Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ESTER PACHECO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETO DA PENA DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA RESISTÊNCIA E COACÇÃO ILICITUDE PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | Sumário: 1 - Prevendo a lei a respetiva punição, referente ao crime de detenção de arma proibida, pena alternativa de multa, a escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa dependerá de considerações de prevenção geral e especial. 2 - Não obstante a ausência de qualquer condenação anterior, é de afastar a aplicação de uma pena de multa, porquanto inadequada a satisfazer as necessidades de punição do caso atendendo à sua ilicitude global. É que a atuação não se limitou a uma mera detenção, tendo antes a arguida usado a faca de cozinha que lhe foi apreendida quer na direção da vítima, tentando desferir-lhe dois golpes na barriga, quer na direção da Agente da PSP, a quem inclusive se dirigiu com a mesma apontada, exponenciando o perigo que constitui fundamento da incriminação e evidenciando um grau de ilicitude que já não se satisfaz com a aplicação de uma multa. 3 – Face aos outros crimes igualmente cometidos pela arguida (violência doméstica e resistência e coação), punidos somente com penas de prisão, a unidade do sistema jurídico impõe que pelo único crime de entre os por si cometidos que admite a punição, em alternativa, em pena de multa, seja o mesmo também punido com pena de prisão. 4 – As exigências de prevenção geral são inquestionavelmente elevadas na medida em que estão em causa comportamentos atentatórios de normas que tutelam quer as relações de intimidade e exposição das vítimas a situações de especial vulnerabilidade (violência doméstica), quer o respeito e obediência devidos às autoridades (resistência e coação sobre funcionário), sendo ainda de destacar o sentimento de insegurança associado ao recurso a armas para a prática de crimes, tudo no sentido de repor a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas violadas. 5 - Confluem ainda exigências de prevenção especial relevantes, pois que independentemente da ausência de condenações anteriores, o que por si só não impressiona pois que é comum à generalidade dos cidadãos, não se identifica qualquer capacidade de autocensura, mas antes autocentramento e externalização do mal. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No processo comum coletivo n.º 161/23.0SXLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 6, em que são arguidas AA e BB, melhor identificadas nos autos, foi proferido acórdão, em 15/07/2025, que decidiu, para o que importa, nos seguintes termos (transcrição parcial): • Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de: i. Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.° 1 al. d) e n.° 2 al. a) do Código Penal, na pessoa de CC (em concurso aparente com um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145. ° n.° 1 al. a) e 2, ex vi artigo 132. ° n.°2, al. c) do Código Penal): - Na pena principal de 3 (três) anos de prisão. (…) ii. Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos artigo 2.°, n.° 1, alínea m), 3.°, n.°s 1 e 2, alínea ab), e 86.°, n.° 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pena de 9 (nove) meses de prisão; e iii. Um crime de resistência e cocção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.°, n.° 1 do Código Penal (em concurso aparente com um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145. °,n.° 1 al. a) e 2, ex vi artigo 132.°, n.° 2, al. I) do Código Penal, na pessoa de agente da PSP Rita Martins), na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão. • Operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas e condenar a arguida AA: • Na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão efectiva. (…) * • Condenar a arguida BB pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de: i. Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.°s 1, alínea a) e 2, a) Código Penal, na pessoa de CC: - Na pena principal de 3 (três) anos de prisão. (…) ii. Um crime de resistência e cocção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. • Operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas e condenar a arguida BB: • Na pena única de 3 (três) anos e 11 (onze) meses de prisão efectiva. (…) * Do arbitramento reparatório • Determinar o arbitramento a favor de CC, na qualidade de vítima, de: i. De € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, a cargo da arguida AA; e ii. De € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a titulo de danos não patrimoniais, a cargo da arguida BB - artigos 16.° do “Estatuto da Vítima”, aprovado pela Lei n.° 130/2015, de 4-9, artigos 1.°, alínea j), 67.°-A, n.° 1, alíneas a) - i) e b), e 82.°-A do Código de Processo Penal, artigo 21.°, n.° 2 da Lei n.° 112/2009, de 16 de Setembro, e artigo 1.°, n.°s 1 e 2, alínea a), da Lei n.° 104/2009, de 14 de Setembro. * Da responsabilidade civil (…) Do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante DD. • Julga o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante DD parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, em consequência, decide condenar a demandada AA a pagar à assistente/demandante DD a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora à taxa de juro aplicável de 4% (quatro por cento), segundo a Portaria n.° 291/2003, de 08 de Abril, desde a presente decisão, por actualizadora, até integral e efectivo pagamento - nos termos conjugados dos artigos 483.°, 496.°, 559.°, 566.°, n.° 2, 805.°, n.° 2, alínea b), e 806.°, n.° 1, todos do Código Civil, sendo no mais absolvido do pedido. (…) 2. As arguidas não se conformaram com as respetivas condenações e interpuseram recurso do acórdão 2.1. A arguida AA finalizou a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição): 1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido pelo douto Tribunal a quo, por via do qual se decidiu pela condenação do ora recorrente na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão efectiva. 2. Na verdade, a ora recorrente por via do presente recurso, pretende impugnar segmento da decisão recorrida que tange à pena efetiva de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses. 3. E fazemo-lo porquanto, é nossa convicção que poder-se-ia dar lugar à suspensão da execução da mesma, face ao enquadramento jurídico-legal configurado pelo douto acórdão e ao quadro de vida que resultou demonstrado em audiência de julgamento quanto à arguida AA. 4. O presente recurso tem assim, por objeto: substituição da pena de prisão - suspensão da execução da pena, medida da pena e redução dos montantes indemnizatórios. Da suspensão da Execução da Pena 5. Insta proeminar, que é neste tópico, - da Suspensão da Execução da Pena, que ocorre uma superlativa assimetria da arguida pelo tocante ao Acórdão exarado. 6. Neste reduto, foi desenvolvido o quadro teórico-jurídico alusivo à Suspensão da Execução da Pena. 7. Feito o apontado excurso, diga-se que, na situação em pauta, apesar da relevância dos factos cometidos pela arguida, impende, todavia, obtemperar que, os factos aqui em comento conformam uma situação episódica na vida da arguida. 8. A circunstância de a arguida não ter antecedentes criminais e não ter processos pendentes. 9. Vale ressurtir que a arguida já cumpriu quase um ano e meio em prisão preventiva. (tendo agora 64 anos). 10. A Recorrente parece revelar problemas do foro cognitivo, cuja avaliação clínica no domínio da psiquiatria poderia contribuir para ajudar a compreender eventuais problemas de saúde mental, os efeitos dos mesmos sobre o seu comportamento e as circunstâncias do seu modo de vida e bem assim, das suas reais necessidades de tratamento e de monitorização. 11. Dado como adquirido e sem discussão, o pressuposto formal (da suspensão da execução da pena), em virtude da arguida ter sido condenada a quatro anos e três meses de pena de prisão, termos de esmiuçar a, eventual, verificação do pressuposto material. 12. No nosso entender, deveria concluir-se por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento da arguida, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 13. Não vislumbramos, assim, como é que o Tribunal a quo não relevou todos estes factos para aferir a verificação do pressuposto material para a suspensão da pena de prisão da ora Recorrente, limitando-se a generalizações que se aplicam a todos os arguidos, 14. O Tribunal a quo deveria ter tratado de forma diferente, situações distintas, não o fazendo. Não atendeu à situação específica e idade da arguida, optando por a inserir em generalizações que não se lhe aplicariam. 15. A Recorrente reuniria o pressuposto material para a suspensão da sua pena, caso a sua situação tivesse sido analisada especificamente e fora de generalizações, devendo merecer um juízo de prognose favorável do julgador. 16. A prisão nesta altura da sua vida (64 anos e doente física/mental) nada de profícuo traria para a sua integração. 17. Seguros do que acabámos de mencionar, a verdade é que estamos em crer que a comunidade compreenderá e aceitará uma derradeira oportunidade que se decida conceder à arguida no sentido de recuperar, em liberdade, a sua reintegração na sociedade, sujeito a um rígido regime de prova e mediante o cumprimento de determinadas regras de condutas. A comunidade concordará e perfilhará o entendimento de que em liberdade a arguida recorrente terá um maior ensejo em se recuperar para uma vida conforme o direito e que as exigências que lhe serão feitas no âmbito do regime de prova e regras de conduta que se imporão serão bastantes para sublinhar quer o valor das normas violadas, quer o fulcral valor dos bens jurídicos protegidos por aquelas mesma normas. 18. Por outro lado, estamos convictos que a arguida não deixará “escapar por entre os dedos” a oportunidade, se este Tribunal de recurso decidir dar-lhe, crentes de que, em liberdade, arrepiará caminho, afastando-se da senda criminosa que vinha seguindo. 19. Não será a decisão de suspender a execução da pena de prisão á arguida AA que, no caso concreto, reúne condições para se poder elaborar um positivo juízo de prognose, que fará duvidar a comunidade do valor das normas. Ao invés, conquanto o julgador fizer pender sobre o agente do crime a espada da pena de prisão de 4 (anos) anos e 3 meses durante um período de tempo alargado. 20. Exigindo-se agora da arguida um esforço acrescido para corresponder às expectativas comunitárias de não voltar a delinquir. 21. Assim, e com o fito de alcançar todos os apontados desideratos, deve impor-se a arguida, no âmbito da pena de suspensão da execução da pena regras de conduta extremamente apertadas. Da medida da Pena 22. A pena infligida à arguida ora recorrente, é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso de per si reclama. 23. Nesta esfera, foram tecidos alguns considerandos teórico-jurídicos no que tange à Medida da Pena. 24. Neste alinhamento, pelo seu acerto e translucidez, valem em absoluto as excogitações tecidas na envolvência da acusação e comprovadas em julgamento e, posteriormente plasmadas no acórdão. 25. Vejam-se então as penas que se mostravam justas e apropositadas à arguida AA: 2 anos e 2 meses de prisão, pela prática de m crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.° 1 al. d) e n.° 2 al. a) do Código Penal, na pessoa de CC (em concurso aparente com um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.° n.° 1 al. a) e 2, ex vi artigo 132.° n.° 2, al. c) do Código Penal); 100 dias de multa, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos artigo 2.°, n.° 1, alínea m), 3.°, n.°s 1 e 2, alínea ab), e 86.°, n.° 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições; 2 anos de prisão, pela prática de um crime de resistência e cocção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.°, n.° 1 do Código Penal (em concurso aparente com um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.° n.° 1 al. a) e 2, ex vi artigo 132.° n.° 2, al. l) do Código Penal. 26. Em cúmulo jurídico perante o exposto, entende-se ser equitativa a fixação à arguida de uma pena única de 2 (dois) anos e oito (8) meses de prisão. Da Redução das Quantias Indemnizatórias 27. Os danos sofridos pela demandante (DD) e de CC, na qualidade de vítima e, que resultaram provados não revestem gravidade suficiente para os montantes indemnizatórios atribuídos pelo tribunal a quo. 28. A decisão recorrida não valorou todas estas circunstâncias, ou, pelo menos, não explicitou tal valoração, pois que na fundamentação do seu juízo equitativo apenas consignou, parcamente, as considerações genéricas. 29. Julga-se assim, adequado e suficiente, a fixação dos seguintes montantes indemnizatórios da responsabilidade da arguida, ora recorrente: Os danos sofridos pela demandante (DD) - 350 euros; os danos sofridos por CC - 500 euros. TERMOS EM QUE, PROCEDENDO OS ARGUMENTOS INVOCADOS, SEJA REVISTA A DECISÃO, TUDO NO SENTIDO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA APLICADA E, SE ALTERE A MEDIDA CONCRETA DA PENA APLICADA, DIMINUIDO-SE A MESMA, REDUZINDO-SE AINDA, OS MONTANTES INDEMNIZATÓRIOS. PELO QUE OS TERMOS E FUNDAMENTOS SUPRA CITADOS FARÃO V. EXAS SEGURAMENTE A TÃO PEDAGÓGICA JUSTIÇA. 2.2. A arguida BB finalizou a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição): 1. A arguida foi condenado em 3 anos e 11 meses de prisão efectiva pela prática dos crimes que constam nos autos 2. A pena aplicada é manifestamente excessiva e desproporcionada face aos factos dados como provados quanto à mesma. 3. As finalidades da punição devem ser a tutela dos bens jurídicos e a reinserção social do condenado. 4. Entendemos que a arguida encontra-se numa fase de reflexão, de interiorização de tudo o que se passou, está consciente dos erros que praticou, e do que pode ainda fazer com a sua vida, o tempo de reclusão que tem passado muito para isso tem contribuído. 5. As penas aplicadas não acautelam os Princípios da proporcionalidade e da reinserção 6. As penas acessórias aplicadas são suficientes para a ora recorrente cumprir a pena em regime de suspensão, sem prevaricar novamente. 7. Nesta perspectiva de análise, todo o circunstancialismo, contemporâneo dos factos imputados à recorrente tinha de ser valorado pelo tribunal a quo no momento da determinação da sua pena, fazendo-a beneficiar, da aplicação da pena nos seus mínimos legais. Não o tendo feito, o tribunal a quo violou o artigo 72.° do Código de Processo Penal 8. Condenar a arguida em 3 anos e 11 meses de prisão efectiva, resultará provavelmente em afastar para sempre a inclusão desta pessoa na sociedade pois a mesma é estrangeira, fugiu de uma guerra e já tem uma idade avançada. 9. Não é isso que a lei penal portuguesa pretende. 10. O tempo de reclusão que já cumpriu mostra-se suficiente para a recorrente ter um espirito critico quanto ao desvalor doa seus comportamentos, merecendo, como todos, uma oportunidade, pois que nunca a teve. 11. A mesma era primária. 12. O cumprimento do que lhe resta cumprir não trará quaisquer benefícios para a mesma, nem para a sociedade; 13. Acreditamos que benefícios trará sim a aplicação da pena acessória a que foi condenada de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica. 14. Os critérios de escolha e determinação da medida da pena impostos pelas normas dos artigos 70.° e 71.° do Código Penal também não foram devidamente ponderados pelo tribunal recorrido. 