Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9676/2007-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PATENTE
INOVAÇÃO
NOVIDADE
RECUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Uma invenção é considerada nova quando não está compreendida no estado da técnica, considerando-se que uma invenção implica actividade inventiva se, para um perito na especialidade, não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica.
- O estado da técnica define-se como tudo o que, dentro ou fora do País, foi tornado acessível ao público antes da data do pedido de patente, por descrição, utilização ou qualquer outro meio.
(PLG)
Decisão Texto Integral:
            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :

            I – Relatório

1. A…, Ldª, interpôs recurso para o Tribunal de Comércio de Lisboa do despacho do Exmª Directora da Direcção de Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, de 26 de Maio de 2004, que lhe recusou o pedido de registo de patente de invenção nº…, apresentado em…, destinado a proteger o invento epigrafado como uma “frente multilinhas com discos rotativos” para ceifa do milho para silagem. Tal recusa teve por fundamento a falta de novidade, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 73º do Código da Propriedade Industrial (CPI), de 2003, em virtude de ter sido objecto de uma divulgação anterior, no âmbito da exposição CIMAG 2002, sem que a requerente tivesse declarado, no acto de apresentação do pedido, que a invenção fora efectivamente exposta.  
2. A interessada H…, S.A, foi citada, pronunciando-se em sentido favorável à manutenção do despacho recorrido.
            3. O Tribunal de Comércio negou provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido.
            4. Inconformada com essa decisão, a recorrente apelou dela, formulando as seguintes conclusões :
1ª A invenção objecto do pedido de patente em apreço consiste numa solução técnica inteiramente nova e original, inexistente no estado da técnica à data da apresentação do pedido, caracterizada pela possibilidade de acoplagem a máquinas corta-milhos de diversos tipos e marcas;
2ª – Os serviços do INPI apenas de debruçaram de forma superficial sobre o pedido de patente em causa, não tendo procedido, como lhes competia, ao exame a que alude o artigo 65º, nº 1, do CPI, partindo do princípio, errado, de que o pedido em apreço corresponderia a uma máquina exposta pela recorrente na feira CIMAG 2002; 
3ª – O pedido foi recusado apenas com fundamento em alegada falta de novidade;
4ª - Porém, ao invés do que é referido no parecer em que se baseara o despacho recorrido, nunca se reconheceu ter sido divulgada a invenção em foco em data anterior à apresentação do respectivo pedido de registo de patente, tendo-se limitado a juntar o documento que lhe foi solicitado pelo INPI;
5ª – Tanto assim que o próprio INPI veio aditar um novo fundamento de recusa, nunca tendo sido dada à recorrente a faculdade que lhe é atribuída pelo nº 2 do art. 65º do CPI;
6ª – A recusa da patente de invenção em causa não só contraria o disposto nos artigos 55º, 56º, 61º, 62º, 65º e 73º, nº 1, do CPI, como também contraria o princípio da colaboração com a requerente e colide frontalmente com a postura do próprio INPI que concedeu à recorrente o registo do modelo de utilidade nº 9834;
7ª – A sentença recorrida, embora referindo que o INPI aditou um novo fundamento de recusa, acabou por aderir a esse fundamento, sem que fosse dada, mais uma vez, à recorrente a possibilidade contemplada no nº 2 do artigo 65º do CPI;
8ª – A sentença recorrida fez, além disso, errada interpretação do conteúdo do pedido de patente de invenção, desde logo, no que respeita às respectivas reivindicações, descrição e desenhos;
9ª – Das reivindicações da patente de invenção em foco, aliadas aos respectivos desenhos e descrição, nos termos da lei, retira-se que esta é caracterizada pela possibilidade de adaptação a corta-milhos por meio de esquadro;
10ª – A recusa da sobredita patente, que é substantiva e objectivamente injusta e contrária à lei, desde logo em virtude de ter sido negada à recorrente a faculdade vertida no nº 2 do art. 65º do CPI, envolve enormes prejuízos para a recorrente e favorece actos de concorrência desleal;
11ª – Deve ser revogada a sentença recorrida por violar o disposto nos artigos 55º, 56º, 61º, 62º, 65º, 73º, nº 1, e 97º, nº 1, do CPI, e conceder-se o registo de patente de invenção nº 102.738 ou, pelo menos, se assim se não entender, permitir-se que a recorrente possa corrigir eventuais irregularidades de carácter formal, nos termos dos artigos 61º, 62º e 65º do mesmo Código.
5. A parte contrária apresentou contra-alegações em que conclui pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação

1. Do objecto do recurso

             Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC, o objecto do recurso é delimitado em função do teor das conclusões do recorrente.
            Nestes termos, as questões suscitadas consistem em saber :
a)– se as decisões recorridas violaram o preceituado nos nº 1 e 2 do artigo 65º do CPI, respectivamente, por não se ter procedido ao competente exame preliminar (nº 1) e, em seguida, permitido à recorrente regularizar o pedido de registo (nº 2);  
b) - se as decisões recorridas aditaram ilicitamente um novo fundamento de recusa;
c) – se ocorre erro de julgamento, por errada interpretação da lei aplicável, na verificação da falta de novidade que serviu de funda-mento de recusa ao pedido de registo da patente em apreço. 

2. Factualidade assente

Vem dada como assente a seguinte matéria de facto :
2.1. Por despacho de 26 de Março de 2004, a Exmª Directora da Direcção de Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por sub-delegação de competências do Conselho de Administração, recusou a patente de invenção nº …., sob a epígrafe “Frente Multilinhas com Discos Rotativos para Ceifa do Milho”, pedida em… de 2002;
2.2. Tal decisão de recusa foi estribada na seguinte fundamentação:
1. O presente pedido de patente, apresentado em …, visa proteger uma máquina agrícola para colheita do milho, com a epígrafe “frente multilinhas”, caracterizada por “possuir dois tambores equipados com dois discos rotativos, seis caixas de engrenagens, duas embraiagens, doze lâminas de corte do milho, uma caixa de inversão de movimento, uma roda dentada dupla, duas caixas de uma saída e carretos, conforme fig. 1;
2. No decurso do processo de estudo da candidatura ao Sistema de Incentivos à Utilização da Propriedade Industrial (SIUP) nº 42/00278, de 18/12/2002, foi detectada uma publicação da máquina objecto do pedido de patente, em data anterior à referida data de apresentação do pedido;
3. Trata-se da exposição da referida máquina na Feira Internacional da Galiza, CIMAG 2002, a qual decorreu durante o mês de Fevereiro de 2002, portanto, antes de ter dado entrada o pedido nacional de patente, o que se verificou, tal como referido em…;
4. Esta publicação foi considerada relevante para a apreciação da novidade do pedido de patente em causa e a referida candidatura ao programa de incentivos, a qual visava o apoio ao processo de protecção por patente da invenção, foi objecto de um parecer de recusa por falta de novidade.
5. Em 28 de Março de 2003, deu entrada no processo, um requerimento de junção dos seguintes documentos :
- uma carta dirigida ao Director de Patentes solicitando que a referida exposição fosse abrangida pelo disposto no nº 1, alínea a), do art. 52º do CPI de 1995, invocando dificuldades de vária ordem para não ter feito, em tempo, tal prova;
  - um certificado da entidade Fundación Semana Verde de Galícia, atestando a presença da empresa A…, Ldª, no referido certame CIMSAG 2002;
6. Sobre este requerimento recaiu um despacho de indeferimento do Director de Patentes com o seguinte teor : “Nos termos do art. 52º, nº 2, a novidade não seria prejudicada se o requerente tivesse declarado no acto do pedido que a invenção foi exposta na CIMAG. Assim o certificado não pode ter efeito sobre algo que não foi declarado. Indefira-se e dê-se conhecimento.”
7. Pode pois concluir-se do seguinte, pelos factos que constam junto ao processo:
    - a invenção foi objecto de uma divulgação anterior, no âmbito da exposição CIMAG 2002;
   - tal facto foi reconhecido pelo requerente, tendo feito prova dele pela junção de documentos comprovativos de que a referida divulgação teve lugar na referida data, anterior à data do pedido de patente; e
   - não foi considerado aplicável o regime previsto no artigo 52º do CPI de 1995, sobre divulgações não oponíveis, dado que só seria aplicável, nos termos do nº 2 do referido artigo, se o requerente tivesse declarado, no acto de apresentação do pedido, que a invenção foi efectivamente exposta nos termos previstos na referida alínea.
8. Nos termos do art. 55º do CPI de 2003, uma invenção é considerada nova quando não está compreendida no estado da técnica, sendo o estado da técnica constituído por tudo o que, dentro ou fora do País, foi tomado acessível ao público, antes da data do pedido de patente, por descrição, utilização ou qualquer outro meio (cf. Art. 56º do CPI).
9. Por outro lado, e nos termos do art. 51º do CPI, só podem ser objecto de patente as invenções novas.
Em conclusão : o pedido de patente nº 102.738 carece de novidade e deverá ser recusado, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 73º do CPC.
2.3. O pedido de patente de invenção nº 102.738 apresentava o seguinte resumo, acompanhado da figura reproduzida a fls. :
A frente multilinhas com discos rotativos para ceifa do milho destina-se a ceifar o milho e a introduzi-lo na máquina de ensilar. Frente multilinhas com discos rotativos para ceifa do milho caracterizada por possuir uma caixa de inversão (1), roda dentada (2), embraiagem (3), veio (4), quatro caixas de saída (5), duas caixas de uma saída (6), dois tambores (7), dois discos rotativos (8), embraiagens (9), veios (11), lâminas de corte (12), duas guias laterais (13), nove guias laterais (14), um esquadro (15), guias de entrada do milho (16). A frente multilinhas com discos rotativos para ceifa do milho permite a adaptação à máquina corta-milhos por meio de esquadro.
2.4. O pedido de patente de invenção nº 102.738 foi apresentado com a seguinte descrição :
            “Frente multilinhas com discos rotativos para ceifa do milho
               Objecto do modelo de invenção :
   O presente modelo de invenção diz respeito a um processo mecanizado com uma nova concepção técnica eficaz e de baixo custo para a ceifa do milho para silagem e abertura a caminhos, com uma vantagem no que diz respeito ao aumento de produtividade, uma vez que ceifa três linhas em cada passagem.
   Também a existência de discos rotativos mantém o corte das plantas do milho sempre perfeito e homogéneo, eliminando assim a entrada da terra junta com o milho, muitas das vezes as principais causadoras da má qualidade verificada nas silagens.
   Campo de aplicação do objecto do modelo :
  O presente modelo de invenção tem como campo de aplicação a ceifa do milho para a abertura de caminhos destinando-se a ceifar o milho e a introduzi-lo em simultâneo na máquina de silar, permitindo assim a obtenção de um espectacular aumento de produtividade colocando esta máquina ao nível das melhores automotrizes de três linhas, mas com custos na aquisição muitíssimo baixos.
   O estado da técnica :
   Salienta-se o facto de este ser o primeiro processo mecanizado de ceifa do milho e introdução em simultâneo na máquina de ensilar.
   Descrição do objecto do modelo de invenção :
   A frente multilinhas com discos rotativos para ceifa do milho destina-se a ceifar o milho e a introduzi-lo em simultâneo na máquina de ensilar.
  A frente multilinhas com discos rotativos para ceifa do milho é constituída por tambores (7), discos rotativos (4), caixas (8), embraiagem (9), lâminas (12), caixa de inversão (11), caixas de uma saída (10).
  A caixa de inversão (11) recebe movimento da máquina de ensilar e inverte-o transmitindo-o para a roda dentada e esta por sua vez para a embraiagem (9). A embraiagem transmite movimento ao veio e este aos carretos das caixas (8). De seguida o movimento é transmitido às rodas de coroa que estão no interior das caixas (10).
   As caixas (10) transmitem movimento aos tambores (7). Através do eixo dos tambores é transmitido movimento ao carreto (1) e este transmite-o aos carretos (2) e (3).
   Os carretos (2) e (3) transmitem movimento ao carreto (6) que transmite à flange (5) e esta ao disco (4) que contém as lâminas do corte do milho (12).
   A frente multilinhas com discos rotativos para ceifa do milho foi uma máquina estudada para ser aplicada no corta-milho (fig. 2 e 3). A sua aplicação permite duas posições de trabalho em relação ao tractor: lateral e marcha atrás.
   Descrição dos desenhos :
     Fig. 1 : perspectivas do multilinhas
    Fig. 2 : Alçado principal do corta-milhos acoplado ao corta-milho.
   Fig. 3 : Alçado principal do corta-milhos acoplado ao multilinhas.”  
            2.5. O pedido de patente de invenção nº 102.738 foi caracterizado pelas seguintes reivindicações:
1 – Frente multilinhas com discos rotativos para ceifa do milho caracterizada por possuir dois tambores equipados com dois discos rotativos, seis caixas de engrenagens, duas embraiagens, doze lâminas de corte do milho, uma caixa de inversão de movimento, uma roda dentada dupla, duas caixas de uma saída e carretos – fig. 1;
2 – Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir a caixa de inversão (1) que recebe o movimento da máquina de ensilar para o carreto da tomada de força invertendo-o e transmitindo-o para a roda dentada (2) e esta para a embraiagem (3) – fig. 1;
3 – Frente multilinhas com discos rotativos caracterizada por possuir uma embraiagem (3) que para além de transmitir movimento ao veio (4) e este por sua vez aos carretos das quatro caixas de saída (5) – fig. 1, tem a função limitadora de subcarga;
4 – Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir duas caixas de uma saída (6) que transmitem movimento aos tambores (7) – fig. 1;
5 – Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir dois tambores (7) equipados com discos rotativos (8) – fig. 1;
6 - Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1caracterizada por possuir a roda dentada dupla ligada ao veio (4) que transmite movimento à embraiagem (9) – fig. 1;
7 - Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir dois veios (II), que a partir das caixas (10) transmitem movimento aos discos (8) que contêm cada um seis lâminas de corte (12) – fig. 1;
8 - Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir  um chassis construído em tubo estrutural que confere à máquina uma dupla performance e uma grande diminuição do seu peso – fig. 1;
9 - Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir duas guias laterais (13) – fig. 1;
10 - Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir nove guias (14) das quais uma guia central, quatro guias esquerdas e quatro guias direitas, todas desmontáveis e fixas por parafusos e servindo de protecção – fig. 1;
11 - Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir um esquadro (15) com dois eixos que liga a frente multilinhas à máquina corta-milhos – fig. 1;
12 - Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir uma protecção e guias da entrada do milho (16) para a máquina corta-milhos – fig. 1;
14 - Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por permitir a adaptação à máquina corta-milhos por meio de esquadro (15) – fig. 2 e 3;
15 - Frente multilinhas com discos rotativos de acordo com a reivindicação em 1 caracterizada por possuir discos de corte (12) que têm uma rotação quinze vezes superior aos tambores (7) – fig. 1.
            2.6. A recorrente assistiu, como expositora, ao certame CIMAG 2002, ocorrido na Galiza em Fevereiro de 2002, onde apresentou a máquina reproduzida a fls. ;
            2.7. A recorrente apresentou no INPI, em 28/3/03, requerimento do seguinte teor :
A…, Ldª, portuguesa, industrial, com sede no…, requerente da patente de invenção nº 102.738, vem solicitar a V. Exª se digne autorizar a junção ao processo do Certificado comprovativo da requerente ter estado presente na CIMAG 2002 – Feira Internacional da Galiza.
Mais solicita que a exposição do invento no referido certame seja ainda abrangida pelo disposto no nº 1, alínea a), do art. 52º do CPI, já que, por dificuldades de vária ordem, não foi possível, atempadamente, fazer tal prova”.
            2.8. Sobre este requerimento recaiu despacho, datado de 28/3/03, com o seguinte teor :
Nos termos do art. 52º, nº 2, a novidade não seria prejudicada se a requerente tivesse declarado no acto do pedido que a invenção foi exposta na CIMAG.
Assim o certificado comprovativo não pode ter efeito sobre algo que não foi declarado.
Indefira-se e dê-se conhecimento ao requerente.
2.9. A recorrente é titular do registo do modelo de utilidade nº 9834 com a epígrafe “Máquina agrícola para colheita e corte do milho para ensilagem”, pedido em 26/8/2002 e concedido por despacho de 13/4/2004, publicado no BPI nº 6/2004 – doc. de fls. 21 a 26.   



3. Do mérito do recurso

3.1. Enquadramento preliminar

Em primeira linha, importa precisar que o objecto do presente recur-so incide, em última análise, sobre o objecto do despacho da Exmª Directo-ra de Patentes do INPI, de 26 de Maio de 2004, que recusou, por falta de novidade, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 73º do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec-Lei nº 36/2003, de 5 de Março -CPI/03 -, o pedido de registo de patente de invenção nº 102.738, apresentado pela ora apelante em 8 de Março de 2002. E que o fundamento da falta de novidade se estribou no facto de se considerar que a invenção invocada fora objecto de uma divulgação anterior, no âmbito da exposição CIMAG, realizada em Fevereiro de 2002, sem que o requerente tivesse declarado, logo no acto de apresentação do pedido de registo, que essa exposição se tivesse realizado, nos termos e para os efeitos do artigo do artigo 52º, nº 1, alínea a), e 2, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec.Lei nº 16/95, de 24 de Janeiro – CPI/95 -, em vigor à data da apresentação do pedido.  
            Seguidamente, há que ponderar qual a legislação aplicável, uma vez que o pedido de registo foi apresentado ainda na vigência do CPI/95, sendo que o despacho recorrido foi proferido já sob o império do CPI/ 2003, que entrara em vigo em 1 de Julho de 2003.
            Neste particular, o artigo 2º do Dec.Lei nº 36/2003, no que ora releva, consigna que :
Sem prejuízo das disposições dos artigos seguintes, as normas deste Código aplicam-se aos pedidos de patentes … efectuados antes da sua entrada em vigor e que ainda não tenham sido objecto de despacho definitivo.
            Trata-se portanto de uma norma transitória de aplicação retroactiva em relação aos pedidos pendentes à data da entrada em vigor do CPI/03. Tudo está agora em saber se e em que medida ficam ou não prejudicados alguns dos efeitos produzidos do domínio do CPI/95, questão abordaremos abaixo.

3.2. Da pretensa inobservância do disposto no artigo 65º do CPI/03

            Sustenta o apelante que o INPI não procedeu ao competente exame preliminar e à subsequente audição do requerente, ao que supomos, no âmbito e alcance da falta de declaração e prova sobre a divulgação anterior do invento, nos termos consagrados no artigo 65º, nº 1 e 2, do CPI/03, o que violaria o princípio da colaboração, tornando injusta a decisão tomada.
            Desde logo, cumpre observar que o normativo em referência tem em vista o controlo e eventual regularização dos requisitos estabelecidos nos artigos 61º, 62º e 63º do mesmo Código, mas já não os do artigo 57º, sobre as divulgações não oponíveis, até por que a preclusão do prazo de três meses, contado a partir do pedido de patente, conforme o previsto no nº 2 do art. 57º, não se nos afigura sanável.
            De qualquer modo, na fase preliminar do processo de registo em causa, ainda vigorava o regime do CPI/95, pelo que seria aplicável, quanto ao exame preliminar, o disposto nos artigos 63º e 64º desse Código. Mas também aqui a falta de declaração do requerente sobre anterior divulgação do invento não se mostrava sanável, na medida em que, nos termos dos nº 1º, alínea a), 2 e 3 do artigo 52º do CPI/95, tal declaração deveria ser logo apresentado no acto de depósito do pedido (nº 2) e comprovada até quatro meses após a data dessa apresentação.
            Improcedem pois, nesta parte, as conclusões recursórias 2ª, 6ª, 7ª e 10ª acima sumariadas. 

            3.3. Do pretenso novo aditamento ao fundamento de recusa

            A apelante sustenta que tanto o despacho do INPI com a decisão judicial, objecto do presente recurso, aditaram indevidamente um novo fundamento, consistente em considerar que a requerente, ao juntar aos autos o documento comprovativo da exposição anterior do invento teria reconhecido a identidade entre a máquina assim divulgada e a invenção para a qual foi requerido o registo de patente.
            Ora, da fundamentação do despacho em crise consta que :
   - no decurso do processo de estudo da candidatura ao Sistema de Incentivos à Utilização da Propriedade Industrial (SIUP) nº 42/ 00278, de 18/12/2002, foi detectada uma publicação da máquina objecto do pedido de patente, em data anterior à referida data de apresentação do pedido;
- se tratava da exposição da referida máquina na Feira Internacional da Galiza, CIMAG 2002, a qual decorreu durante o mês de Fevereiro de 2002, portanto, antes de ter dado entrada o pedido nacional de patente, o que se verificou, tal como referido em 8 de Março de 2002;
- esta publicação foi considerada relevante para a apreciação da novidade do pedido de patente em causa e a referida candidatura ao programa de incentivos, a qual visava o apoio ao processo de protecção por patente da invenção, foi objecto de um parecer de recusa por falta de novidade.
            Daí resulta que o fundamento em causa foi, ab initio, ponderado pelo INPI e que não foi a posição assumida pela ora apelante, ao requerer a junção do respectivo documento comprovativo, em 28 de Março de 2003, que veio trazer aos autos o referido facto; apenas veio confirmá-lo. É certo que a requerente tenta ainda assim negar que tenha havido um tal reconhecimento, mas a verdade é que ela procedeu à junção desse documento comprovativo com a declarada finalidade de ser abrangida pelo disposto no artigo 52º, nº 1, alínea a) do CPI/95. Daí que seja forçoso concluir pelo seu reconhecimento relativamente à identidade entre a máquina assim divulgada e a que é objecto do invento.
            Por conseguinte, não podemos falar aqui de um facto superveniente que fosse susceptível de surpreender a apelante, improcedendo assim as conclusões 4ª e 7ª acima sumariadas.

            3.4. Do pretenso erro de julgamento quanto à falta de novidade
           
            Como já foi referido, a falta de novidade que serviu de fundamento à recusa do pedido de patente em apreço estribou-se não na análise substan-cial da identidade entre o objecto da invenção e a máquina exposta na feira CIMAG de Fevereiro de 2002, mas antes no facto de essa identidade, inicialmente indiciada, ter sido reconhecida pela apelante, sem que tivesse feito tal declaração no acto de depósito do pedido de registo, como impunha o nº 2 do artigo 52º do CPI/95 então em vigor.
            Ora, à luz do disposto nos artigo 47º e 48º do anterior CPI/95, e do mais desenvolvido artigo 51º do actual CPI/2003, e como se afirma na fundamentação da decisão recorrida, “a patente de invenção é um direito de propriedade industrial que protege e premia a capacidade inventiva e a inovação, conferindo direitos de exploração exclusiva ao inventor e equilibrando o interesse deste com o da comunidade em geral, ao exigir-lhe a divulgação da tecnologia patenteada e garantindo o seu livre acesso findo o período de protecção”. Protege-se desse modo “uma solução que vem dar resposta a uma problema técnico, assim se distinguindo a invenção protegida pela patente da simples descoberta”.
            É por isso que a lei exige requisitos gerais de patenteabilidade sobre a novidade do invento, como os que se encontravam previstos nos 50º e 51º do CPI/95 e que hoje constam dos artigos 55º e 56º, sem diferenças essenciais, do CPI/2003. E, como se diz na decisão recorrida, esses requisitos são definidos fundamentalmente pela negativa.
            Assim, nos termos dos artigos 50º, nº 1 e 2, do CPI/95 e 55º, nº 1 e 2, do CPI/2003, uma invenção é considerada nova quando não está compreendida no estado da técnica, considerando-se que uma invenção implica actividade inventiva se, para um perito na especialidade, não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica.
            Por sua vez, quer o artigo 51º, nº 1, do CPI/95 quer o artigo 56º, nº 1, do CPI/2003 definem o estado da técnica como tudo o que, dentro ou fora do País, foi tornado acessível ao público antes da data do pedido de patente, por descrição, utilização ou qualquer outro meio.
            Porém, tanto o artigo 52º, nº 1, alínea a), do CPI/95, como o artigo 57º, nº 1, alínea a), do CPI/2003, prescrevem que :
   Não prejudicam a novidade da invenção as divulgações perante sociedades científicas, associações técnicas profissionais, ou por outro motivo de concursos, exposições e feiras portuguesas ou internacionais, oficiais ou oficialmente reconhecidas, se o requerimento a pedir a respectiva patente for apresentado em Portugal dentro do prazo de doze meses.
E o nº 2 e 3 do artigo 52º do CPI/95 exigia, para este efeito, dois requisitos formais : por um lado, que o requerente declarasse, no acto de depósito do pedido, que a invenção foi efectivamente exposta nos termos previstos na transcrita alínea a) do nº 1; por outro lado, que o requerente apresentasse prova da sua declaração até quatro meses após a data do pedido.
            Já o nº 2 do artigo 57º do CPI/2003 exige apenas que o requerente comprove, no prazo de três meses a contar da data do pedido de patente, que a invenção foi efectivamente divulgada nos termos previstos na alínea a) do respectivo nº 1.
            Deste modo, dá-se a possibilidade ao inventor de poder previamente testar junto do mercado o impacte do seu invento, mas estabelecem-se aqueles requisitos formais por razões de segurança jurídica na delimitação do estado da técnica.
            No caso vertente, aquando da apresentação do pedido de registo de patente, em 8/3/2002, e do respectivo controlo no âmbito do exame preliminar, traduzido no despacho de 28/3/2003, estava em vigor o CPI/95, pelo que era então exigido que o requerente do registo tivesse declarado, no acto de depósito do pedido de registo, a exposição da máquina na feira CIMAG de Fevereiro de 2002, o que não foi feito, como resulta da matéria dada como assente. E como já dissemos a falta deste requisito mostra-se insuprível.
            É certo que, face ao disposto no já citado artigo 2º do Dec.Lei nº 36/2003, de 5 de Março, que aprovou o novo CPI, o regime deste Código é aplicável aos pedidos pendentes, mas tal não pode significar, como se sustenta na decisão recorrida, que fiquem prejudicados os efeitos já produzidos, mormente por via do despacho da Exmª Directora de Patentes, de 28 de Março de 2003, que considerou irrelevante a junção do documento comprovativo por parte da requerente, dado que a declaração não fora oportunamente feita nos termos impostos pelo nº 2 do artigo 52º do CPI/95.
            Mas ainda que se pudesse questionar se a relevância desse requisito formal devesse ser feita, a final, à luz da nova lei, sempre haveria obstáculo quanto à oportunidade da sua comprovação, já que o novo prazo de três meses para fazer tal comprovação, sendo mais curto do que o prazo de quatro meses previsto no nº 3 do artigo 52º do CPI/95, nunca seria aplicável, nos termos previstos no nº 1 do artigo 297º do CC, porquanto o prazo de quatro meses, segundo a lei antiga, já se tinha exaurido.
            Nesta linha de entendimento, não se mostra que o despacho impugnado nem a decisão judicial recorrida tenham interpretado incorrectamente as normas legais aplicáveis.
            A apelante pretende, como solução de recurso, ressuscitar a questão sobre a falta de identidade entre o objecto do invento e a máquina exposta na feira CIMAG, mas, salvo o devido respeito, sem razão.
            Na verdade, como já foi referido, foi a própria requerente que reconheceu, através do seu requerimento de junção do documento comprovativo da apontada exposição, tal coincidência.
            Acresce que da epígrafe do pedido de registo e das reivindicações apresentadas não resulta demonstrada relevante distinção entre um e outra, sendo que nem tão pouco se apresenta adequadamente descrito o mecanismo de acoplagem a que se refere o ponto 11 das reivindicações.
            Em suma, não nos merece reparo a decisão recorrida.

            III – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando inteiramente a decisão recorrida.
            Custas pela recorrente.

     Lisboa, 12 de Fevereiro de 2008

    Manuel Tomé Soares Gomes

    Maria do Rosário Oliveira Morgado
                                  
    Rosa Ribeiro Coelho