Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1837/11.0TBMTA-C.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: PARTILHA
EMENDA
ERRO
MÁ-FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.– Não é correto o entendimento de que a partilha só pode ser emendada nos casos em que tenha havido erro de facto na descrição ou na qualificação dos bens, pois também o erro de direito pode ser causal da emenda à partilha.
2.– São dois, e distintos, os aspetos do erro de facto que podem determinar a emenda da partilha:
a)- O erro de facto na descrição ou qualificação dos bens;
b)- Qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.
3.– Por erro de facto na descrição deve considerar-se considera-se toda a descrição que não corresponda à verdade, designadamente a descrição dum prédio urbano por rústico, um móvel por um imóvel ou, dentro de cada uma destas categorias, quando tenha sido descrito como de três andares um prédio de um andar único ou uma quinta por um terreno centeeiro, ou vícios ocultos da coisa ou falta de conteúdo ou extensão.
4.– Há erro de qualificação quando, por exemplo, se considera como livre um prédio sujeito a cláusula fideicomissária, ou quando se mencionam como pedras preciosas simples bagatelas.
5.– Tais erros, na descrição ou na qualificação, operam por si mesmos, sendo desnecessária a alegação e prova de quaisquer outros requisitos para, com base neles, se peticionar a emenda da partilha, pois que eles viciam gravemente o objetivo que a mesma se propõe alcançar.
6.– Relativamente aos demais erros de facto, como por exemplo, estar o requerente na ignorância da extensão, natureza, características e valor dos bens inventariados, que recaem sobre a qualidade dos mesmos bens, torna-se necessária a alegação prova dos requisitos gerais e especiais desse erro, nos precisos termos dos arts. 247.º e segs. do C.C.
7.– O erro de direito é aquele que recai sobre a vontade dos interessados, viciando-a, induzindo-os em engano e que influencia a manifestação de quantos intervieram no inventário e foram vítimas desse erro.
8.– Este erro, susceptível de viciar a vontade das partes, pode consistir no convencimento de que determinados bens pertencem a uma herança quando, julgado o inventário por sentença, vem a reconhecer-se que, efetivamente, dela não fazem parte.
9.– Só o erro objetivo é suscetível de determinar emenda da partilha, pois todo o erro deve ter este conteúdo para ser atendido em ordem a obter-se este fim, já que, de outra forma abrir-se-ia campo raso perante a emenda com dispensa de prazo para a obter através de ação idónea.
10.– No instituto da má fé, a concretização do dolo revela-se numa intencionalidade da parte, quer na dedução de pretensão ou oposição infundada, quer na alteração ou omissão de factos, quer na violação do dever de cooperação, quer, por fim, na utilização maliciosa ou abusiva do processo ou dos meios processuais com vista a conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a ação da justiça.
11.– Assim e consoante os tipos, age dolosamente a parte que sabe que não tem razão quando deduz determinada pretensão ou oposição, a parte que sabe que procede a uma descrição dos factos essenciais não coincidente com a realidade, a parte que viola intencionalmente o dever de cooperação bem como a parte que sabe estar a fazer um uso reprovável, porque disfuncional, dos meios processuais ou do processo.
12.– Já a negligência grave pressupõe que a parte haja atuado sem um mínimo de cautelas, sem qualquer espécie de ponderação, com omissão do dever de diligência exigível a qualquer pessoa que intenta uma ação.
13.– Para que a dedução de pretensão não fundamentada possa consubstanciar uma conduta típica de litigância de má fé, a parte deverá ter atuado de modo particularmente negligente, ou seja, de um modo que permita sustentar estar-se perante um grau essencialmente aumentado ou intensificado de negligência.
14.– É o que sucede numa situação em que a generalidade das pessoas, ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento, ou seja, uma situação em que só um sujeito extraordinariamente desleixado agiria como agiu a parte.
15.– O tipo da al. d) do n.º 2 do art. 542.º, do C.P.C., não convive com a sua comissão com negligência, mesmo que esta seja grave, conclusão que se impõe pelo facto de a negligência não depender da finalidade, mas da violação de deveres de cuidado, sendo, portanto, um elemento inteiramente normativo.
16.– Se aquele tipo pressupõe a finalidade do agente, dirigida à obtenção de um concreto resultado, por referência ao qual é dirigido o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, a descrição típica é inconciliável com uma atuação negligente, operando, assim, descrição típica uma restrição necessária dos elementos subjetivos do ilícito.
17.– Assim, embora o proémio do nº 2 do art. 542.º não exclua a abrangência de qualquer das situações previstas nas suas alíneas, a da al. d), pela sua estrutura, pressupõe necessariamente, apenas e só o dolo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO:


AJC intentou a presente ação de emenda à partilha contra FCJ, MPJ, AMJ, RMC e ACJ, alegando, em suma, que no processo de inventário de que os presentes autos constituem apenso, instaurados por óbito do seu falecido pai, foram relacionados e partilhados dois prédios que não eram, na sua totalidade, propriedade deste último, facto de que só recentemente se apercebeu, aquando da apresentação de um requerimento nas Finanças.
Conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos (...) requer:
a)- Seja excluído dos bens a partilhar 7/14 avos dos prédios relacionados sob as verbas n.º 1 e 2 da relação de bens de fls. (…), emendada a partilha refazendo-se o respectivo mapa e proferindo-se nova sentença homologatória e, em consequência,
b)- Seja ordenado o cancelamento das inscrições matriciais na Autoridade Tributária e Aduaneira e dos registos referentes à partilha judicial efetuados na Conservatória do Registo Predial da _____ e na Conservatória do Registo Predial de _____, relativos ao prédio inscrito na matriz urbana sob os artigos ____, todos da freguesia de _____ e descritos na C.R.P. da _____ sob o nº _____ e ao prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo _____ e na matriz rústica sob o artigo _____, descrito na C.R.P. de _____ sob o nº (…),
d)[1] Tudo sem prejuízo da eventual correcção ao valor das tornas recebidas pelo Autor.»
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Os réus FCJ, AMJ e ACJ, contestaram, começando por arguir a exceção de caducidade do direito de ação.
No mais:
a)- impugnam a factualidade alegada pelo autor na petição inicial;
b)- pedem que o autor seja considerado litigante de má-fé e, em consequência, que seja condenado em multa e a pagar-lhes um indemnização no montante de € 3.900,00.
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Findos os articulados, a juíza a quo proferiu despacho a marcar a audiência prévia para os seguintes fins:
«a)- Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b)- Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.»
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Na audiência prévia realizada no dia 27 de fevereiro de 2019, e a que se reporta a ata de fls. 111-112, a juíza a quo concedeu «a palavra aos Ilustres Mandatários das partes, para exporem as conclusões de facto e de direito», por tencionar conhecer de imediato do mérito da causa, exposições que ficaram gravadas, após o que ordenou que o processo lhe fosse concluso para prolação de sentença.
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Em cumprimento do assim ordenado, os autos foram feitos conclusos, na sequência do que foi proferido o saneador-sentença de fls. 113-118, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto:
a)- Julga-se o pedido de emenda da partilha efectuada no âmbito dos autos principais totalmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os Réus do pedido;
b)- Condena-se o Autor enquanto litigante de má-fé em multa processual que se fixa em 15 (quinze) UC’s;
c)- Condena-se o Autor nas custas do processo, assim como nas custas do incidente de litigância de má-fé, em taxa de justiça fixada pelo mínimo.»
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O autor não se conformou com o assim decidido pelo que interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«a)- (...);
b)- (...);
c)- Não se concorda porém com a decisão/sentença proferida pelo tribunal a quo dado que nenhuma prova existe nos autos ou foi sequer produzida que permitisse concluir, como concluiu o D. Tribunal a quo;
d)- Com efeito, a decisão de mérito baseou-se, somente e tão só, nos documentos juntos aos autos, como assim e ainda numa convicção que o D. Tribunal a quo formou sem qualquer sustentação;
e)- (...);
f)- (...);
g)- (...);
h)- E a emenda da partilha pressupõe erro de facto na descrição ou na qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes;
i)- O que no caso concreto sucedeu pois que nunca o Autor quis deixar de ser, como é de facto e de Direito, dono e legítimo comproprietário de 1/14 avos dos imóveis relacionados no processo de inventário do falecido;
j)- Porém, tal erro não é passível de demonstração pela via documental;
k)- Com efeito, a regra contida no nº 1 do artigo 394º do Código Civil, não se aplica à prova dos vícios da vontade (...); Nessa medida,
l)- Ciente de que é ao Autor que incumbe fazer prova do vício, tal prova sempre seria feita em audiência de discussão e julgamento, designadamente com recurso a testemunhas que conhecem da convicção do Autor;
m)- Sendo pois de concluir que a decisão de mérito, tal como foi adotada na sentença de que se recorre, obstou ao conhecimento do vício e, concomitantemente, ao momento em que tal vício foi conhecido;
n)- Subvertendo o princípio da livre apreciação da prova (limitando a sua produção em julgamento) e fazendo da prova existente no processo, documental, uma apreciação arbitrária e apressada contrária ao Direito;
o)- Por essa mesma razão, não é de aceitar a condenação do Autor como litigante de má-fé pois que, demonstrando-se a existência do erro-vício sempre teria necessariamente que falecer o pedido da sua condenação como litigante de má-fé.