15. Não se conforma a recorrente com o sentido com que o Tribunal recorrido interpretou e aplicou as normas aos factos. 16. De acordo com o explanado infra, aspectos relevantes da matéria de facto foram incorrectamente julgados, o que veio a redundar na condenação ora posta em crise, com a apresentação do presente recurso (art. 412°, n.° 3, als. a e b) do C.P.P.); Face á matéria ora alegada tendo em conta os factos provados e não provados, o ser primária, entende a defesa que deverá o Venerando Tribunal da Relação, salvo o devido respeito por opinião adversa, proceder como alegado infra à pedida reanálise da medida da pena tendo em conta as circunstancias e que não foram tidas em conta pelo tribunal ora recorrido, decidir reduzir a pena, e bem assim suspender a sua execução no termos já explanados, sendo que só dessa forma se fará JUSTIÇA ! 3. A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta aos recursos interpostos pelas arguidas, no sentido de que não merecem provimento, mas sem formular conclusões. 4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de os recursos não merecerem provimento, acompanhando o Ministério Público junto da 1.ª instância. 5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), não foi apresentada resposta. 6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. * II – Fundamentação 1. Objeto do recurso De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 do mesmo diploma legal. No caso concreto, conforme as conclusões das respetivas motivações, cumpre apreciar as seguintes questões: • Da medida concreta das penas parcelares, pugnando cada uma das recorrentes pela sua condenação numa pena única de prisão inferior; • Da possibilidade de suspensão da execução das penas de prisão; • Da redução das quantias fixadas a título de arbitramento reparatório (a favor de CC) e indemnizatório (a favor de DD) - recorrente AA). 2. Do acórdão recorrido 2.1. Factos Provados: 1. A arguida BB e CC são casados entre si desde ... e residem na habitação sita ..., habitação social da ... cujo contrato de arrendamento se encontra em nome de CC. 2. Com o casal e na mesma casa reside a arguida AA, irmã gémea da arguida BB, desde ... de 2022. 3. CC sofre de défice cognitivo em quadro pós - TCE com internamento prolongado e coma em consequência de um acidente sofrido em 1992, com sequelas cognitivas e alterações de comportamento sequelares, existindo imaturidade e dificuldade de adaptação a novos contextos, o que não permitiu adaptar-se à manutenção de uma atividade profissional de modo contínuo. 4. CC sofre de sintomatologia ango-depressiva. * 5. Em data não concretamente apurada mas próxima da primavera de 2023, a relação entre a arguida BB e CC, assim com entre este e a arguida AA passou a ser pautada por discussões mantendo aquela condutas agressivas para com CC, sendo a maioria das discussões motivadas pelo facto de aquele manifestar a vontade de que a cunhada, a arguida AA, abandonasse a habitação por ter com esta uma relação conflituosa. 6. Por diversas vezes, aquando dessas discussões, as arguidas desferiram socos nas costas de CC bem como lhe puxaram o cabelo e afirmaram que o haveriam de matar. 7. Em datas não concretamente apuradas, a arguida AA dirigiu-se para CC, proferindo-lhe, por várias vezes, as palavras: “és um camelo, otário, palhaço, porco 8. No dia ... de ... de 2023, no interior da residência comum, entre CC e as arguidas BB e AA gerou-se uma discussão de teor não concretamente apurado na sequência da qual a arguida AA atirou com um contentor de água de plástico na direção de CC atingindo-o na testa, tendo-lhe causado um ferimento. 9. De imediato, as arguidas puxaram por várias vezes o cabelo a CC, tendo-lhe arrancado uma mecha de cabelo. 10. CC tentou defender-se, tendo acertado com a sua mão direita nos dentes da arguida AA. 11. Em razão da acção das arguidas, CC sofreu dores. 12. Após as agressões, CC acabou por ser assistido pela arguida BB. 13. A arguida AA aproveitou a contenda para tirar o telemóvel de CC, que devolveu sem a bateria. 14. No dia ... de ... de 2023, cerca das 16h00, no interior da residência comum, a arguida AA proferiu para CC a seguinte expressão: “já te podia era matar, eu se te quiser matar, apanho-te no quarto a dormir, mato-te e pronto” 15. Depois destes acontecimentos, CC passou a dormir sozinho no seu quarto, tendo a arguida BB passado a dormir com a irmã AA, noutro quarto. 16. CC colocou na fechadura da porta do seu quarto um cadeado para impedir a entrada das arguidas e para garantir a sua segurança e dos seus bens. 17. CC disse à arguida AA que não pretendia que a mesma vivesse na sua casa, mas esta recusou-se a abandonar a habitação. 18. No dia ... de ... de 2024, ao inicio da tarde, entre a arguida BB e CC gerou-se nova desinteligência de teor não concretamente apurado. 19. No dia ... de ... de 2024, cerca das 14hl5m, quando CC chegou à sua residência deparou-se com as arguidas, tendo dito à arguida AA: “já não lhe disse que não a quero em minha casa”. 20. Logo após proferir esta afirmação, a arguida AA desferiu-lhe um soco na boca que lhe provocou sangramento. 21. CC sofreu dores e ficou combalido e começou a gritar a pedir auxílio, tendo a arguida BB surgido por detrás de si, agarrou-lhe o cabelo e projetou-o para o solo começando a desferir-lhe socos na cabeça. 22. Assim que se recompôs, CC tentou fugir para o exterior da habitação dizendo: “ela vai matar-me”. 23. De imediato, a arguida a AA avança na direção de CC trazendo na mão um saco de plástico de onde retira uma faca de cozinha com 20 cm de lâmina e com a mesma tentou desferir-lhe dois golpes na barriga, enquanto a arguida a BB o agrediu com vários socos no corpo. 24. CC, com um movimento reflexo da barriga e do corpo para trás, conseguiu desviar-se da faca, que apenas o picou, evitando que a arguida a AA lhe espetasse a mesma e lhe causasse ferimentos graves, após o que se deslocou para o exterior do prédio pedindo ajuda gritando. 25. Enquanto o CC gritava “assassinas estão a ir-se embora”, chegaram ao local os agentes da PSP EE, matrícula ... e DD, matrícula ..., acionados pelo Centro de Comando e Controlo da PSP que visualizaram as arguidas a dirigirem-se e a entrarem no autocarro da ... 26. De imediato, iniciaram perseguição às arguidas e quando estas saíram na paragem da ... (primeira paragem do autocarro) em passo acelerado, abordaram-nas, identificando-se na qualidade de agentes de autoridade através da exibição da carteira profissional bem como pela verbalização da palavra Polícia, informando o motivo da abordagem, tendo-lhes solicitado as identificações. 27. As arguidas responderam na língua portuguesa «não tenho a identificação, não temos nada. queremos ir embora», momento em que tentam abandonar o local. 28. Face à recusa de colaboração por parte das arguidas de se querem identificar e de tentarem abandonar o local, os agentes da PSP informaram o motivo da abordagem e que iriam proceder a revista sumária, por haver notícia e fortes indícios que as mesmas poderiam estar na posse de armas brancas. 29. A Agente DD iniciou a revista à arguida BB, enquanto o Agente EE prestava segurança e controlava a arguida AA. 30. Nada tendo sido encontrado na posse da arguida BB, a agente DD trocou de posição com o Agente EE, tendo o mesmo ficado a controlar a arguida BB, enquanto aquela fazia a revista à arguida AA, e a quem deu ordem para pousar o saco que trazia ao tiracolo para proceder à sua revista 31. Em acto contínuo e sem que nada o fizesse prever, a arguida AA arremessou uma garrafa de água à cara da Agente DD e, no momento em que esta se prepara para a manietar, mordeu-lhe a mão esquerda (dedo indicador). 