Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2927/07.0YYLSB-C.L1-6
Relator: GILBERTO JORGE
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
EXCESSO
BENS COMUNS
OPOSIÇÃO À PENHORA
EMBARGOS DE TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I- A regra basilar relativamente à garantia geral do cumprimento das obrigações é a de que por esse cumprimento responde o património do devedor, integrado pelos bens que sejam susceptíveis de penhora.
II- Dada a evidente natureza gravosa da penhora deve, por princípio, a mesma ser confinada ao estritamente necessário para a satisfação do crédito exequendo e das custas da execução.
III- O exequente apenas conseguiu, até à data, penhorar aquela fracção sobre a qual incide, com data muito anterior à penhora destes autos, uma hipoteca a favor do Banco I..., S.A. com vista à garantia de empréstimo no montante de € 77.253,82.
IV- Tendo em conta que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, conclui-se que a penhora do imóvel está longe de ser excessiva.
V- À data da citação do cônjuge do executado nos termos do artigo 825º do Código de Processo Civil, a fracção em questão ainda era propriedade comum, só tendo as partilhas tido lugar em 2009.
VI- Contra a penhora que ofenda bens de terceiro não se reage com a oposição à execução, mas através de embargos de terceiro.
(LS)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa


I – Relatório.
Por apenso à execução comum movida pelo Banco, S.A. contra os executados “C..., S.A.”, D..., E..., F... e G... veio o executado D... deduzir o incidente de oposição à penhora pugnando pelo levantamento da penhora dos bens nomeados à penhora dado que esta incide sobre bens que nos termos do direito substantivo não deviam ter sido atingidos pela penhora por inexigibilidade da obrigação constante da letra por falta de assinatura de aval do cônjuge, violação de pacto de preenchimento e incomunicabilidade da dívida ao cônjuge; e, em alternativa e se assim não se entender, que se determine a notificação do cônjuge do ora executado para querendo requerer separação de bens comuns do casal nos termos dos arts. 864.º-A e 825.º do C.P.C.
Para tanto e em síntese alega que o bem imóvel identificado como fracção autónoma designada pela letra “M” é casa de morada de família da executada H..., acrescendo que, dada a natureza da dívida exequenda que determinou a penhora, considera-se a mesma extensa e exagerada violando largamente o princípio da proporcionalidade visto que abrange bens e valores que excedem largamente o montante em dívida.
Adianta ainda o executado/opoente que já na oposição à execução tinha referido no artigo 9.º dessa oposição que o aval aposto na letra era nulo por falta de forma.
Sustenta que devem ser nomeados outros bens ou direitos à penhora em substituição da verba n.º 1 dado que por inexistir comunicabilidade da dívida ao cônjuge do executado não pode o bem comum ser executado na totalidade, sendo que, tal penhora peca por excessiva, dado que o exequente encontra-se limitado à meação dos bens comuns e, consequentemente apenas à parte correspondente à propriedade do ora executado e não à totalidade da referida verba.

Por despacho proferido pelo Mm.º Juiz a quo foi ordenada a notificação do exequente para querendo deduzir oposição, cfr. arts. 863.º-B n.º 2 e 303.º, ambos do C.P.C. – vide fls. 23.

Perante a falta de oposição, foram os autos conclusos ao Mm.º Juiz recorrido que decidiu do seguinte modo:
«Veio o executado D... intentar oposição à penhora do imóvel pela qual alega que este é a casa de morada de família da co-executada e que excede largamente o montante em dívida.
Notificado nos termos do art. 863.º-B n.º 2 do C.P.C., o exequente Banco nada disse.
Considerando as disposições conjugadas dos arts. 302.º, 303.º n.º 3, 817.º n.º 3 e 863.º-B n.º 2 do C.P.C., consideram-se confessados os factos alegados pelo executado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Cumpre apreciar e decidir:
A oposição à penhora visa o seu levantamento com base num fundamento de impenhorabilidade, que não terá sido tido em consideração na efectivação daquela, impenhorabilidade que pode ter a sua causa no direito substantivo ou no direito processual (vide Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, Coimbra, 2003, págs. 484 a 486).
A fls. 69 e 70 do processo de execução está junto o auto de penhora de imóvel.
O executado alegava o excesso de penhora, face ao valor do imóvel e ao valor da execução.
Face à ausência de contestação do exequente, resta julgar a oposição procedente, com o consequente levantamento da penhora.
Nestes termos julga-se procedente a oposição à penhora, determinando-se o levantamento da mesma».

Inconformado com tal decisão, dela veio o exequente interpor recurso que foi admitido como de agravo, com subida de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo.
São as seguintes as conclusões da respectiva alegação:
A) O ora agravante é credor do executado D....
B) Pelo que instaurou acção executiva que corre os seus termos pela 3.ª Secção do 2.º Juízo de Execução de Lisboa, sob o n.º ....
C) A quantia exequenda ascende a € 52.476,65, estando garantida por penhora sobre a fracção “M” correspondente ao 5.º andar esquerdo do prédio urbano sito na ..., freguesia de Algés, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras soba ficha de registo n.º ..., da freguesia de Algés e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., cujo valor patrimonial ascende a € 4.275,22, da titularidade do executado avalista D... e da sua então mulher H..., casados que foram sob o regime da comunhão geral de bens.
D) Este bem foi indicado pelo exequente ora agravante para penhora, logo no requerimento inicial de execução.
E) A solicitadora de execução penhorou-o, registando a penhora em 21.08.2007.
F) Contudo, sob a referida fracção encontra-se registada, em data anterior (20.10.1995), hipoteca voluntária a favor do “Banco I..., S.A.”, para garantia do montante máximo de € 77.253,82.
G) Por seu lado, o valor tributável da fracção “M” é de € 4.275,22 e o valor atribuído no auto de penhora foi de € 87.000,00.
H) Nos autos não foram penhorados mais bens.
I) Termos em que o fundamento de impenhorabilidade da fracção “M” por se tratar de casa de morada de família, alegado pelo oponente no artigo 2.º do seu articulado não tem qualquer suporte legal.
J) De qualquer modo, nos termos do artigo 863.º-B do C.P.Civil, quando não se cumule com a oposição à execução, nos termos do n.º 2 do art. 813.º, o incidente de oposição à penhora segue os termos dos arts. 303.º e 304.º, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 1 e 3 do art. 817.º.
L) Com efeito, nos termos do referido art. 817.º, à falta de contestação é aplicável o disposto no n.º 1 do art. 484.º e no art. 485.º, não se considerando, porém confessados os factos que estiveram em oposição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento executivo.
M) Desta forma, a falta de contestação não implica, salvo o devido respeito, o efeito cominatório pretendido pelo tribunal a quo.
N) Tanto mais que a pretensão subjacente ao requerimento inicial de execução na indicação de quatro bens para penhora teve por base a manifesta insuficiência da fracção “M” para pagamento da totalidade do crédito do banco ora agravante, raciocínio que não foi seguido pela Solicitadora de Execução.
O) Esta pretensão é fácilmente atestável quer pela leitura do requerimento inicial de execução, quer pela leitura dos documentos juntos a este (designadamente a certidão de ónus ou encargos emitida pela Conservatória do Registo Predial e a certidão matricial emitida pelo Serviço de Finanças).
P) Ademais, por a fracção “M” penhorada em 08.10.2007 corresponder a um bem comum do casal, procedeu a Solicitadora de Execução à citação do cônjuge do executado, nos termos do art. 864.º n.º 3 alínea c) do C.P.C. para efeitos do art. 864.º-A do mesmo Código e ainda para, dentro do prazo de 20 dias, requerer por apenso à execução a separação de bens ou juntar aos presentes autos, dentro do mesmo prazo, certidão comprovativa da pendência do inventário para separação de meações, tudo de harmonia com o disposto no art. 825.º n.º 1 do C.P.C. e sob a cominação de, não o fazendo, a execução prosseguir sobre os bens comuns.
Q) A citação do cônjuge do executado para este efeito ocorreu em 16.10.2007 e apenas em 21.07.2008 a cônjuge do executado, de nome H... juntou aos autos uma fotocópia de “Acta de Tentativa de Conciliação”, realizada em 11.10.2007 na acção de divórcio litigioso n.º .... sobre a qual o tribunal a quo se pronunciou a fls. 112 da execução, face à falta de objectividade do documento junto e anteriormente referido.
R) Pelo que a execução já havia prosseguido sobre o referido bem comum.
S) Além de mais, os interessados procederam em 23.01.2009 à partilha de bens comuns do casal, sendo estranho que todo o património do casal tenha sido adjudicado ao cônjuge do executado, prescindindo este do recebimento das tornas.
T) É estranho também que tenha sido atribuído a todo o activo, composto por 9 verbas, onde se inclui a fracção “M”, o valor global de € 95.270,00.
U) Conclui-se assim que o executado ora agravado não tem hoje qualquer parcela do vasto património que possuía, sendo evidente o conluio entre ambos para defraudarem os credores e a impossibilidade do agravado substituir a fracção “M” penhorada por outro imóvel que lhe pertença.
V) Acresce que a partilha concretizada é ineficaz relativamente ao exequente nos termos do art. 819.º do C.Civil, relativamente à dita fracção “M” penhorada.
W) A decisão recorrida ofende o disposto nos art. 863.º-B e 871.º do C.P.C.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene a manutenção da penhora do imóvel.

Não foram apresentadas contra alegações.

O Mm.º Juiz a quo sustentou o despacho recorrido nos seguintes termos:
“… Perante as alegações juntas, crê-se não existir motivo para se alterar a decisão recorrida, pelo que se decide sustentar o agravo, nos precisos termos proferidos …”.

Colhidos os vistos legais dos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos cumpre agora apreciar e decidir ao que nada obsta.

II – Fundamentação de facto.
Os factos com relevo para apreciar e decidir o presente recurso são os que constam do relatório antecedente a par dos que seguem:
- A fracção “M” foi adquirida, por compra, em 12.01.1984, por H... casada com D..., no regime de comunhão geral de bens, a J....;
- O requerimento inicial executivo entrou em juízo em Janeiro de 2007;
- Com o requerimento executivo foram juntos documentos, entre eles, um documento da Conservatória do Registo Predial de Oeiras donde consta que sobre a referida fracção “M” incidia já uma hipoteca voluntária registada em 20.10.1995 a favor do Banco I..., S.A. para garantia de um empréstimo no montante de € 77.253,82;
- A fracção autónoma designada pela letra “M”, descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ..., inscrita na respectiva matriz sob o artigo ... da freguesia de Algés, a que lhe foi atribuído o valor de € 87.000,00, foi penhorada em 08.10.2007, tendo o executado D... sido constituído depositário do imóvel e solicitador de execução K...;
- Tal penhora foi registada em 21.10.2007;
- Nos autos não constam penhorados mais bens.
- O cônjuge do executado, H..., foi citada em Outubro de 2007 nos termos e para os efeitos a que aludem os arts. 813.º n.ºs 1 e 2, 864.º n.º 3 alínea a), 834.º n.ºs 3 alínea a) e 5 e 825.º n.º 1 (requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns), todos do C.P.Civil, tendo-lhe sido enviado cópias do requerimento executivo, respectivos documentos e auto de penhora;
- Em Julho de 2008, foi junta aos autos uma fotocópia de “Acta de tentativa de conciliação” realizada em 11.10.2007, na acção de divórcio, na qual se converteu em divórcio por mútuo consentimento e se decretou o divórcio entre D... e H... com a consequente dissolução do casamento;
- Em 23.01.2009, os ex-conjuges, que foram casados sob o regime da comunhão geral de bens, procederam à partilha de bens comuns do casal, tendo todo o património do casal – constituído por prédios rústicos e urbanos descritos por nove verbas, uma das quais respeitante à fracção “M” – sido adjudicado ao ex-cônjuge do executado, prescindindo este de tornas, bem como se declarou que a dita fracção “M” se destinaria a habitação própria permanente de H....

III – Fundamentação de direito
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões da alegação do recorrente – cfr. resulta do disposto nos arts. 660.º n.º 2, 684.º n.º 3 e 690.º todos do C.P.Civil.
Assim, salvo questões de conhecimento oficioso, apenas haverá que conhecer das questões colocadas nessas conclusões.
Conforme se alcança das alíneas J), L) e M) das conclusões da alegação de recurso, o agravante insurge-se contra o despacho do Mm.º Juíz a quo que a dado passo refere o seguinte: “… Face à ausência de contestação do exequente, resta julgar a oposição procedente, com o consequente levantamento da penhora …”.
Entende o agravante que a falta de contestação não implica o efeito cominatório pretendido pelo Tribunal a quo.

Vejamos, adiantando desde já assistir razão ao recorrente.
Dispõe o art. 863.º-A do C.P.C. (Fundamentos da oposição) que:
1. Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiáriamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2. Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.
Preceituando o art. 863.º-B do C.P.C. (Processamento do incidente) que:
1. A oposição é apresentada:
(…)
2. Quando não se cumule com a oposição à execução, nos termos do n.º 2 do art. 813.º, o incidente de oposição à penhora segue os termos dos artigos 303.º e 304.º, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 817.º.
(…)
4. A procedência da oposição à penhora determina o levantamento desta.
Por seu turno, prescreve o art. 817.º n.º 3 do citado diploma legal que à falta de contestação é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 484.º e no artigo 485.º, não se considerando, porém, confessados os factos que estiverem em oposição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento executivo.
A oposição à penhora não constitui uma acção declarativa autónoma em relação ao processo de execução, mas antes dependente dele.
A este propósito escreveu o Prof. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 5.ª edição, Coimbra Editora, pág. 203, o seguinte:
“… Não contestando o exequente, consideram-se admitidos os factos alegados na petição de oposição, aplicando-se o art. 484.º n.º 1 (revelia do réu), com as excepções do art. 485.º; mas, porque, diferentemente do que acontece em processo declarativo comum, o exequente que não conteste já assumiu a posição de vir a juízo, propondo a acção executiva, não são dados como provados os factos da petição de oposição que estejam em oposição com os expressamente alegados no requerimento inicial da execução (art. 817.º n.º 3) …”.
Ora, compulsando o requerimento executivo (vide fls. 55/59) a par dos documentos que o acompanharam, apresentados pelo Banco, S.A. deles consta:
- A exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido – “ … a exequente é portadora de uma livrança emitida a 15.04.2005, vencida a 16.05.2005 e preenchida pelo valor de € 45.000,00, subscrita pela sociedade executada e avalizada pelos restantes executados, …, tal livrança não foi paga na data do seu vencimento, nem posteriormente, apesar de os executados para tal terem sido interpelados, conforme documento n.º 1, …, assim e atento o disposto nos arts. 47.º e 48.º da L.U.L.L., são os executados responsáveis pelo pagamento à exequente do capital de € 45.000,00 a que acrescem juros vencidos e vincendos à taxa legal, acrescida do respectivo imposto de selo sobre os juros, à taxa de 4 % até efectivo e integral pagamento …”;
- A identificação de cada um dos executados, inclusivé do executado D..., casado, administrador e residente na ..., Algés;
- A liquidação da obrigação num total de € 52.476,65;
- A indicação dos bens à penhora, entre outros, a pensão auferida pelo executado, ora opoente, paga pelo Instituto de Segurança Social e a fracção autónoma designada pela letra “M”, devidamente identificada no dito requerimento executivo (vide fls. 58), do qual consta como executado associado ao bem: D... e como interveniente associado: (cônjuge) H...;
- Com o requerimento executivo foram juntos documentos, entre eles, um documento da Conservatória do Registo Predial de Oeiras donde consta que sobre a referida fracção “M” incidia já uma hipoteca voluntária registada em 20.10.1995 a favor do Banco I..., S.A. no montante de € 77.253,82 (vide fls. 92/93);
- Ainda de acordo com o dito documento da C.R.P. de Oeiras, tal fracção tinha sido adquirida, por compra, em 12.01.1984, por H... casada com D..., no regime de comunhão geral de bens;
- A fracção autónoma designada pela letra “M”, a que lhe foi atribuído o valor de € 87.000,00, foi penhorada em 08.10.2007 (vide auto de penhora a fls. 86/87);
- Em 08.10.2007, a solicitadora de execução enviou citação ao cônjuge do executado, H..., nos termos e para os efeitos, para além do mais, do disposto nos arts. 813.º n.ºs 1 e 2, 864.º n.º 3 alínea a) e 825.º n.º 1 todos do C.P.Civil, tendo-lhe sido enviado cópias do requerimento executivo, respectivos documentos e auto de penhora (vide fls. 95);
- Tal penhora foi registada em 21.10.2007 (vide fls. 92/93);
- Nos autos não constam penhorados mais bens.
Como refere o exequente/agravante na alínea N) da conclusão da alegação de recurso “… a pretensão subjacente ao requerimento inicial de execução na indicação de quatro bens para penhora teve por base a manifesta insuficiência da fracção “M” para pagamento da totalidade do crédito do banco ora agravante …”.
Analisando o requerimento de oposição à penhora – como é sabido a oposição à penhora respeita a casos de impenhorabilidade objectiva – constata-se que o executado se veio defender por considerar que a fracção “M” penhorada não o deveria ter sido por ser casa de morada de família da executada H... e por entender tal penhora da fracção extensa e exagerada violando o princípio da proporcionalidade.
Ora, tal realidade traçada pelo executado neste incidente está manifestamente em oposição com o quadro factual alegado pelo exequente no requerimento executivo à luz do qual a fracção “M” surge como bem comum e não como pertencente apenas a J... e em que a penhora da fracção para além de outros bens nomeados à penhora (não concretizada) se mostrava adequada à satisfação do crédito exequendo tendo em consideração o elevado valor da dívida e o facto de sobre essa fracção já incidir uma hipoteca voluntária para garantia de empréstimo de valor superior à obrigação exequenda.
Dito isto e atenta a citada regra estabelecida no art. 817.º n.º 3 aplicável “ex vi” do art. 863.º-B n.º 2, ambos do C.P.Civil, a falta de contestação por banda do exequente – tal como bem refere o agravante na alínea M) das conclusões da alegação de recurso – não pode implicar o efeito cominatório defendido pelo Mm.º Juiz a quo no despacho recorrido.
Impondo-se, pois, a revogação do despacho que julgou a oposição à penhora procedente, por ausência de contestação.
*
Igualmente se impõe a revogação da parte final do mesmo despacho recorrido que determinava o levantamento da penhora da referida fracção “M”, uma vez que os argumentos avançados pelo executado/opoente – excesso de penhora e por a fracção ser casa de morada de família da co-executada – não podem ser acolhidos.
Com efeito, sustenta o executado/opoente que dada a natureza da dívida exequenda que determinou a penhora, considera-se a mesma extensa e exagerada violando largamente o princípio da proporcionalidade visto que abrange bens e valores que excedem largamente o montante em dívida.
Vejamos.
A regra basilar relativamente à garantia geral do cumprimento das obrigações é a de que por esse cumprimento responde o património do devedor, integrado pelos bens que sejam susceptíveis de penhora – cfr. art. 601.º do Cód. Civil.
Pela penhora, o direito do executado é esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passam para o tribunal – no caso de penhora de coisa móvel ou imóvel, esta transferência de poderes importa a transferência da própria posse – que, em regra, os exercerá através de um depositário – cfr. escreveu o Prof. Lebre de Freitas, na citada obra, pág. 264.
No caso vertente, o executado, D... constituído depositário do imóvel – vide auto de penhora a fls. 86/87.
Como referem Jorge Barata e Laranjo Pereira, in Acção Executiva Comum Noções Fundamentais, II vol., pág. 51, “… a penhora traduz-se num conjunto de actos que visam a concentração do direito do credor sobre determinados bens do património do devedor, que ficam afectos à satisfação do direito do exequente, ficando o devedor limitado no seu poder de disposição quanto aos bens penhorados…”.
As regras regulamentadoras deste acto processual (penhora) estão, pois, enformadas por um princípio de proporcionalidade, tendente ao equilíbrio entre o valor dos bens penhorados e o do crédito exequendo.
Dada a evidente natureza gravosa da penhora deve, por princípio, a mesma ser confinada ao estritamente necessário para a satisfação do crédito exequendo e das custas da execução.
A este propósito escreveu o Prof. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 140, o seguinte: “…A agressão ao património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que conduz a uma indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na manutenção do seu património…”.
Nesta preocupação com o justo equilíbrio entre os interesses das partes se insere o mencionado princípio da proporcionalidade ou adequação da penhora plasmado no art. 821.º n.º 3 do C.P.C., segundo o qual a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (…).
Quando se fala em suficiência de bens tem-se em vista – na perspectiva do exequente – duas exigências de sentido diverso: por um lado, a de que o valor a realizar com os bens apreendidos se mostre superior ou, pelo menos, equivalente, em termos matemáticos, ao da soma das importâncias relativas ao crédito do exequente e às custas, por outro lado, a de que a realização desse valor possa ser eficientemente obtida pelo exequente, o que também quer dizer num período de tempo razoável.
Aliás, neste sentido aponta o art. 834.º do C.P.C., nos termos do qual (n.º 1) a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente; (n.º 2) ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora dos bens imóveis ou do estabelecimento comercial, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses.
Regressando aos autos constatamos que:
- A quantia exequenda ascende a € 52.476,65;
- O valor tributável da fracção “M” é de € 4.275,22 e o valor atribuído no auto de penhora foi de € 87.000,00, tendo a dita penhora sido realizada em 08.10.2007 e registada em 21.10.2007;
- Nos autos não foram penhorados mais bens;
- Sobre a referida fracção “M” encontra-se registada, em data anterior (20.10.1995), hipoteca voluntária a favor do Banco I...,S.A. para garantia do montante máximo de € 77.253,82.
À luz do quadro factual apurado resulta que o exequente apenas conseguiu, até à data, penhorar aquela fracção sobre a qual incide, com data muito anterior à penhora destes autos, uma hipoteca a favor do Banco I..., S.A. com vista à garantia de empréstimo no montante de € 77.253,82.
Ora, tendo em conta que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – art. 686.º do C.Civil – fácilmente se conclui que a penhora do imóvel está longe de ser excessiva, não ocorrendo o pretenso fundamento de oposição à penhora deduzida pelo executado, ora opoente.
Pelo que procedem as conclusões do agravante relacionadas com a inexistência de excesso de penhora.
Finalmente, o executado/opoente também se defendeu sustentando que a penhora da fracção “M” nunca poderia ter sido realizada por ser “ … a casa de morada de família da executada H...(vide artigo 2.º da oposição à penhora).
Da leitura dos autos e documentos neles constantes extraem-se os seguintes elementos de facto:
- A fracção “M” foi adquirida, por compra, em 12.01.1984, por H... casada com D... a J....;
- Em 20.10.1995, sobre tal fracção “M” incidiu registo de hipoteca voluntária a favor do Banco I..., S.A. para garantia de um empréstimo, cujo montante assegurado é de € 77.253,82;
- O requerimento inicial executivo entrou em juízo em Janeiro de 2007;
- A penhora da fracção “M” teve lugar em 08.10.2007;
- O cônjuge do executado, H..., foi citada em Outubro de 2007 nos termos e para os efeitos a que aludem os arts. 813.º n.ºs 1 e 2, 864.º n.º 3 alínea a), 834.º n.ºs 3 alínea a) e 5 e 825.º n.º 1 (requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns), todos do C.P.Civil;
- Em Julho de 2008, foi junta aos autos uma fotocópia de “Acta de tentativa de conciliação” realizada em 11.10.2007, na acção de divórcio, na qual se converteu em divórcio por mútuo consentimento e se decretou o divórcio entre D... e H... com a consequente dissolução do casamento;
- Em 23.01.2009, os ex-conjuges, que foram casados sob o regime da comunhão geral de bens, procederam à partilha de bens comuns do casal, tendo todo o património do casal – constituído por prédios rústicos e urbanos descritos por nove verbas, uma das quais respeitante à fracção “M” – sido adjudicado ao ex-cônjuge do executado, prescindindo este de tornas, bem como se declarou que a dita fracção “M” se destinaria a habitação própria permanente.
Da factualidade descrita logo se vê que, no momento em que foi penhorada a fracção “M”, não havia qualquer impedimento legal, porquanto o imóvel era bem comum, apenas tendo passado a fazer parte do património do ex-conjuge do executado a partir da referida “partilha por divórcio” realizada em 23.01.2009.
Com efeito, dispõe o art. 825.º n.º 1 do C.P.C., quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida.
Cabendo, no âmbito da previsão deste artigo – cfr. escreveu o Prof. Lebre de Freitas, na obra acima citada, pág.224 – não só os casos de responsabilidade exclusiva do executado, mas também aqueles em que a responsabilidade é comum, segundo a lei substantiva, mas a execução foi movida contra um só dos responsáveis.
Ora, como vimos, o cônjuge do executado, H..., foi citada em Outubro de 2007 nos termos e para os efeitos a que alude o referido art. 825.º n.º 1 do C.P.Civil, se bem que só, em Julho de 2008, foi junta aos autos uma fotocópia de “Acta de tentativa de conciliação” realizada em 11.10.2007, na acção de divórcio, na qual se converteu em divórcio por mútuo consentimento e se decretou o divórcio entre D... e H... com a consequente dissolução do casamento e, apenas em 23.01.2009 os ex-conjuges, que foram casados sob o regime da comunhão geral de bens, procederam à partilha de bens comuns do casal, tendo todo o património do casal – constituído por prédios rústicos e urbanos descritos por nove verbas, uma das quais respeitante à fracção “M” – sido adjudicado ao ex-cônjuge do executado, prescindindo este de tornas, bem como ainda se declarou, na referida “partilha por divórcio”, que a dita fracção “M” se destinaria a habitação própria permanente de H.....
Ou seja, quando tais documentos foram juntos à execução comum já esta havia prosseguido sobre o referido bem comum cuja penhora tinha sido realizada há cerca de um ano.
Mesmo a “partilha por divórcio” realizada em 23.01.2009 – que, no entender do exequente/agravante não passou de um conluio entre os ex-conjuges para defraudarem os credores e a impossibilidade do agravado substituir a fracção “M” penhorada por outro imóvel que lhe pertença, vide alíneas S), T) e U) das conclusões da alegação de recurso – não põe em causa a validade e eficácia da penhora da aludida fracção “M”.
A este propósito, prescreve o art. 819.º do C.Civil que, sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.
Como refere o agravante na alínea V) das conclusões da alegação de recurso, a partilha concretizada é ineficaz relativamente ao exequente quanto à dita fracção “M” penhorada.
Termos em que procedem igualmente as conclusões do agravante relacionadas com o entendimento de que o fundamento de impenhorabilidade da fracção “M” por se tratar de casa de morada de família não tem qualquer suporte legal.


Dito isto, vale por dizer que não foi cometida qualquer ilegalidade na penhora da fracção “M”, porquanto não só não foram ultrapassados os limites objectivos da penhorabilidade (penhoram-se bens que não deviam ser penhorados, em absoluto, ou não deviam ser penhorados naquelas circunstâncias, ou sem excussão de todos os outros, ou para aquela dívida), como também nem mesmo os limites subjectivos (penhoram-se bens que não são do executado).
Sendo certo, porém – como escreveu o Prof. Lebre de Freitas, na obra acima citada, págs. 271/272 – que o incidente de oposição à penhora cuida apenas de impenhorabilidade objectiva, cujos meios de reacção passam pela oposição por simples requerimento ou pelo incidente de oposição à penhora (caso dos presentes autos), ao passo que para situações de impenhorabilidade subjectiva reage-se por embargos de terceiro e/ou acção de reivindicação.
Tudo visto e ponderado, procedem, pois, as conclusões da alegação do agravante, devendo por isso ser revogado integralmente o despacho recorrido, mantendo-se consequentemente a penhora do imóvel.
IV – Decisão.
Em face de todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso de agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e, em sua substituição, julga-se a oposição à penhora improcedente, determinando-se o prosseguimento da execução.
Custas pelo opoente/agravado.
Lisboa, 11 de Março de 2010
Gilberto Martinho dos Santos Jorge
José Eduardo Miranda Santos Sapateiro
Maria Teresa Batalha Pires Soares