Termos em que, nos melhores de Direito (...) em face de tudo o que ficou exposto, deverá o Venerando Tribunal dar provimento ao recurso, e em consequência:
i)- Ordenar a revogação da decisão recorrida, dada a violação dos artigos 247º, 1368º, 1387º do Código Civil, como assim e ainda os artigos 6ºs alíneas b), c), d) e e) do n.º1 do artigo 668.º do CPC, declarando-a nula, e consequentemente:
ii)- Considerar que a prova produzida foi insuficiente para validar e declarar negar provimento à pretensão do autor e,
iii)- Nessa mesma medida, insuficiente para a sua condenação como litigante de má-fé.»
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Os réus contestantes contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida.
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II–ÂMBITO DO RECURSO:

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quempossa ou deva conhecer ex officio,é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º, do CPC).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC) – de todas as questões suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se há lugar à emenda da partilha nos termos pretendidos pelo apelante.
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III–FUNDAMENTOS:

3.1–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

No saneador-sentença foram considerados os seguintes factos:
«1.Em 01/08/2010, na Freguesia do _____ faleceu BJB, no estado de divorciado de MLVB.
2.O falecido havia sido casado com MIC, falecida em __/__/____, em primeiras núpcias de ambos, no regime da comunhão geral de bens.
3.– Aos falecidos, sucederam-lhe como seus herdeiros (filhos) o aqui Autor e os aqui Réus.
4.– Por óbito de MIC, correu processo de inventário obrigatório sob o nº __/__ da 2ª Secção (extinta) Tribunal Judicial da Comarca da _____.
5.– Do rol de bens da falecida, foram descritos, para além de diversos bens móveis, os seguintes bens imóveis:
“Verba nº 9 – Prédio urbano sito no lugar de _____, Concelho da _____, descrito na Conservatória do Registo Predial da _____ como parte do prédio _____, fls. 171, livro B-4, não averbado na construção e inscrito na matriz urbana da Freguesia de _____, sob o artigo _____, com o valor matricial de quatrocentos e trinta e dois mil escudos;
Verba nº 10 – Prédio urbano que se compõe de um bloco de casas de rés-do-chão, para quatro inquilinos, sita no lugar de _____, concelho da _____, freguesia de _____, parte do prédio _____, fls. 171 do livro B-4, da Conservatória do Registo Predial da _____, inscrito na matriz sob o artigo _____;
Verba nº 11 – Terra de cultura com a área de 5.553 m2 sita nas _____, _____, limites do Concelho da _____, confrontando a norte com ESF, a sul com Estrada de _____, a nascente com MA e Outros e a poente com MPM, descrito na conservatória do Registo Predial da _____ sob parte do nº _____, fls. 171, Livro B-4 e inscrito na matriz sob o artigo ____, secção J;
Verba nº 12 - Prédio urbano composto por dois andares, dependência e quintal situado em _____, concelho de _____, descrito na 191 do Livro B-71, e inscrito na matriz sob o Art.º ____;
Verba nº 13 – Terra de cultura com seis oliveiras”;

6.– Nos referidos autos de inventário obrigatório por falecimento de MIC, foi elaborado o mapa da partilha e foram os bens adjudicados, nos termos seguintes:
– O valor total dos bens a partilhar foi dividido em duas partes iguais, constituindo uma parte a meação do inventariante e, a outra parte, a meação da inventariada;
– A meação do inventariante a ele lhe foi imediatamente adjudicada, como meeiro do casal;
– A meação da inventariada (ou a herança propriamente dita, como ali se refere), foi dividida em três partes:
a)- A quota disponível, à razão de uma terça parte, foi adjudicada metade de cada uma das verbas (móveis e imóveis);
b)- A quota indisponível, à razão de duas terças partes;
– A cada um dos filhos foi adjudicado 1/14 (um catorze avos) dos bens móveis e imóveis que integravam o acervo hereditário;

7.– Em 26/10/2011, a Ré MPJ apresentou requerimento de “inventário facultativo para partilha da herança aberta por falecimento de seu pai, BJB”, a qual deu lugar ao processo de inventário que correu termos como autos principais;

8. Desse requerimento consta:
“[…]
2.- O falecido havia sido casado com MIC que faleceu em __/__/____ […];
4.- À data da morte de MIC um dos seus descendentes era menor, pelo que, para partilha dos seus bens, correram autos de Inventário Obrigatório, neste Tribunal, registados na 2.ª Secção sob o n.º __/__ […]”;

9.Por despacho proferido em 26/10/2011, foi o Autor nomeado como cabeça-de-casal no inventário;
10.– Em 05/12/2011, o Autor foi citado para os termos do inventário, com cópia do requerimento inicial;
11.– Em 26/01/2012, a Autor, na qualidade de cabeça-de-casal, prestou compromisso de honra e declarou quais os herdeiros do inventariado, solicitando um prazo para a apresentação da relação de bens, o qual foi concedido – 30 dias;
12.– Em 28/02/2012, o Autor, na qualidade de cabeça-de-casal, apresentou relação de bens por óbito de BJB;

13.– Nessa relação de bens o Autor incluiu, como activo da herança:
“VERBA N.º 1
Prédio composto por uma parte mista e outra urbana, sito no _____, Freguesia de _____, Concelho de _____, inscrito na matriz urbana sob o art.º _____ e na matriz rustica sob o artº _____, com o valor de 8 295,22€.
VERBA Nº 2
Prédio urbano para habitação sito na ____, Freguesia de _____, Concelho da _____, inscrito nas matrizes urbanas sob o Art.º ____, (Protesta juntar documento comprovativo) todos da freguesia de _____, e descrito na C.R.P. da _____, com o n.º _____ com o valor de 55.000,00€”;

14.– Com esse requerimento o Autor juntou, entre outros, cópia da habilitação de herdeiros notarial por óbito de MIC e certidão de registo predial do prédio urbano descrito como verba n.º 2, registado em nome de “BJB, casado com MIC no regime de comunhão geral”;
15.Por requerimento de 17/03/2012, o Autor juntou aos autos de inventário sete certidões matriciais relativas ao prédio urbano descrito como verba n.º 2;
16.– Em conferência de interessados, realizada em 18/04/2013, em que esteve presente o aqui Autor, não existiu acordo quanto à partilha, tendo sido realizadas licitações pelo Autor em oposição aos demais interessados (aqui Réus), os quais licitaram em conjunto;
17.– Na sequência das licitações, ambas as verbas do activo foram adjudicadas ao conjunto de interessados, com excepção do cabeça-de-casal (aqui Réus), pelos valores de €35.500,00 e €131.000,00, respectivamente;