32. Em razão das dores sofridas, a Agente DD deu um passo atrás, momento aproveitado pela arguida AA para retirar do seu saco uma faca de cozinha com a lâmina de 20 centímetros e dirigir-se com a mesma apontada à Agente DD, altura em o Agente EE com o bastão policial que lhe está distribuído desferiu um impacto na mão direita da arguida, levando a que esta deixasse cair a faca. 33. Quando os Agentes EE e DD agarravam a arguida AA para a algemar, a arguida BB agarrou a camisola do Agente EE para o afastar, rasgando-a, o que levou a que este agente procedesse à sua manietação com algemagem. 34. Enquanto a Agente DD procedia à manietação da arguida AA, esta desferiu-lhe um soco no lado esquerdo da face e arranhou-lhe os dois braços. 35. Após, foi dada voz de detenção às duas arguidas. 36. Em consequência da actuação das arguidas, CC sofreu um corte no lábio superior, no cotovelo e punho direitos (hematoma e arranhão), um corte superficial no abdómen e dores. 37. A Agente DD sofreu dores e ferimentos pelos quais teve de ser assistida no ..., pelas 15H48. 38. Em consequência da actuação da arguida AA, a Agente DD sofreu: a. Face: ferimento irregular branco, grosseiramente linear, na face interna do lábio inferior esquerdo, com 3.5cm; escoriação avermelhada linear, na região mandibular esquerda, vertical, de 2cm de comprimento b. Membro superior direito: escoriação avermelhada, no terço médio da face posterior do antebraço direito, infracentimétrica c. Membro superior esquerdo: duas escoriações lineares, paralelas entre si, na face dorsal da mão, horizontais, medindo a maior 3.5cm e a menor 3cm de comprimento; edema da falange média de D2; escoriação linear na face dorsal da falange média de D2, grosseiramente vertical, com 1 cm de comprimento; equimose arroxeada atravessando a face dorsal da articulação IFP e a falange média da D2, com 2x1cm de maiores dimensões. d. Membro inferior esquerdo: área eritematosa ovalada, na face anterior do joelho esquerdo, com 5x2cm de maiores dimensões. 39. Tais lesões foram causa directa e necessária de 8 (oito) dias de doença sem incapacidade para o trabalho. * 40. Ao actuar da forma apurada, a arguida BB molestou física e psicologicamente CC, seu marido, faltou ao respeito e consideração que lhe era devida, fazendo-o viver em permanente sobressalto e angústia, bem sabendo que as suas condutas eram idóneas a provocar-lhe medo e ansiedade. 41. Ao comportar-se da forma apurada, a arguida BB sabia e quis molestar o corpo e a saúde de CC, bem como causar-lhe medo e receio pela sua vida e integridade física com o propósito de o compelir a permitir que a sua irmã continuasse a morar com ambos. 42. A arguida BB sabia que o seu comportamento punha em causa a paz familiar indispensável ao saudável convívio entre os membros familiares. 43. Mais sabia a arguida que CC tinha graves problemas de saúde que o tomavam uma pessoa vulnerável e frágil e sem capacidade de reagir a situações stressantes e traumáticas e que ao tratá-lo do modo apurado, no interior da residência onde habitavam, lhe causava medo e forte abalo emocional. 44. Ao comportar-se conforme apurado, a arguida AA quis molestar no seu corpo e na sua saúde, assim como colocar em causa o bom nome e honra de CC, seu cunhado e em casa de quem residia. 45. A arguida AA sabia que CC tinha graves problemas de saúde que o tomavam uma pessoa vulnerável e frágil e sem capacidade de reagir a situações stressantes e traumáticas e que ao tratá-lo do modo apurado, no interior da residência onde habitavam, lhe causava medo e forte abalo emocional. 46. As arguidas BB e AA actuaram com o intuito de causar, como efectivamente causaram, sofrimento e medo a CC, bem sabendo que as sua condutas eram adequadas a causar tais resultados. 47. Ao actuarem da forma apurada, as arguidas BB e AA agiram ainda com o propósito de impedir que os Agentes da PSP EE e DD, que sabiam estarem no regular exercício das suas funções, praticassem acto legítimo relativo às mesmas, não se coibindo a arguida AA para tanto de empunhar uma faca de grandes dimensões contra a Agente DD. 48. A arguida AA sabia que a Agente DD estava no exercício das suas funções policias e que a molestava fisicamente. 49. A arguida AA estava munida da faca com 20 cm de comprimento de lâmina que lhe foi apreendida nos autos, pretendendo detê-la conhecendo as suas características e de saber que era adequada a produzir graves lesões físicas se usada como instrumento de agressão. 50. Em todas as ocasiões apuradas, as arguidas BB e AA agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei e que tinham a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. * (…) Assistente/Demandante DD. 54. Em razão da acção apurada à arguida AA DD teve de: i. Fazer tratamento antiviral, por desconhecer se tal arguida padecia de alguma doença que se pudesse transmitir; ii. Por mais de uma vez, se submeter a exames de sangue. 55. Em razão da acção apurada à arguida AA, DD sentiu ansiedade e ficou com uma cicatriz no dedo. 56. Apesar dos medicamentos prescritos terem sido reembolsados pela Polícia de Segurança Pública, DD continua a ter necessidade de comprar cremes específicos cicatrizantes. 57. DD tem 28 anos de idade e a existência da cicatriz entristece-a. * 58. A arguida AA é cidadã de naturalidade e nacionalidade ... e encontra-se a viver em Portugal há cerca de 20 anos. 59. Foi casada com um cidadão português, que faleceu há cerca de seis anos, tendo perdido a casa onde viviam por incapacidade económica. 60. Tem um filho de nome FF, de 41 anos de idade, solteiro, ...de profissão, actualmente desempregado, residente na .... 61. A arguida mantém contacto com o seu filho através de vídeo conferencia. 62. Em 2023, AA solicitou apoio pela primeira vez junto do ..., tendo informado que viva numa garagem na zona de ... e que dispunha de uma pensão de viuvez de cerca de 194,00 euros. 63. Entre ..., beneficiou de acolhimento temporário, mas as suas pernoitas eram irregulares, tendo-se ausentado durante cerca de três noites, pelo que perdeu a vaga. 64. No âmbito dos presentes autos, AA foi detida em ... de ... de 2024 e, submetida a primeiro interrogatório judicial, ficou sujeita a prisão preventiva desde ... de ... de 2024. 65. No Estabelecimento Prisional, encontra-se no ... ", numa ala reservada a pessoas vulneráveis, na companhia da co-arguida GG, que lhe presta apoio nas necessidades do dia a dia. 66. Tem revelado algumas dificuldades de cumprir as orientações dos serviços de vigilância, registando um castigo de sete dias de proibição de utilização do fundo pessoal, por desobediência. 67. Sofreu um acidente do qual resultou uma fratura de um dos membros superiores, tendo sido conduzida ao hospital ..., em ..., onde foi imobilizada. Após o regresso ao estabelecimento prisional, retirou o gesso, suscitando assim a necessidade de ser reconduzida novamente ao hospital. 68. Em razão de ter parecido revelar problemas do foro cognitivo junto de Excelentíssima Senhora Técnica da DGRSP, aquando da entrevista conexa com a elaboração de relatório social, foi determinada a realização de perícia psiquiátrica à arguida AA, a qual resultou inviabilizada por ausência de prestação de consentimento informado perante Excelentíssimo Senhor Perito Médico do INMLCF. 69. A ausência rede de suporte e de apoio estruturado no exterior, constitui-se como factor preditor de risco de exclusão social, podendo colocá-la em situação de sem abrigo, uma vez em liberdade. * 70. A arguida BB é cidadã de naturalidade e nacionalidade .... 71. Pese embora pretenda fazer crer que não conhece a língua portuguesa, revela domínio de compreensão elementar. 72. BB concluiu o “...” em ... 73. Trabalhou como ..., ... e ... na ... 74. Em 2007, enviuvou alegadamente por morte do marido que ocorreu por doença do foro oncológico. 75. Em 2017, faleceu o filho e a nora em 2018. 76. Em 2019, ainda na ..., reformou-se por invalidez, por acidente de trabalho. 77. Após esta data, sem rede familiar, decidiu vir para Portugal e juntar-se à sua irmã, a coarguida AA. 78. Em Portugal, inicialmente foi viver com irmã num quarto arrendado e mais tarde, quando começou a trabalhar, a arguida e irmã arrendaram um pequeno apartamento, no ..., no valor de 6 350,00 mensais. 79. Em Portugal, encetou actividade laborai na área da ..., na ..., auferindo rendimentos equivalentes ao ordenado mínimo nacional, contudo uma doença do joelho não lhe permitiu continuar e iniciou baixa médica. 80. A irmã trabalhava na área das ..., para ... e em .... 81. Ambas beneficiaram de apoio alimentar, na ação social da ..., contexto em que conheceu CC, actual marido. 82. No âmbito dos presentes autos, BB foi detida em ... de ... de 2024 e, submetida a primeiro interrogatório judicial, ficou sujeita a prisão preventiva desde ... de ... de 2024. 83. No Estabelecimento Prisional, encontra-se no ... numa ala reservada a pessoas vulneráveis, na companhia da co-arguida sua irmã AA, a quem presta apoio nas necessidades do dia a dia. 84. Em razão de ter parecido revelar problemas do foro cognitivo junto de Excelentíssima Senhora Técnica da DGRSP, aquando da entrevista conexa com a elaboração de relatório social foi determinada a realização de perícia psiquiátrica à arguida BB, nos termos da qual, com relevo se concluiu: “4.2 Antecedentes médicos A examinanda nega seguimento prévio em consulta de psiquiatria. Da consulta do processo clinico a nível dos cuidados de saúde primários apura-se que terá sido medicada nos anos de 2023 e 2024, mas em data prévia aos eventos, com antidepressivos nomeadamente sertralina e duloxetina que não terá chegado a cumprir, não sendo possível apurar pelos mesmos registos qual o concreto motivo clinico que levou à introdução destes fármacos - inquirida em relação a estes tratamentos refere que os mesmos foram introduzidos “porque eu estava com tonturas e tinha dificuldade em me levantar” (sic). Nega e não se apura pelo seu relato psicopatologia com marcado impacto funcional (i.e delírios, alucinações, alterações graves do humor) quer à data dos eventos, quer previamente aos eventos vertidos nos autos e/ou na atualidade. Apura-se ainda pelos registos dos cuidados primários tratamentos para infeções sexualmente transmissíveis (...) Na atualidade, segundo consulta do processo clínico do EP que acompanhava a examinanda, será acompanha pelos serviços clínicos para tratamento de DM2, Hiperuricemia e Dislipidemia estando medicada com - sitagliptina, bezafobrato, Sinvastatina, alopurinol. Apuram-se ainda observações aquando da sua detenção por psicologia e psiquiatria não constando desses registos a presença de psicopatologia de relevo e ou necessidade de intervenção terapêutica. Nega consumos toxfiüicos quer à data dos eventos quer na atualidade. (...) 4.5 Observação A Examinanda entra na sala por motu proprio. Trata-se de um indivíduo do sexo feminino, leucodérmico, tipo corporal endomórfico, de baixa estatura, com idade aparente superior à real, aspeto pouco investido. Vígil, ansiosa, parcialmente colaborante, optando por responder apenas a algumas questões e adotando maioritariamente um discurso circunstanciado, sendo que quando realizadas perguntas de resposta fechada e após insistência acaba por responder de forma coerente às mesmas. Contacto sintónico. Atenção captável e fixável. Orientada em todos os referenciais, não se objetivando alterações cognitivas de relevo. Mímica facial expressiva. Não se objetivam alterações motoras. Humor eutímico, afectos moldáveis e congruentes. Segundo a tradutora o discurso embora circunstanciado, seria lógico e coerente (i.e sem perda da tendência determinante) não apresentando ainda alterações semânticas ou sintáticas. Pensamento formalmente organizado; conteúdo dominado pelas questões relacionais com o marido e alegada situação de abuso, sem aparentes critérios delirantes, não se apurando ainda alterações da posse e/ou dos limites do eu. Não se apuram alterações sensório perceptivas. Nega ideação suicida. Nega alterações de vida instintiva (libido não inquirida). Apresenta crítica para as alterações de comportamento apresentadas. 4.6 Exames Complementares de Diagnóstico Não foram considerados necessários. 5. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES 1. De acordo com a avaliação clínica realizada e consulta dos autos, somos da opinião que a Arguida não apresenta sintomatologia compatível com a presença de um diagnóstico psiquiátrico. 2. Embora a entrevista tenha sido dificultada pela barreira linguística, não se apura quer pelo seu relato quer pela presença dos elementos clínicos existentes (prévios ao evento e atuais) que a examinando padeça ou tenha padecido de quadro nosológico psiquiátrico. Ainda que esteja descrito alterações a nível do discurso, a tradutora refere que esse mesmo discurso, embora circunstanciado, será coerente, sendo ainda referido que a examinando opta ativamente por divergir as respostas facultada para temáticas do seu interesse, com o aparente intuito de dominar a entrevista. 3. Assim, não existe anomalia psíquica que permita admitir que se verifiquem os pressupostos do artigo 20° do Código Penal. 4. Mais se acrescenta que exibe, e exibia à data dos factos, capacidade de compreender a ilicitude dos seus atos, fundamentando o seu comportamento de forma lógica, conseguindo ponderar sobre as consequências do mesmo, tendo inclusivamente procurado evadir-se aos agentes. Desta forma, apenas se pode concluir que o seu comportamento resultou de uma tentativa de obtenção de ganhos secundários e satisfação de desejos por parte da Examinanda e não de um processo patológico subjacente. 5.5. Pelo exposto, não há evidência que nos permita afirmar que, à data dos factos, a sua conduta tenha sido independente da sua vontade (ou seja acidental) e gerada por fatores psicopatológicos que não podia dominar e/ou que teria dificuldade em controlar, fruto de descompensação abnorme resultante de doença(s), pelo que não se encontram reunidos os pressupostos explanados nem no n.° 1 nem no n.° 2 do 20° Artigo do Código Penal. Assim sendo, caso venham a ser provados os factos, sob o ponto de vista médico-legal, consideramos que integra pressupostos médico-legais de IMPUTABILIDADE. 5.6. Admitida que foi a imputabilidade, a perigosidade e o risco de violência dependerá mais de fatores sócio-jurídicos do que clínico psiquiátricos, constituindo, pois, matéria de apreciação judicial, subtraída à perícia. 6. RESPOSTA A QUESITOS 1° - A arguida BB padece de alguma doença do foro psiquiátrico? Não. 2.° - Em caso afirmativo, à data da prática dos factos, a arguida BB já padecia dessa doença? Prejudicado. 3.° - Em caso afirmativo, essa doença diminuía, total ou parcialmente, a sua capacidade de avaliar a ilicitude dos factos ou de se motivar de acordo com a possível consciência da ilicitude dos mesmos que tivesse? Prejudicado. 4.° - Em alternativa, tal ocorreu em momento posterior às datas constantes da acusação? Não. 5.° - Em caso afirmativo, existe uma probabilidade séria de arguida BB voltar a praticar factos da mesma natureza daqueles que estão em causa nestes autos? Prejudicado, tal como respondido, discutido e fundamentado em 5.6. ” 85. A arguida apresenta um discurso displicente, vitimizante, e com manifestações de debilidade psíquica. 86. A ausência rede de suporte e de apoio estruturado no exterior, constitui-se como factor preditor de risco de exclusão social, podendo colocá-la em situação de sem abrigo, uma vez em liberdade. * 87. As arguidas não têm antecedentes criminais registados. 