Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PAULO BARRETO | ||
Descritores: | VÍCIOS DA SENTENÇA DECISÃO INSTRUTÓRIA NÃO PRONÚNCIA DIFAMAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/08/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I– Sendo os vícios elencados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP relativos à prova, são exclusivos da sentença. A decisão instrutória assenta em juízos meramente indiciários. II– Com esta linguagem por ambos utilizada para vincar as suas divergências, é manifesto que de qualquer deles tem que se esperar o tal poder de encaixe que não se exigiria de um qualquer cidadão que não andasse envolvido nestes confrontos inapropriados e excessivos. Ao contrário do que indica o assistente, a não pronúncia do arguido não banaliza a ofensa e os ataques à honra e consideração. Nada disso. A repetida utilização desta linguagem é que vulgariza os termos utilizados, deixando de se lhes poder atribuir a gravidade que objectivamente poderiam ter, mas que subjectivamente deixam de o ter, ao tornar-se num modo de ataque caricatural, sem querer imputar nada a ninguém, sendo apenas armas de arremesso na disputa interna do clube. E, sendo por ambos utilizada, estando ao mesmo nível de linguagem excessiva e inapropriada, nenhum deles se pode sentir especialmente atingido na sua honra e consideração. Foi o campo de batalha verbal que escolheram. Que é socialmente censurável, mas que a denominada tribo do futebol tolera, está habituada e até relativiza, não procurando sequer saber se são ou não reais os factos imputados. III– Seria absolutamente desproporcional utilizar o ius puniendi mais grave – o direito penal – para sancionar comportamentos de figuras públicas, muito mediáticas, que utilizam a linguagem excessiva e caricatural no exercício da liberdade de expressão, e que, por isso, devem ter um poder de encaixe maior quando são vítimas destes ataques. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: I–Relatório No Juiz 3 do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido despacho a não pronunciar o arguido PC, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, previsto e punível nos termos dos artigos 180º, 183º, nº 1 e 184º, todos do Código Penal e de dois crimes de injúria agravada, previstos e puníveis nos termos dos artigos 181º, nº 1, 183º, nº 1 e 184, todos do Código Penal, que lhe foram imputados pelo assistente BC. * Inconformado, o assistente interpôs recurso, concluindo do seguinte modo: “1– O Tribunal a quo valorou apenas as declarações do Arguido e da testemunha por este indicada, não dando qualquer relevância a todas as testemunhas indicadas em sede de inquérito, nomeadamente …, e bem assim à documentação junta aos autos, nomeadamente, doc.s 1 a 30 juntos com a queixa e vídeo referenciado na mesma (cfr. link referido no artº 61º da queixa). 2– Da análise critica de tais documentos e dos testemunhos em sede de inquérito, resulta que as declarações do Arguido e da testemunha por este indicada não merecem qualquer credibilidade, sendo ate contraditórios, e pela sequência temporal, resulta evidente que os comunicados do Arguido foram somente uma reação à sua expulsão de sócio. 3–Demonstra ainda o doc. 1 junto com a queixa que essa expulsão, se deveu a factos lesivos praticados pelo mesmo (que levaram à sua condenação no Processo Cardinal) e não, como é obvio a qualquer exercício do contraditório relativamente ao mandato do Assistente. 4– E não colhe a argumentação do Arguido de que terá emitido o comunicado para exercer o direito a critica, não sendo a comunicação social o meio próprio para tal exercício e, muito menos, para apelidar outrem de mentiroso, hipócrita, criminoso e sociopata, imputando-lhe ainda a prática de crimes, 5–Atento o exposto, considerando todos os meios de prova suprarreferidos, não podemos deixar de concluir que o Arguido cometeu efectivamente, de forma livre e consciente os factos pelos quais foi deduzida acusação particular. 6– Assim, as expressões utilizadas nos comunicados e no directo à CMTV que consta do link referenciado no artº 65º da queixa (artº 21º da acusação), nas quais o Arguido apelida o Assistente de mentiroso, hipócrita, criminoso e sociopata, imputando-lhe ainda a prática de crimes, preenchem os tipos de crime pelos quais foi deduzida a acusação particular. 7– A decisão de não pronuncia deste Arguido nos presentes autos é normalizar e banalizar o inaceitável. Dentro do futebol, ou fora do futebol, apelidar outrem de mentiroso, hipócrita, sociopata, e emitir sucessivos comunicados dirigidos à comunicação social acusando outrem da prática de ilícitos criminais, que bem se sabe ser falso, e levantando suspeições acerca do carácter, bom nome e probidade profissional não constitui exercício de critica, sendo comportamentos que integram os ilícitos criminais em apreço, 8– Por tudo o exposto, mal andou o Tribunal a quo, e resultando fortemente indiciado que o Arguido praticou, dolosamente, os crimes pelo qual foi acusado pelo Assistente, devendo ser pronunciado, uma vez que se afigura muito provável a sua condenação por 2 crimes de injuria agravada (artigos 181 nº1 e 184º do CP e 1 crime de difamação agravada (artigos 180º, 183º nº1 e 184 do CP). 9– Assim não o entendendo, violou o Tribunal a quo os artº.s artigos 181 nº1 e 184º do CP e 1 crime de difamação agravada (artigos 180º, 183º nº1 e 184 do CP, razão pela qual deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que pronuncie o Arguido pelos crimes pelos quais foi deduzida acusação particular”. O arguido apresentou resposta ao recurso, com as seguintes conclusões: “1-Por decisão de 04.12.2020 o Tribunal de Instrução Criminal da Comarca de Lisboa, decidiu não pronunciar o Arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180.