18.– Em 11/07/2013, foi proferido o seguinte despacho:
“Procede-se a inventário em consequência dos óbitos de MIC e marido, BJB, falecidos em __/__/1977 e __/__/2010, respectivamente.
A inventariada exarou testamento, legando o usufruto ao seu então marido, aqui também inventariado, e caso o mesmo não fosse cumprido, deixando a sua quota disponível ao mesmo, o que, salvo melhor opinião, não releva para os presentes autos, porquanto o herdeiro testamentário não pode já beneficiar do usufruto (de natureza intuitu personae) e a condição para benefício da quota disponível não se afere por verificada.
O inventariado não fez doações, testamentos ou qualquer disposição de última vontade.
O acervo hereditário é constituído por 2 verbas, imóveis, relacionadas de folhas 40 a 41. Não existe passivo.
Os inventariados deixaram como herdeiros os seus filhos, AJC, FCJ, MPJ, RMC, AMJ e ACJ.
Na conferência de interessados a que se procedeu, acordaram as partes em atribuir as verbas 1 e 2 aos interessados FCJ, MPJ, RMC, AMJ e ACJ, em regime de compropriedade, pelos valores de € 35.500 e € 131.000, respectivamente.
Foi cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 1373.º do Código de Processo Civil.
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Cumpre determinar o modo como deve ser organizada a partilha (conforme artigo 1373.º/2, do supracitado diploma legal):
Atento o preceituado nos artigos 2133.º/1/a), 2139.º/2, 2159.º/2 e 2162.º do Código Civil, proceder-se-á à partilha da herança pela seguinte forma:
Dividir-se-á o valor somado dos bens (conforme alcançados na conferência de interessados) por sete, achando-se a legítima de cada um dos interessados.
O preenchimento dos quinhões será feito conforme o deliberado na conferência de interessados, sendo adjudicados os bens conforme o aí decidido. Repõem tornas ao cabeça-de-casal AJC os interessados FCJ, MPJ, RMC, AMJ e ACJ.”

19.– Em 16/03/2015, foi elaborado mapa de partilha, do qual consta o valor das tornas a serem pagas pelos demais interessados (aqui Réus) ao cabeça-de-casal (aqui Autor);
20.– O mapa de partilha foi notificado ao Autor por ofício de 23/03/2015;
21.– Por requerimento de 26/03/2015, o Autor requereu a marcação de nova conferência de interessados (com a presença de um tradutor) por pensar que os bens lhe tinham sido adjudicados, por não compreender bem a língua portuguesa, e só se ter apercebido de que assim não o era com o mapa de partilha;
22.– Por despacho de 07/05/2015, foi o Autor notificado para esclarecer qual a necessidade de tradutor/intérprete, uma vez que se expressa na língua portuguesa;
23.– O Autor respondeu, por requerimento datado de 18/05/2015, em que alegou ter um conhecimento precário da língua portuguesa;

24.– Em 30/06/2015, foi proferido despacho a indeferir o requerido pelo Autor e foi proferida sentença homologatória da partilha nos seguintes termos:
“Nos presentes autos de inventário judicial para a partilha de bens subsequente à comunhão hereditária, em consequência dos óbitos de MIC e BJB, homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa exarado em 16/03/2015 (folhas 233 a 235), adjudicando as respectivas verbas aos interessados, assim preenchendo os correspectivos quinhões – artigo 1382.º do Código de Processo Civil (na redacção em vigor na data da autuação).
Custas pelos herdeiros / interessados, na proporção do que recebam (artigo 1383.º/1, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.“

25.– A referida sentença transitou em julgado sem que dela tenha sido interposto recurso;
26.– Em 04/04/2016, os demais interessados (aqui Réus) procederam ao depósito das tornas devidas ao cabeça-de-casal (aqui Autor), valor esse que foi incluído na conta final do processo;
27.– Em 21/02/2017 o Autor entregou no serviço de Finanças da _____ declaração Modelo 1 de IMI registada sob o nº _____, requerendo a inscrição de prédio omisso, relativamente ao prédio descrito como verba n.º 2, em regime de compropriedade, na proporção de ½ para o seu falecido pai BJB e de 1/14 para si e para cada um dos seus irmãos;
28.– No seguimento dos procedimentos de avaliação e após ter sido atribuído ao imóvel o valor patrimonial tributável de €498.330,00, valor que foi notificado aos demais co-titulares, vieram estes pronunciar-se quanto à avaliação;
29.– Por despacho de 24 de Maio de 2017, foi o Autor notificado do despacho da Sr.ª Chefe de Finanças da _____, anulando a sobredita declaração, dando igualmente conta de exposição efectuada pelos co-titulares, determinando que a ficha de avaliação nº _____não deveria “(…) produzir quaisquer efeitos, atendendo que a área mencionada como omissa (5856 m2), se reporta à totalidade da área, coberta e descoberta dos artigos _____, na titularidade dos pseudo co-titulares constantes da declaração modelo 1, entregue para avaliar tal área, novamente com excepção do declarante”.»
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3.2–DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO:

Por força do disposto no art. 7.º da Lei n.º 23/2013, de 05.03[2], é aplicável aos presentes autos o regime jurídico do processo de inventário anterior ao introduzido por esta lei, importando, por isso, trazer à colação o disposto nos arts. 1386.º e 1387.º do C.P.C., na versão à anterior à entrada em vigor daquele diploma, a propósito da emenda da partilha judicial.

Assim, dispunha o art. 1386.º, sob a epígrafe «Emenda por acordo»:
«1 - A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
2 - O disposto neste artigo não obsta à aplicação do artigo 667.º.»
Por sua vez, estatuía o art. 1387.º, sob a epígrafe «Emenda na falta de acordo»:
«1 - Quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em acção proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.
2 - A acção destinada a obter a emenda segue processo ordinário ou sumário, conforme o valor, e é dependência do processo de inventário.»

Antes de avançarmos, importa ter presente que a emenda à partilha não se confunde:
- nem com uma “nova partilha” (art. 1385.º);
- nem com a anulação da partilha (art. 1388.º).
No caso concreto o que se pretende é a emenda da partilha efetuada no âmbito do inventário aberto por óbito de BJB, pai do autor e dos réus, e no qual aquele exerceu funções de cabeça-de-casal.
Segundo Lopes Cardoso, não deve entender-se que «só pode ser emendada a partilha em que tenha havido erro de facto na descrição ou na qualificação dos bens e que todas as vezes que o erro não recaia sobre a descrição ou qualificação não podem as partilhas ser emendadas, sendo unicamente legítimos os recursos que a lei faculta ou outra qualquer forma de sanar as irregularidades cometidas.
Será incorrecto pensar assim.
Não pode, em rigor, reputar-se taxativa a enumeração das causas da emenda da partilha, nem essa conclusão é autorizada por as terminantes regras do art. 1386.º-1, preceito que, por excepcional, não admite interpretação extensiva.
Esta opinião é abonada pelo facto de o artigo em causa não dispor, por forma expressa, que a partilha somente pode ser emendada nos casos indicados. Se a emenda da partilha fosse unicamente permitida para eles, o emprego do advérbio tornava-se indispensável para deixar sem contestação a natureza taxativa da norma.
Que a interpretação exposta é a única consentida resulta ainda dos próprios termos em que se encontra redigido o preceito, pois, a par do erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, faz-se referência a “qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes”. A expressão é singularmente genérica e vaga, imprópria de norma taxativa pela vastidão que comporta e bem significativa quanto ao seu conteúdo. Acresce que a finalidade proposta pelo art. 1386.º-1 preenche-se mais rigorosamente alargando a esfera da sua aplicação e consentindo a emenda da partilha para notórios casos de erro, tomando como ponto de partida a viciação da vontade dos interessados.
(...)

