Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1245/2005-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PROPRIETÁRIO
ASSEMBLEIA GERAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. A expressão "questões que deva apreciar", cuja omissão integra a nulidade da alínea d) do n.º 1 do art. 668º do CPC, não abarca as alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, pelo que não enferma de tal nulidade a sentença que não trata explicitamente considerações, argumentos e juízos de valor alegados pela parte. O que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se baseiam para sustentar o ponto de vista que defendem.
II. Estando o prédio dos embargantes situado dentro do perímetro de uma A.U.G.I., em princípio, não podia deixar de estar sujeito às deliberações das assembleias de proprietários dos prédios abrangidos pela mesma A.U.G.I..
III. Em todo o caso, as deliberações das assembleias podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado em acção de impugnação “intentada contra a administração conjunta, representada pela comissão de administração”.
III. Entendendo os embargantes terem sido lesados com a deliberação da assembleia de proprietários, por não deverem participar nas despesas ou não deverem participar com encargo tão elevado, só lhes restava impugnar judicialmente tal deliberação, no prazo e através da acção respectivos. E se o tivessem feito é que poderiam ter justificação para deduzir os presentes embargos. Como não o fizeram, a dedução dos presentes embargos está carecida de fundamento válido.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal Cível da Comarca do Barreiro, A e mulher, executados nos autos de acção executiva com processo ordinário, em que é exequente a Comissão de Administração da Área Urbana de Génese Ilegal da …, vieram por apenso à mesma execução deduzir os presentes embargos de executado, alegando em síntese que o prédio dos embargantes não pode ser inserido na A.U.G.I., uma vez não existe qualquer reconversão urbanística relativamente ao mesmo e sendo certo que a sua construção foi devidamente licenciada pela Câmara Municipal e não loteado ilegalmente. Refere que nunca foram informados de que qualquer ónus ou encargo que pudesse resultar da referida construção ou pudesse incidir sobre o seu prédio.

Mencionam, por outro lado, não lhes pode ser exigido o pagamento de despesas de reconversão urbanística, já que o seu prédio não vai ser objecto das mesmas, pois nada vai ser feito e nada está projectado que vá implicar qualquer alteração no prédio dos embargantes que tem água, luz, telefone, muros, passeios e fossa própria.

Alegam ainda que o prédio em questão foi por si adquirido em 1978, data em que tinha aplicação ao caso concreto o artigo 6º nº. 1 al. c) e d) do D.L. nº. 804/76 de 06 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº. 90/77, de 09 de Março e Despacho Normativo nº. 207/79, de 23 de Agosto. A existir qualquer responsabilidade em todo este processo a mesma só pode incidir sobre a administração, neste caso autárquica, que não actuou.

Referem que inexiste título executivo relativamente a si, já que as actas juntas à execução violam o direito de propriedade daqueles consagrado no Código Civil e na C.R.P. e ainda a própria lei das A.U.G.I. por falta dos pressupostos previstos nos artigos 1º nº. 2 e 3º da mesma, sendo que a execução viola o artigo 15º, nº. 1, alínea b) da Lei das A.U.G.I., bem assim a cláusula penal fixada viola o art. 16º, nº. 4 da mesma lei e, mesmo que assim não se entenda, é uma clara situação de abuso de direito (art. 334º do Código Civil).

Por outro lado, afirmam desconhecer em que é que consistem as obras de reconversão adjudicadas, já que a acta nº. 3 não é esclarecedora, desconhecendo ainda a sua publicação, assim como os relatórios da administração conjunta e as contas anuais e intercalares relativas a cada ano civil.

Terminam mencionando que nulidade do título executivo implica a nulidade da execução, o que constitui uma excepção de conhecimento oficioso e importa a absolvição dos executados da instância executiva (arts. 45º, 46º, 193º, 493º e 495º todos do Código de Processo Civil).

Notificada dos embargos, veio a embargada responder, alegando em síntese que os embargantes adquiriram “lotes” que juridicamente se tratam de verdadeiramente de parcelas de terreno, pois não resultaram de um processo de loteamento aprovado, não constituindo uma unidade de terreno juridicamente individualizada para construção, com área e confrontações definidas e devidamente demarcadas após loteamento aprovado pela Câmara Municipal, através de projecto elaborado dentro dos parâmetros da legislação em vigor, donde deriva a sua génese ilegal, vulgo “clandestina”.

Refere que tal parcela de terreno faz parte integrante da A.U.G.I. da …, por ter sido objecto de uma operação física de parcelamento destinada à construção, sem para o efeito ser dotado de competente licença de loteamento. Assim, constitui dever dos embargantes a reconversão urbanística do solo, nos termos do disposto no artigo 3º da Lei das A.U.G.I., o qual inclui precisamente o dever de conformar os prédios que integram a A.U.G.I. com o alvará de loteamento, nos termos a estabelecer pela Câmara Municipal, bem como o dever de comparticipar nas despesas de reconversão.

Alega ainda que as públicas-forma das actas n.ºs 3 e 4 juntas aos autos que contêm as deliberações das Assembleias de Proprietários que determinaram o pagamento das comparticipações nas despesas de reconversão, constituem título executivo, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 5 da Lei das A.U.G.I., e que, em resposta aos requerimentos por si entregues na Câmara Municipal em 05/03/2001, foi deferida a modalidade de reconversão da A.U.G.I. da …, passando a mesma a ser organizada como operação de loteamento da iniciativa dos proprietários, nos termos do artigo 1º alínea a) do artigo 4º da mesma Lei.

Menciona ainda que neste âmbito foi aprovada em sessão de Câmara 03/07/2001, a operação de loteamento da referida AUGI, conforme documento que juntam, sendo posteriormente foram elaborados os projectos de infra-estruturas, que foram aprovados por maioria absoluta dos proprietários presentes na Assembleia realizada em 17/06/2001 (acta nº. 3 junta aos autos), cujo extracto foi publicado no Jornal Correio da Manhã, conforme documento que juntam. Os projectos foram entregues na Câmara Municipal e foram aprovados em Sessão de Câmara de 02/01/2003.

Alegam também que os embargantes não impugnaram judicialmente no prazo de 60 dias a contar da data da publicação das deliberações da Assembleia o teor destas, sendo que, o facto de só agora virem os embargantes arguir tais questões é susceptível de reconduzir a uma situação de abuso de direito, uma vez que com a sua inércia criaram na embargada a convicção de que não se serviriam da omissão de qualquer formalidade para pôr em causa o processo de reconversão urbanística.

Termina pedindo que sejam julgados improcedentes os presentes embargos.

Prosseguiram os autos os seus trâmites, sendo proferido despacho saneador-sentença a julgar os embargos improcedentes e a ordenar o prosseguimento da execução.

Inconformados com a decisão, vieram os embargantes interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

(…)

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento da apelação, cumpre decidir.

Colocam os apelantes as questões:

a) …

b) Da nulidade da sentença por falta de pronúncia;

c) Da procedência dos embargos face à invalidade dos títulos.

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II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

(…)

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III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Antes de entrar na análise das questões colocadas no recurso pelos apelantes importa salientar que estes sindicam a decisão recorrida, não pelo conteúdo positivo da sentença, por aquilo que nesta foi considerado e decidido, de facto e de direito, mas por aquilo que nela não foi chamado à colação, sobretudo em matéria factual.

Sucede que o tribunal recorrido deu como assente o elenco factual que considerou pertinente para a apreciação das questões essenciais colocadas nos embargos e resolveu as questões aludidas da forma que entendeu por adequada em face do direito aplicável.

E perante a decisão proferida, os embargantes não colocam minimamente em crise a análise das questões resolvidas na acção, não tocam sequer na argumentação deduzida na sua resolução, limitando-se apenas a invocar factos por si alegados e que não foram considerados na sentença, procurando com base neles construir uma solução distinta para os embargos, à margem das considerações feitas na sentença. Porém, seria, no mínimo, exigível que se mostrasse que aqueles factos e questões que não foram tidos em conta na sentença colocavam em crise o que naquela foi ponderado e decidido, o que no recurso se não faz.

Assim, à partida o recurso parece votado ao fracasso.

Mas analisemos as questões colocadas pelos apelantes.

a) Da decisão sobre a matéria de facto.

(…)

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b) Da nulidade da sentença por falta de pronúncia:

Alegam os apelantes que a Ma Juiz não se pronunciou sobre:

(…)

E concluem os apelantes que a falta de pronúncia sobre todas as questões e factos atrás colocadas, nomeadamente e a título de exemplo o “abuso de direito”, “o destaque”, importa a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 668° e n.° 2 do Artigo 660° do C.P.C.

Ora, não parece que os motivos apontados pelos apelantes possam consubstanciar nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia.

Com efeito, só a omissão de pronúncia sobre questões em sentido técnico, questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para decisão da causa e de que não haja de facto conhecido, pode constituir a nulidade citada. A invocação de um facto ou a produção de um argumento pela parte, sobre os quais o tribunal se não tenha pronunciado, não pode constituir omissão de pronúncia para efeitos do disposto nas normas citadas. Se assim não fosse, o chamamento à colação pelas partes do facto mais irrelevante ou do menos sensato argumento, que não devessem merecer a menor ponderação e referência, poderiam inquinar de nulidade uma decisão judicial, que para não cair em tal vício teria de aceitar ou rebater, ponto por ponto, o que a propósito, ou sem ele, fosse alegado pela parte, o que, como é de linear bom senso, não seria admissível.

Como bem anota A. Neto em comentário ao art. 668º do CPC, “a nulidade prevista na 1.ª parte da al. d) do n.° 1 deste art. 668.° está directamente relacionada com o comando fixado no n.° 2 do art. 660.°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Tal norma suscita, de há muito, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão «questões» ali empregue, o qual é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico de Alberto dos Reis Cód. Proc. Civ. Anot., 5.°-54, que escreve: «... assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado».

No âmbito lógico deste raciocínio, doutrina e jurisprudência distinguem, por um lado, «questões», e, por outro, «razões» ou «argumentos», e concluem que só a falta de apreciação das primeiras — das «questões» — integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões” (In Código do Processo Civil, Anotado, 14.ª ed., pág. 702).

De facto, assim se entendeu no Acórdão desta Relação, de 2.7.69 que «a expressão "questões que deva apreciar", cuja omissão integra a nulidade da alínea d) do n.º 1 do art. 668º do CPC, não abarca as alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, não cometendo tal nulidade a sentença que não trata explicitamente considerações, argumentos e juízos de valor alegados pela parte» (publicado em JR, 15º).

E convém precisar o pensamento de Alberto dos Reis, já citado, quando escreve, a propósito: “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (in Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, a pág. 143) .

Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem as questões de que o julgador tem de conhecer, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia. Das demais não carece, necessariamente, de se ocupar.

Ora, no caso vertente a sentença recorrida não tinha que pronunciar-se sobre cada um dos factos ou razões aludido pelos apelantes, acima referidas, por não constituírem questões essenciais a dirimir na sentença.

Com efeito, na sentença dos autos foram seleccionadas as duas questões essenciais a resolver, com vista a aquilatar da validade, ou não, do título executivo, sendo tais questões as de saber se o prédio dos apelantes se encontrava, ou não, integrado na AUGI e se a deliberação da assembleia dos proprietários dos prédios integrados nessa mesma AUGI é vinculativa em relação aos apelantes.

E sobre estas questões foram produzidas respostas afirmativas com base na matéria de facto considerada como pertinente para o efeito e pelos fundamentos que se fizeram constar da sentença, fundamentos que, diga-se, os apelantes não cuidaram de colocar em crise, procurando antes ignorar a fundamentação aduzida para invocarem outros factos e argumentos para tentarem alcançar uma solução distinta da da sentença. Note-se que alguns desses factos nem sequer se mostram provados.

Não existe, pois, nulidade da sentença por falta de pronúncia, ainda que se reconheça que se deveria ter feito referência ao alegado abuso de direito, sobre o qual abaixo algo se dirá.

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c) Da procedência dos embargos face à invalidade dos títulos.

Alegam os apelantes que em face de toda a vasta factualidade alegada pelos Embargantes (factos descritos nos Artigos 1° a 95° dos Embargos), não impugnada e suportada documentalmente, que foi no essencial ignorada na sentença, era imperioso decidir, como se pediu em sede de embargos, pela sua procedência face à invalidade e nulidade dos títulos e, consequentemente, da execução, a qual devia ser declarada extinta nos termos alegados.

Ora, sendo verdade que uma parte substancial dos factos a que os apelantes aludem, se mostram na realidade provados, dos quais acima se fez o respectivo elenco, o certo é que tais factos não impõem solução distinta da acolhida na sentença, porque esses factos são compatíveis com os factos essenciais vertidos na mesma sentença e que fundamentaram solução diversa daquela que os apelantes desejariam de ver seguida.

É que apesar do que daqueles factos decorre, designadamente quanto às características do prédio dos apelantes, devidamente individualizado através das suas confrontações, registado na CRP e inscrito na matriz predial, à construção nele levada a efeito, devidamente licenciada pela Câmara Municipal (quanto à construção e habitação), às obras realizadas no prédio e aos pagamentos a que os apelantes procederam, relativamente a sisa, contribuição autárquica, mais valias, comparticipação nas condutas e ramal da água e das taxas pagas à Câmara Municipal e ao Estado, que lhes foram exigidas no âmbito do Processo de Construção, o certo é que, devidamente ou não, o prédio está situado dentro do perímetro da A.U.G.I. da … (cfr. doc. de fls. 110 a 122) e, consequentemente, abrangido pelas normas reguladoras das A.U.G.I.. E, como bem se refere na sentença, os apelantes não mostram que algo tivessem feito junto das entidades competentes para que o prédio fosse excluído do perímetro da A.U.G.I., sendo que não cabe no âmbito na presente execução e embargos decidir tal matéria.

E em sentido contrário, nem podem os apelantes invocar o eventual “destaque” do prédio, pois que este se pode verificar havendo, ou não, plano de urbanização ou plano de pormenor para o local (V. DLs 400/84, de 31/12 e 448/91, de 29/11).

E estando o prédio dos embargantes situado dentro do perímetro da A.U.G.I. da Quinta do Visconde, em princípio, não podia deixar de estar sujeito às deliberações das assembleias de proprietários dos prédios abrangidos pela mesma A.U.G.I..

Em todo o caso, o certo é que nos termos do n.º 7 do art. 12º da Lei das A.U.G.I. (Lei 91/95, de 2/9, com as alterações da Lei 165/99, de 14/9 e 64/2003, de 23/8) “as deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 5 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião”. O que nos termos do n.º 8 terá lugar em acção de impugnação “intentada contra a administração conjunta, representada pela comissão de administração”.

No caso dos embargantes se entendiam que foram lesados com a deliberação da aludida assembleia, por não deverem participar nas despesas ou não deverem participar com encargo tão elevado só lhes restava impugnar judicialmente tal deliberação, no prazo e através da acção aludidos. E se o tivessem feito é que poderiam ter justificação para deduzir os presentes embargos. Como não o fizeram, a dedução dos presentes embargos está carecida de fundamento válido.

E em sentido contrário também não podem invocar o abuso de direito. Senão vejamos:

Nos termos do art. 334º do CC, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Conforme salienta A. Varela, "para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito” (Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª ed., pág. 516).

Assim, existirá abuso de direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, do sentimento jurídico dominante, ainda que ajustado ao conteúdo formal do direito.

O abuso de direito, que até é de conhecimento oficioso, mesmo em recurso (Vd. BMJ 423 – 539), conduz à aplicação da sanção ou sanções adequadas ao caso concreto, figurando entre elas a de negar eficácia ao direito exercido em termos abusivos, precisamente por ser ilegítimo esse exercício.

No caso vertente invocam os apelantes que a presente execução integra uma situação clara de abuso de direito porque a actuação dos apelantes foi legal, quer a aquisição quer a construção, pagaram taxas e impostos e as obras de reconversão em nada vão beneficiar o seu prédio.

Ora, não parece que se esteja no caso em face de uma situação de abuso de direito, pois que apesar da legalidade da actuação dos apelantes, o certo é que o seu prédio, como se disse, está integrado numa AUGI. Para além disso, nem sequer está provado que as obras objecto da denominada reconversão só vão incidir sobre os outros prédios e que apenas consistam na construção dos muros, estradas ou arruamentos e que tais obras só vão beneficiar os vizinhos dos apelantes. Normalmente, numa urbanização, para além das infra-estruturas, impõe-se a construção de outras estruturas e equipamentos de natureza social, como zonas verdes, jardins, parques infantis, etc.

Daí que os factos alegados e provados nos autos não sejam suficientes para se concluir que a deliberação da assembleia de proprietários dos prédios abrangidos pela A.U.G.I., no que respeita ao encargo imputado aos apelantes, não se mostre ajustado ao que, em termos equitativos, lhes cabia suportar. Não se pode, assim, inferir por abuso de direito.

Deste modo se conclui também que não há fundamentos para considerar inválido ou nulo o título executivo, pelo que bem se decidiu na 1.ª instância ao julgar os embargos improcedentes.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

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IV. DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida.

Custas nas instâncias pelos apelantes.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2006.


FERNANDO PEREIRA RODRIGUES

FERNANDA ISABEL PEREIRA

MARIA MANUELA GOMES