º, 183.º nºs. 1 e 184.º todos do C.P.P. e dois crimes de injúria agravada, p.e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, 183º, n.º 1 e 184.º todos do Código Penal. 2-Através de uma análise objetiva, completa e exaustiva quer das disposições legais aplicáveis, quer do tipo de crimes e seus requisitos de aplicação quer dos factos trazidos aos autos pelos diversos meios de prova que analisou de forma criteriosa, o Tribunal a quo entendeu em suma que não havia indícios suficientes da prática dos três crimes imputados ao Arguido pelo Assistente e, foi ainda mais longe, referindo que se afigurava muito provável uma absolvição do Arguido pelos factos trazidos a julgamento. 3-O Assistente inconformado com a Decisão Instrutória proferida nos autos apresentou recurso dessa mesma decisão. Ao longo de todo o seu recurso não se consegue vislumbrar qual o fundamento de recurso do Assistente. Na verdade, o Assistente limita-se a invocar todos os factos e argumentos trazidos a este processo com a sua Acusação Particular, que o Ministério Público não acompanhou, e refere que o Tribunal a quo devia ter atendido à prova do Assistente e não à prova que este Tribunal valorou. 4-Verifica-se assim que o presente recurso padece do vicio de nulidade, por falta de delimitação do seu objecto, concretamente a identificação dos pontos da Decisão Instrutória prolatada que pretende colocar em crise. Na verdade, o Recorrente não aponta qualquer vicio insanável à Decisão Instrutória proferida (Cfr. Tribunal da Relação de Coimbra em 09.12.2010, Processo 185/08.8GAFIG.C1, in www.dgsi.pt). 5-Isto é, o que o Recorrente pretende pôr em crise no seu recurso é o próprio princípio da livre apreciação da prova pois a decisão recorrida foi exaustiva e objectivamente fundamentada nos factos que se considerou indiciados e não indiciados e nos fundamentos pelos quais se considerou determinados meios de prova e outros que, para efeitos de julgamento, não se consideraram relevantes. 6-Conforme se diz na Decisão Instrutória do Tribunal a quo, e bem sublinhe-se, “o que objectivamente deu origem ao presente processo foi o comunicado que o Arguido a 04 de Outubro de 2017 entregou à comunicação social e o seu teor” (fl. 20 de 28 da Decisão Instrutória). 7-Era este o facto trazido aos autos que estava a ser apreciado e não todos os outros factos que o Assistente, de má fé, trouxe aos autos posteriormente e traz de novo ao recurso de modo a lançar a confusão sobre o espírito do julgador. 8-E sobre este comunicado proferido pelo Arguido, o Tribunal a quo considerou que “(…) não há indícios de que o arguido tenha extravasado o direito à critica em relação à actuação do assistente, bem como o seu invocado direito de defesa em relação ao teor do discurso deste último na Assembleia Geral” (fl. 22 de 28 da Decisão Instrutória). 9-O Recorrente não tem argumentos válidos e legais para pôr em causa a Decisão Instrutória pois ela encontra se objectiva e fundadamente circunstanciada nos autos. Nas fls. 11 a 15 da Decisão recorrida o Tribunal a quo faz o enquadramento legal dos dois tipos de crimes imputados pelo assistente ao arguido e quais os requisitos que a Lei e a Jurisprudência têm vindo a depender a condenação dos Arguidos ao seu preenchimento. Depois de fls. 15 a 20 o Tribunal a quo faz uma apreciação circunstanciada sobre todos os depoimentos trazidos aos autos dizendo quais os factos que relevou de cada depoimento. 10-A verdade sobre este comunicado objecto destes autos e que ficou suficientemente demonstrado na prova que se carreou para os autos, e que foi acolhida pelo Tribunal a quo, é que o Comunicado proferido pelo Arguido é apenas “(…) uma reação - por parte de alguém que já havia ocupado cargo de relevância no Sporting, mantendo-se ligado ao Clube enquanto sócio – a um discurso do presidente do Clube(…)” – cfr. fl. 21 de 28 da Decisão Instrutória. 11-E a Lei confere essa protecção ao Arguido, conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12.10.2000, Proc. 0039719, ou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.12.2019, Proc 4695/15.2T9PRT.L1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 12-Os artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa consagram a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa como direitos fundamentais, não podendo o exercício destes direitos ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura, no caso de o falado exercício observar os limites autorizados pela própria lei fundamental. 13- “(…) o Arguido, reagiu ao discurso do assistente proferido em Assembleia-Geral, relativamente à carta que o arguido e JS haviam dirigido ao Conselho Fiscal do Clube, que a recebeu nesse mesmo dia. Foi, nessas circunstâncias, que o arguido, no dito documento, referindo-se ao assistente utilizou as expressões hipócrita e mentiroso, passando a explicar, no seu entender, por que motivo assim o considera” – cfr. fl. 20 de 28 da Decisão Instrutória. 14- “O que resulta do comunicado, assim, é apresentado como sendo uma reacção – por parte de alguém que já havia ocupado cargo de relevância no Sporting, mantendo-se ligado ao clube, enquanto sócio – a um discurso do presidente do clube, considerando o arguido que aquele, ao referir-se a uma carta por si dirigida ao Conselho Fiscal do Clube, não foi fiel ao texto da tal carta, distorcendo o pretendido pelo arguido, através da mesma, contexto no qual utilizou as expressões mentiroso e hipócrita referindo-se ao assistente” – cfr. fl. 21 de 28 da Decisão Instrutória. 