhes é fornecida. “As pessoas não têm a informação suficiente para decidirem em consciência”, sublinha A..., lamentando que, por vezes, surja um discurso que leve os consumidores a pensar que o gás natural vai ser obrigatório para toda a gente.

Ao que parece, as ruas esventradas fazem parecer que é uma obrigação, mas a verdade é que isso não corresponde à verdade.
(Al. H) da Matéria Assente ).

9-O gás propano tem um maior poder calorífero do que o gás natural, sendo necessário queimar mais metros cúbicos de gás natural para obter a mesma intensidade de calor (Al. I) da Matéria Assente).
10-No consumo de gás há regras de segurança de cujo cumprimento ou não cumprimento depende a existência de um menor ou maior risco de acidentes (Resp. ao Qt° 1º)).
11-E em caso de fuga de gás o risco de inflamação existe na presença dos vários tipos de gás (Resp. ao Qt° 2º)).
12-No caso do gás natural e do propano, em caso de fuga, o gás acumula-se, respectivamente, essencialmente junto aos tectos e junto ao solo, situando-se o intervalo de explosividade desses tipos de gás, quanto ao gás natural (essencialmente metano), entre os 5% e os 15% enquanto no gás propano se situa entre os 2,1% e os 10,1%, sendo, por isso, menor a quantidade necessária de acumulação de gás propano para haver risco de explosão do que o que se verifica no gás natural, sendo que a partir do limite máximo do intervalo de explosividade — de 15% e de 10,1%, respectivamente para o gás natural e para o propano - não há risco de explosão, por se ter atingido a saturação.
O intervalo de explosividade cifra-se na percentagem de gás necessariamente acumulado para existir risco de explosão, risco esse de explosão - teórico - que se verifica a partir do momento em que se verifique a acumulação daqueles valores mínimos supra indicados, em termos percentuais, dependendo o efectivo risco de explosão da existência de uma fonte de ignição, sendo que qualquer um desses dois gases tem uma temperatura de autoignição (a temperatura mínima necessária para que um gás entre em combustão auto-sustentada, na ausência de uma fonte de ignição), cifrando-se a do propano em 470° C e a do gás natural em 540° C (Resp. aos Qt°s. 3º) a 5º)).
13-O gás natural é menos denso que o ar ( Resp. ao Qt° 6º)).
14-E por isso mais facilmente evacuável (Resp. ao Qt° 7º)).
15-O gás natural é fornecido, a contar do contador, a 22 mbares e o gás propano é fornecido a 37 mbares (Resp. ao Qt° 8º)).
16 -E, por isso, em caso de fuga existe uma menor e mais lenta saída de gás ( Resp. ao Qt° 9º)).
17-A molécula do gás natural (constituída, em regra, por cerca de 90% de metano) tem uma proporção de 3 átomos de carbono para 8 de hidrogénio, provocando a utilização do gás propano uma emissão de mais dióxido de carbono (C02) para a atmosfera, na proporção de17% a mais do que a decorrente da utilização do gás natural, com o consequente efeito de a utilização do propano contribuir mais para o efeito de estufa do que a utilização do gás natural, sendo aquela percentagem referida a uma mesma quantidade de energia, produzida por ambos os gases (Resp. aos Qt°s 10°) a 12°) e 40°)).
18-A queima do gás propano e do gás natural pode ser limpa, no sentido de completa, conduzindo apenas à formação de água e dióxido de carbono, sendo que, quando a queima não é limpa, se produz monóxido de carbono, tóxico e a queima de ambos os gases pode levar à produção de poluentes, como o óxido de enxofre e de azoto, se os gases tiverem, na sua composição, enxofre e azoto, ainda que em percentagens pequenas (Resp. ao Qt° 13°)).
19-O gás natural consumido é queimado após purificação, que se traduz na retirada de alguns componentes no mesmo existentes - hidrocarbonetos -, não ocorrendo, em consequência de tal operação de purificação, transformações químicas (Resp. ao Qt° 14°)).
20-O preço do m3 do gás natural é mais baixo do que o m3 do gás propano, sendo aquele de cerca de 0,90 Euros enquanto o m3 do gás propano varia, consoante o comercializador, entre um valor não concretamente apurado mas superior a 3 e a 4 Euros, esclarecendo-se que a facturação em Kw do gás natural foi imposta pela entidade reguladora, sem prejuízo da possibilidade de conversão dessa medida para m3 ( Resp. aos Qt°s. 15°) e 17°)).
21-O gás natural tem um poder calorífero inferior ao do gás propano em cerca de 2,5 ou 2,6 vezes, implicando, por isso, um consumo de gás natural superior ao do gás propano na mesma ordem de grandeza ( Resp. ao Qt° 16°)).
22-O consumo de gás propano está dependente da produção de petróleo por ser, em regra, derivado da refinação dessa matéria-prima ou do crude e em caso de ocorrer falta do mesmo produto, poderá haver falta de gás propano, sendo que o fornecimento e abastecimento de gás propano não é feito por gasodutos, sendo-o o fornecimento do gás natural ( Resp. ao Qt° 18°)).
23-A distribuição de gás propano a todos os pontos do país pode ocorrer através de entrega de garrafas ou mediante a colocação de depósitos do mesmo gás, que pode ser mais ou menos vantajosa economicamente para os fornecedores e, consequentemente, não ocorrer tal instalação e ou colocação, dependendo da opção económica do fornecedor.
A distribuição de gás natural a todos os pontos do país também pode ocorrer mediante a colocação de U.A.G.s, “depósitos” de gás natural, colocação essa que pode ou não ocorrer consoante a opção do fornecedor, devido à ponderação dos benefícios custo/vantagem da mesma ( Resp. ao Qt° 19°)).
24-O transporte de gás natural também é efectuado através de navios que abastecem as instalações de armazenagem do mesmo (Resp. ao Qt° 20°)).
25-O gás natural chega ao país por gasodutos e por mar, através de barcos e na tubagem de fornecimento de gás natural que atravessa o país pode ocorrer uma fuga de gás e, nessa eventualidade, a ocorrer a mesma, o efeito verificado, em caso de existência de uma fonte de ignição, será idêntico ao de um maçarico e, na ausência de uma fonte de ignição, o gás é então libertado para a atmosfera, misturando-se com o ar, sendo que a acumulação de gás propano, em depósitos, junto a zonas habitacionais e, mais concretamente, aos prédios e ou a existência de conjuntos de garrafas de gás propano junto a prédios pode, em caso de existência de fuga de gás e de uma fonte de ignição, produzir um efeito tipo “bomba”.
O transporte de gás natural por camiões é feito em estado líquido e a temperaturas muito baixas e a demora no transporte ocasiona o aquecimento do gás, que terá de ser libertado para a atmosfera, nessa situação ( Resp. aos Qt°s 21°) e 22°)).
26-Na altura da conversão do gás de cidade (em Lisboa) para o gás natural houve queixas, em número não apurado, mas de cerca de 3% de consumidores da Autora, queixas essas relativas ao serviço então prestado pela Autora e relacionadas, designadamente, com o facto de um número não apurado de consumidores terem ficado algum tempo sem fornecimento de gás, para consumo, devido a situações de fugas de gás e ou outras desconformidades, por outros terem ficado insatisfeitos por os aparelhos, inicialmente ditos como passíveis de adaptação ao gás natural, não terem sido considerados como tal no momento da efectiva conversão, tendo sido necessária a sua troca e ou por terem sido confrontados com a necessidade de retirar os esquentadores colocados nas casas de banho, com a necessidade consequente de obras e ainda devido a erros de facturação e ou aumentos de consumo (Resp. aos Qt°s 23°) e 24°)).
27-Na área de Lisboa o mercado do gás natural está em grande crescimento ( Resp. ao Qt° 25°)).
28-Até 2005 os documentos aludidos em 4 - a 6 - foram entregues aos consumidores da área da grande Lisboa pelos comerciais da Digal, empresa comercializadora de gás propano de que o segundo Réu é administrador, além de Presidente da primeira Ré e, em 2012, pelo menos, o documento aludido em 5 - e 6 - voltou a ser referido como distribuído em Rio de Mouro ou Tapada das Marçês (Resp. ao Qt° 29°)).
29-E a Autora tomou conhecimento de tal comunicado e folheto junto de potenciais clientes da mesma, ainda na fase de negociação, ocorrendo tal conhecimento na fase em que a Autora estava a entregar aos potenciais clientes uma proposta sobre as condições de fornecimento e abastecimento do gás natural e sobre as vantagens do produto por si fornecido (Resp. ao Qt°30°)).
30-E o comunicado, o folheto e a entrevista do segundo Réu aludidos chegaram ao conhecimento de inúmeras pessoas (Resp. ao Qt° 31°)).
31-A generalidade das pessoas às quais foi dado conhecimento e ou entregues os documentos em causa nos autos são consumidores de gás e, consequentemente, podiam as mesmas vir a ser potenciais futuros clientes da Autora (Resp. aos Qt°s 32°) a 33°)).
32-Das pessoas contactadas pela Autora para a promoção do gás natural algumas, em número não concretamente apurado, referiram logo a existência dos documentos aludidos em 4- a6 -e7- e as suas dúvidas relativamente ao gás natural, referindo ter receio de vir a pagar cerca do triplo do preço pelo consumo desse gás e outras, em número também não apurado, chegaram a ter intervenções agendadas para conversão para gás natural e desistiram, ulteriormente, de fazer tal conversão ou mudança de fornecedor (Resp. ao Qt° 35°)).
33-Os Réus tinham conhecimento do teor dos documentos aludidos em 4 - a 6 - e 7 - e de que, nos mesmos, era expressamente referido, além do mais, que o consumo de gás natural implicava um consumo desse produtos 2.6 vezes superior ao do gás propano e, por isso, 2,6 vezes mais caro do que o consumo do gás propano, sabendo os Réus que o m3 do gás natural era mais barato do que o m3 do propano (Resp. ao Qt° 36°)).
34-A Autora, na sequência da introdução, em Portugal, do gás natural, passou a tentar angariar clientes para o seu produto, fazendo-o quer junto de clientes já abastecidos com outro tipo de gás ou não, quer o mesmo, na primeira hipótese, fosse canalizado ou não (Resp. ao Qt° 37°)).
35-O preço do gás propano e do gás natural é formado de acordo com a pressão a que os mesmos são fornecidos (Resp. ao Qt° 42°)).
36-Se os aparelhos estiverem mal calibrados haverá maior consumo de gás, quer natural quer propano (Resp. ao Qt° 43°)).
37-Num processo de conversão de um tipo de gás para outro é necessário proceder à calibração dos aparelhos e se a mesma for mal feita, os aparelhos ficarão a consumir mais gás (Resp. ao Qt° 44°)).
38-Após a conversão do gás de cidade para o gás natural, em Lisboa, houve erros de facturação do fornecimento de gás natural (Resp. ao Qt° 45°)).
39-Nos jornais nacionais saíram notícias no sentido da ocorrência de grandes aumentos de consumo de gás, na sequência da conversão do gás de cidade para o gás natural (Resp. aos Qt°s 46°) e 47°)).
40-A operação de conversão de gás de cidade para gás natural, em Lisboa, foi complexa, levando à necessidade de correcções de instalações de canalização, reparação de fissuras, substituição de aparelhos e adaptação de outros, retirada de esquentadores das casas de banho e inspecções subsequentes a tais trabalhos (Resp. ao Qt° 48°)).

O Direito.

3.Cumpre conhecer as seguintes questões suscitadas pela recorrente no acervo conclusivo:
-efeito do recurso;
-reapreciação da matéria de facto (pontos 28.º e 32.º);
-prescrição do direito à indemnização;
-concorrência desleal, publicidade e informação do consumidor;
-inutilidade da lide.

3.1.-Oportunamente, no despacho de admissão, foi fixado efeito meramente devolutivo ao recurso.
A recorrente, invocando precária situação financeira e consequente impossibilidade de satisfazer os “quanta” em que foi condenada, no caso de ser, desde logo, pedida a execução da sentença, requereu a atribuição de efeito suspensivo, propondo-se prestar caução.
Quer na vigência do Código de Processo Civil, anterior à instauração da lide (n.º 1 do artigo 692.º), quer no actual diploma, aplicável aquando da prolação da sentença posta em crise (artigos 7.º da Lei n.º 41/2013 e 647.º n.º 1 CPC) o efeito-regra da apelação é meramente devolutivo.
Mas, e perante o requerimento de efeito suspensivo, ao abrigo do n.º 4 das normas adjectivas citadas, foi proferido despacho de indeferimento dessa modalidade do qual foi interposto recurso.
Esta impugnação corre termos, em separado, noutra Secção deste Tribunal, não tendo ainda sido julgada.
Do exposto resulta que se irá, conhecer desde já do recurso, ficando o respectivo efeito dependente do que vier a ser decidido na referida apelação autónoma se, então, tal ainda se mostrar objectivamente útil ou as partes opinarem por tal utilidade (interesse) de acordo com o n.º 4 do artigo 644.º do Código de Processo Civil.

3.2.-Como acima se referiu, a recorrente pretende ver reapreciada a matéria de facto, quanto aos pontos 28.º e 32.º.
Baseia-se, unicamente, na prova testemunhal gravada, que, aliás, se encontra devidamente transcrita, e propõe que os factos que questiona sejam tidos por não provados.
Deu, assim, cumprimento aos n.os 1 e 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, em termos de permitir que este Tribunal possa formular a sua própria convicção “ex novo”  (cfr. v.g. os Acórdãos do STJ de 26 de Janeiro de 2016 - proc. n5434/09.2TVLSB.L1.S1; e de 19 de Janeiro de 2016 - proc. nº 3316/10.4TBLRA.C1.S1).

Vejamos.

No ponto n.º 28 afirma-se: “Até 2005 os documentos aludidos em 4 a 6 foram entregues aos consumidores da área da grande Lisboa pelos comerciais da D..., empresa comercializadora de gás propano de que o segundo Réu é administrador, além do Presidente da primeira Ré e em 2012, pelo menos, o documento aludido em 5 e 6 voltou a ser referido com o distribuído em Rio de Mouro e Tapada das Mercês”.

A testemunha que a recorrente refere para infirmar esse facto (n.º 1, alínea b) do artigo 640.º CPC) é M..., que disse ter trabalhado para a “L...” tendo-se despedido; considerou deficientes as “adaptações” para o gás natural, tendo também havido “más afinações”, por razões técnicas que explicou. Que as “tubagens” eram inadequadas.

Referiu, depois, aspectos técnicos da mudança do tipo de gás e dos respectivos reflexos nos consumos.

Quanto à distribuição dos comunicados afirmou que no caso do da ANAREC e da A... “foi publicada uma vez naquela data que lá está “e que as restantes, tanto quanto sabe, são “daquela altura”, sendo então “distribuído aos associados”; que surgiram “como defesa” e “não com o objectivo de atacar quem quer que seja”.

Foi este, no essencial, o depoimento da testemunha L..., na parte que releva para a impugnada resposta ao Ponto 28.

As testemunhas F... e C... não depuseram, em termos determinantes para a resposta a este mesmo ponto, não se mostrando patente qualquer contradição entre os mesmos e a testemunha M...

Não se vê, assim, razão para alterar a resposta posta em crise.

Quanto ao ponto 32 há que ponderar o seguinte: Diz-se aí que das pessoas contactadas pela Autora para a promoção do gás natural algumas, em número não concretamente apurado, referiram logo a existência dos documentos aludidos em 4 a 6 e 7, e as suas dúvidas relativamente ao gás natural, referindo ter receio de vir a pagar cerca do triplo do preço pelo consumo desse gás e outros, em número também não apurado, chegaram a ter intervenções agendadas para a conversão para o gás natural e desistiram, ulteriormente, de fazer tal conversão ou mudança de fornecedor.

A testemunha L... depôs, afirmando que, na altura, foi confrontado por alguns clientes com esse tipo de questão e de dúvida, (que não havia vantagens em mudarem para o gás natural e que iriam pagar mais).

Sensivelmente nos mesmos termos, depôs a testemunha A..., tal como a testemunha C..., este pondo a tónica na “desacreditização do produto” por referência aos mais elevados custos.

Do exposto, e com os critérios de livre apreciação da prova consagrados no n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, entende-se que o Tribunal “a quo” interpretou correctamente os elementos perante si produzidos não havendo motivos para, em sede de reapreciação, alterar as conclusões fácticas a que chegou, e que assumimos.

Tenha-se presente o Acórdão do STJ de 10 de Julho de 2008 – proc. nº 08A2179 – ao afirmar que “o princípio da livre apreciação das provas para a formação da convicção do julgador implica que, na fase de ponderação, decorra um processo lógico – racional conducente a uma conclusão sensata e prudente.”

E isto, tantas vezes, independentemente da relevância dos factos para a decisão final, já que o que está em causa é uma reapreciação das respostas aos temas de prova enunciados e cujo relevo só a final, na sentença, é considerado.

3.3.-Seria agora, e na sequência da ordem estabelecida, de abordar a prescrição do direito à indemnização.

Acontece, porém, que no âmbito da responsabilidade extra-contratual – cuja efectivação aqui se perfila como causa de pedir – a indemnização tem, além dos outros pressupostos da obrigação aquiliana, o acto ilícito, a culpa, o dano e o nexo causal.
Há, assim, que determinar, previamente, a existência desses requisitos, “maxime” a ilicitude para, a partir daí, proceder ao cômputo do respectivo prazo, nos termos do artigo 498.º do Código Civil.

Ora, o prazo-regra de três anos (n.ºs 1, 2 e 4 do preceito) pode ser alargado “se o facto ilícito constituir crime, para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo.”

E sendo que a Autora imputou à Ré factos que inseriu em normas penais incriminadoras (concorrência desleal e ilícitos no âmbito da publicidade) há que, a montante, subsumir os factos para, depois, e se for caso, apurar o prazo da prescrição.

3.3.1.-A Autora – ora recorrida – alegou dedicar-se ao fornecimento e distribuição de gás canalizado, natural e propano e que a Ré – ora recorrente – (associação de empresas distribuidoras de gás propano) iniciou uma campanha contra o consumo de gás natural, com recurso a práticas que afectam a sua imagem e do produto referido.
Essa “campanha” traduziu-se na emissão de um “comunicado” contrariando a afirmação de o gás natural ser mais seguro e ecológico do que o propano (ou butano) e dizendo que está em causa uma publicidade (do gás natural) que “resvala para a violação da verdade” e que “contém aspectos tendenciosos e não suportados objectivamente”.
Emitiu, ainda um “folheto” enunciando as características, e vantagens, do consumo do gás propano.
No jornal “Nova Guarda”, de 31 de Outubro de 2001, foi publicado um texto, no mesmo sentido, com o título “Alerta aos consumidores de gás”, chamando a atenção para as diferenças entre o gás natural e o gás propano e para as vantagens deste.
Foram acima elencados os factos provados para comparação dos dois tipos de gás, a maioria dos quais suportados por prova pericial.
Evidente é que, por se tratarem de aspectos muito técnicos, com envolventes de química industrial, vertentes de segurança, considerações ambientais, de política e de energia, não iremos debruçarmo-nos sobre esses pontos, (para além do que consta dos factos provados) já que este Tribunal não dispõe de outros elementos, ou vocação, em cada uma das áreas referidas.
Vamos, então, tentar subsumir a conduta da Ré/recorrente na dogmática da publicidade e da concorrência desleal, tal como acima se acenou.
A publicidade mais não é do que apresentar ao público (publicitar), produtos, bens ou serviços em termos de procurar a sua adesão e (ou) consumo, com propósito primeiro de motivar as pessoas à respectiva aquisição, buscando a obtenção de um lucro.
O Decreto-Lei n.º 421/80, de 30 de Setembro foi o primeiro diploma a disciplinar a actividade publicitária.
Seguiu-se-lhe o Decreto-Lei n.º 303/83 (depois modificado pelo Decreto-Lei n.º 275/98, de 9 de Setembro, com as alterações dos Decretos-Lei n.os 51/2001, de 7 de Abril, 332/2001, de 24 de Dezembro e pela Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto [Lei da Televisão, expressamente revogada pela Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho].
Hoje, o Código da Publicidade contém-se, essencialmente, no Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro.
O seu artigo 4.º, n.º 1, conceptualiza a actividade publicitária, como “o conjunto de operações relacionadas com a difusão de uma mensagem publicitária, junto dos seus destinatários, bem como as relações jurídicas e técnicas daí emergentes, entre anunciantes, profissionais, agências de publicidade e entidades que explorem os suportes publicitários ou que efectuem as referidas operações.”

O n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma considera publicidade “qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, como objectivo directo ou indirecto de:
a)Promover, com vista à sua comercialização ou alienação quaisquer bens ou serviços;
b)Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.”
Tal como antes ficou patente ao caracterizar a actividade publicitária, iremos, na esteira, da Prof. Eleá Muniz, no seu estudo “Publicidade e Propaganda Origens Históricas” (in “Caderno Universitário” n.º 148, Canoas, 2004) classificar os vários tipos de publicidade, de acordo com a sua função e objectivos estratégicos, em publicidade de produto; publicidade de serviço; publicidade de varejo; publicidade cooperativa; publicidade industrial; publicidade de promoção; e publicidade comparativa.

Se se trata de difundir ideias, crenças, princípios e doutrinas, entramos no âmbito da propaganda (que pode ser ideológica; política; eleitoral; governamental; institucional; corporativa; legal; religiosa; e social).
Segundo aquela autora, a delimitação entre propaganda e publicidade, está na finalidade comercial desta última.
Da leitura dos textos elaborados e veiculados pela recorrente pode concluir-se que têm uma vincada (senão, única) componente publicitária.
Afinal, destinam-se a afirmar a excelência do gás propano, perante o gás natural distribuído pela recorrida.
E têm como escopo objectivos comerciais, publicitando um produto, sendo que nesses textos se faz apelo à saúde e à segurança do consumidor e às vantagens económicas para este.
Acabam por insinuar a defesa do consumidor na perspectiva dos seus direitos, “maxime” os das alíneas a) — qualidade dos bens — ; b) — protecção da segurança física — ; e) — protecção de interesses económicos —, do artigo 3.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa dos Consumidores), direitos com consagração no artigo 60.º da Constituição da República.
É curial, nesta fase, fazer algumas considerações sobre a publicidade comparativa, que pode “tocar” com os princípios da probidade na concorrência que abaixo iremos abordar.
A Directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno, e que alterou a Directiva 84/450/CEE do Conselho, deu nova redacção ao artigo 3.º-A da Directiva sobre a publicidade enganosa e comparativa (artigo 14.º n.º 3).

Alexandre Libório Dias Pereira, in “Publicidade Comparativa e Práticas Comerciais Desleais”, explica que de acordo com o novo regime, a utilização de comparações passa a ser autorizada quando a publicidade comparativa, e entre outras situações que aqui irrelevam, “não seja enganosa na acepção do n.º 2 do artigo 2.º, do artigo 3.º e do n.º 1 do artigo 7.º da directiva sobre publicidade enganosa e comparativa ou dos artigos 6.º e 7.º da directiva sobre práticas comerciais desleais (1); compare bens ou serviços que respondem às mesmas necessidades ou têm os mesmos objectivos (2); compare objectivamente uma ou mais características substanciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens e serviços, entre as quais se pode incluir o preço (3); não desacredite ou denigra marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente”.

Verifica-se que este regime comunitário tem na sua base a proibição da publicidade enganosa e a protecção dos consumidores.
Entre nós a publicidade comparativa está definida, e regulada no artigo 16.º do Código de Publicidade.
É considerada, como tal, a que, explícita ou implicitamente, identifica um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos pelo concorrente não podendo ser enganosa, nos termos do artigo 11.º, podendo comparar características essenciais e representativas, entre bens e serviços de natureza idêntica, cuja publicidade tem de ser lícita, não gerar a confusão no mercado, não desacreditar, ou desprestigiar marcas ou sinais distintivos da concorrente e, cumpridos estes requisitos, pode constituir um meio legítimo de informação dos consumidores e respectivos interesses.
Daí que, dentro das regras expostas, possa até ser um instrumento privilegiado de informação e protecção dos direitos dos consumidores, permitindo-lhes a comparação directa dos concorrentes.
E se é certo que o podem fazer certos organismos não estatais de defesa do consumidor (v.g. a “Deco”) não se alcança porque, com as restrições que resultam da prática concorrencial ilícita, não o possam fazer os particulares.
Aliás, note-se que a Directiva em vigor (97/55/CE) impede os Estados membros de adoptarem ou, sequer, de manterem disposições restritivas de uma ampla protecção dos consumidores.
E são de atentar as Directivas 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa.
A primeira é proibida, por enganar, ou poder enganar, as pessoas que a recebem e por poder afectar o comportamento económico dos consumidores e dos profissionais ou prejudicar um concorrente.
Já a segunda/comparativa só é autorizada se não for enganosa, podendo então, e repete-se, constituir um meio legítimo de informar os consumidores das vantagens que lhe estão associadas.
Ainda segundo aquela Directiva devem, nomeadamente, referir-se a bens ou serviços que correspondem às mesmas ou têm os mesmos fins: referir-se a produtos com uma mesma denominação de origem; tratar objectivamente características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens e serviços, entre as quais se pode incluir o preço; evitar gerar confusões entre os profissionais, não desacreditar, imitar ou tirar partido de marcas ou designações comerciais concorrentes.
E também como refere Adelaide Menezes Leitão (em “A Concorrência Desleal e o Direito da Publicidade – um estudo sobre o ilícito publicitário”, apud “Concorrência Desleal”, 1997, p. 142), “a publicidade e a concorrência encontram-se numa relação funcional recíproca. Se, por um lado, a publicidade deve fazer a concorrência mais profícua, por outro, a sobrevivência da concorrência exige uma disciplina jurídica da publicidade”.
Embora se entrecruzem (a publicidade e a concorrência) fazem-no de modo secante, ou seja, para além de uma área comum, existem campos autónomos.
Assim, a proibição da concorrência desleal, constante do Código da Propriedade Industrial, visa a especial protecção dos concorrentes, ainda que colateralmente proteja o consumidor se o interesse deste for conexo com o daqueles.
Já o direito da publicidade tem como escopo primeiro a defesa do consumidor, embora em certos casos, ou reflexamente — como na publicidade comparativa — vise também a protecção dos concorrentes.
Mas a questão da concorrência desleal em publicidade só pode ser colocado nos casos em que a publicidade é comparativa e, ainda assim, nem sempre.
Por isso é que o artigo 317.º do Código de Propriedade Industrial não elenca aquele tipo de publicidade nos actos de concorrência desleal, embora a enumeração não seja taxativa.
Assim o entende Oliveira Ascensão (“Concorrência Desleal, 147-149), excepto se a comparação envolver falsidade, por surgir fora dos limites legalmente admissíveis.
Aliás, o corpo do preceito define a concorrência desleal, como “todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica”.
Tratou-se de adaptar o conceito do artigo 10.º (bis) da Convenção da União de Paris, de 1883, que declarava na alínea 2) constituir “um acto de concorrência desleal toda a prática de concorrência contrária aos usos honestos do comércio, em matéria industrial ou comercial”.

E só após a revisão da Haia de 1925 é que aquela Convenção passou a conter expressamente a repressão da concorrência desleal como objecto da protecção da propriedade industrial (cfr. ainda o texto revisto na Conferência de Lisboa de 1958, onde se aditou a referência às marcas de serviço).

De todo o modo, e nuclearmente, para que haja concorrência desleal é necessário que a publicidade — sobretudo a comparativa — contenha “falsas” indicações, afirmações, descrições ou referências não autorizadas, o que, obviamente, implica a quebra da honestidade, imposta, quer pelos instrumentos de direito internacional, quer pela lei local.

Mas, como adverte o Prof. José Gabriel Pinto Coelho, in “O Conceito de Concorrência Desleal”, 235, é “legítimo afirmar que a concorrência desleal representa um delito de carácter geral, que a lei prevê e sanciona, de modo especial, no Código da Propriedade Industrial. Não é de forma alguma um conceito que corresponda restritamente à violação dos direitos privativos da propriedade industrial, cuja protecção, em sentido próprio ou técnico, como observa o Doutor Fernando Olavo, se destaca da protecção contra concorrência desleal” (cfr. o ainda Prof. Fernando Olavo, in “Lições de Direito Comercial”, extracto apud “Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 55 – Julho 1963).

Na ponderação da inserção da figura no CPI, o Prof. J.G.Pinto Coelho (ob. cit. 236-237) refere lucidamente que “para que possa falar-se de concorrência desleal é necessário que o comportamento censurável, a prática desonesta ou não conforme com as normas éticas da actividade comercial, ocorra ou se produza de forma a interferir com o gozo, pelo concorrente, dum direito privativo de propriedade industrial – o uso de uma marca, a exploração duma patente, etc. ainda que seja directo ou ténue o laço que relaciona o comportamento do concorrente com o gozo desses direitos”.

Chegados a este ponto cremos ser evidente que a conduta da recorrente não incorre em qualquer violação quer do direito de publicidade, quer da propriedade industrial.

O bem protegido pelos diplomas em apreço é, em primeira linha, o interesse geral dos consumidores e o regular funcionamento do mercado, que não propriamente, os interesses particulares de cada empresário. Assim opina Carlos Olavo (CJ, Ano XII, Tomo IV, 63 ss).

Por outro lado, o conceito de “usos honestos” da actividade económica tem de ser densificado casuisticamente e, mais uma vez, tendo em vista a prioridade dos direitos do consumidor médio (que não o muito sofisticado e conhecedor), que deve ser esclarecido e não sujeito a enganos ou induzido por eventuais embustes.

Ora, no caso vertente, a Autora é mera concessionária para a distribuição de gás natural (hidrocarboneto derivado de combustíveis fósseis) nos Municípios de Lisboa e alguns limítrofes.
A Ré distribui gás propano – hidrocarboneto gasoso para aplicações domésticas, comerciais e industriais, classificado nos termos do Regulamento (CE) n.º 1272/2008 (CLP/GHS).

Comparativamente, qualquer dos produtos tem vantagens e inconvenientes, o que do respectivo cotejo, em termos químicos, é fácil de alcançar.

Mas não resultou da matéria de facto provada, a nitidez das vantagens de um sobre o outro, sendo que qualquer deles poderá ter factores atractivos ou dissuasores para o consumidor médio, uma vez esclarecido com linguagem e conceitos simplificados.

Verifica-se, outrossim, que nem a Autora nem a Ré produzem, ou detém qualquer patente sobre este ou aquele tipo de gás, pelo que a questão não pode colocar-se em estrita sede de propriedade industrial (vg, marca ou patente).

Não se provou que se esteja perante uma publicidade comparativa ilícita, por enganosa e com o propósito de denegrir ou desacreditar o gás distribuído e comercializado pela Autora e que a mesma promoção fosse desonesta.

Também, e agora em sede de subsunção à concorrência desleal, não resultam verificados os pressupostos do artigo 317.º CPI, “maxime” a falsidade das afirmações e indicações constantes da enumeração exemplificativa do preceito, sendo, de outra banda, e ainda que assim não se entendesse, não haveria obrigação de indemnizar por ausência de dolo (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 11 de Abril de 2002 – 0230441).

E tem de ter-se sempre presente que, “in dúbio”, quando se comparam bens ou produtos deve entender-se que se está a esclarecer, ou alertar, o respectivo consumidor (cfr. Assunção Cristas, in “Concorrência Desleal e Protecção do Consumidor: A Propósito da Directiva 2005/29/CE” — apud “Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles: 90 anos, Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa” que alerta:
“Enquanto o direito comercial está originariamente ligado à protecção do comerciante (cujo expoente máximo era a existência de um foro separado), o direito do consumo nasceu para proteger o consumidor.
“O andar dos tempos levou a alguns encontros destas duas áreas do direito privado. Nalguns países mais do que noutros. Uma dessas áreas é a da concorrência desleal e o que me leva a relembrar esta ligação é a Directiva 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2005, relativa às práticas comerciais das empresas face aos consumidores no mercado interno, que, neste momento, aguarda transposição para o direito português.
“O aspecto central da directiva é a proibição das práticas comerciais consideradas desleais. Por serem desleais, entende-se que essas práticas afectam directamente os interesses económicos dos consumidores e consequentemente prejudicam os interesses económicos de concorrentes legítimos. A directiva não abrange nem afecta legislações nacionais relativas às práticas comerciais desleais que apenas prejudiquem os interesses económicos dos concorrentes ou que digam respeito a uma transacção entre profissionais.
“Centrada na prática comercial desleal, a directiva procura traçar uma noção bastante ampla e suficientemente flexível para permitir uma constante adaptação às necessidades do tráfego jurídico. Depois, faz um esforço de densificação do conceito, quer através da concretização de duas modalidades típicas de prática comercial desleal - as práticas enganosas e as práticas agressivas - quer através da previsão de uma lista de práticas consideradas desleais em qualquer circunstância.
“Como se tem tornado técnica legislativa nos instrumentos comunitários, também esta directiva contém um catálogo inicial de definições. Da conjugação dessas diversas definições, conseguimos apurar o campo de aplicação da proibição das práticas comerciais”.
“… A prática comercial é proibida se for considerada desleal.
“A directiva contempla três níveis de densificação da noção de prática comercial desleal.
“O primeiro nível corresponde à prática comercial desleal em geral.
“O segundo nível diz respeito às práticas comerciais desleais em especial. Neste grupo integram-se as práticas enganosas e as práticas agressivas na sua formulação genérica e ainda, a meu ver, as práticas dirigidas a grupos particularmente vulneráveis de pessoas.
“O terceiro nível corresponde às práticas comerciais consideradas enganosas e agressivas em qualquer circunstância e que constam de uma listagem anexa à directiva (o anexo I).
“Todos estes níveis têm um elemento comum: a condução ou susceptibilidade de condução do consumidor a tomar uma decisão negocial que este não teria tomado de outro modo. Ou seja, a prática comercial só é considerada desleal, e por isso proibida, se for potencialmente essencial para a decisão do consumidor relativamente à celebração e ao conteúdo de um contrato ou ao exercício de um direito contratual, independentemente de o consumidor decidir ou não agir (“decisão negocial”)”.
Recorde-se que Lei n.º 24/96 de 31/7 - Lei de Defesa do Consumidor -, e para mais enfatizar o conceito, estabelece:
"Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios".
Também a Directiva 1999/44/CEE de 25/5/1999 (que visa, exactamente regular “certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar um nível mínimo de defesa dos consumidores no contexto do mercado interno”) define consumidor nestes termos:
“Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”.
Finalmente, o D.L. 67/2003 de 8/4, que procedeu à (1ª) transposição da Directiva 1999/44/CEE, diploma que foi reformulado pelo D.L. 84/2008 de 21/5 define como “Consumidor,
“Consumidor, aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios nos termos do n.° 1 do artigo 2 da Lei 24/96 de 31 de Julho”.
Ora, os destinatários dos textos em apreciação e os seus beneficiários, por melhor esclarecidos eram, sem dúvida, consumidores.
Não resultou, assim, demonstrado que a conduta da recorrente APDC se tivesse traduzido na comissão de um acto ilícito, antes tendo exercido o direito de informar os consumidores.
Também não se provou que tivesse agido com culpa, posto que não se está perante um facto de responsabilidade civil objectiva, isto é que se baste com uma actuação a prescindir daquele nexo de imputação subjectivo ao agente.
Assim, e na ausência de ilícito e de culpa não há responsabilidade aquiliana com o consequente dever de reparar um dano (que, e diga-se “ex abundantia” também não foi dado por assente).
Fica, em consequência, prejudicada, como antes se insinuou, a análise da prescrição.

3.4.-Resta, finalmente, abordar a requerida declaração de inutilidade superveniente da lide, instituto hoje consagrado na alínea e) do artigo 277.º, CPC.
É curial que se acompanhem, neste ponto, as considerações do Acórdão do STJ de 5 de Março de 2012 – 501/10.2TVLSB.S1:
“Situamo-nos ao nível da estabilidade da instância que se inicia com a formulação de um pedido, estribado em factos causais (quer fundamentais - ou essenciais – quer instrumentais) tendo por objectivo a obtenção de uma tutela judicial.
A instância não pode manter-se indefinidamente extinguindo-se perante qualquer das situações elencadas no artigo 287.° (actual 277.º) do maior diploma adjectivo.
A alínea e) do preceito - e é a única que releva na economia desta deliberação - declara a extinção quando ocorre um caso de impossibilidade ou de inutilidade da lide.
A lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência, pois então estar-se-ia no âmbito do mérito mas por razões conectadas com a não possibilidade adjectiva de lograr o objectivo pretendido com aquela acção, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo (cfr., Prof. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado” III, 367, 373; Prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, 1.°, 1999, 510 e ss.).
A lide fica inútil se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua inauguração que implique a impertinência, ou seja, a desnecessidade de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil.
Desnecessidade que deve ser aferida em termos objectivos, sob pena de se confundir com uma situação fronteira, mas, então, já um pressuposto processual, que é o interesse em agir.
Este constitui uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso (artigos 577° e 578:° do Código de Processo Civil), conducente à absolvição da instância.
Há situações em que embora a parte insista na continuação da lide, manifestando, assim, o seu interesse, em obter uma decisão, o desenrolar da mesma aponta para um desfecho que sempre será inócuo, ou indiferente, em termos de não modificar, a situação que existia antes de ser posta em juízo.
Então, cabe ao julgador optar ou pela extinção da instância por inutilidade da lide (facto a apreciar objectivamente por constatar a falta de efeito útil) ou pela excepção dilatória acima referida (conceito de relação entre a parte e o objecto do processo).
Como regra a excepção perfila-se “ab initio”, embora possa ser verificada posteriormente; já a inutilidade da lide acontece, tal como a terminologia legal o dispõe, por superveniência de uma situação não presente aquando do início da controvérsia.
O interesse processual tem duas facetas: o interesse em demandar e o interesse em contradizer.
Aquele é aferido pelas vantagens na obtenção de tutela judicial para o impetrante, sendo que o de contradizer é a não concessão daquela tutela o que é avaliado pelas desvantagens impostas ao réu quando o interesse da contraparte é defendido (…). Em suma, o interesse processual determina-se perante a necessidade de tutela judicial através do meio pelo qual o autor, unilateralmente, optou.”
Perante as ilações acima encontradas a conduzirem à manifesta improcedência da acção, já não releva abordar a excepção dilatória, pois que a utilidade da lide face a este final não se questiona.

Decisão.

4.-Termos em que se acorda em dar provimento ao recurso e absolver a Ré do pedido.
Custas a cargo da Autora/recorrida.
Dê-se conhecimento deste acórdão ao processo da 8ª Secção, deste Tribunal, onde pende o recurso relacionado com a fixação do efeito do presente.



Lisboa, 12 de Maio de 2016.

          
Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Fátima Galante
Gilberto Jorge
Decisão Texto Integral: