Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4363/2007-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
TRABALHO SUBORDINADO
TRABALHADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
É da competência dos tribunais de trabalho por estarmos face a questões emergente da relação de trabalho subordinado (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, artigo 85.º, alínea b)-L.O.F.T.J.) a acção em que o trabalhador demanda a sua entidade patronal e um membro da respectiva Direcção responsabilizando-os por danos causados na sua honra e consideração pelo facto de, anulado o despedimento e reintegrado na empresa, não lhe ter sido dada qualquer tarefa, não lhe ser pago qualquer vencimento, ser impedido, pelo aludido membro da Direcção, de frequentar as instalações da empresa sendo ainda tratando de forma injuriosa.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I – RELATÓRIO

José […] instaurou, contra, Fernando […] e Associação […] acção declarativa de condenação seguindo a forma sumária, pedindo, em síntese que, os Réus sejam solidariamente condenados a pagarem-lhe a quantia total de Euros 10.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação, alegadamente, devida a título de indemnização pelos danos morais que lhe causaram, atingindo a sua honra e consideração enquanto se encontrava ao serviço da 2ª Ré  na qualidade de motorista.

Os Réus contestaram, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria e a prescrição, impugnaram ainda a factualidade articulada, declinando qualquer responsabilidade e pugnando, em suma, pela sua absolvição.

O Autor apresentou resposta à matéria das excepções sobre as quais conclui não se verificarem, defendendo a continuação da lide conforme peticionado.        

O tribunal decidiu finalmente pela procedência da excepção da incompetência em razão da matéria e julgando competente o tribunal de trabalho para a tramitação da causa, absolveu os RR da instância. 

Desta decisão o Autor interpôs recurso admitido como de agravo de subida imediata e efeito suspensivo, qualificação que nesta instância se manteve. 

Em remate das suas alegações o agravante concluiu que:

a) Face à matéria de facto alegado pelo autor, ora agravante, e para a natureza do pedido formulado por ele, não pode deixar de concluir que o autor não invoca na presente acção qualquer questão emergente da relação de trabalho celebrado entre o autor e os réus;
b) Por exemplo, o ora agravante não pede que lhe sejam pagos os vencimentos em atraso;
c) O ora agravante apenas de forma indirecta e explicativa relata a situação laboral para se perceber a forma como os réus, Fernando […] e Associação […], através da sua direcção, com os seus comportamentos vexaram, injuriaram e difamaram o autor, ora agravante, publicamente, nomeadamente perante as pessoas das suas relações, os seus ex-subordinados e colegas;
d) Assim como o não pagamento dos vencimentos ao ora agravante o impossibilitou de fazer face às suas despesas familiares e honrar os compromissos assumidos perante o Banco BPI;
e) Factos que pela sua gravidade causaram grande sofrimento, dor angústia e forte depressão ao ora agravante;
f) Assim, na presente acção não se discute se os réus violaram as leis laborais, mas sim se praticaram os actos relatados na petição inicial, ou seja se os réus ofenderam o bom nome e a reputação do autor;
g) E em consequência, se houve violação concreta ou não por parte dos réus do disposto no artigos 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 70.º, do Código Civil, constituindo-se com a sua conduta dolosa, na obrigação de indemnizarem solidariamente o ora agravante, em sede não patrimonial;
h) Por outro lado, a presente acção é movida contra a Associação […] e Fernando […] e não existe qualquer vínculo laboral entre o ora agravante e o réu Fernando […];
i) Em consequência, face à pretensão formulada e à causa de pedir invocada na petição inicial, dúvidas não há, que o tribunal materialmente competente para tramitar e julgar a presente causa é o Tribunal Judicial […];
j) A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 18.º, n.º 1, 77.º, n.º 1, alínea a) e 85.º, alínea b) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99 de 13.1, e o artigo 66.º do Código de Processo Civil.

No final pede a revogação do despacho e a consideração da competência do Tribunal de Judicial […] para apreciar da acção.
Os Réus em resposta concluem pelo acerto do julgado, pronunciando-se pela negação de provimento ao agravo.
 
O Sr.Juiz sustentou tabelarmente a decisão.

Corridos os vistos, nada obsta ao conhecimento de mérito.

II-FACTOS
A matéria a considerar reconduz-se ao já constante do relatório.

III-ENQUADRAMENTO JURÍDICO

O thema decidendum é, nunca é demais frisar, delimitado pelo teor das conclusões, à margem das situações de conhecimento oficioso e outras de excepção expressas no texto legal, que do caso em apreço estão arredadas. 

Donde, o que demanda pronúncia por banda deste tribunal:

-É o Tribunal Comum o competente para apreciar da causa , ou, deverá atribuir-se a competência ao foro laboral?   

Começando por algumas perfunctórias considerações gerais sobre a matéria da competência em razão da matéria. 

A competência judiciária em razão da matéria é questão de ordem pública e apenas decorre da lei. A sua fixação apreciar-se-á em função da natureza da matéria a decidir, sendo que, no limite, o critério do legislador teve como padrão a atribuição da causa ao tribunal que mais vocacionado (idoneidade do juiz[1]) estiver para conhecer do objecto do pleito em concreto, buscando-se afinal a eficiência da organização judiciária.
 
Quanto aos tribunais da organização judiciária comum, a lei distingue entre tribunais de competência genérica e tribunais de competência especializada, de acordo com o disposto nos artº72 a 77 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais[2], seguindo-se o estabelecido a propósito no artº211 da Constituição da República Portuguesa.

E para a sua aplicação estabelece o artº67 do CPC (redacção conferida pelo DL 329 A /95 de 12/12)  o critério de opção:    «As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.”

Do que se infere que o legislador estabeleceu uma delimitação negativa, ou seja, aquilo que não for atribuído expressamente a um tribunal especializado é da competência dos tribunais comuns, representando, pois, estes a jurisdição subsidiária.

Por seu turno, estipula o artº85, al.) b da LOTJ que, compete aos Tribunais de Trabalho “…. conhecer, em matéria cível das questões emergentes de relações de trabalho subordinado…” .

É assim necessário verificar a natureza - cível ou laboral - da matéria em que assenta a acção  instaurada, para se saber, conforme ao critério acima  definido , se o conhecimento da relação jurídica subjacente, se inscreve na competência do tribunal comum -cível como alega o recorrente, ou, na competência do tribunal de trabalho, conforme resulta da decisão agravada.

É consabido que a competência do tribunal é determinada e aferida pelos termos em que a acção é estruturada pelo autor[3].

 Analisando a causa de pedir e pedido da acção.

O autor demanda os RR, respectivamente, o 1ºRéu na qualidade de dirigente da Ré e ela própria como contratante do Autor e, portanto, ambos responsabilizando pelo ressarcimento dos danos invocados, alegando, que estando ao serviço da Ré, na sequência de um despedimento que foi anulado por decisão judicial, foi apoucado e vexado na sua honra e consideração por virtude de o 1ºRéu não lhe dar qualquer tarefa e de publicamente se reportar à  sua pessoa em termos injuriosos, impedindo –o  de frequentar as instalações e não lhe pagando o devido vencimento.

Na verdade, a atender à factualidade articulada e não controvertida as partes relacionaram-se através de um contrato individual de trabalho a partir de 1992, data em que o R. foi admitido ao serviço da Ré como motorista e os factos lesivos invocados pelo Autor ter-se-ão verificado na vigência do referido contrato de trabalho-2003, após a decisão judicial do Tribunal da Relação de Évora que considerou nulo o seu despedimento e determinou a reintegração do Autor, na qualidade de trabalhador da Ré , dirigida pelo 1ºRéu, de quem recebia ordens.

É certo que, o Autor funda o seu pedido de indemnização na ocorrência de danos morais geradores de responsabilidade por acto ilícito, maxime, relativa à protecção da honra e consideração das pessoas, o que, não exclui o tratamento da matéria em sede da relação laboral que vigorava então e a aplicação do instituto nesse foro.

        

 De resto, seguindo de perto a orientação doutrinária segundo a qual o cariz social da relação laboral, a especificidade da jurisdição apenas deixa de justificar-se caso os factos em litígio ocorram após a cessação da relação jurídica laboral[4], o que não sucede na situação versada.

        

Em conclusão, estando a causa de pedir relacionada directamente com uma relação emergente de contrato de trabalho subordinado a competência material, para dirimir o conflito cabe ao Tribunal de Trabalho.

IV – DECISÃO

Do que vem exposto decide-se, negar provimento ao agravo, mantendo a decisão recorrida.

       

 Custas a cargo do agravante.

 Lisboa, 11 de Setembro de 2007

Isabel Salgado

Roque Nogueira

Abrantes Geraldes  

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[1] Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, I, Pag.106
[2] Lei nº3/99, de 13/1.
[3] Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, I, 1979, pag.91
[4] Citando o Prof. Menezes Cordeiro, in “Da situação jurídica-laboral, perspectivas dogmáticas do direito do trabalho” in separata da Rev..Ordem dos Advogados : « … a especialização do trabalho não apresenta quaisquer especialidades em face das outras prestações obrigacionais. As suas especialidades são sociais e derivam do entendimento de a força de trabalho ser a única mercadoria que os trabalhadores possuem, que tem que ser colocada no mercado para garantir a sobrevivência do seu titular. Mas quando essa situação cessa pela extinção da relação de trabalho - as questões que posteriormente possam surgir devem ser dirimidas em tribunal comum, uma vez que já não se está perante situações de cariz social que justifiquem a autonomização daquela jurisdição. ».