15- Ou seja, o Arguido usou do meio mais eficaz possível para chegar ao meio onde o Assistente tinha proferido as declarações relatadas supra para defesa da sua honra e bom nome. Para mais, nesse comunicado, o Arguido não lhe imputa nenhum facto com relevância criminal, contrariamente ao que agora o Assistente pretende fazer crer ao julgador, tentando assim ludibriar este douto tribunal. Ao invés, o Arguido limita-se a dar eco às questões que pairavam na opinião publica e condensa-as sobre a forma de questões que o Assistente transcreveu nas páginas 2 e 3 do seu Recurso ou o ponto 13 da Acusação Particular. 16- Assim não merece censura a decisão do Tribunal “a quo“ ao entender e sustentar na Decisão Instrutória que, no hipotético confronto entre dois direitos fundamentais– a putativa liberdade de expressão do recorrente e direito à honra da Assistente – deveria prevalecer concretamente o direito do arguido, justamente na medida em que o Comunicado do Arguido e o seu teor não ultrapassam a crítica sustentada, objetiva e equilibrada, e constitui, antes, um exercício lícito de um direito do arguido. 17-“Uma expressão degradante só assume o carácter de «difamação» quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas. Para além da crítica polémica e extremada tem de se visar o rebaixamento das pessoas. Só poderá falar-se de «difamação» quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário. E, em vez disso, passam a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa. Atingindo-a no sentimento de autoestima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social". – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.12.2019, Proc 4695/15.2T9PRT.L1. 18-“(…) inexistem, nos autos, tanto em sede de inquérito como em sede de instrução, indícios suficientes de actuação dolosa por parte do arguido. Na verdade, os dois tipos de crime porque se mostra o arguido acusado, exigem que o mesmo tenha actuado dolosamente. Porém, não há indícios suficientes, nos autos, que possa alicerçar que o arguido ao actuar, nos termos pelo próprio assumido – tenha agido dolosamente – conscientemente e com o objectivo de difamar o queixoso ou de o ofender na sua honra e consideração. Também, assim, e caso se mostrassem suficientemente indiciados elementos objetivos do tipo legal, em causa, o que manifestamente não é o caso, não se vislumbra como poderia o Tribunal vir a apurar a actuação dolosa do arguido e, assim, aplicar-lhe qualquer pena” – cfr. fls. 26 e 27 de 28 da Decisão Instrutória. 19-Conforme se deixou exposto supra o Arguido limitou-se a constatar factos e a colocar questões sobre o Assistente, nos moldes em que a sociedade actual nos vem habituando neste meio do desporto, onde por exemplo o Assistente apelidou o Arguido de labrego criminoso e pedante, conforme refere a Senhora Procuradora da Republica “Ex-sócio P, és um labrego criminoso e pedante, que tem meia dúzia de fãs na net, que te fazem pensar que és o maior …” ou outras difamações que o Assistente corroborou contra o Arguido tendo por esse motivo a correr os Processos 10255/17.6T9LSB, 5957/17.0T9LSB e 7550/18.0T9LSB, conforme referido pelo Arguido aquando do seu interrogatório a fls. 379 dos autos”. Também respondeu o Ministério Público, oferecendo as seguintes conclusões: “1.- O objectivo imediato da instrução é apenas a comprovação judicial da existência de prova bastante de inexistência de crime. 2.- Estamos perante uma discordância de avaliação e análise de prova quanto ao que é susceptível de constituir crime de difamação e injúria ou não. E do que decorre do despacho recorrido, o mesmo não violou qualquer norma legal, designadamente as referidas pelo recorrente. 3.- O Tribunal a quo considerou todos os meios de prova disponíveis nos autos, cotejando todos os depoimentos (em Inquérito e em Instrução), para além dos documentos e fazendo uso do princípio constante no art. 127.° do CPP, ou seja, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, que é, no caso o Juiz de Instrução. 4.- Tal é notório na parte da análise de cada elemento de prova, ao se debruçar sobre cada depoimento e sobre cada documento, não sendo dada relevância a alguns elementos de prova, em detrimento de outros. 5.- Nem a liberdade de expressão, nem o direito à honra e reputação são direitos absolutos, ilimitados, antes têm, como qualquer direito fundamental, “limites imanentes”, e temos de considerar em que contexto social, profissional, em que os intervenientes se movem e dessa forma, têm que conviver com os direitos de outros titulares, tendo cada um deles de sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização de cada um desses direitos. 6.- Colocado o enquadramento fáctico e jurídico nos moldes que são mencionados no despacho de não pronúncia e da avaliação que se faz do caso concreto, concordamos desde logo quanto ao que foi observado no despacho judicial sobre o circunstancialismo em que foi feito o comunicado no dia 4 de Outubro de 2017, que o arguido PC entregou à comunicação social. Estamos perante um cenário muito próprio do mundo desportivo. 7.- E assim, o conteúdo do comunicado do PC foi uma reacção ao discurso do assistente BC proferido por si na Assembleia-Geral, relativamente à carta que o arguido e JS haviam dirigido ao Conselho Fiscal do Clube. 8.-E foi nessas circunstâncias que o PC, referindo-se ao Assistente utilizou as expressões de "hipócrita" e "mentiroso", explicando de seguida a razão de tal imputação. 9.- De referir que o PC já havia ocupado um cargo de relevância no Sporting Clube de Portugal. 10.- Daí ser compreensível que o mesmo recorra aos meios de comunicação social com o fim de se tomar pública a sua posição, sabendo-se desde logo, que o mundo desportivo, mormente, o ligado ao futebol, quer profissional, quer amador, constitui um universo de interesse geral, sendo os representantes de cada clube, figuras públicas. 11.- Nada de mais natural que uma figura pública que exerce um cargo de relevância veja lançado na comunicação social pelos seus pares qualquer postura ou opinião critica que tenha sobre o exercício desse cargo, não decorrendo qualquer ilícito por causa disso. 12.- A título de exemplo, quer pelo uso dos meios de comunicação social, quer até pela linguagem usada, temos a situação em que o recorrente BC, em relação ao arguido PC, numa publicação nas redes sociais do facebook, terá dito: "Ex-sócio P, és um labrego criminoso e pedante". 13.-Todas estas situações ocorreram quando ambos se encontravam integrados no meio desportivo, mais concretamente ligado ao Sporting Clube de Portugal. 14.-Concorda-se com a Magistrada do Ministério Público quando refere no seu despacho que "as palavras denunciadas foram proferidas no domínio desportivo em que a consciência social é claramente mais permissiva do que quando a discussão se fica pelas simples relações pessoais. Está na verdade criada entre nós (e não só) uma vivência cultural que leva a ter como inócuas algumas atitudes ocorridas nos limites da disputa desportiva, que o não serão necessariamente quando acontecidas fora desse determinado contexto do viver social". 15.- E também com o teor da decisão judicial em que refere que o recorrente BC " ... desde que se tomou conhecido, por força dos cargos ocupados no âmbito desportivo, o assistente assumiu-se como protagonista da vida desportiva, nunca a renegou, para além do que expôs não só a sua vida profissional mas, igualmente, em certas circunstâncias, a sua vida pessoal, junto da comunicação social, das redes sociais, assim como desde cedo utilizou esses meios para comentar comportamentos alheios onde utilizou, por vezes, a linguagem supra caracterizada, comum no meio futebolístico (consideradas fora, desse meio, expressões menos próprias), nomeadamente, em relação ao arguido, dos autos, conforme supra se referiu. 16.- O comunicado referido nos autos foi proferido no meio desportivo, a propósito de questões e disputas desportivas, manifestando-se em tal meio, o uso de linguagem mais permissiva. 17.- Não merece qualquer censura as conclusões respeitantes à inexistência de indícios suficientes. 18.- A matéria de facto indiciada não permite julgar preenchidos os elementos objectivos dos crimes que o Assistente pretende ver imputados ao arguido e, como tal, não permite concluir pela probabilidade de o arguido vir a ser condenado”. * O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo. Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da improcedência do recurso. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP. Proferido despacho liminar e dispensados os “vistos”, teve lugar a conferência. * II–Objecto do recurso De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal. In casu, o recorrente, fundamentalmente, discorda da valoração do tribunal a quo quanto aos indícios, concluindo que o arguido cometeu efectivamente, de forma livre e consciente os factos pelos quais foi deduzida acusação particular, pelo que deve ser pronunciado pela prática de 2 crimes de injuria agravada (artigos 181 nº1 e 184º do CP e 1 crime de difamação agravada (artigos 180º, 183º nº1 e 184 do CP). * III–Fundamentação Comecemos pela apreciação da nulidade do recurso invocada pelo arguido, por falta de delimitação do objecto, concretamente a identificação dos pontos da decisão instrutória que se pretende colocar em crise, concluindo-se que o recorrente não aponta qualquer vício insanável à proferida decisão instrutória. Vejamos. Indícios não são prova. Os elementos recolhidos ao longo do inquérito ou da instrução são meramente indiciários, não se pode falar em prova, esta exclusivamente reservada para o julgamento. Os juízos de prova só ocorrem com pleno contraditório, imediação, oralidade em audiência de julgamento. É aí, onde todos os princípios do processo penal são honrados e cumpridos, que operam os juízos de prova, com sujeição à imediação e oralidade de todos os depoimentos das testemunhas, declarações das partes e esclarecimento dos peritos (com o contraditório das instâncias), com o contraditório e confronto das partes e das testemunhas aos resultados periciais e teor dos documentos, podendo o exercício do contraditório implicar audição de nova prova testemunhal e documental – cfr. acórdão da Relação do Porto, de 29.01.2020, processo n.º 437/17.6T9FLG.P1. Como se refere ainda no acórdão do Relação do Porto de 07.12.2016, processo n.º 866/14.7PDVNG.P1, a avaliação dos elementos de prova com vista ao despacho de pronúncia, e que conduzem aos juízos de indícios, é feita de forma indirecta, sem imediação, sem oralidade, sem concentração e sem contraditório, e, por isso, não conduz ao mesmo grau de certeza dos juízos probatórios que se adquirem em julgamento. Não obstante, o juiz de instrução, dentro dos limites da sua intervenção (sem oralidade, sem imediação e sem contraditório), tem, todavia, que proceder à apreciação dos elementos dos autos e procurar um grau de convicção semelhante ao julgamento, embora para atingir os juízos indiciários próprios desta fase processual (e não a prova). Por isso é que, sendo os vícios elencados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP relativos à prova, são exclusivos da sentença. Não podem aqui ser invocados. A decisão instrutória assenta em juízos meramente indiciários. Acresce que é proferido despacho de pronúncia se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, considerando-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança – artigos 308.º, n.º 1 e 2 e 283.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal. O tribunal a quo entende que tais indícios não se mostram verificados, o recorrente é de opinião contrária, por isso veio impugnar o despacho de não pronúncia. Incumbe a este tribunal superior apreciar se há ou não indícios suficientes para pronunciar o arguido. Não se vislumbra a apontada nulidade. * Sustenta o recorrente que as expressões utilizadas nos comunicados e no directo à CMTV que consta artº 21º da acusação, nas quais o Arguido apelida o Assistente de mentiroso, hipócrita, criminoso e sociopata, imputando-lhe ainda a prática de crimes, preenchem os tipos de crime pelos quais foi deduzida a acusação particular. Fundado no seguinte: (i) o Tribunal a quo valorou apenas as declarações do Arguido e da testemunha por este indicada, não dando qualquer relevância a todas as testemunhas indicadas em sede de inquérito, nomeadamente …, e bem assim à documentação junta aos autos, nomeadamente, doc.s 1 a 30 juntos com a queixa e vídeo referenciado na mesma (cfra. link referido no artº 61º da queixa); (ii) da análise critica de tais documentos e dos testemunhos em sede de inquérito, resulta que as declarações do Arguido e da testemunha por este indicada não merecem qualquer credibilidade, sendo ate contraditórios, e pela sequência temporal, resulta evidente que os comunicados do Arguido foram somente uma reação à sua expulsão de sócio; (iii) não colhe a argumentação do Arguido de que terá emitido o comunicado para exercer o direito a critica, não sendo a comunicação social o meio próprio para tal exercício e, muito menos, para apelidar outrem de mentiroso, hipócrita, criminoso e sociopata, imputando-lhe ainda a prática de crimes; e (iv) a decisão de não pronuncia deste Arguido nos presentes autos é normalizar e banalizar o inaceitável. Dentro do futebol, ou fora do futebol, apelidar outrem de mentiroso, hipócrita, sociopata, e emitir sucessivos comunicados dirigidos à comunicação social acusando outrem da prática de ilícitos criminais, que bem se sabe ser falso, e levantando suspeições acerca do carácter, bom nome e probidade profissional não constitui exercício de critica, sendo comportamentos que integram os ilícitos criminais em apreço. Ora, do despacho recorrido consta: “ (…) O que, objectivamente, deu origem ao presente processo foi o comunicado que o arguido, a 4 de Outubro de 2017, entregou à comunicação social e o seu teor. Analisando o conteúdo de tal documento verifica-se que o arguido, reagiu ao discurso do assistente proferido em Assembleia-Geral, relativamente à carta que o arguido e JS haviam dirigido ao Conselho Fiscal do Clube, que a recebeu nesse mesmo dia. Foi, nessas circunstâncias, que o arguido, no dito documento, referindo-se ao assistente, utilizou as expressões “hipócrita” e “mentiroso”, passando a explicar, no seu entender, por que motivo assim o considera. Assim, explicou que o que o assistente disse não corresponde à verdade, porquanto não foi pedida a suspensão do assistente do cargo que, então, ocupava, mas, antes, que o conselho fiscal actuasse disciplinarmente sobre o assistente, por força dos dois processos-crime que contra ele corriam, processos que o arguido terá aí identificado. Mais, explicou o arguido que na referida carta, apresentou de forma pormenorizada vários actos praticados pelo assistente, enquanto presidente do clube, actos que haviam sido julgados e condenados, nas instâncias desportivas, motivo por que considerou, nessa carta, que deveriam retirar-se consequências disciplinares para o assistente. No comunicado em análise, comentou, ainda, o arguido outros temas abordados pelo assistente, na referida Assembleia-Geral, como sendo a existência de um processo disciplinar contra o arguido. O que resulta do comunicado, assim, é apresentado como sendo apenas uma reacção - por parte de alguém que já havia ocupado cargo de relevância no Sporting, mantendo-se ligado ao clube, enquanto sócio - a um discurso do presidente do clube, considerando o arguido que aquele, ao referir-se a uma carta por si dirigida ao Conselho Fiscal do clube, não foi fiel ao texto de tal carta, distorcendo o pretendido pelo arguido, através da mesma, contexto no qual utilizou as expressões “mentiroso” e “hipócrita”, referindo-se ao assistente. Em 1º lugar a reacção ao dito discurso surge, no contexto apresentado, como compreensível, assim como a entrega do comunicado, que consubstancia tal reacção à imprensa. Independentemente da reacção e dos seus motivos, o facto de pretender que a sua reacção fosse, como foi, veiculada pelos meios de comunicação social e assim tornar-se pública, não assume qualquer acto ilícito, antes pelo contrário, tal actuação é frequente, sendo certo que o teor do discurso do assistente foi tornado público, pelo que não se compreenderia porque razão, nesta situação, não poderia o arguido responder, igualmente, de forma publicitada. Também os comentários à presidência do assistente e a forma como o arguido entendia, na altura, o comportamento das instâncias do Sporting, são a expressão de uma opinião. Quem exerce cargos ao ponto de se tornar figura pública, tem que aceitar a critica ao exercício de tal cargo e que a critica decorra de forma pública. Aliás, não se pode olvidar, por ter sido do conhecimento público, que vários dos actos praticados pelo assistente, em exercício de funções como presidente do Sporting, foram veiculadas por terceiros: desde transferências de jogadores, até às despesas relacionadas com a sua vida pessoal, foram noticia, tantas vezes suscitando suspeitas de desrespeito pela Lei por parte do assistente, acabando algumas dessas situações por ser alvo de investigação criminal, com diversos desfechos e algumas ainda estarão nesse estado. Entende o arguido que o assistente na posição que, então, ocupava tinha que aceitar ser escrutinado, publicamente, ainda que eventualmente tal escrutínio não fosse justo, sendo certo que tinha os meios para se defender. Nesta senda, atendendo todo o circunstancialismo supra explicitado e os termos nos quais o arguido funda e explica o seu comunicado, não há indícios de que o arguido tenha extravasado o direito à critica em relação à actuação do assistente, bem como o seu invocado direito de defesa em relação ao teor do discurso deste último na Assembleia Geral. Efectivamente, há que atentar, os factos em causa têm como cenário não só o mundo desportivo, mas em particular o mundo do futebol em Portugal e relacionados com um dos principais clubes portugueses, assim é reconhecido o Sporting Clube de Portugal. É consabido e não carece de prova, por tão óbvio, bastando aceder a qualquer página do jornal, canal televisivo ou rede social, que tal mundo é insistentemente, quer se queira quer não, tornado público, ocupando muito do tempo da informação escrita ou áudio, sendo recheada de discussões acesas e tantas vezes, para o comum dos mortais, deselegantes, agressivas e mal-educadas. Porém é, assim, e pelos intervenientes, senão sempre aceite, pelo menos tolerado. Na verdade, cumpre considerar que resulta, manifestamente, indiciado que arguido e assistente não se entendem e se encontram em conflito e que no âmbito desse conflito utilizam, publicamente, expressões que no meio desportivo são toleradas e desconsideradas, são frequentes, feitas por uns contra os outros, normalmente, sem consequências, nomeadamente, judiciais, quantas vezes mantendo-se amigos. Dessa situação é exemplo flagrante, no que ao assistente diz respeito e, precisamente em relação ao arguido, as expressões que o mesmo utilizou, publicamente, nas redes sociais (Facebook) em relação ao arguido e que constam a fls. 186 e 187, dos autos – “Ex-sócio P, és um labrego criminoso e pedante”. O assistente queixa-se de situações que, alegadamente, terão ocorrido quando o mesmo estava integrado no meio desportivo. Este percurso acaba por enquadrar as expressões proferidas pelo arguido, referentes ao assistente, e pelo percurso que acabamos de fazer, resulta claro que as expressões não têm o animus injuriandi que a Lei exige, não justificando a reacção penal e, mesmo assim se não considerando, afastam o dolo de difamação e/ou de injúria – atentas as circunstâncias e o meio onde são proferidas. Por outro lado, desde que se tornou conhecido, por força dos cargos ocupados no âmbito desportivo, o assistente assumiu-se como protagonista da vida desportiva, nunca a renegou, para além do que expôs não só a sua vida profissional mas, igualmente, em certas circunstâncias, a sua vida pessoal, junto da comunicação social, das redes sociais, assim como desde cedo utilizou esses meios para comentar comportamentos alheios onde utilizou, por vezes, a linguagem supra caracterizada, comum no meio futebolístico (consideradas fora, desse meio, expressões menos próprias), nomeadamente, em relação ao arguido, dos autos, conforme supra se referiu. Ora o comunicado dos autos foi proferido no meio desportivo, a propósito de questões e disputas desportivas, manifestando-se em tal meio, flagrante e maior a permissividade do uso das expressões aí constantes, nomeadamente e principalmente, “mentiroso e hipócrita” do que se verificaria fora de tal meio. Assim, da mera análise do texto do comunicado escrito e divulgado pelo arguido não resultam indícios bastantes de qualquer dos elementos dos dois tipos de crime por que pretende o assistente ver o arguido pronunciado. Por sua vez, nos autos, através dos meios probatórios produzidos – tanto em sede de inquérito (declarações, depoimentos e documentos) como em sede instrutória - não existem indícios suficientes e bastantes - tendo em atenção os elementos probatórios dos autos – da prática do crime de difamação por parte do arguido através do comunicado que entregou à imprensa. Na verdade, o arguido não nega que bem sabia que tal comunicado iria ser divulgado através dos diversos órgãos de comunicação social. Porém explica por que motivo fez o referido comunicado, esclarecendo que em relação ao que é acusado pelo assistente que no comunicado constam vários temas que aí apresenta como perguntas e não como afirmações suas. Na verdade, assim resulta do referido comunicado que se encontra nos autos, sendo certo que tais questões não foram lançadas na comunicação social, em 1ª mão, pelo arguido. Eram questões que já faziam capa de jornal, de revista e já eram veiculadas e comentadas nos demais meios de comunicação social, como rádio e televisão. Mais, é do conhecimento público que algumas das situações por que o arguido fez o comunicado dos autos, algumas das questões aí colocadas, foram e estão a ser investigadas, pelo que assumem e assumiram credibilidade bastante para que as entidades competentes, mormente, o Ministério Público e as instâncias desportivas competentes as investigasse e investigue, seja para acabar por as arquivar ou, eventualmente, acusar. O desfecho de algumas ainda não teve lugar, pelo que se desconhece se tinham ou não fundamento, sendo certo que independentemente do desfecho, em sede judicial, a verdade é que inexistem indícios suficientes e bastantes para que se possa considerar, ainda que indiciariamente, que o arguido tenha agido dolosamente ao efectuar o comunicado e aí se referir a várias situações envolvendo o assistente e relacionados com o clube desportiva a que presidia. Em suma, quem apresenta uma queixa pela prática de factos que, em sede própria, não resultam em condenação, nem sempre – aliás só muito raramente o fazem – cometem um crime de denúncia caluniosa. É necessário que se conheça, no momento da denúncia, a falsidade dos factos que se imputam ao agente, de outro modo, inexiste crime. Assim sendo não se vislumbra como poderia o arguido, em sede de julgamento, vir a ser punido”. * Apreciemos, citando a jurisprudência dominante. “Entre a publicitação de uma opinião – direito que integra a liberdade de expressão do Recorrente – e a protecção dos bens pessoais ao bom nome e reputação de terceiros, há que fazer uma ponderação quando estes direitos entrem em conflito, devendo-se aferir em que moldes aquela opinião, pelas expressões que usa e pelas imputações que faz, ataca desproporcionadamente a honra e consideração desses terceiros – Ac. do TCAS n.º18/19.0BCLSB, de 04/04/2019, dgsi.pt. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vem defendendo que quando estejam em causa assuntos relativos ao debate político, ou de interesse geral, que se relacionem com políticos ou figuras públicas, os limites da crítica admissível são mais largos que aqueles que se admitem para um simples particular, para alguém relativamente anónimo. Para o TEDH os políticos ou as figuras públicas “expõem-se inevitavelmente e conscientemente a um controlo atento dos seus actos e gestos, quer pelos jornalistas, quer pela massa de cidadãos” (in Ac. do TEDH, Ac. Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, n.º33287/10, de 23-10-2013, tradução nossa, a partir do original em francês; vide, no mesmo sentido, os Acs. ali citados e, em especial, os Ac. do TEDH Lopes Gomes da Silva c. Portugal, P. nº 37698/97, de 28-09-2000 e Laranjeira Marques da Silvac. Portugal, P. n.º 16983/06, de 19-01-2010) – citações no Acórdão do TCAS de 01.10.2020, processo n.º 62/20.2BCLSB, dgsi.pt. Acórdão do TRL n.º 0315188, de 26.11.2003, dgsi.pt: “É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que, por exemplo, se sente prejudicada por outra pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa possa ter apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função.” Acórdão do TRE de 07.1.2016, processo n.º 756/13.0TATVR.E1: “ no domínio da «luta» desportiva há uma redução da dignidade penal e da carência da tutela penal da honra, havendo que assegurar uma verdadeira dimensão da liberdade de expressão e da crítica, pois só assim se pode afastar uma atmosfera de intimidação, benéfica neste domínio. Daí que os juízos e imputações feitas, embora exageradas, não excedem o que, em geral, se considera tolerável no contexto da luta e disputa desportiva.”(…) No âmbito de um viver social desportivo, em contexto social específico de relações entre dirigentes desportivos, existe alguma tolerância social (que não aceitação social) em relação a uma certa margem de aspereza de linguagem e de confrontação de palavras e de ideias. Excessos de linguagem e de atitude que convivem com um correspondente “poder de encaixe” por parte de quem frequenta e se move nesses mesmos espaços e nesses mesmos meios, de “luta desportiva”. Ac. do STJ de 13.07.2017, processo n.º 3017/11.6TBSTR.E1.S1, de 13-07-2017: “o TEDH vem entendendo que – particularmente no âmbito dos artigos que visam essencialmente a expressão da opinião e a crítica a aspectos ligados à vida pública e a temas de manifesto interesse público - está coberta pela liberdade de expressão, não apenas a discordância respeitosa, a crítica puramente objectiva emoldada pela elevação do debate – mas também a crítica contundente, sarcástica, mordaz, com uma carga exageradamente depreciativa ou caricatural da acção e capacidades do visado – justificando a necessidade de uma particular tolerância deste às opiniões adversas que criticam acerbamente, chocam, ofendem ou exageram , envolvendo porventura o uso de expressões agressivas ou virulentas”. Ac. do TRL de 11.12.2019, processo n.º 4695/15.2T9PRT.L1, dgsi.pt: “ Nas ofensas à honra estão sempre em causa dois valores constitucionais de igual valor – a honra e a liberdade de expressão (art.ºs 26º e 37º da CRP ), sendo que a prevalência de um deles em cada caso tem sempre que resultar de uma ponderação das circunstâncias do caso concreto, encontrando um equilíbrio que preserve sempre a liberdade de expressão, indispensável à subsistência de uma sociedade democrática, limitada pela proibição do aniquilamento da honra. A honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior - reputação ou consideração -, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos, probidade e lealdade de carácter, protegendo-se a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade", a qual encontra o seu "fundamento essencial" na "irrenunciável dignidade pessoal". Nesta perspectiva, como reiteradamente vêm decidindo os nossos tribunais e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, aqueles que exercem cargos com relevância/expressão pública têm um qualificado dever de suportar as críticas inerentes à sua actividade, por muito duras - ou mesmo infundadas - que sejam. Salvo nos casos em que sejam notoriamente gratuitas ou infundadas, a eles cabe, na primeira linha, convencer do infundado das críticas, não podendo nunca subtrair-se ao debate público por via da ameaça - contra quem divulgue irregularidades no funcionamento das instituições - com o jus puniendi do Estado”. * Indo ao caso concreto, comecemos por referir que não será seguido o caminho fácil de fazer comentários sobre a ética no desporto, de como deve ser a conduta dos dirigentes desportivos. Uma decisão judicial deve ser seca, sem abordagens laterais, não interessa a opinião do juiz. O único objectivo de uma sentença judicial, qualquer que seja, é resolver a questão jurídica em conformidade com a lei e o direito. Nada mais. Dito isto, é publicamente notório que o contexto que envolve o litígio em análise é muito mediático, com horas e horas de televisão, muito debate e opinião pública e publicada, manifestações de apoio e contestação. Estamos a falar de uma fase muito turbulenta e conflituosa da vida interna do Sporting Clube de Portugal. Tais confrontos de pessoas, ideias e projectos, eram muitas vezes dirimidos em assembleias gerais do clube, conflituosas e intermináveis, muito mediatizadas, e nas redes sociais, em que cada interveniente aproveitava para expressar o seu pensar e sentir. Claro, e paralelamente, tudo exposto em tempo real nos media. Neste particular contexto, assistente e arguido assumiram papéis importantes. Ambos figuras públicas, ligadas ao dirigismo desportivo do Sporting, ao qual se candidataram e exerceram cargos de enorme relevância. Daí que, um e outro, tenham tido intervenções particularmente importantes nesse período conturbado da vida do clube. E, pelo que se nota, em frentes opostas. Ora, também é público e notório que em tais desavenças é muito utilizada a linguagem excessiva contra o oponente. Isso é mais do que evidente no conflito entre o assistente e o arguido. Se é certo que o arguido apelidou o assistente de mentiroso, hipócrita e sociopata, também o é que o assistente disse o seguinte do arguido: Ex-sócio P, és um labrego criminoso e pedante”. Não é relevante quem disse primeiro, se o comunicado do arguido surge como resposta às frases do assistente. Com esta linguagem por ambos utilizada para vincar as suas divergências, é manifesto que de qualquer deles tem que se esperar o tal poder de encaixe que não se exigiria de um qualquer cidadão que não andasse envolvido nestes confrontos inapropriados e excessivos. Ao contrário do que indica o assistente, a não pronúncia do arguido não banaliza a ofensa e os ataques à honra e consideração. Nada disso. A repetida utilização desta linguagem é que vulgariza os termos utilizados, deixando de se lhes poder atribuir a gravidade que objectivamente poderiam ter, mas que subjectivamente deixam de o ter, ao tornar-se num modo de ataque caricatural, sem querer imputar nada a ninguém, sendo apenas armas de arremesso na disputa interna do clube. E, sendo por ambos utilizada, estando ao mesmo nível de linguagem excessiva e inapropriada, nenhum deles se pode sentir especialmente atingido na sua honra e consideração. Foi o campo de batalha verbal que escolheram. Que é socialmente censurável, mas que a denominada tribo do futebol tolera, está habituada e até relativiza, não procurando sequer saber se são ou não reais os factos imputados. Aplicando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, é manifesto que se exige que assistente e arguido tenham limites da crítica admissível muito mais largos que aqueles que se admitem para um simples particular, para alguém relativamente anónimo. E não há dúvidas que os intervenientes nestes autos escolheram o campo da linguagem excessiva para exercer a liberdade de expressão, utilizando, como diz o STJ (no acórdão supra citado), a crítica contundente, sarcástica, mordaz, com uma carga exageradamente depreciativa ou caricatural da acção e capacidades do visado – justificando a necessidade de uma particular tolerância deste às opiniões adversas que criticam acerbamente, chocam, ofendem ou exageram , envolvendo porventura o uso de expressões agressivas ou virulentas. Importa ainda referir, citando Figueiredo Dias, que para a criminalização ser legítima é necessário não só a existência de um bem jurídico dotado de dignidade penal como igualmente verificar-se uma efectiva necessidade ou carência de tutela penal, pelo que "a violação de um bem jurídico penal não basta por si para desencadear a intervenção, antes se requerendo que esta seja absolutamente indispensável à livre realização da personalidade de cada um na comunidade. Nesta acepção o direito penal constitui, na verdade, a ultima ratio da política social e a sua intervenção é de natureza definitivamente subsidiária." - (in JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito penal, Questões Fundamentais, A doutrina Geral do Crime, Coimbra editora, 2004, pp. 121, citado em Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.03.3009, processo n.º 36/03.3GCTCS.C1). Ainda nas palavras do citado Professor "Uma vez que o direito penal utiliza, com o arsenal das suas sanções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios da política social, em particular da política jurídica não penal, se revelem insuficientes e inadequados. Quando assim não aconteça, aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação do princípio da proibição do excesso (...) - (in id. lbid.). Ora, tendo em conta o exposto, seria absolutamente desproporcional utilizar o ius puniendi mais grave – o direito penal – para sancionar comportamentos de figuras públicas, muito mediáticas, que utilizam a linguagem excessiva e caricatural no exercício da liberdade de expressão, e que, por isso, devem ter um poder de encaixe maior quando são vítimas destes ataques. Como se refere no Ac. do TRL de 26.11.2003 (supra citado), o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa possa ter apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função. E, ainda o Ac. do TRE de 07.01.2016 (também supra citado), no domínio da «luta» desportiva há uma redução da dignidade penal e da carência da tutela penal da honra, havendo que assegurar uma verdadeira dimensão da liberdade de expressão e da crítica, pois só assim se pode afastar uma atmosfera de intimidação, benéfica neste domínio. Resta finalizar, concordando com o tribunal a quo quando refere: “Este percurso acaba por enquadrar as expressões proferidas pelo arguido, referentes ao assistente, e pelo percurso que acabamos de fazer, resulta claro que as expressões não têm o animus injuriandi que a Lei exige, não justificando a reacção penal e, mesmo assim se não considerando, afastam o dolo de difamação e/ou de injúria – atentas as circunstâncias e o meio onde são proferidas. Improcede, sem mais, o recurso. * IV–Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedente. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) UCs. Lisboa, 08 de Junho de 2021 Paulo Barreto Manuel Advínculo Sequeira |