Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9978/2007-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ADJUDICAÇÃO
PROPRIEDADE
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I-  Não produz quaisquer efeitos o despacho em que o Tribunal, posto que desconhecendo já  ter ocorrido o seu óbito (16-7-2003), notifica (18-11-2003) a expropriada para actualizar o registo de propriedade do imóvel expropriado; não produzindo efeitos, igualmente não os produz a decisão ( de 23-5-2005) que dele logicamente depende que declara interrompida a instância.
II- A ser assim, quando ulteriormente proferiu despacho ( no dia 24-2-2006) que, na melhor das interpretações, implicitamente impôs às herdeiras da expropriada falecida, entretanto habilitadas (19-11-2004), a junção de certidão do registo de propriedade com as inscrições actualizadas, o Tribunal agiu na base de uma situação nova a impor, face ao seu incumprimento, despacho de interrupção da instância, como veio a suceder no dia 15-5-2007; por isso, este despacho não é mera duplicação do anterior, não resultante de um mero lapso.
III- Aceitando-se a validade deste despacho de 15-5-2007,  não podia ainda ser declarada deserta a instância em 5-7-2007 pois, nesta data, não tinham ainda passado dois anos considerada a data da interrupção da instância.
IV- O Tribunal, remetido o processo de expropriação nos termos do artigo 51.º/1 do Código das Expropriações de 1999, depois de devidamente instruído o processo e efectuado o depósito, deve proferir despacho adjudicando à entidade expropriante a propriedade e a posse, se for o caso, do imóvel referenciado.
V- O Tribunal actua oficiosamente no sentido em que se lhe impõe sempre proferir despacho de adjudicação ( ou de não adjudicação), não se afigurando correcto que, por falta de documentação e de cooperação das partes, declare a instância interrompida, eximindo-se de proferir o despacho de adjudicação ( ou de não adjudicação).
VI-  Não tendo sido suscitada esta questão - a da oficiosidade do Tribunal a impor-lhe a prolação de despacho a que alude o artigo 51.º/5 do Código das expropriações de 1999 - o caso julgado formal resultante do despacho que declarou interrompida a instância não abrange essa questão e, por isso, o Tribunal pode proferir tal despacho, não estando de mãos amarradas pelo despacho proferido que declarou interrompida a instância que, assim, reconhecida a oficiosidade, cai por terra.
VII- Se, na base do despacho de interrupção da instância, não há nenhuma decisão a impor aos interessados a prática de determinados actos processuais, nem resulta da lei um tal comando, o despacho que declara a instância interrompida não produz quaisquer efeitos.
SC
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Nos autos de expropriação por utilidade pública e ainda na fase de arbitragem, antes de ser proferido ou negado ao expropriante a adjudicação da propriedade e posse sobre o imóvel referenciado, foi proferido a fls. 227 o despacho recorrido, ora sob recurso, que diz o seguinte:
2. Nos presentes autos de expropriação em que é expropriante Câmara Municipal de Lisboa e expropriado Augusto […] e outros […] veio o expropriado Augusto […]  requerer que o Tribunal decrete a deserção da instância por já terem decorrido mais de dois anos desde a notificação de 11 de Dezembro de 2004 ou desde o despacho de 23 de Maio de 2005 que declarou interrompida a instância.
Veio a Câmara Municipal pronunciar-se sobre o requerido, limitando-se a afirmar, no essencial, não ser da sua responsabilidade o arrastar do processo.
Apreciando:
Por despacho datado de 23-5-2005, notificado em 25-5-2005 às partes, foi declarada interrompida a presente instância, “ sendo que naquela data os autos se encontravam sem serem promovidos, no que concerne à prática do acto de que dependia o seu andamento - apresentação da certidão de registo da propriedades do imóvel a favor, agora, dos herdeiros de Olinda […] , desde 18-11-2003, data a que se deve entender reportar-se a interrupção da instância.
Após o referido despacho datado de 23-5-2005 o andamento dos autos não foi promovido por qualquer das partes, não tendo sido apresentada a certidão do registo de propriedade do imóvel em falta, que veio a ser apresentada em 5-6-2007
Nos termos do disposto no artigo 291.º/1 do C.P.C. ‘considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos
A deserção da instância acarreta a sua extinção, nos termos do disposto no artigo 287.º, alínea c) do C.P.C.
Assim sendo, quando foi apresentada a certidão de registo do imóvel, já a instância se encontrava extinta por deserção há muito, como bem refere o expropriado Augusto […] .
Com efeito,  o despacho proferido a 15-5-2007  que, de novo, considerou a instância interrompida deve-se a manifesto lapso, não produzindo quaisquer efeitos, atendendo a que a instância já se encontrava interrompida desde o despacho de 23-5-2005.
Face ao que procede, tem razão o expropriado Augusto da […], importando reconhecer deserta a instância.
É o que se decide.
Em consequência, desentranhe-se fls. 206 a 209 e 221 a 226 e devolva-se aos expropriados, após trânsito”.
3. A entidade expropriante, Câmara Municipal de Lisboa, interpôs recurso desta decisão, a tramitar como agravo, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1- A Câmara Municipal  de Lisboa, enquanto entidade expropriante, tendo em vista a execução do Plano de Urbanização do Vale de Chelas, em Lisboa, pretendia e pretende, expropriar um prédio urbano […] , averbado em nome dos proprietários inscritos Manuel […] e Augusto […] .
 
2- Remeteu o expropriante ao Tribunal o processo acompanhado com os seguintes documentos:
-Certidão do registo predial […]
-Certidão do registo matricial comprovativo da omissão desta […]
-D.U.P.[…]
-Relatório e acórdão arbitral []
- Auto de vistoria ‘ad perpetuam rei memoriam’ […]
- Auto de posse administrativa […]
- Depósito da quantia arbitrada em nome dos proprietários inscritos, Manuel e Augusto da […]
3- Mais indicou a expropriante como interessada, Olinda […] , mulher de Manuel […] , com quem era casada, sob o regime de comunhão […]
4- Preenchidos todos os requisitos previstos nos artigos 43.º e 51.º, n.º1 e 5 CE, o Tribunal ficou habilitado a proferir o despacho de adjudicação  da propriedade à expropriante e atribuir aos expropriados inscritos Augusto […]  e Manuel […] , ou  à conhecida herdeira, Olinda […] , ou até a outros herdeiros desconhecidos, as quantias arbitradas
5- Quando a lei ( n.º 1 do artigo 51.º do Código das Expropriações) alude a ‘certidões actualizadas das descrições e das inscrições em vigor dos prédios na Conservatória do Registo Predial competente e das respectivas inscrições matriciais, ou de que os mesmos estão omissos...’ não quer significar  registos ou inscrições actualizados, isto é, emitidas pelas Conservatórias ou Repartições há menos de um ano!
Atente-se que se os prédios estiverem omissos, o legislador não impõe à entidade expropriante o registo ou a inscrição, contenta-se com a certidão a atestar a omissão...
6- Aliás, por razões que se prendem com a realização do interesse público, impõe o legislador ( art.º 44º do C.Exp.) o carácter urgente a estes processos, nas fase inicial relativa aos actos de adjudicação, posse e sua notificação aos interessados
7- Por outro lado, ainda, vigora no processo expropriativo, o princípio da legitimidade aparente. Pode a expropriante dirigir-se às entidades constantes das respectivas inscrições prediais e fiscais, mesmo que estas  não sejam verdadeiras e actuais os titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar (artigos 9.º,n.º3, 37.º,n.º4 e 5 e 40.º e 41.º CE)
8- A não intervenção do verdadeiro titular dos direitos em causa não determina, em regra, a anulação dos actos já praticados
Se o proprietário já tiver falecido, ou  falecer, entretanto, desconhecendo-se os herdeiros, não é necessário  fazer-se a habilitação daqueles, continuando o processo os seus termos legais e a instância só se suspenderá, se for caso disso, depois de notificada à entidade expropriante, a adjudicação da propriedade e posse.
Se o titular do direito em causa só aparecer, após o processo  ter terminado, tendo a indemnização sido paga ao titular aparente,  o verdadeiro titular só poderá demandar o titular aparente para reivindicar a indemnização recebida (veja-se os artigos 4.º,n.º2, 41.º,n.º1 e 2, 37.º,n.º3 e 4, 73.º CE e artigos 89.º a 98.º
9- Não é de impor ao expropriante que averigúe quais são os titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel. Ele tem a faculdade de se dirigir aos proprietários aparentes, designadamente àqueles que figurem nas inscrições predial e fiscal. Mesmo na ausência de alguns, ou de todos os interessados, o legislador criou a figura do curador provisório (artigo 41.º C. Exp. e artigos 89.º a 98.º do Código Civil) que acompanham todos os termos do processo, não havendo obstáculos  ao prosseguimento do processo expropriativo, na concretização de obras públicas diversas […]
10- Nunca foi proferida nestes autos decisão a adjudicar a propriedade e posse administrativa à expropriante, apesar de, nesta fase, o processo ter natureza urgente
11- Nada justifica a suspensão da instância  no processo expropriativo, para actualização do registo, no tocante ao proprietário inscrito, já falecido, antes da adjudicação e posse à expropriante da propriedade e posse administrativa, nomeadamente as suspensões pelos óbitos do Manuel […] e sua mulher Olinda […] , violando-se, claramente, o disposto no artigo 41.º, n.º1 do CE
12- Nada justifica a ordenada actualização registral, no tocante à titularidade da propriedade, em consequência dos óbitos do Manuel […] e da sua mulher, Olinda […], dado o regime da legitimidade aparente, acima descrita, criada pelo legislador, no processo especial de expropriações
13- Aliás, tal decisão também não se justifica pois esta acção não é de registo obrigatório […] e a função do registo é de dar publicidade da situação dos prédios e o registo não dá, nem tira direitos, sendo mera presunção dos direitos […]
14- Sendo certo que as partes, nestes autos, tenham legitimidade  para efectuar registos […] a verdade é que o Tribunal, como já vimos, desnecessariamente, impôs aos expropriados, a fls. 145, em 18-11-2003, a actualização do registo de propriedade no tocante  à titularidade, perante os óbitos do Manuel […]  e Olinda […].
15- A expropriante, com o depósito dos valores arbitrados e posse administrativa, não tinha, nem tem, qualquer interesse no arrastar  dos autos. Antes, pelo contrário, visando a adjudicação da propriedade e a concretização das obras, ainda promoveu a habilitação de herdeiros por óbito de Olinda […] e efectuou vários requerimentos […]
16- O expropriado Augusto […] , como lhe fora ordenado a fls. 145 em 18-11-2003, nunca actualizou o registo, no tocante à titularidade da propriedade, não se sabendo se é, ainda, hoje, solteiro, como flui  do registo, ou e é casado, se é viúvo...!
Pelos vistos só lhe interessou o arquivamento dos autos!
17- Os expropriados, os falecidos Manuel […]  e mulher, Olinda […]  e seus herdeiros, só vieram aos autos  demonstrar, ao fim de cinco anos, com muitos incidentes e vicissitudes pelo meio, a actualização registral, no tocante à titularidade do bem […]
18- Para além dos comandos normativos, jurisprudência e doutrina, acima citados, justificarem decisão diversa, salvo o devido respeito, a economia processual, o bom senso, a justiça material, e não formal, desejada por todos, o legislador, a entidade expropriante e a prossecução do interesse público e as partes expropriadas ,que desejam usufruir das quantias depositadas, impõem o prosseguimento dos autos no sentido de, finalmente, se proferir despacho de adjudicação da propriedade à expropriante, nos termos do disposto nos artigos […]
Doutra forma é fazer letra morta do princípio da justiça material, da economia processual, remetendo as partes para o reinício de um novo processo de expropriação, demorando, pelo menos, um ano, sem interesse para ninguém.
19- Nunca, aliás, se justificaria a suspensão da instância, antes do despacho de adjudicação da propriedade à expropriante, nos termos do disposto no artigo 41.º/1 do CE
20- Foi, ainda ordenada a suspensão da instância (fls. 152) em 3-12-2003 em consequência do óbito de Olinda […] , não obstante o incidente de habilitação de herdeiros (apenso B) de 14-5-2004 , a 19-11-2004 e declarada interrompida em 13-5-2005 ( fls. 161) como se nada tivesse sido feito nos autos
Foi declarada novamente interrompida a instância em   5-5-2007 ( fls. 198) pelo que em 27-6-2007 ainda não tinha decorrido prazo de interrupção de dois anos, previsto no artigo 291.º C.P.C.
21- Houve oposição de julgados ao ordenar-se duas vezes a interrupção da instância (fls. 161 e 1989 o que constitui nulidade/excepção prevista no artigo 494.º, alínea i) do C.P.C. de conhecimento oficioso (artigo 495.º do C.P.C.).

Apreciando:
 
4. A deserção da instância verifica-se, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos (artigo 291.º/1 do C.P.C.)
 
5. A decisão que assim o declare não tem efeito constitutivo, mas tão somente declarativo.
 
6. A instância a interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento (artigo 285.º do C.P.C.).
 
7. No caso em apreço a instância foi declarada interrompida por decisão de 15-5-2007 (fls. 198 dos autos).
 
8. Considerou-se nessa decisão que os autos estão parados há mais de um ano por nada ter sido requerido com vista ao andamento dos mesmos.
 
9. O que devia afinal ter sido requerido com vista ao andamento dos autos?
 
10. A resposta encontramo-la no primeiro despacho que declarou interrompida a instância, datado de 23-5-2005 a fls. 161 ( com base no qual a decisão recorrida contou o prazo de dois anos para efeito de deserção da instância, pois se contasse do datado de 15-5-2007 o prazo ainda não se esgotara: a deserção ocorreria apenas em 15-5-2009).
 
11. Nesse despacho de fls. 161 refere-se:
Não tendo sido promovido  o andamento dos autos, mantendo-se sem cumprimento o despacho datado de 18-11-2003, declaro interrompida a instância, nos termos do disposto no artigo 285º do C.P.C.
Notifique-se ambas as partes - expropriante e todos os expropriados, designadamente as habilitadas
 
12. Nesse despacho de 18-11-2003 o Tribunal considerou que a actualização do registo de propriedade do imóvel cabia aos proprietários, no caso, à alegadamente proprietária Olinda […]
 
13. Como se chegou até aqui?
 
14. A entidade expropriante, para efeitos de adjudicação da propriedade do imóvel nos termos do artigo 51.º/5 do Código das Expropriações de 1999, remeteu ao Tribunal o processo de expropriação.
 
15. Indicava como proprietários Manuel […] e Augusto […] e Olinda […].
 
16. O Tribunal constatando que da certidão do registo constava que o imóvel pertencia apenas a Augusto […] e Manuel […], entendeu convidar a expropriante a explicitar a quem pertence o imóvel em causa nos autos considerando que no auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, consta que os proprietários do imóvel são Augusto […] e Olinda […] ( fls. 49)

17. Veio a Câmara Municipal esclarecer que Olinda Maria da […] era viúva de Manuel […].
 
18. Face a esta informação, o Tribunal considerou que se impunha a habilitação incidental nos termos dos artigos 371.º e seguintes  o que veio a suceder e, por decisão de fls. 88, foi julgada habilitada Olinda […] como herdeira de Manuel […]  a fim de ocupar a posição deste até final.
 
19. No entanto, porque não constava do registo a indicação como proprietária  Olinda […] , o Tribunal considerou que devia aguardar a junção de certidão do registo predial actualizada da qual constassem os proprietários do prédio expropriado à data da expropriação (despacho de 27-9-2002 a fls. 96)
 
20. O Tribunal (despacho de 15-5-2003 a fls. 126) convida os expropriados a esclarecerem
se já iniciaram diligências para actualização do registo de propriedade do imóvel ou o que tiverem por conveniente
 
21. Os expropriados respondem considerando que o impulso processual cabe  à entidade expropriante e não aos expropriados
 
22. Veio então o Tribunal pelo dito despacho de 18-11-2003 ( fls. 145) a considerar que a actualização  do registo da propriedade do imóvel expropriado cabe aos respectivos proprietários, no caso, à alegadamente proprietária Olinda […]
 
23. Falecida a referida Olinda em 16-7-2003, foram habilitados os seus herdeiros:  ver decisão de 19-11-2004 no apenso B)
 
24. O Tribunal, porque  o registo continuava desconforme e não se juntara certidão actualizada, proferiu então o já mencionado primeiro despacho a declarar interrompida a instância (despacho de 23-5-2005 a fls. 161) a que se seguiu o despacho a declarar interrompida a instância datado de 15-5-2007 (fls. 198).
 
25. Entre os dois despachos, porém,  algo se passou.
 
26. Reconhecendo o Tribunal que a junção da referida certidão cabia à expropriada (despacho de 18-11-2003) num momento  em que esta já tinha falecido (data do óbito: 16-7-2003 - ver fls. 149) impor-se-ia saber a quem afinal cumpria proceder à junção da aludida certidão actualizada.
 
27. Ora o Tribunal, muito embora  não soubesse quando proferiu o despacho a impor à Olinda […]  a actualização do registo predial do imóvel que esta já tinha falecido, sabia-o já quando proferiu o despacho a declarar a instância interrompida em 23-5-2005 pois até já tinha julgado habilitados os herdeiros da Olinda por decisão de 19-11-2004.
 
28. O pressuposto da decisão que declarou interrompida a instância era o de que incumbia a junção da certidão à dita Olinda, mas tal pressuposto não podia agora aceitar-se.
 
29. A Câmara Municipal, face a tal despacho a declarar interrompida a instância, requer que os expropriados sejam intimados a fazê-lo, com multa por cada dia de atraso.
 
30. O expropriado Augusto […] veio esclarecer que o prédio está registado a seu favor desde 26-6-1958.
 
31. O Tribunal, segundo parece, não considerara tal situação, a do registo se mostrar efectuado a favor de Augusto da […] e de Manuel […], designadamente quando proferiu o despacho de fls. 145 em 18-11-2003.
 
32. Trata-se agora de inscrever como herdeiros habilitados de Olinda […]  os identificados Maria […] e  Antónia […].
 
33. Não se vê que estes herdeiros habilitados tenham sido notificados para procederem à junção da certidão com inscrição actualizada.
 
34. Aceita-se que possa resultar implicitamente do despacho proferido a fls. 183 (datado de 24-2-2006) que o Tribunal continua a entender que essa junção compete aos expropriados e que os expropriados a quem tal incumbe são os herdeiros habilitados de Olinda […] . Não definiu o Tribunal que tal incumbência incidisse sobre o expropriado  Augusto […]: tal não resulta do despacho de  fls. 183.
 
35. Mas se assim se deve entender, ou seja, que os herdeiros habilitados de Olinda […]  deviam praticar os actos que o Tribunal a esta cometera, então impunha-se a prolação de novo despacho a declarar interrompida a instância visto que só a partir deste despacho de 24-2-2006 os herdeiros da Olinda […]  tiveram conhecimento de que se lhes impunha proceder à junção da referida certidão e isto na base de uma interpretação desse despacho favorável ao reconhecimento de um comando implícito nesse sentido dirigido aos herdeiros habilitados de Olinda […].
 
36. E tanto se impunha a prolação de novo despacho que o Tribunal assim procedeu declarando interrompida a instância por decisão de 15-5-2007 a fls. 198.
 
37. Não há, por isso, contrariamente ao que se sustenta no despacho sob recurso, uma mera duplicação, um mero lapso que leve ao entendimento de que este segundo despacho a declarar interrompida a instância não produz quaisquer efeitos.
 
38. O primeiro despacho é que não pode produzir efeitos quanto à Olinda pela simples razão de que ela já tinha morrido.
 
39. Por aqui se vê que a decisão proferida não pode subsistir visto que afinal ainda não decorreu o prazo de deserção da instância.
 
40. Mas outras razões levariam à revogação da decisão proferida.
 
41. A presente expropriação tem natureza urgente.
 
42. Da natureza urgente da expropriação decorre a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam (artigo 20.º/6 do Código das Expropriações)  e o conferir-se de imediato à entidade expropriante a posse administrativa dos bens expropriados (artigo 15.º/2).
 
43. O processo de expropriação, no âmbito do qual se procedeu designadamente à arbitragem promovida pela entidade expropriante, é remetido para Tribunal (artigo 51.º do CE/99) e, depois de instruído o processo e de efectuado o depósito nos termos consignados, o juiz, no prazo de 10 dias, adjudica à entidade expropriante a propriedade e posse, salvo, quanto a esta, se já houver posse administrativa, e ordena simultaneamente a notificação do seu despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, com indicação, quanto a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52.º (artigo 51.º/5 do CE/99).
 
44. Suscita-se a questão de saber se o Tribunal, no caso de o processo não se mostrar devidamente instruído e de não haver cooperação das partes nesse sentido, pode deixar de proferir decisão, seja a de adjudicação, seja a de não adjudicação.
 
45. Quer-nos parecer que o Tribunal está vinculado à prolação de despacho pronunciando-se sobre o pedido de adjudicação. Será neste momento que o Tribunal cuidará de analisar se, face aos documentos apresentados e outras vicissitudes, se impõe negar a adjudicação pretendida.
 
46. A lei, tal o seu propósito de celeridade, não impõe a suspensão da instância no caso de falecimento de algum interessado na pendência do processo, suspensão que só deverá ser declarada depois de notificada à entidade expropriante a adjudicação da propriedade e posse (artigo 41.º/1 do C.Exp./99).
 
47. No caso de haver interessados ausentes ou desconhecidos o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, nomeia-lhes curador provisório, que será, quanto aos incapazes, na falta de razões ponderosas em contrário, a pessoa a cuja guarda estiverem entregues (artigo 41.º/2 do C.Exp./99).
 
48. A intervenção de qualquer interessado na pendência do processo não implica a repetição de quaisquer termos ou diligências (artigo 40.º/2 do C.Exp. /99).
 
49. A lei - artigo 9.º/3 do C.Exp./99 reconhece como interessados os que no registo predial, na matriz ou em títulos bastantes de prova que exibam figurem como titulares dos direitos a que se referem os números anteriores ou, sempre que se trate de prédios omissos ou haja manifesta desactualização dos registos e das inscrições, aqueles que pública e notoriamente forem tidos como tais e, por isso, prescreve o artigo 37.º/5 do C.Exp. /99 que salvo no caso de dolo ou culpa grave por parte da entidade expropriante, o aparecimento de interessados desconhecidos à data da celebração da escritura ou do auto apenas dá lugar à reconstituição da situação que existiria se tivessem participado no acordo, nos termos em que este foi concluído.
 
50. Ora se a lei consagra o princípio da legitimidade aparente, já se vê que o Tribunal não deve levar a sua preocupação instrutória ao ponto de pretender obter registo predial conforme com uma realidade - inscrição dos herdeiros habilitados da viúva, entretanto falecida, do interessado Manuel […] . Uma tal inscrição também não daria ao Tribunal a certeza de que aqueles titulares são efectivamente os proprietários pois o registo predial constitui mera presunção juris tantum de que o direito existe e pertence ao titular inscrito (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
 
51. Dir-se-á, porém, que, sendo assim as coisas, certo é que o Tribunal proferiu despachos transitados em julgado que constituem caso julgado formal (artigo 672.º do C.P.C.) que, por isso, não podem ser agora postos em causa. Ou seja, o recorrente afinal está a discutir as razões que conduziram o Tribunal a declarar interrompida a instância e uma tal discussão é agora inútil.
 
52. Importa, no entanto, sublinhar que o caso julgado vale nos seus precisos termos, ou seja, o seu alcance não vai para além do âmbito por ele próprio definido.
 
53. Se o Tribunal considera interrompida a instância na medida em que decorreu mais de um ano por negligência dos interessados em promover os termos do processo - no caso, pela não junção pelos herdeiros habilitados de Olinda […] de certidão de registo predial onde figurassem com tal qualidade - isso não significa que estejam precludidas questões outras como, por exemplo, a de saber se o Tribunal podia e devia proferir oficiosamente despacho de adjudicação ou de não adjudicação uma vez constatada a impossibilidade de obter a referida certidão.
 
54. Não há nenhum despacho proferido nos autos a declarar que o Tribunal não pode proferir tal despacho sem que tal documento seja junto aos autos.
 
55. Se um tal despacho existisse então, uma vez transitado em julgado, as partes ficariam vinculadas e, por conseguinte, a interrupção da instância teria um âmbito mais amplo do que aquele que resulta daquele que foi proferido
 
56. A decisão que determina a interrupção da instância parece colidir com a ideia de que o Tribunal pode oficiosamente determinar o prosseguimento dos autos.
 
57. E é certo que se o Tribunal devia proferir o despacho a que se refere  o artigo 51.º/5 do C.Exp. /99, não devia ordenar a interrupção da instância.
 
58. Parece-nos todavia que o caso julgado tem o seu campo de acção limitado à questão de os interessados não poderem requerer ao Tribunal que declare cessada a interrupção da instância por se mostrar desnecessária a junção da aludida certidão.
 
59. Daí não decorre que o Tribunal, oficiosamente ou por iniciativa das partes que lhe lembrem essa oficiosidade, não possa proferir nos autos despacho de adjudicação apesar de interrompida a instância ou não possa reconhecer cessada a interrupção por se lhe impor proferir tal despacho.
 
60.Ora, quando a entidade expropriante impugna a decisão que declara a instância deserta, ela pretende o reconhecimento de que tal decisão não devia ter sido proferida por duas razões: porque o prazo de deserção da instância ainda não decorrera e porque se impunha entretanto proferir despacho de adjudicação.
 
61. Nenhuma destas razões está abrangida por qualquer caso julgado formal pois não houve sobre ela pronúncia do Tribunal.
 
62. O caso julgado formal, por outras palavras, não preclude a possibilidade de conhecimento de razões diferentes, que ele não considerou, susceptíveis de impor uma decisão prejudicial. A não se entender assim, então  o caso julgado formal constituído pela decisão que ordenara a interrupção da instância com base na razão apresentada impediria que fosse proferida qualquer outra decisão cuja consequência impusesse a derrogação ou o afastamento daquela que ordenara a interrupção da instância. Não nos parece que o caso julgado formal tenha um tão amplo alcance e, por isso, não surpreende que o Tribunal trate de questão nova não coberta pelo alcance do caso julgado pois esse alcance não é o da preclusão de todas as razões que o prejudiquem mas tão só daquelas que estiveram na sua origem.
 
63. Se os referidos dois anos necessários à deserção já tivessem decorrido - hipótese não verificada -  a solução passaria pela questão de saber se in casu o despacho que declarou interrompida a instância produz quaisquer efeitos.
 
64. Poderia entender-se considerando que os efeitos só se produzem desde que, na origem do despacho, haja um comando do Tribunal ou da lei prescrevendo aos interessados determinada actuação. No caso em apreço, tais efeitos não se produziram porque um tal comando não ocorreu. De facto, no caso do despacho de 18-11-2003 (fls. 145) o Tribunal impôs à Olinda a actualização do registo quando ela já não pertencia ao número dos vivos (o óbito da Olinda  deu-se no dia 16-7-2003: ver fls. 149). Seria, assim, absurdo considerar susceptível de produzir efeitos o despacho subsequente de interrupção da instância de 23-5-2005 fundado numa paragem do processo por “negligência” da Olinda.
 
65. O Tribunal, na decisão de  fls. 183/184, omite qualquer referência à questão de saber quem tinha afinal de proceder à junção de certidão com registo actualizado. Ora, também aqui, a decisão a declarar interrompida a instância pela segunda vez, não é igualmente susceptível de produzir efeitos pois, para tal, teria de se basear num comando processual ou legal a impor a algum dos interessados a junção aos autos da dita certidão, não resultando do despacho proferido pelo juiz qualquer comando.
 
66. Já o dissemos, tal comando poderia ser considerado implícito, dirigido às herdeiras habilitadas de Olinda […] . Só por esta via se encontraria fundamento para a decisão subsequente  ( de fls. 198, datada de 15-5-1997) a declarar interrompida a instância.
 
Concluindo:
 
I-  Não produz quaisquer efeitos o despacho em que o Tribunal, posto que desconhecendo já  ter ocorrido o seu óbito (16-7-2003), notifica (18-11-2003) a expropriada para actualizar o registo de propriedade do imóvel expropriado; não produzindo efeitos, igualmente não os produz a decisão ( de 23-5-2005) que dele logicamente depende que declara interrompida a instância.
II- A ser assim, quando ulteriormente proferiu despacho ( no dia 24-2-2006) que, na melhor das interpretações, implicitamente impôs às herdeiras da expropriada falecida, entretanto habilitadas (19-11-2004), a junção de certidão do registo de propriedade com as inscrições actualizadas, o Tribunal agiu na base de uma situação nova a impor, face ao seu incumprimento, despacho de interrupção da instância, como veio a suceder no dia 15-5-2007; por isso, este despacho não é mera duplicação do anterior, não resultante de um mero lapso
III- Aceitando-se a validade deste despacho de 15-5-2007,  não podia ainda ser declarada deserta a instância em 5-7-2007 pois, nesta data, não tinham ainda passado dois anos considerada a data da interrupção da instância
IV- O Tribunal, remetido o processo de expropriação nos termos do artigo 51.º/1 do Código das Expropriações de 1999, depois de devidamente instruído o processo e efectuado o depósito, deve proferir despacho adjudicando à entidade expropriante a propriedade e a posse, se for o caso, do imóvel referenciado.
V- O Tribunal actua oficiosamente no sentido em que se lhe impõe sempre proferir despacho de adjudicação ( ou de não adjudicação), não se afigurando correcto que, por falta de documentação e de cooperação das partes, declare a instância interrompida, eximindo-se de proferir o despacho de adjudicação ( ou de não adjudicação).
VI-  Não tendo sido suscitada esta questão - a da oficiosidade do Tribunal a impor-lhe a prolação de despacho a que alude o artigo 51.º/5 do Código das expropriações de 1999 - o caso julgado formal resultante do despacho que declarou interrompida a instância não abrange essa questão e, por isso, o Tribunal pode proferir tal despacho, não estando de mãos amarradas pelo despacho proferido que declarou interrompida a instância que, assim, reconhecida a oficiosidade, cai por terra.
VII- Se, na base do despacho de interrupção da instância, não há nenhuma decisão a impor aos interessados a prática de determinados actos processuais, nem resulta da lei um tal comando, o despacho que declara a instância interrompida não produz quaisquer efeitos
 
Decisão:  concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão proferida que deverá ser substituída por outra em conformidade com o disposto no artigo 51.º/5  do Código das Expropriações de 1999.
 
Custas pelo recorrido

Lisboa, 13 de Dezembro de 2007
 (Salazar Casanova)
 (Silva Santos)
 (Bruto da Costa)