A lei processual reporta-se a dois aspectos distintos do erro de facto causal de emenda da partilha:
a)- O erro de facto na descrição ou qualificação dos bens;
b)- Qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes (art. 1386.º-1).
Como erro de facto na descrição considera-se toda a descrição que não corresponda à verdade, designadamente a descrição dum prédio urbano por rústico, um móvel por um imóvel ou, dentro de cada uma destas categorias, quando tenha sido descrito como de três andares um prédio de um andar único ou uma quinta por um terreno centeeiro, ou vícios ocultos da coisa ou falta de conteúdo ou extensão.
Erro de qualificação existe na hipótese de se considerar como livre um prédio sujeito a cláusula fideicomissária, ou na de se mencionarem como pedras preciosas simples bagatelas, etc ...
Estes erros (na descrição ou na qualificação) operam por si mesmos, isto é, não se torna necessário alegar e provar quaisquer outros requisitos para, com base neles, peticionar a emenda, porquanto viciam gravemente o objectivo que a partilha se propõe alcançar.
Já não nos demais erros de facto (v.g. estar o requerente na ignorância da extensão, natureza, características e valor dos bens inventariados), erros que recaem sobre a qualidade dos mesmos bens e assim, sujeitos à regra do art. 1386.º-1, in fine. Neste caso torna-se mister alegar e provar os requisitos gerais e especiais desse erro, nos precisos termos dos arts. 247.º e segs. do Cód. Civil.
De maneira que erro susceptível de viciar a vontade das partes é uma fórmula muito ampla, abrange uma generalidade de erros, designadamente os casos de se atribuírem valores superiores ou inferiores aos bens da herança, na hipótese de se não terem averbado na descrição os novos valores constantes duma segunda avaliação e aos quais se não atendeu ou nos casos de desconhecimento completo da extensão, natureza, características e valor dos bens da herança partilhada na convicção errada de equilíbrio de valores, na composição de cada um dos quinhões adjudicados.
(...) também o erro de direito é causal da emenda da partilha.
Tal erro, para relevar, há-de recair sobre a vontade dos interessados por forma a viciá-la, induzindo-os em engano e de modo a influenciar a manifestação dos que intervieram no inventário e vêm a ser vítimas desse erro.
Erro de direito susceptível de viciar a vontade das partes pode consistir no convencimento de que determinados bens pertencem a uma herança quando, julgado o inventário por sentença, vem a reconhecer-se que, efectivamente, dela não fazem parte.
Prende-se com esta a questão de saber se o erro causal da emenda tem de ser necessariamente objectivo ou material ou se poderá ser subjectivo ou pessoal. No primeiro sentido pronunciou-se certo aresto do Supremo ao proclamá-lo expressamente, reportando-se ao erro proveniente duma falsa noção de um co-herdeiro ou interessado quanto à qualidade, natureza ou espécie dos bens partilhados ou dos direitos e obrigações que fica tendo o co-herdeiro a quem eles venham a tocar em partilha; no segundo manifestou-se Alberto dos Reis.
Afigura-se-nos líquido que só o erro objectivo é susceptível de emendar a partilha, pois todo o erro deve ter este conteúdo para ser atendido em ordem a obter-se este fim. Doutra forma abrir-se-ia campo raso perante a emenda com dispensa de prazo para a obter através de acção idónea (Cód. Proc. Civil, art. 1387.º). Por assim dizer, a sentença jamais transitaria.»[3].
No dizer de Rabindranath Capelo de Sousa, há lugar à emenda da partilha se tiver ocorrido:
a)- erro de facto na descrição ou qualificação dos bens;
b)- qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.
Segundo o Autor a lei autonomiza no art. 1386.º o erro de facto incidente sobre a descrição (v.g., a descrição por erro de um prédio urbano como rústico) ou sobre a qualificação (v.g., a qualificação por erro como bem em propriedade plena de um prédio usufruído ou sobre o qual incida um mero direito de superfície) dos bens partilhados de qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes. Daí, afirma, haja quem sustente que os primeiros erros operam por si mesmos, sendo possível a emenda da partilha, mesmo na falta de acordo dos partilhantes, sem se provar quaisquer outros requisitos. Porém, Vaz Serra[4], inclina-se no sentido de que mesmo os erros sobre a descrição ou a qualificação dos bens partilhados têm de ser suscetíveis de viciar a vontade das partes nos termos gerais dos arts. 247.º e segs. do Código Civil.
No seu entender há que contar com razões de natureza processual, não pretendendo a lei que existam dúvidas tão significativas sobre o objeto da partilha judicial, v. g., para efeitos de proteção de terceiros. O erro sobre a descrição e a qualificação dos bens judicialmente partilhados reflete-se no próprio mapa da partilha e na subsequente sentença homologatória da mesma, acarretando, por isso, inveracidades e incertezas de na natureza objetiva sobre a partilha chancelada por uma sentença judicial.
Por isso, defende o mesmo Autor que os erros de descrição ou de qualificação dos bens partilhados dão lugar à emenda da partilha, por si mesmos, ainda que na falta de acordo de todos os partilhantes, desde que os vícios não possam ser corrigidos nos termos do n.º 1 do art. 1386.º, ou seja, por via do art. 667.º, ambos do C.P.C., na versão do diploma a que nos vimos reportando.
Quer o erro seja de facto e incida sobre outros elementos que não a descrição ou a qualificação dos bens partilhados, quer seja um erro de direito, e desde o mesmo seja suscetível de viciar a vontade das partes, deve, nesse caso, aplicar-se integralmente o disposto nos arts. 247.º ss do C.C., para efeitos de apuramento da relevância do erro.
A emenda da partilha judicial por erro, e continuamos a seguir Rabindranath Capelo de Sousa, terá lugar mesmo que tenha transitado em julgado a sentença homologatória da partilha (1.ª parte do n.º 1 do art. 1386.º e n.º 1 do art. 1387.º) e quer haja acordo de todos os interessados na partilha ou dos seus representantes (art. 1386.º) quer não haja tal acordo (art. 1387.º), só que, neste último caso, tal emenda tem de ser pedida em acção judicial própria proposta pelo lesado dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.
Se o conhecimento do erro é anterior à data em que é proferida a sentença (...) a emenda do erro deve ser pedida no incidente de reclamação do mapa da partilha. Se o conhecimento do erro é anterior à data do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha mas posterior à data em que foi proferida tal sentença, sustentou Alberto dos Reis, na qualidade de autor do Projecto do Código de Processo Civil de 1939 (...) que tal erro devia ser invocado no processo do recurso da mesma sentença.
Tais posições são as que se afiguram mais ajustadas, não só com a letra do n.º 1 do art. 1387.º, mas também com o facto de, entre nós, o problema da emenda da partilha só se colocar face ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha (art. 1386.º, n.º 1).
Simplesmente, se no processo de inventário tiver havido acordo de todos os interessados sobre a forma da partilha e um deles estiver em erro, são aplicáveis, então, para efeitos de anulação da partilha e por força dos arts. 1388.º, n.º 1, e 771.º, al. d)[5], os prazos gerais de relevância do erro (arts. 247.º ss., e 287.º, ambos C.C.), mesmo que o conhecimento de tal erro seja anterior à sentença homologatória desde que posterior ao acordo[6].
Posto isto, e retornando ao caso concreto, à luz dos considerandos doutrinários expendidos, torna-se evidente que a situação descrita na petição inicial não configura qualquer situação de erro, de facto ou de direito suscetível de conduzir à emenda da partilha.

Não se alega, nem se vislumbra que exista:
– qualquer erro de descrição ou de qualificação dos bens partilhados;
– qualquer situação de erro susceptível de ter viciado a vontade de quem quer que seja, sendo que, conforme decorre do excurso doutrinário que antecede e é unanimemente reconhecido pela jurisprudência, tal erro teria de apresentar as características do erro-vício da vontade: essencialidade ou causalidade, propriedade e escusabilidade ou desculpabilidade.
Trata-se, o erro-vício, como cristalinamente ensina Manuel de Andrade, de um erro que «consiste na ignorância (falta de representação errada) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.
Trata-se pois de um erro que se insinua na motivação da vontade negocial do declarante, que recai sempre nos motivos determinantes dessa vontade.»[7].
Coincidentemente, Carlos Mota Pinto afirma que tal erro se traduz «numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exato conhecimento da realidade -, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou.
Trata-se, pois, de um erro determinante nos motivos determinantes da vontade - daí os juristas alemães falarem em erro-motivo[8].
Em suma, pois, o erro-vício prende-se como os motivos determinantes da vontade negocial, daí dizer-se que se trata de um vício da vontade, correspondendo, portanto, a uma divergência entre a vontade efectiva e a vontade que o declarante enganado teria tido se não estivesse sob a influência do erro, distinguindo-se, assim, do erro na declaração, ou erro-obstáculo, que se traduz numa divergência entre a vontade real e a vontade declarada.
Constitui uma perturbação do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo direito, como ilegítimos; ou seja, a vontade não se formou de um modo julgado normal e são: a parte não erra na formulação da sua vontade, mas erra na sua formação.
É evidente que nada do alegado na petição inicial configura uma situação de erro-vício.
No entanto, ainda que alegada e demonstrada fosse uma situação de erro justificativa da emenda da partilha, a outra conclusão não seria possível chegar que não a de que havia caducado o respetivo direito de ação, nos termos do acima transcrito n.º 1 do art. 1387.º
Como bem se salienta na decisão recorrida, «foi o próprio Autor, e não qualquer outro interessado, que assumiu a qualidade de cabeça-de-casal e que apresentou a relação de bens de onde consta como acervo hereditário a totalidade dos imóveis, e não qualquer direito ou quota-parte da propriedade desses imóveis.
Em segundo lugar, porque o Autor foi interveniente no inventário efectuado por óbito da sua mãe MIC, pelo que não pode invocar o desconhecimento desse inventário para justificar a inclusão da totalidade dos prédios em sede de inventário por óbito do seu pai BJB.
Em terceiro lugar, mesmo que assim não fosse (por exemplo, por ser herdeiro apenas do segundo e não da primeira), no próprio requerimento que deu início ao processo de inventário, e do qual o Autor teve conhecimento aquando da sua citação, é referida a existência do inventário por óbito de MIC.
Em quarto lugar, porque foi o próprio Autor que licitou sobre a totalidade dos prédios em causa, em confronto com os seus demais irmãos, e recebeu o valor das tornas calculado sobre o valor oferecido por estes pela totalidade dos prédios.
Por fim, porque, admitindo-se existirem erros na identificação dos inventariados no despacho que deu forma à partilha e na sentença homologatória do mapa de partilha, esses erros só servem para reforçar a ideia de que se estava a partilhar a totalidade do património imobiliário por óbito dos pais de Autor e Réus, e não qualquer direito ou quota-parte sobre os imóveis. Não obstante, o Autor veio questionar a legalidade da conferência de interessados por, alegadamente, não ter compreendido o que lá se tinha passado, mas nunca, em momento algum, questionou o teor do despacho que deu forma à partilha ou a sentença homologatória proferida, não apresentando qualquer recurso desses despachos.
Pelo que, para nós, é demais evidente que nunca existiu nenhum erro – o Autor e os seus irmãos, aqui Réus, interessados no âmbito dos autos principais, sabiam que estavam a partilhar um acervo hereditário composto por dois imóveis propriedade, na totalidade, de ambos os seus pais, e assim o fizeram, voluntariamente.
Mesmo que assim não se entendesse, também é por demais evidente que a existência de um inventário por óbito de MIC e a partilha da totalidade dos imóveis no âmbito dos autos principais de inventário por óbito de BJB era do conhecimento do Autor em momento anterior ao da sentença homologatória da partilha, desde logo, e principalmente, porque foi o próprio que assim os incluiu na relação de bens por si apresentada em 28/02/2012. Pelo que, tendo a presente acção sido instaurada em 30/03/2018, sempre estaria verificado o prazo de caducidade previsto no artigo 1387.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na versão anterior à Lei n.º 23/2013, de 15 de Março, o que daria igualmente lugar à absolvição dos Réus do pedido (...).»
Nada mais nos parece haver a acrescentar, de tal forma se nos afigura correta a análise efetuada pelo tribunal a quo.
Posto isto, importa a analisar a questão litigância de má-fé do autor!
O tribunal considerou de má-fé a litigância do autor, e por isso condenou em multa cujo quantitativo fixou em 15 Unidades de conta, ou seja, em € 1.530,00.

Dispõe o art. 542.º do C.P.C./13:
1– Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2– Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a)- Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b)- Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c)- Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d)- Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 – (...).»

Considera o tribunal a quo que o autor, dolosamente, deduziu uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, pelo que atuou como litigante de má-fé.
Por isso, condenou-o no pagamento de uma multa, cujo quantitativo fixou em 15 UC’s, ou seja, € 1.530,00 (15 x 102,00 = € 1.530,00).
Para tanto, afirma-se na decisão recorrida que «reitera-se tudo o atrás descrito quanto ao conhecimento por parte do Autor dos factos que alega só agora ter tido conhecimento, resumidamente: foi o próprio Autor que assumiu a qualidade de cabeça-de-casal e que apresentou a relação de bens de onde consta como acervo hereditário a totalidade dos imóveis; o Autor foi interveniente no inventário efectuado por óbito da sua mãe MIC; no próprio requerimento que deu início ao processo de inventário, e do qual o Autor teve conhecimento aquando da sua citação, é referida a existência do inventário por óbito de MIC; foi o próprio Autor que licitou sobre a totalidade dos prédios em causa, e recebeu o valor das tornas calculado sobre o valor da totalidade dos prédios; o Autor nunca reclamou ou recorreu do despacho que deu forma à partilha e da sentença homologatória do mapa de partilha, dos quais resulta manifesto que se estava a partilhar a totalidade do património imobiliário por óbito dos seus pais.»
É nisto que o tribunal a quo fundamenta a condenação do autor como litigante de má-fé.
É certo que no desenvolvimento da fundamentação de tal decisão tece considerandos e juízos de valor acerca do procedimento do autor junto do Serviço de Finanças da _____ em __/__/2017.
Trata-se, no entanto, de matéria que em nada releva para a apreciação da conduta do autor neste processo, no sentido de se apurar se a mesma foi, ou não, dolosa (como afirma o tribunal a quo) ou gravemente negligente.
É que, tal como refere Menezes Cordeiro[9], a litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo.
Conforme refere Paula Costa e Silva, «regra geral, a concretização do elemento subjectivo do tipo dilui-se na concretização dos comportamentos da parte, reveladores de má fé. Se do conjunto dos resultados processuais se infere, por exemplo, que ela não podia ignorar (mesmo que ignorasse) que deduzira uma pretensão sem fundamento, está concretizada a sua má fé, fundada em comportamento processual negligente reprovável.
Quanto à concretização do dolo, ele revela-se numa intencionalidade da parte, quer na dedução de pretensão ou oposição infundada, quer na alteração ou omissão de factos, quer na violação do dever de cooperação, quer, por fim, na utilização maliciosa ou abusiva do processo ou dos meios processuais com vista a conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça. Assim e consoante os tipos, age dolosamente a parte que sabe que não tem razão quando deduz determinada pretensão ou oposição, a parte que sabe que procede a uma descrição dos factos essenciais não coincidente com a realidade, a parte que viola intencionalmente o dever de cooperação bem como a parte que sabe estar a fazer um uso reprovável, porque disfuncional, dos meios processuais ou do processo.»[10].
Já quanto à negligência grave, a Autora dá conta de algumas decisões jurisprudenciais, referindo que a mesma pressupõe que a parte haja actuado sem um mínimo de cautelas, sem qualquer espécie de ponderação, com omissão do dever de diligência exigível a qualquer pessoa que intenta uma acção. Uma imprudência grosseira na actuação da parte, um comportamento que possa ser qualificado como audacioso ou marcadamente temerário atingem o patamar da negligência grave, merecedora de censura. Ao invés, não deverá ser qualificado como gravemente negligente o comportamento da parte que revele simples leviandade ou imprudência, aquele que possa ser justificado com erro grosseiro; dá, no entanto, conta de que em sentido contrário, sustentando que o comportamento da parte, devido a erro grosseiro, integra já a negligência grave, uma vez que, se ela tivesse usado de um "mínimo de diligência", ter-se-ia dado conta da falta de razão da sua conduta, se pronunciou o S.T.J., em acórdão de 6 de Dezembro de 2001[11].
A propósito da al. a) do n.º 2 do art. 452.º do C.P.C.[12], afirma a Autora a que nos vimos reportando: «(...) litiga de má fé a parte que não devia ignorar que a pretensão ou a defesa que deduz não tinha fundamento. Quer isto dizer que a parte actuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspectos de facto, integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita. (...) identifica-se, através deste tipo, o dever da parte de indagar, antes de propor a acção, da fundamentação da sua pretensão. Na evolução deste tipo, o conhecimento efectivo quanto à falta de fundamentação foi substituído pela exigibilidade desse conhecimento. É compreensível a razão da alteração. Pressupor, para a condenação da parte, que fosse dado como provado o facto de que esta sabia efectivamente que a pretensão ou a defesa apresentadas careciam de fundamento equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra. Seriam seguramente escassas as situações em que, através dos índices disponíveis, se pudesse inferir o conhecimento da parte quanto à falta de fundamento da pretensão ou da defesa. Ora, bastando-se a lei com a exigibilidade de conhecimento - e, com esta referência, fazendo apelo implícito a uma boa fé subjectiva porque dependente de um estado de conhecimento efectivo ou exigível do agente -, a prova do facto pode ser feita a partir de índices externos, construídos sobre a parte média. Mesmo que a parte alegue a sua boa fé, entendida esta em sentido subjectivo, litigará de má fé se, não obstante não conhecer a falta de fundamento da pretensão ou da defesa, lhe fosse exigível que a conhecesse. A alteração do elemento do tipo respeitante ao conhecimento permite uma articulação entre os elementos subjectivos e objectivos. Se se prova que a parte sabia que a sua pretensão ou defesa careciam de fundamento e que, não obstante este conhecimento, as deduziu, a parte agirá dolosamente. A pretensão e a defesa são, em concreto, absolutamente injustificadas. É o núcleo duro da litigância de má fé.
Não sendo possível realizar prova sobre o conhecimento efectivo da falta de fundamentação, estará afastada a possibilidade de concretização do tipo doloso. A parte, se lhe for exigível o conhecimento do facto falta de fundamentação, ao actuar como actuou, formulando uma pretensão ou apresentando uma defesa com falta de fundamento, terá agido negligentemente, posto que só é logicamente admissível o resultado - no nosso caso, a prática de um facto - se ela houver violado deveres de indagação e cuidado. A parte apenas deduziu a pretensão que não tem fundamento, não porque assim quis, sabendo que a situação era de falta de fundamentação, mas porque, ao não indagar se a sua pretensão era fundamentada, no plano do facto e do direito, acaba por praticar uma acção com aquelas características.
Esta segunda passagem, respeitante à violação de deveres de cuidado, é fundamental no tipo negligente, já que, não sendo a conduta intencional, haverá que indagar se impendia sobre a parte um dever legal de evitar um resultado e se, através da violação de tais deveres, a parte "criou um risco não permitido que se concretizou no resultado típico" (...). Só neste caso o tipo estará preenchido ou, talvez ainda de modo mais preciso, somente se a parte viola os deveres de indagação devidos no caso concreto (perante o tipo concreto), o tipo negligente estará preenchido (...). A parte pratica um acto desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quanto à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável. É irrelevante se agiu prefigurando, mas não se conformando, com o facto de a pretensão ou a defesa carecerem de fundamento ou se nem sequer o prefigurou, uma vez que tenha violado os deveres de cuidado e de indagação que sobre ela impendiam. Quer isto dizer que, no contexto do art. 456/2/a), releva tanto a negligência consciente, quanto a negligência inconsciente, já que os dois tipos de negligência, com os quais opera o direito penal, são conjugáveis com a negligência grosseira.
A concretização do grau de exigibilidade quanto ao conhecimento da falta de fundamento da pretensão ou da defesa é realizada pela graduação da negligência, constante do corpo do n. 2, sob pena de desconformidade constitucional da norma enquanto regra sancionatória. Admitir a interpretação inversa seria admitir que o tipo pudesse alterar, ampliando, os elementos gerais do tipo de ilícito, entre os quais se conta a negliegência grave, enunciada no corpo da regra de tipicidade. Deste modo, e não obstante a expressão do art. 456/2/a) ser compatível com a negligência simples, para que a conduta da parte seja qualificada como conduta de má fé deverá ela ter agido com culpa grave ou negligência grosseira. Os elementos subjectivos da ilicitude, referidos no corpo do n. 2 do art. 456, têm, neste caso, a função de delimitar a actuação típica ilícita que poderia, na sua enunciação, ser preenchida com qualquer parâmetro de negligência. Só vale a negligência grosseira ou culpa lata.
Assim, para que a dedução de pretensão não fundamentada possa consubstanciar uma conduta típica de litigância de má fé a parte deverá ter actuado de modo particularmente negligente, ou seja, de um modo que permita sustentar estar-se perante "um grau essencialmente aumentado ou intensificado de negligência" (...). Só porque a parte actua com negligência supina é que ela se conduz e comporta como o faz. A generalidade das pessoas (...) ou todas as pessoas (...), pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado (...) age como agiu a parte. No fundo, o que estará em causa é uma ligeireza particularmente grosseira quanto ao modo como a parte configura a sua pretensão ou defesa, omitindo, nesta sua actuação, os mais elementares deveres de cuidado e de indagação.
A parte que actua com negligência grosseira viola de modo grosseiro os deveres de cuidado que são absolutamente básicos e que deveria ter cumprido antes de propor a acção ou de deduzir a sua defesa (...).
(...)
A última questão a merecer resposta em face do art. 456/2/a) respeita à eventual exigência de um dolo específico da parte. Para que a sua conduta seja típica exigir-se-á que, através dela, ela pretenda alcançar uma qualquer finalidade específica? É evidente que, à postulação, preside sempre uma finalidade típica: a parte quando pede alguma coisa, pretende provocar uma decisão favorável em seu benefício. A parte que se defende, pretende sempre evitar uma decisão desfavorável. Requerer-se-á a demonstração de que a parte que deduz uma pretensão sem fundamento queira obter uma decisão de procedência quando sabe que, não só não deveria ter provocado a intervenção do poder judicial, como ainda que, tendo-a provocado, a decisão deva ser de improcedência? Ou que a parte que se defende sem fundamento queira evitar a decisão de procedência, que é a decisão que ela não pode ignorar ser a devida?
O art. 456/2/a) dá resposta negativa a estas interrogações. Se parece evidente que a parte que sabe deduzir uma pretensão sem fundamento pretende obter uma decisão que, não obstante a sua conformidade aparente, é patológica porque não coincidente com os dados da realidade, prescinde a lei de uma sindicância quanto aos fins do sujeito processual (...). Se bem que, em última instância, "a conduta dolosa [se] destin(e) a surpreender a boa fé do tribunal (...) [procurando] além disso surpreender a boa fé da parte contrária" (...), o preenchimento do tipo de ilícito dispensa a aferição das finalidades do agente.»[13].
Na petição inicial vem alegado que o autor e o réu são filhos de BJB e de MIC, casados que foram um com o outro no regime da comunhão geral de bens e em primeiras núpcias de ambos.
Por óbito de MLVB sucederam-lhe, o seu cônjuge, BJB, e as partes nesta ação, autor e réus.

