Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6366/2006-2
Relator: TIBÉRIO SILVA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
PETIÇÃO INICIAL
EMBARGOS
DESENTRANHAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE
Sumário: 1. Em caso de falta, ou erro no montante, do pagamento da taxa de justiça inicial, não recusando a secretaria a petição, não deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta, devendo dar-se a oportunidade ao autor de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta.
2. Tal regra é de aplicar à oposição à execução, sob pena de se criar uma situação excepcional (que não estaria no espírito do legislador), em que o executado, sem possibilidade de atempada correcção, face ao decurso do prazo da oposição, veria arredada a possibilidade de dar andamento a esta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I
F… deduziu oposição à execução comum que lhe é movida por “I…”.
Foi aberta conclusão pela Secção de processos, com informação, além do mais, de que se suscitavam dúvidas quando ao valor da taxa de justiça apresentada, em virtude do valor da acção.
Foi, então, proferido o seguinte despacho:
«Nos termos do disposto no art. 23°, n.° 2 do CCJ, «Para a promoção de execuções é devido o pagamento de uma taxa de justiça correspondente a 1/4 ou 1/2 UC, consoante a execução tenha valor igual ou inferior ao da alçada do tribunal da Relação ou superior ao mesmo, aplicando-se, com as devidas adaptações, o regime da taxa de justiça inicial».
Por outro lado, o n.° 1 do artigo citado dispõe que: «Para promoção de acções e recursos, bem como nas situações previstas no art. 14°, é devido o pagamento da taxa de justiça inicial autoliquidada nos termos da tabela do Anexo I».
Confrontadas as referidas disposições legais, temos para nós que a taxa de justiça a autoliquidar para promoção da presente oposição é aquela que resulta da tabela do anexo I, acima mencionada, atendendo-se para o efeito ao valor que resulta da aplicação do critério estabelecido na al. j) do n.° 1 do art. 6° do CCJ.
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Resulta dos autos que o opoente procedeu ao pagamento da taxa de justiça autoliquidando-a considerando um valor da acção de € 1875,01 a € 3.750,00.
Decorre ainda dos autos que o opoente não indicou o valor da acção, nos termos do art. 467, f) do CPC, e que seria atendível para os efeitos do disposto no n.° 2 do art. 305° do CPC.
Todavia, para efeitos de custas, vale o critério estabelecido na al. j) do n.° 1 do art. 6° do CCJ, de acordo com o qual o valor a considerar é o da execução (€ 16.452,03), pelo que é manifesto que o opoente pagou menos do que o devido.
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Nos termos do art. 28° do CCJ, a omissão do pagamento da taxa de justiça inicial dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei de processo.
Em anotação a este preceito, refere Salvador da Costa: «Os serviços judiciais devem controlar o montante das autoliquidações da taxa de justiça inicial e ou subsequente e, se for pago pelas partes menos do que o devido, a consequência jurídica parece ser a seguinte:
- se a diferença se reportar à taxa de justiça inicial relativa à petição inicial, deve a secretaria recusá-la ou, se isso, não ocorrer, deve o juiz ordenar a sua devolução;
- reportando-se a diferença à taxa de justiça inicial concernente a peça processual diversa da petição inicial ou à taxa de justiça subsequente, deve aplicar-se, com as necessárias adaptações, conforme os casos, o disposto nos arts. 486°-A, 512°- e 690°-B do Código de Processo Civil» (sublinhado nosso, Cód. Custas Judiciais Anotado e Comentado, 7a ed., p. 218).
Deste modo, equivalendo o requerimento de oposição do executado à petição inicial da acção declarativa, a consequência a retirar da falta de pagamento de tudo o que for devido será o desentranhamento e subsequente devolução da oposição (no sentido de que o requerimento de oposição equivale à p.i. da acção declarativa, vide J. Lebre de Freitas e A. Ribeiro Mendes, Cód. Proc. Civil Anotado, vol. 3°, p. 323).
É o que desde já se vai decidir, com a consequente extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide (art. 287°, e) do CPC), sem haver lugar ao cumprimento do disposto no art. 314°, n.° 3 do CPC, e sem que se indague qual foi a data em que se realizou a citação do opoente, sob pena de se estarem a praticar actos inúteis, em infracção ao que se preceitua no art. 137° do CPC (a questão do desentranhamento é prévia, pelo que sempre ficaria prejudicada a consideração daqueloutras duas questões enunciadas).
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Por tudo o exposto, determino o desentranhamento e subsequente devolução ao apresentante do requerimento de oposição.
Declaro extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide.».

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o Executado/Opoente, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
«1. Por lapso, o opoente juntou aos presentes autos, prova do pagamento da taxa de justiça no valor de €: 89 euros, que na realidade se destinava à promoção de outro processo.
2. A 17 de Março de 2006, recebeu o mandatário do executado/opoente, o teor do douto despacho em causa.
3. Só nessa altura, é que o mesmo mandatário se apercebeu do lapso cometido, ou seja, que havia sido junta aos presentes autos, um comprovativo de liquidação de taxa de justiça de valor inferior àquele que seria devido.
4. Ora, antes de mais e salvo opinião oposta, o requerimento de oposição à execução não configura uma petição inicial, mas sim é equivalente à contestação/oposição;
5. Pelo que, deveria cumprir-se o disposto no artigo 486°A, n°3, do CPC, notificando-se o opoente, para em dez dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante.
6. Mas mesmo que assim não se entenda e salvo melhor opinião que sempre se respeita, sendo considerada petição inicial, a oposição à execução, o artigo 150°A, n°2, do CPC, remete especificamente para a aplicação das cominações previstas no artigo 486°A, do mesmo CPC;
7. E precisamente no seu número 3, é referido taxativamente, que "... na falta de junção de documento comprovativo no prazo de dez dias, a contar da data da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em dez dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante ..."
8. Verifica-se portanto e mais uma vez, com o maior respeito por opinião contrária, que o pagamento da taxa de justiça referente a petição inicial, é equiparada à oposição/contestação nas suas consequências.
9. Assim, considerando neste caso, a petição inicial como equiparada à oposição/contestação, sempre se dirá que a Secretaria deveria ter agido como preceitua o artigo 486°, n°3 e 512°B, n°1, do CPC e não o fez!
10. Por outro lado, atenta a mesma equiparação e considerando que a oposição entrou dentro do prazo, naturalmente poderia haver lugar a apresentação de petição inicial/oposição/contestação.
11. É certo o contido nos artigos 467°, al. f), do CPC, mas nem por isso é despiciendo o já citado artigo 150°A, n°2, 486°, n°3 e 512°B, n°1, do CPC, na aplicação das cominações previstas e já referidas.
12. Está desta forma manifestamente prejudicado o direito de defesa do opoente, ao ver liminarmente indeferida a sua petição sem qualquer remissão, não obstante os prazos ainda mais dilatados previsto no artigo 512°B, 690°B e também contemplados no artigo 150°A, n°2 do CPC.
13. Devendo o Tribunal "ad quem" revogar a douta decisão e substituir a mesma por outra que ordene a notificação do opoente para em dez dias efectuar o pagamento do complemento da taxa em falta, com multa.».
Termina dizendo que se deve dar provimento ao presente recurso e em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro conforme as conclusões acima referidas.
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O objecto do recurso, definido pelas conclusões do Recorrente, consiste em saber se este devia ter sido convidado para pagar o montante em falta da taxa de justiça, ao invés de se determinar a devolução do requerimento de oposição com as demais consequências.
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II

Os elementos a considerar são os que resultam do relatório feito no ponto anterior.

Apreciemos:
A dedução da oposição à execução tem sido entendida como petição duma acção declarativa, constituindo a oposição uma «contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia» (Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., Coimbra Editora, 2004, págs. 188 -190).
Na decisão recorrida, enquadrou-se, nessa linha, a determinação do montante da taxa de justiça devida na previsão do art. 23º, nº1, conjugado com o art. 6º, nº1, j) do CCJ.
Dispõe o art. 28º do CCJ que a omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei do processo.
Nessa “omissão de pagamento” deve incluir-se o pagamento de montante inferior ao que seja devido (Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pág. 217).
Dispõe o art. 150º-A, nºs 1 e 2:
«1 - Quando a prática de um acto processual exija, nos termos do Código das Custas Judiciais, o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
2 - Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486.º-A, 512.º-B e 690.º-B.»
Nos termos do art. 467º, nº3 do CPC, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total ou parcial do mesmo.
De acordo com o disposto no art. 474º, al. f) do CPC, a secretaria deve recusar a petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando não tenha sido junto documento comprovativo da taxa de justiça inicial ou o documento que ateste a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no n.º 4 do artigo 467.º
Nos termos do art. 476º do CPC, o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
Em algumas decisões jurisprudenciais, que consideramos conformes com o espírito do legislador, tem-se vindo a entender que, não recusando a secretaria a petição, não deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta, devendo dar-se a oportunidade ao autor de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta. Isto, porque, não recusando a secretaria o recebimento, como a lei impõe, inviabiliza-se a possibilidade de o autor lançar mão do benefício estabelecido no art. 476º. Ora, o autor não pode ser prejudicado por uma tal omissão da secretaria (art. 161º, nº6 do CPC).
No sentido exposto, vide Acs. da Rel. de Coimbra, de 31-05-2005 (Rel. Garcia Calejo) e da Rel. do Porto, de 23-05-2006 (Rel. Mário Cruz) e de 09-10-2006 (Rel. Abílio Costa) e www.dgsi.pt).
A não se entender assim, estaria criado um sistema em que, em idênticas circunstâncias, uns, conforme a actuação/omissão da secretaria, teriam a oportunidade de praticar o acto, outros veriam precludida essa faculdade e, como no caso dos autos, de forma irremediável.
Diga-se que, à semelhança do que se exarou no Ac. da Rel. do Porto de 09-10-2006, não nos repugnaria, para efeitos de pagamento de taxa de justiça, equiparar o opoente ao R. (aliás, parece ser esse o entendimento de Salvador da Costa, na obra citada, pág. 195, quando aí afirma, por referência à al. b) do nº1 do art. 24º do CCJ, que as «expressões réu e requerido estão utilizadas em sentido amplo, em termos de abrangência, além do mais do executado no que concerne à oposição à execução executiva, à reclamação de créditos ou à penhora»), com a consequente possibilidade de beneficiar do estabelecido no art. 486º-A do CPC. É que, não se poderá olvidar que a oposição surge por referência a uma execução em curso e dentro de um prazo estabelecido na lei, com consequências radicais se esse prazo for ultrapassado (art. 817º, nº1, a) do CPC).
Se a recusa, por falta de pagamento de taxa de justiça, de uma petição de uma “normal” acção declarativa não impedirá que se apresente nova petição, já o mesmo não se pode dizer (a não se defender o que se deixou explanado) no caso da oposição à execução, face ao decurso do prazo estabelecido na lei. Assim, estaria criada uma situação excepcional – e crê-se que tal não estaria no espírito do legislador – em que, o executado/opoente, por falta (ou erro no montante) do pagamento de taxa de justiça, veria, sem possibilidade de atempada correcção, arredada a possibilidade de dar andamento à sua oposição à execução.
Pelo que se deixou dito, ou perfilhando a tese seguida nos ditos arestos, que nos parece ajustada ao figurino legal (que poderia ser mais claro), ou equiparando, para efeitos do pagamento da taxa de justiça, o opoente ao réu numa acção declarativa, sempre seria de dar oportunidade ao Opoente para pagar o que faltava da taxa de justiça.

Pelo exposto, dá-se provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida, que, sem prejuízo da apreciação de outras questões que tenham ficado prejudicadas pela solução encontrada, deverá ser substituída por despacho em que se ordene a notificação do Opoente para, em 10 dias, depositar a taxa de justiça em falta, devendo, na notificação, indicar-se o respectivo montante.

Sem custas.

Lisboa, 16.11.2006

(Tibério Silva)
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro