Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10605/2006-7
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
NOTIFICAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: EXTINÇÃO DO PROCESSO
Sumário: I – No processo expropriativo, a fase visa, essencialmente, a delimitação do acto, sendo a intervenção das partes meramente acessória através da formulação de quesitos.
II - Nesta medida, atenta a especificidade do processo expropriativo, carece de cabimento processual, por se revelar sem conteúdo definido, a notificação ao expropriado (prévia ao despacho de adjudicação) da remessa do processo a tribunal após o proferimento da decisão arbitral, já que, com a notificação do despacho de adjudicação e da decisão arbitral, aquele poderá impugnar ambos.
III – Por conseguinte, a não audição prévia do expropriado ao despacho de adjudicação não viola quer o princípio do contraditório, quer o da igualdade, uma vez que os mesmos se encontram devidamente salvaguardados com a tramitação legal posterior, nomeadamente e desde logo, com a respectiva notificação do despacho de adjudicação.
IV - Sendo a declaração de utilidade pública o facto constitutivo da relação jurídica de expropriação, o respectivo objecto material terá de se mostrar suficientemente identificável e, por isso inteligível, sob pena de ser indeferido o pedido de adjudicação da propriedade.
V - O art.º 3 n.º2, do CE de 1991, que dispensa nova DUP nos termos do art.º 53, n.º1, do mesmo Código, reporta –se às situações de indivisibilidade referente ao mesmo prédio, podendo o mesmo ser extensivamente interpretado no sentido de nele assumir cabimento as situações de indivisibilidade económica relativamente a outro(s) prédio(s) com qualquer grau de proximidade em relação a ele, Nestas situações, a inexistência de uma DUP que individualize o terreno objecto do processo expropriativo só se mostraria dispensável com a demonstração da indivisibilidade económica dos prédios em questão.
VII – Não tendo o expropriado formulado pedido de expropriação total não actua em exercício abusivo do direito ao requerer a extinção do processo expropriativo com fundamento na inexistência de DUP.

(GA)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório

1. L , SA promoveu a expropriação litigiosa por utilidade pública respeitante à parcela n.º , propriedade da S , LDA, com área de 30,397m2, correspondente à totalidade da área do prédio denominado “M”, sito na freguesia de Alcochete, concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha, inscrito na matriz sob o art.º .
A Requerente juntou vários documentos entre os quais os autos de vistoria ad perpetuam rei memoriam, (fls. 102/106), despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de autorização de Posse Administrativa (fls. 117/119), auto de Posse Administrativa (fls. 120), relatório de arbitragem (fls. 122/129) e Acórdão Arbitral onde o valor da parcela foi fixado, por unanimidade, em Esc. 7.322.940$00, a título de indemnização a favor da proprietária.

2. Por despacho de fls. 186/verso (rectificado a fls. 842) foi adjudicada ao Estado a referida parcela.

3.A Expropriada recorreu do despacho de adjudicação (fls. 192) o qual foi recebido por despacho de fls. 590, sendo-lhe atribuído regime de subida diferida, com efeito meramente devolutivo. Nas suas alegações conclui (fls. 609/624).
1. O despacho que adjudica o direito de propriedade do imóvel, interpretou o n° 4 do art° 50° do CE, de uma forma que, ao prescindir da prévia notificação e audição da expropriada, viola o disposto no n° 4 do art° 20° e art° 62° da Constituição, art° 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como o disposto nos art°s 3° e 3°-A do Cod. Proc. Civil.
2. O despacho em causa, assim, viola o princípio da igualdade das partes na sua vertente do direito da expropriada a intervir no processo judicial após a arbitragem e antes de lhe ser retirado o direito de propriedade — pelo que, face àquelas disposições legais, não podia ter sido proferido como foi.
3. Sem prescindir, a decisão recorrida baseia-se num falso pressuposto pois considera que o imóvel foi objecto da DUP doc. 1 do req. inicial, quando, tal acto administrativo, não se refere a este.
4. Quanto a este, nenhuma parcela do imóvel foi objecto de DUP e, nem tão pouco foi a sua totalidade.
5. Só pode existir expropriação litigiosa da totalidade de um imóvel, a pedido da expropriada se, nos termos do n° 2 do art° 3° e art° 53° do CE, existiu DUP de expropriação de uma sua parcela.
6. A decisão da L, em resposta ao alegado pedido de expropriação total de imóveis da expropriada não abrangidos pela DUP parcelar doc. 1 do req. inicial (de D.R. 23.3.95), não se refere ao imóvel destes autos, nem pode ser interpretada com tal abrangência, face ao n° 2 do art° 3° e art° 53° do CE.
7. O alegado pedido de expropriação total, ou resultava em transferência dos direitos de propriedade por mútuo acordo, nos termos do art° 2°, 32° a 36° do CE, ou, na falta deste, não tendo existido DUP sobre parcela do imóvel ora em causa, então, por força do n° 2 do art° 62° da Constituição e, art°s 1° e n° 2 art° 10° do CE explicitam, não há título legal para a expropriação litigiosa.
8. A obrigação de expropriar o imóvel em causa, tal como consta da Base LXVIII DL n° 168/94 de 15/06 DR n° 163/94, não dispensa uma especifica DUP, por força do n° 2 art° 62° da Constituição e, art° 1° e n° 2 art° 10° do CE — a qual, de facto, não existe.
9. Tal falta, configura-se como omissão de causa de pedir ou de elemento/pressuposto nuclear do processo judicial de expropriação, pelo que, face ao disposto na al. e) art° 287° e/ou, al. e) n° 1 art° 288° CPC, a decisão recorrida não só não podia adjudicar a propriedade, como devia extinguir a instância.
10. Por se encontrarem nos autos todos os elementos que permitem a correcta apreciação das questões, deve o tribunal "ad quem" anular a decisão e, julgar extinta a instância, por falta insanável da DUP do imóvel em causa.

4.A Expropriante contra alegou, defendendo o não provimento do agravo (fls. 816/829).

5. Quer a Expropriante (fls. 195/207), quer a Expropriada (fls. 355/391) recorreram da decisão arbitral, sendo certo que aquela deduziu igualmente incidente de intervenção acessória provocada do Estado Português, o qual não foi admitido conforme despacho de fls. 594/600.

6. Por despacho de fls. 592/600, foi recebido o recurso da Expropriante e da Expropriada sendo que, quanto a este, foi indeferido no que se refere à questão da extinção da instância pela invocada verificação da inexistência da arbitragem e/ou caducidade da DUP.

7.A Expropriada recorreu do despacho de indeferimento do recurso (questão da extinção da instância pela invocada verificação da inexistência da arbitragem e/ou caducidade da DUP), o qual foi recebido por despacho de fls. 842. A Recorrente concluiu nas suas alegações (fls. 873/879).
1. O despacho recorrido, qualifica a arguição de inexistência do acórdão arbitral por usurpação de junções jurisdicionais pela expropriante, como uma mera irregularidade, sanável, pela mera não arguição dispositiva nos termos do art° 52° Cod. Exp. anteriormente vigente.
2. Porém o núcleo decidendo do art° 52° é apenas o mero desvio do formalismo legal relativo à «... convocação ou na realização da vistoria a que se refere o art° 19° ou na constituição e funcionamento da arbitragem, designadamente por falta de prazos fixados na lei...».
3. Dado o princípio da reserva de função jurisdicional (art°s 110° e 202° da Constituição), constitui matéria de ordem pública, de conhecimento oficioso, a prática por particulares expropriantes das funções que a lei ordinária cometa aos tribunais, como é o caso do n° 4 art° 44° do Cod. Expropriações.
4. Tal prática não constitui um mero desvio ao formalismo legal do processo expropriatório mas consubstancia um acto ferido por inexistência jurídica.
5. Por outro lado, a arguição da falta de DUP, não é a invocação de uma mera irregularidade processual, mas a alegação da inexistência da própria causa de pedir do processo litigioso de expropriação e sem a qual a instância não pode prosseguir – como resulta do disposto nomeadamente em, art° 1°, art° 10°, n° 2 art° 3° e art° 53° Cod. Exp. e, n° 2 art° 62° CRP.
6. Tal arguição não corresponde a uma daquelas meras irregularidades por desvio do formalismo legal do art° 52° Cod. Exp., porquanto, sem DUP, não pode existir processo judicial litigioso de expropriação, face àqueles preceitos, combinado com a al. e) art° 287° CPC.
7. O despacho recorrido, ao rejeitar a apreciação das questões acima referidas, faz uma interpretação inconstitucional do n° 4 do art° 44° do Cod. Exp., por violação, nomeadamente dos preceitos dos art°s 110° e 202° da CRP, viola ainda o disposto no art° 1° , n°s 1 e 2 do art° 10°, n° 2 art° 3° e 53° todos do Cod. Exp. combinado com o disposto no n° 2 do art° 62° dá CRP –, bem como, viola o direito subjectivo da expropriada ao recurso, interpretando restritivamente o art° 56° do Cod. Exp., de uma forma que ofende o disposto nos n°s 1 e 4 in fine do art° 20° da CRP.

8. Em contra alegações a Expropriante concluiu no sentido do não provimento do recurso (fls.890/905).

9. Efectuada a devida avaliação, os Srs Peritos (do tribunal e da Expropriante) atribuíram o valor da indemnização em € 36.795,82 (fls. 936/956). O Sr. Perito da Expropriada considerou a indemnização de 45.595.500$00 (fls. 1009/1045).

10. A Expropriada reclamou do relatório dos Sr.s Peritos (fls. 1110/1123), tendo os Srs. Peritos respondido à reclamação nos termos do teor de fls. 1184/1191.

11. A Expropriada veio requerer a junção aos autos de duas avaliações oficiais, proferidas em outros processos judiciais, onde se fixa o valor de parcelas localizadas, que foi objecto de indeferimento por despacho de fls. 1319/1320, do qual foi interposto recurso – fls. 1315.

12. Em alegações a Expropriante sustentou que a indemnização devida pela parcela de terreno em causa deveria ser fixada em € 7 580,97. Por sua vez a Expropriada defendeu nas suas alegações a fixação de indemnização em € 139.490,00, valor inicial do recurso da arbitragem.

13. Sustentado o despacho de adjudicação, foi proferida sentença que decidiu atribuir à Expropriada a indemnização de €83.843,10.

14. Inconformada apelou a Expropriante, concluindo nas suas alegações:
1. No presente processo expropriativo chegaram os Srs. Peritos – quer dois peritos nomeados pelo Tribunal quer o nomeado pela expropriante – a um consenso sobre o valor real e corrente da parcela expropriada, valor este quantificado em Esc.: 7.376.900$00.
2. O Tribunal a quo fixou, porém, um valor correspondente a mais do dobro, concretamente de Esc.: 16.809.032$00, tendo-se afastado do laudo maioritário dos Srs. Peritos num único factor – p preço médio ponderado de 1 kg de peixe – matéria, portanto, puramente técnica e sem fundamentos sérios que o justificasse, nomeadamente sem haver suscitado uma única questão de direito com relevância para o cálculo do valor do solo, padecendo, por isso, a sentença recorrida de erro de julgamento.
3. A isto acresce que o único factor de divergência – o referido preço médio ponderado de 1 kg de peixe – vem fixado pelo Tribunal a quo em termos contraditórios com toda a fundamentação anteriormente plasmada na sentença em crise, padecendo, por isso, a sentença de nulidade por vício de oposição dos fundamentos com a decisão, nos termos do artigo 668°, n.° 1, alínea c) do CPC.

15.Em contra-alegações a Expropriada pronuncia-se pela improcedência do recurso.

16. Após decisão sobre o pedido de aclaração da decisão de sustentação do despacho de adjudicação, a Expropriada apelou da sentença, concluindo nas suas alegações:
1. Os presentes autos referem-se à expropriação total do imóvel que não foi objecto de DUP, na sua globalidade mas em parte.
2. A única DUP da expropriação em causa nestes autos só pode ser (ficcionar-se!...) a constante no Despacho n° 6-XII/95 de 27.2.95, D.R. II S. de 21.03.95, como se refere nos preliminares da sentença, e não num despacho de 27.06.97 referido na matéria factual dada como assente — por erro ou lapso evidente — pois este refere-se a uma autorização de posse administrativa, acto que só por si não serve de causa ao processo expropriativo litigioso.
3. Face ao que antecede, e uma vez que os autos — e a respectiva expropriação — só podem entender-se como decorrentes do disposto nos arts. 3° n° 2, e 53° do Cód. das Expropriações/91 (de outro modo... não existiria pressuposto processual da instância...), deve, nos termos de art. 712° n° 1 ais. a) e b) do Cód. Proc. Civil, corrigir-se aquela matéria.
4. Verifica-se um outro erro de apreciação e do julgamento dos factos, porquanto, face aos factos contidos no n°25 e no relatório anterior à posse administrativa, 6.500 m2 da parcela eram ou foram usados ou mostravam aptidão para agricultura, ainda que, porventura, assim não sucedesse à data da avaliação pericial (2001), considerada na sentença.
5. Esta possibilidade resulta inequívoca e provada, quando se julgou que a área não submersa foi utilizada na agricultura, na «plantação de cebolas, favas e ervilhas» (n° 25), e porque no relatório ad perpetuam rei memoriam se exarou que «A área correspondente aos muros (...) é adequada à cultura arvense de sequeiro» (fls. 105).
6. Assim, a circunstancia de a avaliação, de 2001, não ter já encontrado estas características e aptidão, é de todo irrelevante, pois, por força daqueles factos dados como provados, e do teor expresso deste relatório ad perpetuam rei memoriam impõe-se concluir pela possibilidade da prática de agricultura em 6.500 m2 nos termos, nomeadamente, do disposto no art.º 22 n.º2, art. 23º n.º1, e art. 26º n.º1 do Cód. Exp./91 (art. 23º, n.º1 do Cód. de Exp./99), combinado com o teor do art. 19°, n° 1, al. b) daquele Código (art. 21°, n° 4, do Cód. Exp./99) – o que é decisivo para a fixação da indemnização
7. Assim, nesta parte, a sentença viola as citadas disposições legais, o direito à avaliação/indemnização de acordo com as reais e melhores capacidades naturais e económicas do imóvel, bem como o disposto no art. 655° n° 2 do CPC – uma vez que, por força destes preceitos, impõe-se considerar e avaliar a área de 6.500 m2 como de uso agrícola, sob pena de se violar, também, o princípio jurídico-constitucional segundo o qual a indemnização deve corresponder ao valor ou utilidade económica do bem, medida pelo seu valor real ou de mercado.
8. Pois, a ratio legis daqueles preceitos, em especial, o art. 26° n° 1 do Cód. Exp./91, ao permitir a avaliação do imóvel de acordo com o seu uso possível, destina-se a cumprir o princípio constitucional da justa indemnização, de art. 62° n° 2 da CRP – preceito assim violado, na implícita desconsideração da mais lucrativa e provada actividade agrícola, em favor prejudicial, embora possível, actividade de pastorícia.
9. Por outro lado, o disposto no art. 8° n° 3 do Cód. Civil, conjugado com os princípios jurídico-constitucionais da igualdade e do justo pagamento do valor de mercado existente para bens iguais ao expropriado nestes autos – como já decidido em caso análogo e entre as mesmas partes, no acórdão deste Tribunal (Proc. 9.148/04, da Ia Secção, de 18.01.05) – impõem a consideração da decisão já definitiva e transitada em julgado sobre a expropriação de outra parcela, contígua à ora em causa, no âmbito da mesma DUP.
10. Ora, tendo-se assim fixado, definitivamente, no acórdão proferido no Proc. 9.642/2003, da 6a Secção, de 16.12.03, o valor de 900$00/m2 de salinas na mesma zona, e DuP, que todos os peritos consideraram de uso possível para agricultura, pelo que antecede, e face à total ausência de avaliação daquela parte do imóvel a uso agrícola, deve acolher-se e fixar-se aquele preço – pois, na ausência de negócios concretos, a decisão definitiva deve qualificar-se como o real valor de transacção do imóvel.
11. Assim, corrigindo-se esta parte da sentença, deve fixar-se aos ditos 6.500 m2 o valor de € 4,49/m2, resultante daquele acórdão, o que dá a indemnização, desta parte, em € 29.185,00.
12. Se improceder o que antecede, a sentença, ao avaliar aquela área seca, dando-a como de utilização possível a pastorícia, comete, um outro erro, ficcionando que tal exploração seja dada de arrendamento – de modo que, dividindo, implicitamente, o rendimento do imóvel, entre proprietário e rendeiro, constitui um juízo absurdo e ilegal.
13. Tal decisão é, desde logo, nula e ilegal, porque não vem provado que exista um arrendamento (nulidade e ilegalidade nos termos do disposto em arts. 659° n° 3 e 668° n° 1 al. b) do CPC) – e se existisse, teria de avaliar-se nos termos de art. 29° n°s 1 e 5 do Cód. Exp/91.
14. Depois, a decisão, nesta parte, é absurda e faz uma interpretação do disposto em arts. 22° n° 2, 23° n° 1, e 26° n° 1 do Cód. Exp./91 em completa violação do princípio constitucional da justa indemnização – pois, não há explicação, nem em abstracto, nem em concreto, para se avaliar o bem num cálculo do seu uso possível, ficcionando um arrendamento desse uso e, não a exploração directa pelos expropriados, que assim, ficam ilicitamente prejudicados de uma parte da justa indemnização.
15. Portanto, além de ilegal, face ao disposto em arts. 158°, 586°, 659 n° 3, 668° n° 1 al. b) do CPC e, art. 8° n° 1 do DL 44/94, de 19 de Fevereiro, deve julgar-se nula a estipulação de tal ficção de arrendamento.
16. Por força e nos mesmos termos do alegado nas conclusões 4a à 8a deve corrigir-se a indemnização atribuída à área molhada, pois a sua metragem, na data da DUP e anterior à posse da expropriante era de 23.897 m2, como consta no relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam, e não dos 19.171 m2 contados, anos depois, pela avaliação, e considerados na sentença – pelo que assim, o valor deve ser aumentado pela diferença: 4.726 m2 (= 23.897 - 19.171) x 767$00/m2 = 3.624.842$00, i. é, € 18.080,64.

17. Em contra-alegações a Expropriante concluiu no sentido da improcedência do recurso.

II – Enquadramento fáctico

O tribunal a quo deu como provado o seguinte factualismo:
1. Por despacho publicado no D.R. n° 148, II série, suplemento, de 30/06/97, foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela identificada com o n°s ;
2. As parcelas expropriadas têm, no total, a área de 30.397 m2 e correspondem ao prédio designado por marinha "M" localizado na freguesia e concelho de Alcochete, no sítio da Ribeira do Samouco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n° , a fls. do livro B – 2 (actual ficha n° ), correspondente ao artigo rústico 4 da secção T e matriz urbana n° , que confronta: - a norte com o próprio, a sul com Esteiro da Hidráulica e Outros, nascente Esteiro da Hidráulica e Outros, Esteiro da Hidráulica e Outros;
3. Era titular da parcela expropriada a S, Lda.;
4. Na parcela, à data da DUP, não existia qualquer actividade relacionada com produção de sal, ou qualquer outra, encontrando-se as salinas desactivadas e nos muros encontravam-se no estado de vegetação espontânea;
5. A parcela tem forma irregular;
6. Na sua área não submersa apresenta altimetria que varia entre 2,2 e 3,8 metros;
7. Foi utilizada como marinha para produção de sal;
8. A área molhada é de 11.226 m2, sendo a parte restante de 19.171 m2 ocupada por muros de terra;
9. A zona dos muros era, na data da DUP, adequada à actividade da pastorícia;
10. A parcela era, na data da DUP, adequadas à prática da piscicultura em regime extensivo;
11. E à prática da actividade de produção de sal;
12. Nas parcelas não existiam, na data da DUP, infra-estruturas urbanísticas;
13. O aglomerado urbano mais próximo dista cerca de 1.700 metros do limite da parcela, existindo construções urbanas antigas "" — que se encontram desactivadas, a cerca de 700 metros;
14. Pelo Plano Director Municipal do concelho de Alcochete, a parcela situa-se em zona classificada de "Espaços Naturais";
15. O PDM (Plano Director Municipal) do concelho de Alcochete foi publicado em 22.08.1997., no qual a parcela se inclui na "Reserva Ecológica Nacional";
16. A rede de energia eléctrica encontra-se a cerca de 500 metros da parcela;
17. A parcela tem acessos rodoviários, mas em terra que iam ligar à E.M. 501 que se encontra a 500 metros da parcela;
18. Na parcela existiam comportas;
19. A zona beneficia de micro-clima ameno durante todo o ano que impede formação de geadas;
20. A área não submersa confronta com as bacias das marinhas e está sujeita às acções das águas salgadas/salobras que existem nas referidas bacias;
21. A área não submersa da parcela está sujeita ao ciclo das marés ficando submersa por águas salgadas e salobras, que circulam no Esteiro do Samouco, aquando das marés vivas;
22. A parte não submersa da parcela continha, na data da DUP, vegetação herbácea espontânea constituída por salgadeira, tamargueira e erva azeda;
23. A parcela integra-se na área remanescente ou terrenos limítrofes da zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo;
24. O solo da parcela é composto regossolo psamítico não humico, constituído por materiais detríticos arenosos, mais ou menos grosseiros.
25. No dia 20.10.1997. foi tomada posse administrativa da parcela expropriada pela L S.A.;
26. Não existia, na data da DUP, qualquer contrato de arrendamento entre a expropriada e Herdeiros de A C S;
27. Os muros da parcela ou área não submersa, foram arrendados pela expropriada a terceiros, tendo como destinações a pastorícia e o cultivo de favas, ervilhas e cebolas

III – Enquadramento jurídico

De acordo com o posicionamento das partes assumido ao longo do processo, encontram-se para apreciação nesta sede os seguintes recursos:
Ø agravo interposto pela Expropriada do despacho de adjudicação;
Ø agravo interposto pela Expropriada do despacho de indeferimento do recurso da decisão arbitral relativo à questão da extinção da instância pela invocada verificação da inexistência da arbitragem e/ou caducidade da DUP;
Ø apelações interpostas pela Expropriada e pela Expropriante da sentença que fixou a indemnização devida àquela (€ 83.843,10).
Atento o disposto no art.º 710, n.º1, do CPC, cabe a este tribunal iniciar o conhecimento dos recursos pelos agravos interposto pela Expropriada (também Apelante) atenta a ordem da sua interposição.

Ø Agravo do despacho de adjudicação

De acordo com as conclusões das alegações delimitativas do objecto do recurso e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso que importe apreciar, impõe-se que este tribunal aprecie a legalidade do despacho (1) que adjudicou ao Estado a propriedade do imóvel (parcela n.º , propriedade da S, LDA, com área de 30,397m2, correspondente à totalidade da área do prédio denominado “M”, sito na freguesia de Alcochete, concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha , inscrito na matriz sob o art.º) sob os seguintes aspectos
- violação do princípio do contraditório
- inexistência de DUP

1. Da violação do princípio do contraditório

1.1 Defende a Agravante que o despacho de adjudicação não podia ter sido proferido sem que lhe fosse previamente notificada a remessa do processo de arbitragem a tribunal.
Considera, por isso, que se encontra violado o princípio do contraditório (enquanto vertente do princípio da igualdade das partes), sustentando-se no preceituado nos art.ºs 3 e 3-A, do CPC e 62, 17 e 20, n.º4, da Constituição.
Argumenta a Agravante que o art.º 50, do Código das Expropriações de 1991, ao preceituar que a adjudicação da propriedade apenas deve ser feita depois de “devidamente instruída”, impõe a audição prévia da expropriada a fim da mesma se defender e colaborar convenientemente com o tribunal.
No despacho de sustentação o tribunal a quo, apoiando o posicionamento da Agravada nas respectivas contra-alegações, considera que a lei (art.º 50, n.º4, do C.E) não contempla expressamente a exigência de uma prévia notificação da expropriada na fase pré-judicial do processo de expropriação (excepto se o mesmo não se encontrar devidamente instruído) por este, na sua vertente judicial, ter como objectivo a determinação da justa indemnização e por naquela fase carecer de cabimento tal notificação, designadamente por a expropriada há muito conhecer da existência da expropriação, nomeadamente com a realização da vistoria ad perpetuam memoriam tendo apresentado os seus próprios quesitos.
Vejamos.

1.2 Não pode deixar de se secundar a afirmação da Agravante quanto ao facto de o princípio do contraditório se configurar como princípio estruturante do processo civil, constituindo fundamento da igualdade das partes em litígio, isto é, do direito a um processo equitativo enquanto dimensão do próprio direito de acesso à justiça.
Sendo o contraditório uma constante ao longo de todo o processo, encontra-se o tribunal adstrito ao dever de não resolver qualquer conflito de interesses trazido por uma das partes sem que a outra seja chamada a deduzir a sua (o)posição, de forma a que a actividade desenvolvida por um dos litigantes possa ser sempre controlada pelo outro, entendendo-se que será dessa interacção que melhor e mais eficazmente se poderá realizar a Justiça - art.º 3, n.º 1, do CPC.
Este entendimento do princípio do contraditório, consagrado no Código de Processo Civil desde a sua formulação de 1939, foi ampliado com a reforma operada pelo DL 329-A/95 e DL 120/96 (2), pelo que o mesmo passou a ser traduzido como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação directa ou indirecta com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (3).
Nesta acepção, encontrando-se o juiz incumbido de fazer cumprir ao longo de todo o processo o contraditório, antes de proferir a decisão deve o mesmo conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre as questões a decidir, ainda que a norma ou o regime a aplicar não preveja expressamente a audição da parte, pois que tal se infere do princípio geral estabelecido no art.º 3, do CPC.
A concepção ampla da contraditoriedade não poderá, contudo, ser exacerbada de modo a revelar-se funcionalmente inadequada, traduzindo-se numa exigência puramente formal destituída de qualquer sentido útil e razoável relativamente à disciplina processual em causa.
É o que acontece na situação colocada pela Agravante.
Com efeito e segundo a mesma, o facto do art.º 50, do CE, não prever a audição do expropriado antes da adjudicação da propriedade, não impede que tal audição não se deva inferir do princípio geral estabelecido no art.º 3º do CPC. Porém, o posicionamento da Recorrente descura o facto de, nesta situação, se mostrar injustificado ouvir o expropriado pois que, embora o acto de investidura na propriedade (a atribuição do direito de propriedade contemporânea da extinção do mesmo direito na esfera jurídica do expropriado) não se opere com o despacho administrativo que declara a utilidade pública, mas com a decisão judicial de adjudicação, o certo é que o acto substancial de expropriação (enquanto alteração efectiva na esfera jurídica das partes intervenientes) não é por si só resultante daquela decisão judicial (onde não se aprecia os interesses de cada uma das partes; nessa medida não constitui um acto judicial sob o ponto de vista material (4)), mas tem a sua génese num acto de jus imperii, praticado pelo Estado na prossecução do interesse público.
Dado que o processo de expropriação por utilidade pública (5) está circunscrito a um determinado objecto que, na fase administrativa, é definido a partir da identificação do prédio expropriado sobre o qual vão incidir as diligências tendentes a determinar o valor indemnizável. (actividade arbitral e posteriormente a judicial a desenvolver neste âmbito visa a adjudicação da propriedade e a fixação da indemnização correspondente), a sua tramitação e os requisitos formais que lhe estão subjacentes encontram-se autonomizados do Código de Processo Civil, pelo que o esquema de intervenção das partes e do tribunal é diverso da normal tramitação dos processos judiciais. Porém, esta tramitação especial não deixa de assegurar às partes as garantias processuais exigidas pelos princípios da igualdade perante a lei e do contraditório.
Desta forma, verificando-se que a fase administrativa do processo visa, essencialmente, a delimitação do acto expropriativo (na acção de expropriação a causa de pedir é integrada pelo acto declarativo de utilidade pública de determinado prédio e pela afectação do mesmo a um fim público (6)) e uma vez que nesse âmbito as partes apenas podem intervir acessoriamente na conformação do objecto do processo através da formulação de quesitos (7) (cfr. art.º 46, do CE), carecia de cabimento processual, por se revelar sem conteúdo definido, a notificação ao expropriado (prévia ao despacho de adjudicação, no qual, como vimos, o juiz não possui de qualquer poder de julgamento em termos de apreciação da (i)legalidade da expropriação, cingindo-se ao controle formal da observância da tramitação do procedimento expropriatório ) da remessa do processo a tribunal (após o proferimento da decisão arbitral), sendo que, com a notificação do despacho de adjudicação e da decisão arbitral, aquele poderá impugnar ambos.
Neste contexto, atenta a especificidade do processo expropriativo, designadamente na sua fase administrativa, a não audição prévia da Expropriada ao proferimento da decisão de adjudicação não colocou em causa quer o princípio do contraditório, quer o da igualdade, uma vez que os mesmos se encontram devidamente salvaguardados com a tramitação legal posterior, nomeadamente e desde logo, com a respectiva notificação do despacho de adjudicação.
Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões das alegações.

2 Da inexistência de DUP

2.1 Defende a Agravante que a decisão recorrida tem por subjacente uma falsa situação – ter o despacho n.º 2928-A/97, de 27/6 do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas (publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 148/97, de 30/06) declarado a utilidade pública da expropriação do imóvel - por o referido despacho se ter limitado a autorizar a posse administrativa, inexistindo DUP em relação ao imóvel dos autos.
Considera por isso a Recorrente que se impunha ao tribunal a quo ter recusado a adjudicação da propriedade e posse do imóvel por falta de pressuposto processual que é a existência da DUP
Se bem se interpreta o despacho de sustentação, o Sr. Juiz mantém o despacho recorrido justificando a existência da DUP de acordo com os seguintes argumentos:
- por o processo expropriativo se basear no pedido de expropriação total onde o imóvel se encontra incluído (pedido de expropriação total, segundo a sentença, deduzido pela Expropriada em 20/07/95 e deferido em 29/9/95, na sequência do despacho ministerial de 6-XII/95 de 27/02/95, publicado no DR n.º 68, 2ª série de 21.03.95, que declarou a DUP de outras parcelas de terreno propriedade daquela de acordo com o previsto na Base LXVIII do DL 168/94, de 15.06 - diploma que determina a L expropriar e a recuperar as parcelas de terreno incluídas na zona das S do S onde se insere o terreno em causa).
- por valer como declaração de utilidade pública a autorização da posse administrativa pela L constante do despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas n.º 2928-A/97 (publicado no DR n.º 148 de 30.06, 2ª série) onde o imóvel em causa se encontra referenciado como sendo uma das parcelas de terreno necessárias às obras de recuperação projectadas para as Salinas do Samouco.
Conforme já referido, o processo de expropriação por utilidade pública tem como causa de pedir o acto declarativo da utilidade pública de determinado prédio e a sua afectação a um fim público previamente determinado.
O art.º 62, da Constituição ao dispor que a expropriação por utilidade pública é efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização, dimana um princípio geral segundo o qual a norma consagradora da expropriação terá necessariamente de ser uma norma de autorização e de garantia. Há assim que entender o princípio da legalidade em termos de significar que a expropriação carece sempre de uma base legal onde se estabelece com rigor suficiente os requisitos do acto expropriativo que não pode deixar de exigir uma prévia declaração de utilidade pública, já que é através dela que é possível exercer o controlo do pressuposto de utilidade pública, especificando-se não só o fim concreto da expropriação, como a individualização dos bens a ela sujeitos.
Mostra-se por isso indubitável que o acto de declaração de utilidade pública tem por finalidade individualizar os prédios a expropriar (8) e porque se trata de um acto administrativo há que lhe atribuir observância dos requisitos relativos ao seu conteúdo ou objecto, isto é, o objecto do acto expropriativo terá necessariamente de ser certo, individualizando por isso os prédios a expropriar.
Na verdade, sendo a declaração de utilidade pública o facto constitutivo da relação jurídica de expropriação (não podendo ser encarado como uma simples condição da expropriação), o respectivo objecto material terá de se mostrar suficientemente identificável e, por isso inteligível, sob pena de ser indeferido o pedido de adjudicação da propriedade (9).
No caso sob apreciação, compulsados os autos, verifica-se que a DUP existente é a que consta a fls. 7 a 9 dos autos, levada a cabo por despacho de 27/02/1995, do Senhor Ministro das Obras Públicas Transportes e Comunicações, publicado no DR de 21.3.1995, 2ª série, onde foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, dos terrenos necessários às obras relativas à travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa, identificados com os elementos da descrição predial e matricial, sendo propriedade da Agravante os indicados sob o n.º 11.1 – Marinha da Restinga, 12.772m2, art.º 1º, Secção R, 12.1 – Marinha da Providência, 14.545m2, art.º1, Secção S, 12.2 – Marinha do Caracol, 5.666m2, art.º 2, Secção S, n.º 1057 – 141V, Livro B3, 12.3 – Marinha, 3.005m2, art.º 5, Secção S, n.º 1057 – 141V, Livro B3, e parcela 13.1- Marinha, 2.322m2, art.º 7, Secção S.
Do elenco de prédios indicados naquele despacho não consta o prédio dos autos (parcela n.º ), sendo que relativamente a ele o processo apenas evidencia a existência do despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas n.º 2928-A/97 de 27.6, publicado no DR n.º 148, II série, de 30.6.97 através do qual a L, aqui Agravada, foi autorizada a tomar posse administrativa de várias parcelas de terrenos discriminadas em mapa em anexo, situadas na área das s do S, propriedade da Agravante. Ora, o despacho de atribuição da posse administrativa (10) é de natureza eminentemente diversa da DUP e, por isso, nunca poderia ter o alcance de a substituir.
Aliás, o DL 168/94, de 15 de Julho, ao aprovar as bases da concessão da concepção, do projecto, da construção, do financiamento, da exploração e da manutenção da nova travessia do rio Tejo, prevendo na Base XXVI que competiria à concessionária, como entidade expropriante actuando em nome da concedente, realizar as expropriações dos imóveis necessários à construção da nova travessia, não dispensou a competência atribuída ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações da prática do(s) acto(s) de individualização dos bens a expropriar nos termos do n.º2, do art.º 10, contendo a declaração de utilidade pública com carácter de urgência (Base XXVII), impondo a adstrição da concessionária a expropriar e a recuperar a área designada de “S do S” com vista à constituição de uma zona de protecção especial (Base LXVIII) (11).
Não restando qualquer dúvida quanto à inexistência de uma DUP que individualize o terreno objecto do presente processo expropriativo (sendo que, conforme vimos, a DUP declarada pelo despacho de 27/02/1995, do Senhor Ministro das Obras Públicas Transportes e Comunicações, publicado no DR de 21.3.1995, 2ª série, igualmente não se reporta a qualquer parcela do referido prédio) a questão que cabe apreciar é a de saber se a mesma se impõe no caso.
Defende a Agravada e está subjacente ao despacho de sustentação proferido a dispensabilidade de DUP individualizando o prédio em referência, alicerçando-se em dois argumentos:
- por extensão da DUP declarada pelo despacho de 27/02/1995, do Senhor Ministro das Obras Públicas Transportes e Comunicações, publicado no DR de 21.3.1995, 2ª série;
- dada a existência de um pedido de expropriação total por parte da Agravante relativamente à totalidade dos prédios e, nessa medida, abrangendo o prédio em causa.
Esta posição, reforçada por algumas decisões judiciais proferidas relativamente a casos similares aos dos presentes autos, embora reconheça não estar em causa a situação típica contemplada no art.º 3, do CE (possibilidade de o expropriado requerer a expropriação total do prédio quando apenas uma parte tenha sido objecto de expropriação) (12) sustenta-se na existência de um alegado pedido de expropriação total por parte da Agravante relativamente à área global das S do S (totalidade das áreas económico-produtivas a que se encontram afectas as parcelas expropriadas que constam da supra citada DUP) por estarem em causa parcelas de terreno que integram uma unidade de exploração económica e em que a sua separação determinaria a ausência de qualquer interesse de exploração económica como vinha a ser feita.
Ainda segundo tal posicionamento, cabe interpretar extensivamente o art.º 3, n.º2, do CE, atenta a ratio do mesmo – tutelar o interesse do proprietário, estabelecendo uma indivisibilidade económica do prédio em termos de a parte não expropriada deste seguir o destino da parte objecto de expropriação, a pedido do expropriante –, aplicando-o às situações em que a expropriação das parcelas de terreno afectou não só os prédios onde se inseriam, mas também os prédios vizinhos pertencentes ao mesmo proprietário por constituírem, em conjunto, uma unidade económica interdependente. Por conseguinte, o referido art.º 3, n.º2, assumiria também aplicação nas situações em que ocorresse indivisibilidade económica em mais do que um prédio.
Ainda que se possa considerar legalmente possível a interpretação extensiva do citado preceito nos termos acima aludidos, entendemos que a mesma não assume cabimento nos presentes autos pois que não só não se encontra evidenciada no processo a indivisibilidade económica entre a parcela n.º 117 objecto da presente expropriação e os prédios da Agravante abrangidos pela DUP declarada pelo despacho de 27/02/1995 (13), como não é possível atribuir à exposição da Agravante, datada de 20/7/95 (constante de fls.10 a 41 dos autos), a dedução de um efectivo pedido de expropriação total para os fins constantes do referido artigo.
Com efeito, decorre dos autos que a Agravante, na sequência da comunicação do início da arbitragem relativa às parcelas indicadas na DUP (11.1, 12.1, 12.1, 12.3, 13.1 e 13.2), enviou à Agravada, atenta a sua qualidade de Expropriante (fls.10 a 41), uma exposição, datada de 20.7.95, na qual a mesma, para os efeitos que aqui podem assumir relevância, requereu que esta lhe reconhecesse o direito de expropriação total das duas unidades e estabelecimentos comerciais, um de piscicultura outro de produção de sal, instalados, aquele na marinha “Restinga” com a área de 44,3760 hectares e este no conjunto de marinhas “Providência” e demais do quadro dos. 20, com a área global de 158,024ha, conforme tudo é, justamente de direito. Todavia, no referido documento não é feita qualquer referência ao prédio dos autos.
Desta forma e para além de não se vislumbrar a existência de emissão por parte da Agravante de uma declaração de vontade no sentido da expropriação declarada na DUP ser extensível ao prédio em causa nos autos, o certo é que, conforme decorre da resposta por parte da Agravada a tal exposição, a alegada expropriação total das S do S, que a mesma na qualidade de concessionária se obrigara a expropriar visando dar acolhimento a preocupações de ordem ambiental, estaria ainda sujeita aos actos de individualização de cada um dos prédios daquela área, não bastando para o efeito a concordância dada em termos gerais pois que, expressamente, refere que o pedido de expropriação total foi aceite pela L, indo-se desencadear os mecanismos de expropriação da totalidade das mencionadas parcelas, dentro dos limites da planta anexa ao Segundo Contrato da Concessão, nos termos da citada Base LXVII. (14)
De salientar que o posicionamento assumido pelo tribunal a quo descura, de todo, a circunstância de nos autos apenas se atender a um dos prédios da Agravante, que se encontra individualizado, o que desde logo impede a possibilidade de se colocar em consideração a expropriação total reportada a um conjunto de prédios tendo em conta a sua indivisibilidade económica, pois que tal valorização só globalmente poderia ser efectuada – avaliação do impacto global da expropriação na esfera económica da expropriada e a que, sublinhe-se, o presente processo não poderia dar resposta.
Desta forma, a exposição da Agravante nunca poderia ser encarada e interpretada como um pedido de expropriação total, mas apenas valorizada enquanto pedido dirigido à Agravada no sentido de dar cabal satisfação às obrigações assumidas nos termos da concessão celebrada (15).
Nestes termos, impõe-se revogar o despacho de adjudicação da propriedade da parcela de terreno n-º, extinguindo a instância por ausência dos pressupostos necessários para a adjudicação da propriedade atendendo à inexistência de DUP, com as consequências daí decorrentes relativamente à propriedade do prédio e aos demais actos processuais praticados, ficando ainda prejudicado o conhecimento dos recursos posteriormente interpostos e que se encontram assinalados no relatório supra.

IV – Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em dar provimento ao agravo e, em consequência, revogam o despacho recorrido, declarando extinta a instância.
Sem custas.

Lisboa, 15 de Maio de 2007

Graça Amaral

Orlando Nascimento

Ana Maria Resende

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Despacho de fls. 186, objecto de rectificação a fls. 842.
2 Com a introdução do n.º 3 e n.º 4 do art.º 3, do CPC.
3 Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, I, volume, pag. 8.
4 Não obstante competir ao juiz o acto em causa carece de qualquer poder de julgamento em termos de apreciação da (i)legalidade da expropriação, cingindo-se ao controle formal da observância da tramitação do procedimento expropriatório (cfr. Alves Correia, Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, pág.s 114 e 194)
5 Prevalência do interesse público e prossecução da celeridade orientada para a efectivação desse interesse já que a expropriação consubstancia-se numa relação jurídica pela qual o Estado considerando a conveniência na utilização de determinado imóvel em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre o mesmo e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, volume III, pág. 1020.
6 Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 04.06.85, CJ de 85, tomo III, pág. 159.
7 Cuja resposta não deixará de influenciar a decisão arbitral.
8 A delimitação dos bens a expropriar consubstanciada na DUP não determina uma imposição para a entidade expropriante no sentido de ter de expropriar a totalidade do prédio ou todos os prédios nela indicados, já que neste domínio vigora o princípio da suficiência ou da proporcionalidade por força do qual a expropriação se deverá limitar ao necessário para a realização do seu fim, em termos de afectar o direito de propriedade do particular ao estritamente essencial à prossecução do interesse público que se lhe encontra subjacente – cfr. art.º 3º, n.º1, do CE.
9 Cfr. Acórdão do STJ de 15/10/99, BMJ 410, pág. 748 e Acórdão da Relação de Lisboa de 29/06/95, CJ de 1995, tomo III, pág. 148.
10 Tal despacho, conforme decorre dos art.ºs 13, n.º2 e 17, n.º1, do C.E., prende-se com urgência na realização das obras de interesse público e visa possibilitar a entrada dos bens a expropriar na disponibilidade da expropriante.
11 Por ter sido considerada a necessidade de proceder à imediata aquisição e expropriação de terrenos, previu-se que o objecto da concessão fosse regulado por dois contratos, tendo a Resolução do Conselho de Ministros n.º 121-A/94, de 15 de Dezembro, aprovado a minuta do segundo contrato de concessão, estabelecendo-se o comprometimento da concessionária a expropriar e a recuperar a referida área designada Salinas do Samouco (ponto n.º 73), com o reconhecimento (Resolução do Conselho de Ministros n.º 44/96, de 17.4) da necessidade de serem requisitados os prédios rústicos que constituíssem o conjunto das salinas do Samouco, de modo a que o Estado pudesse realizar, no âmbito das suas atribuições em matéria de defesa da natureza e ambiente, as necessárias actividades de conservação das espécies, numa área sensível sob o ponto de vista ecológico, tendo assim vindo a ser ordenada a requisição, por o período de um ano, através da Portaria 152-A/96, de 14 de Maio,
12 A situação prevista no art.º 3 n.º2, do CE que dispensa nova DUP nos termos do art.º 53, n.º1, do mesmo Código, não se reporta a outro prédio com qualquer grau de proximidade em relação a ele, mas sim ao mesmo prédio.
13 Os autos não dispõem de elementos que permitam inferir o impacto e a desvalorização da globalidade dos prédios da Agravante resultante da expropriação dos terrenos consignados na DUP em termos de determinar a expropriação da parcela de terreno 117 em causa.
14 Embora a Expropriante refira ter aceite o pedido de expropriação total por parte da Expropriante, o certo é que tal anuência não poderá ser tida como uma definitiva aceitação.
15 Encontrando-se a Agravada, enquanto entidade expropriante, adstrita a determinada conduta (a que se comprometeu nos termos do contrato de concessão) de modo a afectar a esfera jurídica da Agravante, não pode deixar de ser tida como legalmente admissível a possibilidade desta se rebelar relativamente a um processo que, segundo a mesma, contraria o assumido. Não se verifica, por isso, qualquer situação de exercício abusivo de direito na modalidade de venire contra factum proprium, contrariamente ao decidido no acórdão da 7ª secção desta Relação de 27.03.2007 (Apelação n.º 10075/06) onde, relativamente a uma situação similar à dos presentes autos, se entendeu que a expropriada agia com ilegitimidade no exercício do respectivo direito ao colocar a questão e a defender que não pode existir expropriação, quando é certo que foi ela quem a requereu, bem sabendo que os prédios em causa não tinham sido objecto de expropriação parcial.