2.2. Factos Não Provados: a. No dia ... de ... de 2023, cerca das llh30, no interior da residência comum, CC encontrava-se sentado no sofá da sala a ver televisão e sem que nada o fizesse prever, a arguida BB aproximou-se e desferiu-lhe uma bofetada na boca. b. Na circunstância apurada em 8., a acção da arguida AA causou um estado de atordoamento a CC, o qual foi aproveitado por ambas as arguidas para actuarem conforme apurado em 9. c. CC surpreendeu a arguida AA, por várias vezes, a colocar sacos plásticos contendo bens pessoais no lixo. d. CC tem manifestado à arguida BB a sua intenção de pôr fim ao casamento, mas a arguida diz-lhe que se isso acontecer que o “mata”. e. A arguida AA abandonou a habitação na segunda semana de ... de 2024. f. Na circunstância apurada em 18., a arguida BB agarrou numa caneca com água e atirou com água para as costas de CC e tentou puxar-lhe os cabelos, tendo este de a empurrar para o evitar. g. DD sente-se revoltada por não ter conseguido evitar a agressão da arguida AA mas a sua preocupação em não causar possíveis ferimentos nesta, quando usava da força par proceder à sua manietação, fez com que a mesma se descuidasse. h. A acção da arguida AA gerou em DD irritabilidade, levando-a a não conseguir dormir e a ter procurado apoio psicológico. * 3. Apreciando 3.1. Da medida da pena As recorrentes têm por excessivas as penas em que foram condenadas, pugnando pela sua redução. A arguida AA sugere, em alternativa, as seguintes: - 2 anos e 2 meses de prisão, pela prática do crime de violência doméstica (mostra-se condenada em 3 anos de prisão); - 100 dias de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida (mostra-se condenada em 9 meses de prisão); - 2 anos de prisão pela prática do crime de resistência e coação sobre funcionário (mostra-se condenada em 2 anos e 9 meses de prisão). Quanto à respetiva pena única, entende que a mesma deve fixar-se em 2 anos e 8 meses, ao invés da pena única de 4 anos e 3 meses em que se mostra condenada. Já a arguida BB, condenada numa pena única de 3 anos e 11 meses de prisão, nada sugere, nem mesmo quanto às respetivas penas parcelares (mostra-se condenada em 3 anos de prisão pela prática do crime de violência doméstica, e em 2 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de resistência e coação sobre funcionário), sem prejuízo de considerar que as “penas aplicadas não acautelam os Princípios da proporcionalidade e da reinserção”. São as seguintes as molduras abstratas em destaque: Crime de violência doméstica: pena de prisão de 2 a 5 anos; Crime de detenção de arma proibida: pena de prisão até 4 anos ou pena de multa até 480 dias; Crime de resistência e coação sobre funcionário: pena de prisão de 1 a 5 anos. Importa, pois, verificar se de facto ocorreu qualquer distorção ou desproporcionalidade a reclamar a intervenção do tribunal de recurso alterando o respetivo quantum, tendo, porém, presente, no seguimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2021 (Proc. 10/18.1PELRA.S1., disponível em http://www.dgsi.pt), que «no que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.» Como é sabido as finalidades de aplicação de uma pena decorrem essencialmente da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da preocupação em se atingir a reinserção do agente na comunidade - artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal. Posto que, se terá de atender ao art. 71.º do Código Penal, que dispõe, no seu n.º 1, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção. No que respeita ao relacionamento entre aqueles dois critérios, ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 215), que à culpa compete fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada, sendo em função de considerações de prevenção geral de integração e especial socialização, que deve ser determinada abaixo daquele máximo, a medida da pena. De acordo com o art. 71.º, n.º 2 do Código Penal, “na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (...)”. Com efeito, os princípios da proibição da dupla valoração e do ne bis in idem implicam que não sejam de novo apreciadas, em sede de medida concreta da pena, as circunstâncias que outrora foram consideradas a propósito do tipo de crime. Resta-nos pois analisar a decisão recorrida, não olvidando que, no caso da arguida AA, prevendo a lei a respetiva punição, referente ao crime de detenção de arma proibida, pena alternativa de multa, de acordo com o art. 70.º do Código Penal com referência ao art. 40.º do mesmo diploma, a alternativa entre a pena privativa e a pena não privativa da liberdade resolve-se em favor da segunda, sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do agente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime. A escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa dependerá de considerações de prevenção geral e especial em face do caso concreto, sendo certo que, optando-se pela pena não preventiva de liberdade, será ainda e sempre, a medida da culpa a fornecer o limite da pena (já que nela reside o suporte desta), aferida em função do próprio ilícito típico, analisado nas suas consequências típicas, que lhe atribuem uma dimensão ou sentido social No caso, entendeu o tribunal recorrido “ser inexorável de optar por pena privativa da liberdade porquanto se entende que a pena de multa não assegura de forma alguma adequada e suficiente as finalidades da respectiva punição atinente ao tipo incriminador de detenção de arma proibida”, o que considerou “aferindo a postura da arguida perante o confronto e as necessidades de descoberta da verdade material do caso, pese embora a inexistência de antecedentes criminais registados, ponderando os índices de inserção pessoal, familiar e profissional a par dos pertinentes défices de autocontrolo, propensão para actuação impulsiva, na elevação da gravidade do ilícito praticado”. Ora, atendendo à ilicitude global da conduta, mostra-se também para nós afastada a aplicação de uma pena de multa, porquanto inadequada a satisfazer as necessidades de punição do caso. É que a atuação não se limitou a uma mera detenção, tendo antes a arguida usado a faca de cozinha que lhe foi apreendida quer na direção de CC, seu cunhado, tentando desferir-lhe dois golpes na barriga, quer na direção da Agente DD, a quem inclusive se dirigiu com a mesma apontada, exponenciando o perigo que constitui fundamento da incriminação e evidenciando um grau de ilicitude que já não se satisfaz com a aplicação de uma multa, sendo certo que a culpa demonstrada nessa atuação também eleva, necessariamente, a necessidade de firme censura penal. De qualquer forma, ainda que assim não fosse, face aos outros crimes igualmente cometidos pela recorrente (um crime de violência doméstica e um crime de resistência e coação sobre funcionário), punidos somente com penas de prisão, a unidade do sistema jurídico impõe que pelo único crime de entre os por si cometidos que admite a punição, em alternativa, em pena de multa, seja o mesmo também punido com pena de prisão. Ou seja, na mesma senda da jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça, também nós consideramos que, nos casos em que é possível a aplicação de uma pena de multa a par da aplicação de uma pena de prisão, numa situação de concurso real, aquela primeira deve ser afastada, por forma a evitar os inconvenientes das penas mistas (cf. Acórdãos do STJ de 12.09.2024, processo n.º 173/21.9JDLSB.L1.S1; de 12.02.2009, processo n.º 09P0110; de 17.04.2008, processo n.º 08P681; de 26.10.2006, processo n.º 06P3119; de 23.06.2005, processo n.º 05P2106; de 05.02.2004, processo n.º 04P151, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt)). Deste modo, não merece qualquer reparo a escolha realizada pelo tribunal recorrido pela pena de prisão, em alternativa à pena de multa, no que se refere ao crime de detenção de arma proibida em que também foi condenada a recorrente AA. Já quanto à dosimetria concreta das penas a aplicadas, analisou o tribunal a quo os factos praticados pelas arguidas com vista à subsunção dos mesmos dentro dos concretos fatores da medida da pena, salientando fundamentalmente o seguinte, que se passa a transcrever: • O grau de ilicitude da factualidade apurada que se revela mediano no tangente à detenção de arma proibida (arma branca - faca - 20 cm de lâmina - detenção e uso da mesma fora da sua estrita finalidade doméstica - estritamente imputado à arguida AA) a elevado em ambas as resoluções criminosas de violência doméstica e resistência e coacção sobre funcionário, daí decorrendo um proporcional juízo de censura, porquanto não se descortina na conduta das arguidas qualquer motivação que possa merecer laivo de compreensão. Ao invés, da sua atitude resulta: i. por um lado e quanto ao crime de violência doméstica respeita, no contraste da afectação de vítima particularmente vulnerável em razão de doença e consubstanciação de reiterados episódios de violência verbal e física gratuitos, sempre em domicílio comum, sem prejuízo do manifesto alarme social), numa temporalidade relevante; ii. por outro, no que tange concretamente ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, o protagonizar de um episódio de manifesto desprezo, contundência e violência dirigidos a dois Agentes da Polícia de Segurança Pública em pleno e legítimo exercício de funções. • A culpa das arguidas que se revela também ela mediana a elevada, porquanto se concretiza no protagonizar da detenção e uso de arma branca (estritamente assada à arguida AA) e perversos episódios de violência verbal e física, quer atormentando pessoa a que deviam particular respeito, em virtude da relação de conjugalidade e vivência em domicílio comum, com afetação preponderante desta, bem como na afronta assertiva de dois Agentes da Polícia de Segurança Pública. • O modo de execução mediante o desprezo para com a normatividade atinente à detenção de arma (estritamente assada à arguida AA) e emprego de efectiva violência verbal e física para com as vítimas. • As consequências da conduta das arguidas, que se atêm ao clima de instabilidade relacional apurado e incrementado pelas mesmas, de modo particular, face à vítima CC, com sintomático abalo no equilíbrio psico-emocional deste, e, bem assim, físico, a par da afectação das vítimas EE e DD, Agentes da Polícia de Segurança Pública (com consequencial de danos e lesões tal qual apurado). • O dolo que se apresenta directo e intenso, em todas as resoluções. • Os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes marcados pelo categórico desprezo para com a legalidade de detenção e uso de arma de estrito uso doméstico, a dignidade do ofendido CC, com sensação de perverso domínio sobre a mesma, e o exercício das funções de EE e DD, dois Agentes da Polícia de Segurança Pública em afronta manifesta da soberania do Estado. • O motivo que se perscruta: i) com respeito à detenção de arma, numa lógica de detenção e uso para afronta física; ii) violência doméstica, em contexto de conflitualidade quotidiana, que as arguidas tendem recorrentemente a exacerbar em actos de contundência verbal e física, em pleno desrespeito e afronta da vítima; iii) resistência e coacção sobre funcionário, de modo a obviar à identificação e interpelação de dois Agentes da Polícia de Segurança Pública, não enjeitando o uso de contundente acção de violência física. • A conduta anterior que se releva na inexistência de antecedentes criminais registados, facto que não deixa de pacificar as exigências de prevenção especial. • A conduta posterior que se consubstancia na total ausência de contrição em sede de audiência, antes revelando, respectivamente, um discurso de autocentramento, nenhuma capacitação de reflexão sobre o mal praticado (a arguida AA de forma extremamente sintética e a arguida BB bem mais prolixa) e, concretamente a arguida BB, uma deriva justificativa sempre em externalização da culpa. • As condições pessoais e situação económica das arguidas, nos justos termos apurados de que ressalta a ausência de rede de suporte e de apoio estruturado no exterior, constituindo-se como factor preditor de risco de exclusão social, podendo colocá-las em situação de sem abrigo, uma vez em liberdade. • As necessidades de prevenção geral no que se refere à tipologia destes crimes em concreto, que se revelam particularmente elevadas por forma a evitar a lesão de bens jurídicos particularmente caros à sociedade, como seja a segurança e tranquilidade públicas, a saúde e a dignidade do ser humano, em especial de pessoas que mantêm uma especial relação com o agente (conjugalidade - vivência em domicílio comum) e soberania do Estado representado pelas suas Nobres forças de segurança. • As exigências de prevenção especial que se fazem sentir latentes, face à concreta condição e postura actual das arguidas que, mantendo-se resistentes a uma capacitação própria das consequências das suas acções, antes derivam para o autocentramento e externalização do mal, personificando resistência assertiva à intervenção do sistema judicial. Dessa forma, analisada por nós a fundamentação exarada pela primeira instância quanto à medida da pena, afigura-se-nos que o tribunal a quo individualizou correta e exaustivamente as diversas circunstâncias relevantes, tendo em conta que as exigências de prevenção geral são inquestionavelmente elevadas, no sentido de repor a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas violadas, pois que estão em causa comportamentos atentatórios de normas que tutelam quer as relações de intimidade e exposição das vítimas a situações de especial vulnerabilidade (no caso da violência doméstica), quer o respeito e obediência devidos às autoridades (crime de resistência e coação sobre funcionário), sendo ainda de destacar o sentimento de insegurança associado ao recurso a armas para a prática de crimes (no caso da arguida AA e comportamento relativo à detenção de arma proibida). Confluem ainda exigências de prevenção especial relevantes, pois que independentemente da ausência de condenações anteriores, o que por si só não impressiona pois que é comum à generalidade dos cidadãos, resulta não se lhes ter identificado qualquer capacidade de autocensura, mas antes “autocentramento e externalização do mal” nos termos salientados pela decisão recorrida. Ponderou, pois, o tribunal a quo, de forma equitativa, todos os fatores relevantes, não deixando de estabelecer a devida diferenciação entre as arguidas naquilo que o merecia, ou seja, relativamente às atuações integrantes do crime de resistência e coação e quanto à circunstância de apenas a arguida AA surgir condenada pela prática de um crime de detenção de arma proibida, nenhuma outra diferenciação se justificando, concretamente, quanto às atuações correspondentes ao crime de violência doméstica. Sobrepõem-se, pois, todos esses fatores, independentemente da alegação relativa à idade das arguidas (64 anos), ou sequer de que se tratou de apenas um episódio, o que não é sequer verdadeiro quanto ao crime de violência doméstica, ou, finalmente, por referência aos alegados problemas do foro cognitivo apontados pela defesa da arguida AA, quando, como bem refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta em parecer emitido junto desta Relação, “o Tribunal Recorrido diligenciou pela avaliação clínica das duas arguidas no domínio da psiquiatria o que, foi inviabilizado pela arguida AA por recusa da própria o que parece esquecer em sede de recurso”. Por conseguinte, não identificamos na determinação das penas concretas operada pelo tribunal a quo qualquer incorreção ou desproporcionalidade que demande intervenção da nossa parte, sendo, pois, todas elas, de manter. Na mesma linha, olhando à respetiva operação de cúmulo, a propósito da qual se considerou, em conjunto, nos termos do n.º 1 do art. 77.º do Código Penal, os factos e a personalidade do agente (“(…) apontando à imagem global do facto perpetrado, de que não pode deixar de se salientar a perversidade da actuação, os índices mediano a elevados de ilicitude e culpa, o sentimento e motivo apurados, a inexistência de registo criminal constante, a inexistência linear de contrição para com os bens jurídicos ofendidos, em decalque das concretas condições pessoais”), não identificamos qualquer distorção. Efetivamente, tudo ponderado, concluímos que as penas fixadas em 4 anos e 3 meses, numa moldura de punição entre 3 anos e máxima de 6 anos e 6 meses, no caso da arguida AA, e de 3 anos e 11 meses, numa moldura de punição entre 3 anos e máxima de 5 anos e 6 meses, no caso da arguida BB, mostram-se adequadas às finalidades de prevenção e proporcionais à culpa e personalidade das arguidas/recorrentes, situando-se, aliás, abaixo do respetivo terço. Da decisão de não suspensão da execução da pena de prisão Consideram ainda as arguidas que as penas em que se mostram condenadas deverão ser suspensas na sua execução, eventualmente condicionadas a regime de prova e/ou imposição de regras de conduta. De acordo com o disposto no artigo 50.º n.º 1 do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E, segundo o n.º 5 da mesma disposição legal, o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos. Cumulativamente com a suspensão simples pode o tribunal impor ao agente o cumprimento de deveres e de regras de conduta ou até sujeitá-lo a regime de prova. Perante este regime, as penas de prisão aplicadas às arguidas são de facto suscetíveis de serem suspensas na sua execução. Contudo, não foi essa a opção tomada pelo tribunal de primeira instância, que, para o que importa, considerou o seguinte: “Ora, no caso em apreço, considerando de antemão a gravidade apurada à conduta global das arguidas, sopesando a postura evidenciada pelas mesmas em sede de audiência, revelando manifesto e perseverante externalizar de responsabilidades, num discurso plenamente autocentrado, incapaz de contrição face ao mal manifestamente praticado, as consequências nefastas das respectivas condutas para com as vítimas, as quais se assinalam ainda persistentes no presente, mormente na evidência demonstrada pelo estado de afectação de CC e de DD, entende o Tribunal que a censura do facto e a ameaça da prisão não alcançam infimamente a realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição. Acresce que, convocando a tipologia de penas acessórias a ponderar, não se crê que, no imediato, sujeitas nomeadamente a proibição de contactos com o ofendido CC, incluso com afastamento de espaço residencial e controlo electrónico à distância, sob uma matriz de suspensão de execução da pena principal única a ponderar, nada no apurado nos autos garante que as arguidas se encontrem, desde, já capacitadas para respeitar tais imposições e, desse modo sobremaneira, não venham a atentar uma vez mais com renovada intensidade para o bem estar e condição psico-emocional e física da vítima CC, sem prejuízo do que licitamente se pode prognosticar quanto a nova intervenção policial e reacção a esta. É, pois, nesta linha de evidência e análise que a sua imediata libertação, ainda que condicionada, não se afigura apta a fazê-las corrigirem-se como as exigências preventivas gerais e especiais do caso espécie reclamam. Ao invés, importa salientar serem, também entre nós (ao igual que outros países do sul da Europa), negras as cifras atinentes às vítimas de violência doméstica, numa transversalidade que não conhece distinção na capacitação ou integração social, facto que, também por si, não permite abrandamento na censura que aos Tribunais se impõe levar a efeito, mormente na ponderação dos pressupostos efectivos de suspensão da execução das penas de prisão que tais casos reclamam, acrescendo, no caso espécie, não sendo de somenos os episódios de detenção de arma proibida e resistência e coação igualmente protagonizados. Por conseguinte, entende o Tribunal não ser possível alcançar ínfimo índice de juízo de prognose positivo que possa permitir conceber que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão ainda de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Termos em que se eleva vigoroso que a suspensão da execução das penas únicas aplicadas não cumprirá os objectivos punitivos que o caso reclama, impondo-se o seu cumprimento efectivo pelas arguidas AA e BB.” Tudo observado, e não obstante as arguidas não registarem antecedentes criminais e terem atualmente 64 anos, somos igualmente por concluir no sentido de não estarem reunidos os pressupostos para se formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro das recorrentes. Com efeito, não só não se lhes identifica qualquer juízo de autocensura, mas também porque não podem ser defraudadas as expectativas comunitárias de reposição da ordem jurídica, da confiança na validade das normas violadas e no cumprimento do direito. É que se mostram em destaque elevadíssimas exigências de prevenção geral, que reclamam firmeza na punição, não podendo a suspensão ser vista pela comunidade como um perdão judicial, uma vez que assim o impedem fortes razões de reprovação e prevenção deste tipo de crimes. Sopesando, não vislumbramos que no caso se imponham quaisquer razões ponderosas para que as arguidas/recorrentes pudessem ser agraciadas com uma pena de substituição, porquanto nenhuma especificidade se verifica que permita concluir que a suspensão da execução das penas não ponha em crise a prevenção geral ou especial. A não suspensão da execução das penas de prisão impostas às recorrentes mostra- -se, deste modo, conforme às exigências do caso e ao direito aplicável, sendo, por isso mesmo, de manter quanto a ambas. Das quantias fixadas - arbitramento reparatório e indemnizatório Entende a recorrente AA serem excessivas as quantias fixadas a título de arbitramento reparatório, a favor da vítima CC (€1.500,00 a cargo de cada arguida, num total de €3.000,00), e indemnizatório, a favor da demandante DD (€3.500,00). Em alternativa, considera “adequado e suficiente, a fixação dos seguintes montantes indemnizatórios da responsabilidade da arguida, ora recorrente: Os danos sofridos pela demandante (DD) - 350 euros; os danos sofridos por CC - 500 euros”. Analisando a decisão recorrida, constata-se que o tribunal a quo atentou na circunstância de que no cálculo das indemnizações o julgador deve recorrer não apenas aos danos causados e ao grau de culpa do agente, mas também à situação económica do lesante. Porém, não olvidou que com tal indemnização, relativa a danos não patrimoniais, se pretende que se possa encontrar uma compensação para os prejuízos sofridos, o que procurou com a necessária equidade quer quanto à vítima CC, quer quanto à demandante DD. Nessa medida, afiguram-se-nos adequados e não excessivos os montantes atribuídos, ao invés daqueles que são sugeridos pela recorrente que se encontram muitíssimo longe de “compensar” os danos não patrimoniais sofridos quer pela vítima, quer pela demandante, sendo evidente a sem razão da recorrente. Em suma, falece igualmente esse segmento recursivo. III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedentes os recursos interpostos pelas arguidas AA e BB, confirmando a decisão recorrida. Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 UC´s. Notifique. * Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia. * Lisboa, 2 de dezembro de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) Ester Pacheco dos Santos Ana Lúcia Gordinho Manuel José Ramos da Fonseca |