Procedeu-se a inventário por óbito de MLVB, com vista à partilha, além de vários bens móveis, dos seguintes imóveis:
Verba nº 9 – Prédio urbano sito no lugar de _____, Concelho da _____, descrito na Conservatória do Registo Predial da _____ como parte do prédio _____, fls. 171, livro B-4, não averbado na construção e inscrito na matriz urbana da Freguesia de _____, sob o artigo _____ (...);
Verba nº 10 – Prédio urbano que se compõe de um bloco de casas de rés-do-chão, para quatro inquilinos, sita no lugar de _____, concelho da _____, freguesia de _____, parte do prédio _____, fls. 171 do livro B-4, da Conservatória do Registo Predial da _____, inscrito na matriz sob o artigo _____;
Verba nº 11 – Terra de cultura com a área de 5.553 m2 sita nas _____, _____, limites do Concelho da _____, confrontando a norte com ESF, a sul com Estrada de _____, a nascente com MA e Outros e a poente com MPM, descrito na conservatória do Registo Predial da _____ sob parte do nº _____, fls. 171, Livro B-4 e inscrito na matriz sob o artigo ____, secção J;
Verba nº 12 - Prédio urbano composto por dois andares, dependência e quintal situado em _____, concelho de _____, descrito na Conservatória do Registo Predial de _____ como parte do Nº ____, fls. 191 do Livro B-71, e inscrito na matriz sob o Art.º ____
Verba nº 13 – Terra de cultura com seis oliveiras.

A partilha de tais bens efetuou-se nos seguintes termos:
a)- dividiu-se o valor dos bens em duas partes iguais, constituindo uma parte a meação de BJB, e a outra parte, a meação da inventariada;
b)- a meação de BJB foi-lhe imediatamente adjudicada, como cônjuge meeiro do casal;
c)- a meação da inventariada MIC, ou a herança deste propriamente dita, foi dividida em três partes:
– a quota disponível, à razão de uma terça parte, «foi adjudicada metade de cada uma das verbas (móveis e imóveis);
– a quota indisponível, à razão de duas terças partes.
A cada um dos filhos, o aqui autor e os aqui réus, foi adjudicado 1/14 dos bens móveis e imóveis que integravam o acervo hereditário.
Sucede que, por óbito de BJB, pai dos aqui, autor e réus, foi instaurado o competente processo de inventário, de que estes autos constitui apenso.
Este processo de inventário destinou-se apenas e tão só à partilha dos bens deixados por óbito de BJB.
Acontece que no âmbito deste inventário instaurado por óbito de BJB, o aqui autor não ficou com qualquer bem integrante da herança deste, tendo antes recebido tornas.
Assim, o autor continua titular de 1/14 do acervo patrimonial deixado por óbito de sua mãe.
Mais sucede que «na sequência das adjudicações respetivas subsequentes ao inventário judicial por óbito de MIC, não se procedeu à respectiva inscrição no registo».
Por isso, «erradamente, no âmbito do processo de inventário por óbito de BJB (...), foram relacionados (...) os seguintes bens:
a)- Verba nº 1 - Prédio misto sito no _____, Freguesia de _____, Concelho de _____, inscrito na matriz urbana sob o artigo _____ e na matriz rústica sob o artigo _____, com o valor de 8.295,22€
b)- Verba nº 2 - Prédio urbano para habitação, sito na Rua Estrada de _____ - Bairro _____, _____, Freguesia de _____, Concelho da _____, inscrito nas matrizes urbanas sob os artigos ______, todos da Freguesia de _____ e descrito na Conservatória do Registo Predial da _____, com o nº _____, com o valor de 55.000,00€
Resulta pois evidente que foi em absoluto desconsiderado que 7/14 avos daquele acervo patrimonial, havia sido já adjudicado em partilha, por óbito da mãe do autor, MIC.
Acontece que, «ignorando em absoluto a situação[14], o autor entregou no Serviço de Finanças da _____, a declaração Modelo 1 de IMI registada sob o nº _____, relativa à inscrição do prédio omisso descrito em b), na matriz, conforme documento que aqui se agrega e se dá por integralmente reproduzido.
Consequentemente,
No seguimento dos procedimentos de avaliação e após ter sido atribuído ao imóvel o valor patrimonial tributável de € 498.330,00, valor que foi notificado aos demais cotitulares, vieram estes pronunciar-se quanto à avaliação.
Por despacho de 24 de Maio de 2017, foi o Autor notificado do despacho da Sr.ª Chefe de Finanças da _____, anulando a sobredita declaração, dando igualmente conta de exposição efectuada pelos co-titulares, determinando que a ficha de avaliação nº _____ não deveria “ (…) produzir quaisquer efeitos, atendendo que a área mencionada como omissa (5856 m2), se reporta à totalidade da área, coberta e descoberta dos artigos _____, na titularidade dos pseudo co-titulares constantes da declaração modelo 1, entregue para avaliar tal área, novamente com excepção do declarante.”
Ou seja,
Vieram nessa altura os demais co-titulares expor que “tais imóveis lhes foram atribuídos por herança de BJB e mulher, seus pais, após partilha efectuada e em que o declarante AJC não recebeu qualquer imóvel, tendo em contrapartida recebido as tornas devidas.”, conforme de resto emerge da informação que se agrega e se dá por integralmente reproduzida.
De imediato, consultado o Registo Predial o Autor constata que os imóveis supra descritos estão registados integralmente a favor dos demandados, à razão de 1/6 para cada um.
Nada constando quanto aos 1/14 avos, anteriormente adjudicados no âmbito do processo de inventário nº __/__ da 2ª Secção (extinta) Tribunal Judicial da Comarca da _____.
Concluindo pois, nesse momento, que não havia sido efectuado o registo da partilha no âmbito do processo de inventário supra identificado, conforme seria obrigatório por força da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Código do Registo Predial aprovado pelo Decreto-Lei 4761 de 28/03/1967 e subsequentes alterações.
Tendo sido efectuado, somente e tão só, o registo da partilha do inventário por óbito de BJB.
(...) o Autor permanece comproprietário de 1/14 avos dos bens deixados por óbito de sua mãe, MIC.».

Por isso conclui pedindo o seguinte:
«Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ª mais avisadamente suprirá se requer:
a)- Seja excluído dos bens a partilhar 7/14 avos dos prédios relacionados sob as verbas n.º 1 e 2 da relação de bens de fls. (…), emendada a partilha refazendo-se o respectivo mapa e proferindo-se nova sentença homologatória e, em consequência,
b)- Seja ordenado o cancelamento das inscrições matriciais na Autoridade Tributária e Aduaneira e dos registos referentes à partilha judicial efetuados na Conservatória do Registo Predial da _____ e na Conservatória do Registo Predial de _____, relativos ao prédio inscrito na matriz urbana sob os artigos _____, todos da freguesia de _____ e descritos na C.R.P. da _____ sob o nº _____ e ao prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo _____ e na matriz rústica sob o artigo _____, descrito na C.R.P. de _____ sob o nº (…)
d) Tudo sem prejuízo da eventual correcção ao valor das tornas recebidas pelo Autor.».
Perante isto, e à luz dos considerandos doutrinários que antecedem, contrariamente ao entendimento do tribunal recorrido, não se nos afigura que o autor, dolosamente, ou de forma gravemente negligente, tenha deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
O que sucede, a nosso ver, é que o autor incorre em manifesto equívoco acerca dos pressupostos de que a lei fazia depender o deferimento da emenda da partilha, os quais, no caso concreto, como se afirmou, não se verificam[15].
Considera ainda o tribunal a quo que o autor litiga com má fé, pois que fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal.
Mais uma vez, não se nos afigura que assim seja.
Ainda segundo Paula Costa e Silva, «o tipo da al. d) do art. 456/2[16] é altamente complexo, sendo construído em torno de elementos objectivos e subjectivos. Para que este tipo se tenha por preenchido é necessário que a parte tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso, não apenas reprovável, mas manifestamente reprovável. Não obstante as críticas que a adjectivação possa merecer (...), supomos que a lei pretende acentuar que a conduta da parte apenas merece censura se o modo como exerce as diversas faculdades processuais for inequívoca ou claramente reprovável.
Ainda exige o tipo de ilícito do art. 456/2/d) que o uso manifestamente reprovável que a parte faz do processo esteja ordenado à prossecução de qualquer uma das finalidades descritas e que são, também elas, eticamente desvaliosas: retardamento injustificado do processo ou do trânsito em julgado, entorpecimento da acção da justiça, obstaculização, no plano instrutório, da descoberta da verdade, obtenção de um objectivo ilegal.»[17].
Na concretização do conceito de «objetivo ilegal», afirmam Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, que «o autor visa objetivo ilegal quando, por exemplo, quer atingir, com a ação, uma finalidade não tutelada por lei, em vez da correspondente à função que lhe é própria; o autor ou o réu visa objetivo ilegal quando, também por exemplo utiliza meios processuais como a reclamação, o recurso ou simples requerimento, para fins ilícitos, designadamente invocando fundamentos inexistentes.»[18].
Segundo Paula Costa e Silva, que continuamos a acompanhar, «na análise do tipo de ilícito do art. 456/2/d) há, desde logo, que chamar a atenção para o seu segmento inicial. O comportamento da parte só pode vir a ser qualificado de ilícito se ele for reprovável. A reprovação de uma conduta está directamente relacionada com a sua censurabilidade. Quererá isto significar que a parte só pode actuar tipicamente se o modo como usa o processo merecer um juízo de especial censurabilidade.
(...) Em suma (...), o tipo da al. d) pressupõe, atendendo ao seu trecho inicial, que a parte faça um uso censurável dos meios processuais ou do processo pelo que a concretização deste ilícito depende da possibilidade de concretização deste juízo de culpa.
(...) A verificação deste elemento não é suficiente para o preenchimento do tipo. Este impõe uma intencionalidade específica ou, dito de outro modo, um dolo ou um elemento subjectivo específico (...): a parte, ao usar o processo de modo reprovável, tem de ter querido atingir um dos fins concretamente indicados na regra. O seu comportamento, tal como pressuposto pelo tipo, é claramente um comportamento final: a parte instrumentaliza o processo ou os meios processuais para alcançar um fim, seja este o de atingir um objectivo ilegal (...), o de impedir a descoberta da verdade, o de entorpecer a acção da justiça ou o de protelar o trânsito em julgado da decisão. Curiosamente, e no que a esta última finalidade respeita, a lei clarifica que o protelamento, por si só, do trânsito em julgado, não constitui finalidade reprovável. (...).
A al. d) tem de ser analisada com cautela de modo a que se ultrapassem as dificuldades que suscita.
Em primeiro lugar, regista-se que nela se exige que o agente/a parte tenha actuado com uma intencionalidade específica. Não se faz depender o preenchimento do tipo da mera verificação circunstancial de certos efeitos desencadeados pelo comportamento. O tipo não se basta, v. g., com o facto de do uso manifestamente reprovável de meios resultar o entorpecimento da justiça ou o protelamento do trânsito em julgado. Nele se dispõe que a conduta da parte se dirija à produção destes efeitos. Esta conclusão resulta da descrição típica: a parte faz um uso manifestamente reprovável dos meios processuais com o fim de entorpecer a acção da justiça ou de protelar o trânsito em julgado da decisão. Se os pressupostos em que assentamos estiverem correctos, diremos que o tipo de ilícito da al. d) é um tipo doloso. Conforme se lê em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, "(e)mbora o proémio do n.º 2 ( ... ) não exclua a abrangência de qualquer das situações previstas nas suas alíneas, a al. d), com o conteúdo acima mencionado, dada a sua estrutura, certo é que pressupõe o dolo da parte".
O tipo da al. d) não convive com a sua comissão com negligência, mesmo que esta seja grave. Esta conclusão impõe-se porque "(a) negligência não depende da finalidade, mas da violação de deveres de cuidado e é, portanto, um elemento inteiramente normativo. A finalidade - qualquer que seja o seu conteúdo - é indiferente e pode mesmo não existir" (...). Se o tipo do art. 456/2/d) pressupõe a finalidade do agente, dirigida à obtenção de um concreto resultado, por referência ao qual é dirigido o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, a descrição típica é inconciliável com uma actuação negligente. A descrição típica opera uma restrição necessária dos elementos subjectivos do ilícito[19].
Nos Acs. do S.T.J. de 21.09.2016, Proc. n.º 06B2772 (Salvador da Costa), in www.dgsi.pt, decidiu-se que «embora o proémio do nº 2 deste artigo[20] não exclua a abrangência de qualquer das situações previstas nas suas alíneas, a da alínea d), pela sua estrutura, pressupõe necessariamente o dolo.».
Inexistem elementos que permitam concluir que o autor, dolosamente, tenha feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim específico de conseguir um objetivo ilegal.
Em suma, pois, e no que à questão da má fé diz respeito, não resulta dos autos que o autor:
- com dolo ou negligência grave, tenha deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar;
- com dolo, tenha feito do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um específico ou concreto fim ilegal,
antes se nos afigurando que instaurou a presente ação sem ter devidamente assimilados os pressupostos de que o n.º 1 do art. 1386.º do C.P.C., na sua versão acima indicada, faz depender a emenda da partilha.
*

IV–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar a apelação parcialmente procedente, em consequência do que:
a) revogam a decisão recorrida na parte em que condenou os autores como litigantes de má fé, em consequência do que os absolvem na condenação no pagamento:
– da fixada multa no montante equivalente a 15 Unidades de Conta;
– das custas do incidente de litigância de má fé;
b) mantêm, no mais, a decisão recorrida, ou seja, na parte em que julgou o pedido de emenda à partilha no âmbito dos autos principais, totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os réus de tal pedido.
As custas do recurso são a cargo do apelante – arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.


Lisboa, 8 se outubro de 2019


(Acórdão assinado digitalmente)


Relator
José Capacete

Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara


[1]A parte conclusiva da petição inicial não contém al. c).
[2]«O disposto na presente lei não se aplica aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem pendentes.»
[3]Partilhas Judiciais, Volume II, Almedina, 1990, pp. -552
[4]R.L.J., Ano 107.º, p. 40.
[5]Do C.P.C., sempre na versão a que nos vimos reportando.
[6]Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1993, pp. 368-374, e notas 1196 a 1198.
[7]Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 7.ª Reimp., Coimbra, Almedina, 1987, p. 233.
[8]Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2005, p. 504.
[9]A Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, p. 28.
[10]A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, p. 346.
[11]Idem, pp. 346-347.
[12]Correspondente à al. a) do n.º 2 do art. 456.º do C.P.C./95-96.
[13]A Litigância de Má Fé, cit., pp. 392-397.
[14]O autor reporta-se, ao que se percebe, à anterior afirmação de que «na sequência das adjudicações respetivas subsequentes ao inventário judicial por óbito de Maria Irene da Costa, não se procedeu à respectiva inscrição no registo».
[15]Isto, claro está, independentemente de, ainda que se mostrassem verificados os pressupostos da emenda à partilha, se encontrar caducado o respetivo direito.
[16]Correspondente, como já se disse, à al. d) do n.º 2 do art. 542.º, do C.P.C./13.
[17]Ob. cit., p 411.
[18]Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3.ª Edição, Almedina, 2017.
[19]Ob. cit., pp. 414-416.
[20]Refere-se ao art. 456.º do C.P.C./95-96.