Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
443/09.4TTVFX.1.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O objectivo do incidente de revisão a que se referem os art. 145º do CPT e 25º nº1 da LAT é a alteração das prestações a que o sinistrado tem direito, em consequência de modificação na sua capacidade de ganho, por via de qualquer das situações referidas no art. 25º nº1, de modo que as prestações correspondam ao real grau de incapacidade de ganho do trabalhador acidentado, não assumindo carácter definitivo a fixação de uma determinada pensão para reparação de lesão ou doença sofrida pelo trabalhador.
II - Em atenção a este objectivo, reavaliam-se as lesões anteriormente constatadas, definidas e fixadas, à luz da sua evolução, por forma a rever a incapacidade, porque é desta que verdadeiramente se trata, dado que a revisão da pensão só acontece se ocorrer uma revisão da incapacidade.
III – Numa situação em que ocorreu agravamento do estado de saúde da sinistrada, não só por virtude da situação física do foro ortopédico, como por virtude do aparecimento de doença do foro psiquiátrico, que claramente constitui uma sequela da lesão que apresentava, e consequência do acidente a que se reportam os autos, ocorrem os pressupostos que subjazem ao incidente de revisão das prestações.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1.Relatório

Os presentes autos de acção emergente de acidente de trabalho tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 27-06-2008 e que afectou a sinistrada AA, nascida em 15-07-1970, residente na Rua (…), lote (…), r/ch dto, Alverca do Ribatejo, quando a mesma se achava a trabalhar como operadora, tendo a sua entidade patronal a responsabilidade emergente de acidente de trabalho integralmente transferida para “A BB, Companhia de Seguros, SA”, actualmente “Companhia de Seguros CC, SA”.

                                                           *

Procedeu-se à realização do competente exame médico, a fls. 80 a 84, nos termos do qual a sinistrada foi considerada afectada por uma IPP de 10,00%.

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Realizada a tentativa de conciliação, sob a presidência do Ministério Público (fls 91 a 95), a mesma não foi possível porquanto a Companhia de Seguros, embora reconhecendo o acidente como de trabalho, a sua responsabilidade emergente do mesmo e ainda o nexo causal entre esse acidente e as lesões consideradas pelo perito médico, não concordou com a avaliação da incapacidade levada a efeito.

Também a sinistrada não concordou com o grau de incapacidade atribuído por entender que é portadora de grau superior.

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Foi realizada junta médica (em 15-12-2009 – fls 111 e 112), com a presença do representante legal da Companhia de Seguros “BB Companhia de Seguros, SA”, a qual, por unanimidade concluiu que do acidente resultaram sequelas, tendo sido fixado um coeficiente global de incapacidade de 8% desde a data da alta.

                                                           *

A sinistrada juntou documentos aos autos, entre eles, cópia de uma declaração médica emitida por psiquiatra (fls 116), datada de 4 de Janeiro de 2010, nos termos da qual “Declaro que observei hoje AA e que a mesma apresenta uma depressão reactiva prolongada e grave.

A depressão é reactiva ao problema que apresenta no seu membro superior esquerdo.

A depressão é grave como se referiu e obriga-a a tomar medicação antidepressiva e não só e a recorrer às consultas de psiquiatria.

O prognóstico, pode ser reservado.” (sic)

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Foi proferida sentença que condenou a BB Companhia de Seguros, SA a pagar á sinistrada “a) A pensão anual de €637,05 (seiscentos e trinta e sete euros e cinco cêntimos) com inicio reportado a 24-06-2009, por ser o dia imediato ao da alta, acrescido tal montante dos juros de mora vencidos e vincendos às respectivas taxas legais em cada momento em vigor para créditos civis sobre o capital de remição, desde a data da alta;

b) A quantia de 15,00 euros (quinze euros) a título de transportes.

Custas a cargo da seguradora.” (sic)

                                                           *

Foi calculado e entregue o capital de remição (fls 135).

                                                           *

Foi requerida a realização de perícia médica de revisão da sua incapacidade (fls 173 e 174), com o fundamento de ter ocorrido alteração do seu estado clínico e da sua capacidade de ganho residual.

                                                           *

Foi realizado exame médico (fls 179 a 184 e 269 a 274, tendo sido necessários exames e pareceres complementares) em 21-06-2011, que concluiu estar a sinistrada afectada por uma IPP de 26,5840%, em resultado de sequelas ao nível do aparelho locomotor e psiquiátricas, devendo ser subtraída à referida incapacidade a já remida de 8%.

                                                           *

Por iniciativa do perito médico do Tribunal, foram solicitados exames médicos complementares, nomeadamente na área da psiquiatria, tendo a sinistrada sido observada por um neuropsicólogo, que referiu no relatório enviado ao Tribunal (fls 201 a 205) e datado de 10 de Janeiro de 2011, que “ …O quadro álgico, as intervenções terapêuticas a que foi submetida e a impossibilidade de retomar a atividade profissional devido às limitações motoras de que padece, terão condicionado o desenvolvimento gradual de sintomatologia depressiva, pelo que no inicio de 2010 recorreu a consulta privada de psiquiatria com o Dr DD, tendo iniciado terapêutica psicofarmacológica.

Durante a avaliação neuropsicológica realizada em 14/12/2010, constatou-se que a examinada apresentava sintomatologa depressiva grave, caracterizada por choro fácil, anedonia, apatia, lentificação psicomotora, clinofilia, anorexia e hipersónia alerternada com insónia. Apurou-se ainda ideação suicida e alucinações auditivo-verbais que lhe diziam “tens de morrer” (sic). Face à gravidade do quadro clínico, optámos pela não realização da avaliação neuropsicológica nesse dia, pelo que a examinanda foi referenciada para avaliação clínica no Serviço de Urgência Psiquiátrica do Hospital Curry Cabral (cf. Informação clínica em anexo). A avaliação neuropsicológica foi reagendada para o dia 03/11/2011, altura vem que mantinha notória lentificação psicomotora, marcada sedação. E manutenção das queixas afetivas acima descritas.

Na avaliação neuropsicológica apuraram-se alterações cognitivas relevantes nos domínios da atenção, memória e funções executivas, com relativa preservação dos restantes domínios. Este perfil é compatível com o quadro depressivo já descrito, dee intensidade grave…”

Foi ainda junto aos autos um relatório médico (fls 267), da especialidade de psiquiatria, datado de 06-08-2011, nos termos do qual “A doente sofre duma Perturbação do Humor com características de Depressão Major reactiva ao acidente que sofreu e posteriores sequelas do mesmo, enquadrável, segundo a T.N.I na alínea 1) Reacção Depressiva Prolongada a que corresponde uma incapacidade de Grau III (perturbações funcionais importantes com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional” – (0,16-0,25)) a que atribuo uma incapacidade de 0,16.”

                                                           *

A Companhia de Seguros requereu a realização de junta médica, a qual teve lugar em 20-02-2012 (fls 376 a 379), com referência à especialidade de ortopedia e em 04-02-2013 (fls 530 a 532) com referência à especialidade de psiquiatria.

                                                           *

A junta médica de ortopedia concluiu que ocorreu um agravamento da situação clínica da sinistrada, desde a junta médica realizada em 15-12-2009, traduzida na atrofia do músculo Deltóide, e que a sinistrada tem uma IPP de 10,76%, desde a data do pedido de revisão.

                                                           *

A sinistrada requereu que lhe fosse fixada uma pensão provisória, alegando dificuldades económicas (fls 391-392, 400).

Foi proferida decisão que determinou “que a seguradora pague à sinistrada, com efeitos reportados à data do pedido de revisão, ou seja, 29 de Julho de 2010, visto que não foi enunciada outra data pelo senhor perito (neste sentido, entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa, de 21/10/2000, processo nº 1410, disponível na base de dados da dgsi), uma pensão provisória no valor anual de €1.479,88.” (sic fls 421 a 423)

A Seguradora reclamou (fls 432 a 434), reclamação essa que foi indeferida (fls 444-445)

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Teve lugar a junta médica de psiquiatria, com a presença de representante da Companhia de Seguros (fls 530 a 532), que concluiu, por maioria, ter ocorrido agravamento da situação clínica da sinistrada em relação à observação efectuada na junta médica realizada em 15-12-2009, consistindo esse agravamento na “manutenção de incapacidade funcional com manifestações sintomatológicas de carácter ansioso e depressivo” e esclarecendo que “O quadro psiquiátrico descrito … tem relação causal com o acidente.”

Esta junta médica atribuiu à sinistrada uma IPP de 0,10%, desde 4 de Janeiro de 2010.

                                                           *

Foi proferida sentença nos seguintes termos

“Considerando o resultado da ressonância magnética e da eletromiografia realizadas (cfr. fls. 239 e ss. e 245), mas, principalmente, o exame objetivo levado a cabo pelos senhores peritos que integraram a junta médica de ortopedia, tendo os mesmos constatado que, para além da rigidez do ombro esquerdo, que a sinistrada já apresentava, esta padece agora também de uma atrofia do músculo deltóide, não se vislumbra motivo para afastar o entendimento sufragado unanimemente pelos senhores peritos, no sentido de as sequelas apresentadas pela sinistrada se subsumirem aos pontos 3.2.7.3 al. b) e 3.1 al. a), ambos do capítulo I da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), sendo de atribuir os coeficientes parciais de incapacidade de 0,08 e 0,03.

No que concerne às sequelas psiquiátricas, atendendo a que vem descrito ter a sinistrada manifestações de caráter ansioso e depressivo, relacionadas causalmente com o acidente objeto destes autos, é de acompanhar o entendimento sufragado pela maioria dos senhores peritos, no sentido de reconhecer à sinistrada tais sequelas, enquadráveis no capítulo X, ponto II, Grau II da TNI. Considerando os coeficientes mínimo e máximo aplicáveis e a extensão da sequela, julga-se adequada a atribuição do coeficiente de incapacidade de 0,10.

Importa, então, fixar a incapacidade global da sinistrada:

Coeficientes Arbitrados     Capacidade Restante    Desvalorização Arbitrada

0,08                                                    1                                 0,08

0,03                                                    0,92                            0,0276

0,10                                                    0,8924                        0,08924

0,19684 (19,684%)

Assim, atendendo à retribuição da sinistrada, no valor anual de €11.375,98 (cfr. fls. 92 e 121), e ao facto de a pensão inicialmente arbitrada à sinistrada ter sido fixada com base numa IPP de 8% (cfr. fls. 122), determino o aumento da mesma, em face da IPP de 19,684%, para o montante anual de €1.567,47, desde 29 de Julho de 2010, data do pedido de revisão, visto ter sido essa a data enunciada unanimemente pelos senhores peritos da junta médica de ortopedia (cfr. fls. 377), enquanto o entendimento sufragado na junta médica de psiquiatria não mereceu consenso.

Contudo, a pensão inicial já foi objeto de remição (cfr. fls. 135 e 139), pelo que apenas é devida à sinistrada a diferença entre aqueles valores, ou seja, a pensão anual no montante de €930,42 (€1.567,47 – 637,05), desde 29 de julho de 2010, que é obrigatoriamente remível.

Do capital de remição devem ser subtraídos os valores entretanto pagos à sinistrada a título de pensão provisória.


….

*


Por todo o exposto:

a) condeno a seguradora no pagamento, à sinistrada, do capital de remição calculado com base numa pensão anual e vitalícia no valor de €930,42 (novecentos e trinta euros e quarenta e dois cêntimos), devida desde 29 de julho de 2010, subtraído das quantias que a seguradora haja entretanto pago a título de pensão provisória;

b) condeno a seguradora a assegurar à sinistrada acompanhamento psiquiátrico, psicofarmacológico e psicológico;

c) determino que se notifique a entidade empregadora para encaminhar a sinistrada para a saúde ocupacional, com vista à adequação do respetivo posto de trabalho.

Custas pela seguradora, fixando-se o valor para o efeito em €14.468,03 (quatorze mil quatrocentos e sessenta e oito euros e três cêntimos) correspondente à aplicação da taxa de reserva resultante da Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro, à diferença entre o valor da pensão anterior e da atual – arts. 446.º n.º 1 do Código de Processo Civil, 120.º do Código de Processo do Trabalho e 11.º do Regulamento das Custas Processuais.”

                                                          *

Inconformada, a Companhia de Seguros recorre, concluindo nas suas alegações que

(…)

                                                           *

A sinistrada contra alegou, concluindo que

(…)

                                                           *

O Exmo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser mantida a decisão recorrida.

Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores-Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir


             ***

II – Objecto do Recurso

Nos termos do disposto nos art 684º nº 3 e 685-A nº 1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1º, n.º 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As conclusões, como afirmou Alberto dos Reis, “devem emergir logicamente do arrazoado feito das alegações. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (sic Código de Processo Civil Anotado, reimpressão, vol. V, 1984, pág 359).

Tal significa que não pode conhecer-se de questões constantes das conclusões que não tenham sido explanadas nas alegações (motivações) e vice-versa, não pode conhecer-se de questões que, embora abordadas nas alegações, não constem das conclusões.

Assim, cumpre

- reapreciar a matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu erro na apreciação da prova, quando a Mma Juíza considerou que as sequelas psiquiátricas apresentadas pela sinistrada estão causalmente relacionadas com o acidente objecto destes autos;

caso se considere provado esse nexo causal

- se as referidas sequelas psiquiátricas são novas ou se se traduzem no agravamento das já anteriormente existentes e que justificaram a atribuição de uma prestação.

                                                           ***

III - Fundamentação de Facto

Os factos materiais relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório que antecede.

                                                           ***

IV - Da Impugnação da Matéria de Facto

(…)

                                                           ***
V
– Enquadramento Jurídico

Entende a recorrente que a decisão violou o disposto no art. 25º da Lei 100/97 de 13-09, ao considerar as lesões de cariz psiquiátrico no âmbito da revisão levada a efeito, pois as lesões de ordem psicológica/psiquiátrica são lesões novas, não cabendo a sua averiguação no incidente de revisão, o qual não se destina a averiguar da existência de alegadas novas lesões, mas sim, a determinar e reanalisar de houve agravamento, recidiva, recaída ou melhoria de sequelas já definidas anteriormente nos autos.

À situação sub judice tem aplicação a Lei 100/97 de 13-09, considerando a data do acidente – 27-06-2008 – e o disposto nos art. 186º a), 187º nº1 e 188º da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.

Nos termos do art. 25º, nº 1 do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, aprovado pela Lei 100/97, de 13/09, com a epígrafe “Revisão das prestações”, “[Q]uando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.” (sic)

Por sua vez, o CPT estabelece tramitação própria, inerente à “Revisão da incapacidade em juízo”, o que faz no art. 145º, cujo nº 6 dispõe que após os exames médicos e outras diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar.

Do cotejo destes preceitos resulta que o objectivo do incidente de revisão é a alteração das prestações a que o sinistrado tem direito, em consequência de modificação na sua capacidade de ganho, por via de qualquer das situações referidas no art. 25º nº1, de modo que as prestações correspondam ao real grau de incapacidade de ganho do trabalhador acidentado, não assumindo carácter definitivo a fixação de uma determinada pensão para reparação de lesão ou doença sofrida pelo trabalhador.

Este incidente reveste assim a natureza jurídica de um acto modificativo da pensão anteriormente fixada. Não se trata de fixar uma nova pensão. Como afirma Carlos Alegre in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2º edição, pág. 125, “[O] instituto da revisão das prestações é o resultado da verificação prática de muitas situações em que o estado de saúde do sinistrado, como consequência directa do acidente, evolui, quer no sentido do agravamento, quer no da melhoria, modificando-se, por isso, a sua capacidade de ganho.” (sic)

A questão que nos ocupa prende-se com a delimitação dos factores previstos no referido preceito legal, maxime aferir se estamos em presença de uma lesão nova, sem qualquer relação com o acidente e com a lesão que conduziu à fixação inicial da pensão, ou de uma sequela das lesões sofridas pelo sinistrado em consequência do acidente de trabalho.

Na prossecução desse desiderato, cumpre analisar a LAT, na perspectiva daquilo que a mesma permite ressarcir na decorrência de um acidente dessa natureza.

Assim, é desde logo o art. 1º da LAT que determina que “[O]s trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho nos termos previstos na lei e  demais legislação regulamentar.” (sic)

De acordo com o mesmo diploma legal, acidente de trabalho é “aquele que se verifica no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulta redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou morte” (sic art. 6º nº1 da LAT)

Daqui resulta que, como de forma esclarecedora se afirma no Acórdão desta Secção de 06-02-2013 - Proc 393/07.9TTSNT.2-L1-4, e também mencionado pela recorrida nas contra-alegações, “[A] reparação prevista na lei de acidentes de trabalho não abrange todos os danos que o trabalhador tenha sofrido em consequência do acidente de trabalho. A delimitação é feito logo pelo conceito de acidente de trabalho [art.º 6.º, n.º1], de onde resulta que apenas são atendidos os danos ocorridos no corpo e na mente – a lesão corporal é o efeito lesivo de que o acidente é causa, podendo ser física ou mental - alargados aos casos restritos previstos no art.º 38.º do DL 143/99, em concreto, reparação de aparelhos de prótese, ortótese ou ortopedia.

E, para que aquele danos sejam indemnizáveis, como danos emergentes de acidente de trabalho, é necessário que se repercutam na capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador e, cumulativamente, que exista um nexo de causalidade entre o acidente e o dano – lesão corporal, perturbação funcional ou doença – o qual pode ser directo ou indirecto.

Assim, o dano que a lei visa reparar não é a lesão, perturbação ou doença e o sofrimento que implicam, mas antes a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, resultantes daquela lesão, perturbação ou doença. E, para que aquele danos sejam indemnizáveis, como danos emergentes de acidente de trabalho, é necessário que se repercutam na capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador e, cumulativamente, que exista um nexo de causalidade entre o acidente e o dano – lesão corporal, perturbação funcional ou doença – o qual pode ser directo ou indirecto.” (sic)

Volvendo ao artigo 25º, a recidiva traduz-se no reaparecimento da enfermidade, depois de um período de saúde completa e após ter sido a doença ou lesão debeladas uma primeira vez; a recaída, consiste no reaparecimento dos sintomas, antes de se atingir um estado de saúde completo; o agravamento traduz-se na intensificação ou aumento de gravidade do estado anterior, ou seja, o antónimo de melhoria.

No presente caso, resulta provado que ocorreu uma modificação da capacidade de ganho da sinistrada, que passou de uma IPP de 8% para uma IPP de 10,76%, a que acresce uma IPP de 0,10%, por referência ao problema psiquiátrico. Não restam também dúvidas que o quadro psiquiátrico detectado à sinistrada apareceu após a fixação da pensão inicial e está intimamente ligado à lesão, que resultou do acidente de trabalho a que se referem os autos, traduzindo-se num agravamento dessa lesão.

A recorrente defende, quanto às mazelas de natureza psiquiátrica, estarmos ante lesões novas, que não podem ser averiguadas neste incidente.

Esta interpretação do disposto no art. 25º da LAT e esta visão dos factos, resulta contudo demasiado restritiva, e é afastada pelos elementos literal e racional de interpretação das normas.

O art. 9º do C.Civil, sob a epígrafe “Interpretação da lei”, determina que “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (sic).

O enunciado gramatical ou filológico da lei assume-se como o ponto de partida do intérprete, mas comporta também uma função de limite, já que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr nº 2 do art. 9º).

Acresce que, “[N]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” (sic nº3).

O elemento literal não é porém suficiente para determinar o sentido e alcance da norma.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao criar a norma.

 O elemento sistemático considera que “[A] ordem jurídica forma um sistema, de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam uas pelas outras – cada norma e conjunto de normas funciona em relação às outras como elemento sistemático de interpretação.” (sic Prof Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1984, pág. 249).

Analisemos a norma vertida no art. 25º nº1 da LAT

Fala-se nesse preceito legal em lesão – exige-se que a modificação da capacidade de ganho se reporte a uma alteração, por agravamento, recidiva, recaída ou melhoria, da lesão previamente existente e que justificou a atribuição de um grau de incapacidade – cumprindo definir o que é “lesão” e o que é “doença”, conceito a que também alude o preceito.

A doença é a ausência de saúde, e ocorre quando está comprometido o normal funcionamento das funções corporais ou mentais.

A lesão, neste contexto, apresenta um carácter mais restrito e consiste em “qualquer doença ou moléstia num órgão” (cfr. Dicionário Priberam, on line).

Como é fácil de concluir, os dois conceitos não são estanques, pois a doença comporta sempre uma lesão e esta não deixa de ser uma ofensa que atinge a saúde física e/ou psíquica.

O fim visado pela norma é o de não prejudicar o sinistrado que, tendo-lhe sido fixada uma pensão com base numa determinada incapacidade, vê entretanto evoluir desfavoravelmente o seu estado de saúde por reporte à mesma mazela sofrida com o acidente.

Igualmente se protege o responsável, pois o estado de saúde do sinistrado pode evoluir favoravelmente, com diminuição do grau de incapacidade ou ocorrendo a cura, tornando injustificada a pensão ou parte dela.

Em atenção a este objectivo, reavaliam-se as lesões anteriormente constatadas, definidas e fixadas, à luz da sua evolução, por forma a rever a incapacidade, porque é desta que verdadeiramente se trata, dado que a revisão da pensão só acontece se ocorrer uma revisão da incapacidade.

A análise do caso em apreço permite concluir que a sinistrada, após a fixação da pensão, viu agravado o seu estado de saúde. E isso aconteceu, não só porque ocorreu agravamento da sua situação física do foro ortopédico, como por virtude do aparecimento de doença do foro psiquiátrico, que claramente constitui uma sequela da lesão que apresentava, e consequência do acidente a que se reportam os autos. Não se pode falar numa doença autónoma da sinistrada, como o faz a recorrente. Estamos em presença de uma doença que foi ocasionada pelo facto de a sinistrada ter sofrido uma lesão (já constatada aquando da fixação inicial da pensão, e que entretanto também se agravou), por força de um acidente de trabalho, doença essa que agravou o seu estado de saúde, com consequente rebate na capacidade de ganho.

Não há pois dúvida de que ocorrem os pressupostos que subjazem ao incidente de revisão das prestações.

Como último argumento, a recorrente alega que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 146º do CPC, que prevê um incidente para os casos em que a entidade responsável não aceita a responsabilidade pelo agravamento de uma sequela já conhecida, devendo o processo seguir para julgamento.

Resulta do disposto no art. 146º do CPT que “1- Se a entidade responsável pretender discutir a responsabilidade total ou parcial do agravamento e a questão só puder ser decidida com a produção de outros meios de prova, assim o declara no fim do prazo fixado para requerer perícia por junta médica e apresentará dentro de 10 dias a sua alegação e meios de prova; se for requerida perícia, o prazo conta-se a partir da realização desta.

2- Notificado o sinistrado, este pode responder, com indicação dos respectivos meios de prova, no prazo e 10 dias.

3 – A partir da resposta, seguem-se, com as necessárias adaptações, os termos do processo comum regulados a partir do nº2 do artigo 63º, com salvaguarda do disposto no artigo 134º e no número seguinte.

” (sic)

Da letra do preceito legal resulta que a ora recorrente tinha o prazo de 10 dias contados do fim do prazo fixado para requerer a perícia por junta médica ou da realização desta, caso tenha lugar, para requerer a produção de meios de prova, na situação de pretender discutir a responsabilidade total ou parcial do agravamento.

A responsável, ora recorrente foi notificada do resultado do exame médico por carta de 06-07-2011 (fls 276), e requereu a realização de junta médica, nada mais tendo requerido, mesmo após a notificação do resultado da junta médica (fls 551), donde se conclui ser extemporâneo o pedido ora formulado de produção de prova.

Concluindo, não merece censura a decisão recorrida.

                                                    ***

Relativamente à conclusão 21. das contra-alegações e ao que aí se peticiona, não tendo a sinistrada interposto recurso e fugindo tal matéria ao objecto do presente recurso, nada cumpre decidir.

                                                     ***

VI – Decisão

Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o recurso interposto por Companhia de Seguros Açoreana, confirmando-se a decisão recorrida.

                                                     ***

Custas a cargo da apelante.

                                                     ***

Lisboa, 10 de Outubro de 2013

 Paula Santos

 Seara Paixão

 Ferreira Marques

Decisão Texto Integral: