Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6207/09.8TBOER.L1-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
CONTRATO DE AGÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Não sendo incontroverso nem manifesto que a cláusula compromissória, acordada entre as partes, seja nula ou ineficaz, bem pelo contrário, nada parecendo resultar no sentido de que seja equívoca a sua formulação, é competente o tribunal arbitral para dirimir o litígio.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Apelante/A.: A…, SA.
Apelada/R.: B.. A/S.

Pedido: condenação da R. a pagar à A. o montante de € 8.261.232,49, a título de indemnização de clientela, desde a data da citação.

Alega a A., em síntese, ser uma sociedade comercial de elevado prestígio no mercado nacional e internacional e que tem por objecto a transformação e comércio de produtos alimentares e afins, de bebidas e tabacos, o seu transporte e logística; celebrou com a R., por documento datado de 01.07.1992, um contrato de agência, assinado pelos representantes legais, quer da A., quer da R., respectivamente em 17 e 27 de Julho de 1992; nos termos do contrato a A. comprometeu-se a adquirir os produtos da R., por ela expedidos directamente e proceder à sua revenda no território nacional e arquipélagos da Madeira e Açores; em contrapartida, a R. obrigou-se a garantir a exclusividade da distribuição destes produtos no referido território, pela A., comprometendo-se a não os vender directamente ou por intermédio de outrem; a R. conferiu o direito exclusivo à A. de utilizar no território nacional e arquipélagos, a marca, logótipos, autocolantes e as embalagens dos produtos da R.; a A. encontrava-se obrigada a promover e publicitar os produtos da R.; foi entregue aos responsáveis da A. uma carta assinada pelos representantes da R., nos termos da qual lhes era dada a conhecer a intenção desta última em fazer cessar a vigência do contrato entre as partes celebrado; em parte alguma se alude a incumprimento por parte da A.; no dia 25.04.2008, teve lugar em Lisboa uma reunião entre os representantes da A. e da R., mas sem sucesso; assim, em carta datada de 25.08.2008, a A. manifestou junto da R. a sua intenção de ser indemnizada pela perda de clientela, derivada da actividade desenvolvida durante vinte anos, no montante de € 8.300.000,00; até à presente data não recebeu a A. a indemnização reclamada.

Citada a R. contestou, excepcionando a preterição de Tribunal Arbitral Voluntário, estipulado pelas partes na cláusula 16ª do contrato de agência, que suporta a causa de pedir invocada pela A., excepção dilatória que importa a absolvição da instância (art.º 493.º/2 e 494.º/j CPC).

A A. replicou, alegando a invalidade (ou inaplicabilidade) da cláusula 16ª, por violação das regras do art.º 38.º DL 178/86 de 3.07.

I. O Tribunal a quo proferiu Despacho Saneador – Sentença, no qual absolveu a R. da instância, com fundamento em incompetência do Tribunal em favor de pacto atributivo de jurisdição, ao abrigo dos art.º 493.º/2, 494.º/j, 288.º/1/e), 100.º/3 e 108.º CPC.

Inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a A. apelou, formulando as seguintes conclusões:
1. A cláusula 16ª do contrato dispõe assim que “a) qualquer disputa, litígio ou questão relacionada ou respeitante ao presente contrato que possa a qualquer momento surgir entre as aqui partes será definida e decisivamente resolvido através de arbitragem na língua inglesa por um árbitro nomeado por acordo das partes. No caso de não ser possível chegar a acordo, a nomeação desse árbitro ou árbitros será feita pelo Presidente do Tribunal Comercial da Comarca ou, em caso de indisponibilidade ou inacção deste, pelo Supremo Tribunal da Dinamarca. Os procedimentos perante o Tribunal Arbitral serão realizados em Copenhaga, e ser-lhes-á aplicado o Código de Processo Civil da Dinamarca”.
2. A questão, porém, é que resulta da cláusula 17.ª, que dispõe o seguinte: “o presente contrato será interpretado, e todos os direitos, poderes e responsabilidades das partes do mesmo serão determinados à luz das leis da Dinamarca e as partes submetem-se à jurisdição não exclusiva dos Tribunais da Dinamarca, mas sem prejuízo de qualquer outro país poder reclamar jurisdição”.
3. A expressão utilizada, relativamente à competência dos Tribunais dinamarqueses, nem sequer é a mesma é exclusiva, sendo ilustrativo que a mesma termine, de forma aberta, com a redacção: “sem prejuízo de outro país que se julgue competente”.
4. As partes quiseram tornar de tal forma abrangente o recurso à via litigiosa que não acordaram a exclusão de nenhuma das alternativas possíveis.
5. A distinção das epígrafes empregues a cada uma das cláusulas, designadamente, referindo que a da cláusula 17.º é “Lei aplicável” e, que a da cláusula 16.º é “Arbitragem”, não releva.
6. No limite, e porque interessa sempre confrontar a epígrafe com o próprio texto das cláusulas, tal critério apenas permitiria chegar à conclusão de que foi expressamente incluída no Contrato a possibilidade de recurso à arbitragem, pelo que, se assim não fosse, não faria qualquer sentido prever-se, na cláusula imediatamente seguinte, a competência de Tribunais Estaduais.
7. Não se pode concluir que as cláusulas possuem objectivos diversos, tendo as partes pretendido reservar a aplicabilidade da cláusula 16.º a litígios suscitados no Contrato como o dos autos.
8. A cláusula 16ª prevê a submissão a Tribunal Arbitral de “qualquer disputa, litígio ou questão relacionada ou respeitante ao presente contrato”, e a cláusula 17.º estatui, por seu turno, que, em relação a “todos os direitos, poderes e responsabilidades das partes”, estas “subsumem-se à jurisdição não exclusiva dos Tribunais Dinamarqueses, sem prejuízo de outro país que se julgue competente”, pelo que, ou se declara nula a convenção de arbitragem prevista na cláusula 16.º do contrato, por ambiguidade e obscuridade face ao disposto na cláusula 17.º ou, em alternativa, se considera que a aplicação da mesma não é obrigatória, sendo sim alternativa ao recurso aos Tribunais Judiciais, em conjugação com o previsto na cláusula 17.º.
9. É manifesto que a A., ora recorrente, podia validamente escolher intentar a acção nos Tribunais Portugueses, como sucedeu no caso concreto, revelando-se, assim, inteiramente improcedente a excepção dilatória de preterição do Tribunal Arbitral voluntário, invocada na contestação pela R., ora recorrida.
10. Não resultando do contrato nenhuma disposição que permita concluir da prevalência da Cláusula 16.º sobre a 17.º, não é de todo defensável, face aos ditames da boa fé, que as partes quiseram, expressamente, submeter a resolução dos litígios a Tribunal Arbitral.
11. As partes, nos termos do art.º 405.º/1 CC, fixaram livremente o conteúdo do contrato e dentro dos limites da lei.
12. Ao abrigo do princípio da liberdade contratual, estipularam na cláusula 17.º que “o presente contrato será interpretado, e todos os direitos, poderes e responsabilidades das partes do mesmo serão determinados à luz das leis da Dinamarca as partes submetem-se à jurisdição não exclusiva dos Tribunais da Dinamarca, mas sem prejuízo de qualquer outro país poder reclamar jurisdição”.
13. A recorrida deu o seu consentimento a que tal ficasse a constar do contrato.
14. Logo, à recorrente não pode ser exigido, contra aquilo que contratou, a impossibilidade de lançar mão do previsto na cláusula 17.º, que foi incluído no contrato como um meio alternativo de tutela de direitos, mediante a invocação de uma cláusula 16.º que, claramente, não era de aplicação exclusiva.
15. A posição defendida pela ora recorrente coaduna-se com o regime previsto no art.º 23.º/1, do regulamento n.º 44/2001, aplicável ao contrato dos autos, pois nessa mesma norma se prevê que a competência de determinada jurisdição “será exclusiva a menos que as partes convencionem o contrário”. As partes, no que respeita a matéria sobre jurisdição, previram tudo, menos a exclusividade de uma determinada jurisdição. Com efeito, a expressão as partes submetem-se à jurisdição não exclusiva dos Tribunais da Dinamarca, mas sem prejuízo de qualquer outro país poder reclamar jurisdição” é inequívoca sobre esta matéria.
16. Tal expressão, apenas nos permite concluir que as partes não quiseram atribuir competência exclusiva aos Tribunais Arbitrais, mas sim, facultar-lhes essa possibilidade, sem prejuízo de poderem recorrer quer aos Tribunais da Dinamarca, quer a qualquer outro Tribunal que se julgue competente.
17. Os Tribunais portugueses são competentes ao abrigo do disposto no art.º 5.º/1 do regulamento 44/2001, porquanto era em Portugal que a obrigação primacial do contrato (entenda-se a entrega e distribuição dos bens) tinha de ser cumprida.

A R. contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o recurso a que ora se responde interposto do despacho saneador - sentença de fls. dos autos, que absolveu a R., ora apelada, da instância, ao abrigo do disposto nos art.º 493.º/2, 494.º/j, 288.º/1/e), 100.º/3 e 108.º CPC, porquanto entendeu estar verificada excepção de preterição de Tribunal Arbitral. Sucede que,
2. Bem andou o douto Tribunal a quo ao proferir o despacho saneador - sentença em crise, não merecendo qualquer censura a aplicação, por aquele feita, das supra citadas normas do CPC, carecendo o presente recurso, em absoluto, de qualquer fundamento, de facto ou de direito, como, aliás, a ora apelante bem sabe. Assim é que,
3. Da cláusula 16.ª do contrato celebrado entre A. e a R. resulta, necessariamente, que foi convencionado pelas partes resolver, de forma final e definitiva, todo e qualquer litígio emergente, a qualquer momento, do referido contrato de distribuição, por recurso a arbitragem, como, aliás, a própria apelante reconhece nas suas alegações.
4. Pretende, todavia, a apelante existir uma divergência inconciliável entre o teor da supre referida cláusula 16.º e a cláusula 17.º do contrato celebrado pelas partes, que conduziria, por via da técnica interpretativa propugnada pela apelante, á possibilidade (ou necessidade) de recurso aos Tribunais Judiciais, com a concomitante não verificação da excepção de preterição de Tribunal Arbitral, que o douto Tribunal a quo entendeu – de forma irrepreensível – ter sucedido in casu. Todavia,
5. Tal interpretação do conteúdo das cláusulas 16.º e 17.º não merece o menor crédito, na medida em que não reflecte nem a real vontade das partes, nem a sua vontade presumida, que resultaria da aplicação da teoria da impressão do declaratário normal consagrada no art.º 236.º/1 CC, que a apelante invoca em seu favor.
6. Desde logo, porquanto bem sabe a apelante qual era a real vontade das partes ao redigirem a cláusula 16.º (e a cláusula 17.º): a de, como já supra se deixou claro, e facilmente se retira da redacção da primeira destas cláusulas, submeterem exclusivamente a arbitragem todo e qualquer litígio emergente do contrato celebrado. E,
7. Por outro lado, porquanto mesmo que fosse verdadeiramente reconhecida essa vontade real, e tivesse aplicabilidade o art.º 234.º/1 CC, ainda assim, nunca lograríamos, por via da interpretação realizada ao abrigo dessa norma, chegar às conclusões a que chega a apelante, pois, como é evidente, não sãos as cláusulas 16.º e 17.º incompatíveis, ou sequer alternativas, mas sim complementares, estipulando diferentes vertentes de uma mesma solução: a submissão a arbitragem. Na verdade,
8. E como é consabido, ao escolher o recurso a arbitragem, por via, como sucedeu in casu, de uma cláusula compromissória, ocupam-se normalmente as partes de determinar diversos aspectos. Desde logo, qual a sede dessa arbitragem (na situação em apreço, Copenhaga, na Dinamarca (cfr. Cláusula 16.º, al. a), in fine).
9. Tratam igualmente as partes de definir o acervo de normas que regularão concretamente os procedimentos arbitrais, i.e, quais as regras de processo pelas quais se regerão os árbitros no exercício das funções que lhes foram cometidas (no caso sub Júdice, o Código de Processo Civil da Dinamarca (cfr. cláusula 16.º, al. a) in fine).
10. Procuram as partes, adicionalmente, definir a lei aplicável à substância do litígio, a lei que será aplicada pelos árbitros. Neste caso, as partes deixaram claro (na al. c) da cláusula 16.º), que os árbitros aplicarão a governing law, determinando a cláusula 17.º, 1.ª parte, de forma complementar, que lei será essa: a lei Dinamarquesa, como bem salientou o douto Tribunal a quo na sua sentença. Finalmente,
11. As partes num compromisso arbitral regulam também, por regra, a lex arbitri, i.e, a lei a aplicar para decidir de questões relacionadas com a validade e subsistência da própria arbitragem, ou para solucionar problemas que estejam fora do âmbito desta última, como a nomeação e poderes dos árbitros, a aplicação de providências cautelares, a realização de diligências probatórias e a própria forma, validade e execução da sentença arbitral proferida, entre outras; e, consequentemente, quais os Tribunais (porque não serão, necessariamente, os Tribunais Arbitrais…) que têm jurisdição para resolver tais questões.
12. As aqui apelante e apelada definiram igualmente alguns dos aspectos que vêm de se referir: a designação dos árbitros, pelo Presidente do tribunal Comercial da Dinamarca ou, na sua falta, pelo Supremo Tribunal da Dinamarca (cláusula 16.º, al. a), a execução da decisão arbitral por qualquer Tribunal que tenha jurisdição (cláusula 16.º, al. b), tendo atribuído, para as restantes questões, competência aos Tribunais Dinamarqueses, sem prejuízo de qualquer outro país poder reclamar jurisdição (cláusula 17.º, 2.ª parte).
13. É este, e não outro, como bem conhece a apelante, o sentido da redacção da cláusula que discute nas alegações a que ora se responde, encontrando-se a sua razão de ser nas disposições constantes das secções 3, 4, 5, 6 e 37 da Lei da Arbitragem Dinamarquesa vigente à data da celebração do contrato em apreço, que prevêem a possibilidade de os Tribunais Dinamarqueses prestarem assistência em diversos aspectos da arbitragem como os supra referidos e, em particular, na secção 8 desse mesmo diploma, que determina que “as decisões relativas às secções 3, 4 e 6 desta lei serão proferidas pelo tribunal em que a causa teria sido julgada se não houvesse qualquer compromisso arbitral ou – caso nenhum Tribunal Dinamarquês tenha jurisdição – pelo Tribunal Marítimo ou Comercial da Dinamarca”. Na verdade,
14. O facto de ter sido atribuída jurisdição aos Tribunais Dinamarqueses (ou a qualquer outros Tribunais que a reclamem – como sucederia, exemplificativamente, no caso de dever ser requerida uma providência cautelar de arresto sobre bens totalmente situados em Portugal, caso em que seriam competentes os Tribunais portugueses) para aplicar a lex arbitri não significa, como é por demais evidente, que lhes tenha sido atribuída competência para decidir o mérito da causa, pelo que,
15. E como se deixou claro, não existe qualquer dissídio ou incompatibilidade entre as cláusulas que vêm de se apreciar, antes constituindo aspectos complementares de um mesmo desiderato, que se afigura evidente: a submissão exclusiva de todo e qualquer litígio emergente do contrato a arbitragem.

II.1. Cumpre apreciar e decidir a questão de saber se pela cláusula 16ª, as partes pretenderam atribuir competência cumulativa ou exclusiva aos tribunais arbitrais para dirimir os litígios no âmbito do contrato em apreço.

II.2.1 importa ponderar o circunstancialismo resultante do precedente relatório.

II. 2. 2 Apreciando:

O Tribunal a quo declarou-se incompetente para conhecer do mérito da causa com fundamento na existência de pacto atributivo de jurisdição celebrado entre as partes, por força dos art.º 493.º/2, 494.º/j, 288.º/1/e), 100.º/3 e 108.º CPC.

A argumentação da recorrente centra-se na invocada contradição entre as cláusulas 16ª e 17ª constantes do contrato de agência entre as partes celebrado, a respeito da jurisdição competente para dirimir os conflitos resultantes desse mesmo contrato.

Vejamos:
A cláusula 16ª do contrato dispõe assim: “a) qualquer disputa, litigio ou questão relacionada ou respeitante ao presente contrato que possa a qualquer momento surgir entre as aqui partes será definida e decisivamente resolvido através de arbitragem na língua inglesa por um árbitro nomeado por acordo das partes. No caso de não ser possível chegar a acordo, a nomeação desse árbitro ou árbitros será feita pelo Presidente do Tribunal Comercial da Comarca ou, em caso de indisponibilidade ou inacção deste, pelo Supremo Tribunal da Dinamarca. Os procedimentos perante o Tribunal Arbitral serão realizados em Copenhaga, e ser-lhes-á aplicado o Código de Processo Civil da Dinamarca”.
Por seu turno, a cláusula 17.º, diz o seguinte: “o presente contrato será interpretado, e todos os direitos, poderes e responsabilidades das partes do mesmo serão determinados à luz das leis da Dinamarca e as partes submetem-se à jurisdição não exclusiva dos Tribunais da Dinamarca, mas sem prejuízo de qualquer outro país poder reclamar jurisdição”.

Atendendo ao estatuído no art.º 21º nº 1 da LAV, incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam, - validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem - os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral

No caso dos autos, está em causa a interpretação de uma cláusula compromissória arbitral em que a apelante pretende que seja reconhecida uma divergência inconciliável entre as cláusulas acima transcritas, o que levaria à nulidade do compromisso arbitral ou, no mínimo, à admissibilidade de uma consagração cumulativa de ambas as jurisdições: Tribunais Judiciais e Tribunal Arbitral aos quais as partes poderiam, pois, aceder em alternativa.
O cerne do dissídio entre as partes consiste em determinar se a cláusula 17.ª contém uma proposição que contraria o estipulado na cláusula anterior ou se, antes, se traduz numa explicitação a que as partes pretenderam atribuir um conteúdo complementar.

Do nosso ponto de vista, é sem dúvida esta segunda asserção que coincide com a vontade das partes, descortinada segundo as disposições legais atinentes à sua interpretação (art.º 236.º e seguintes do CC).
O artigo 236.º/1 do CC dispõe que: "...a declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele." E, acrescenta o art.º 236.º/2 do mesmo diploma que: "...sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida".
Ora, salvo o devido respeito, a cláusula 16.ª tem um teor inequívoco no sentido de que as partes submeteram exclusivamente à arbitragem qualquer litígio emergente do contrato celebrado. A alusão ao Tribunal de Comarca e ao Supremo Tribunal só poderá ser validamente entendida como circunscrita aos casos em que não haja acordo das partes quanto à nomeação do árbitro.

No que toca à cláusula 17.ª ao aludir-se às leis da Dinamarca e à jurisdição não exclusiva deste país, não poderá valer a argumentação da recorrente no sentido da oposição entre as duas cláusulas ou, no mínimo, da cumulação de ambas as jurisdições, fundamentalmente porque, em primeiro lugar, não temos por aceitável que a referida cláusula 17.ª tenha inequivocamente o sentido pretendido pela recorrente.  Com efeito, vale, quanto a nós, o entendimento de Manuel Parreira Barrocas, segundo o qual "as convenções em que a vontade efectiva das partes em fazer submeter o litigio a arbitragem seja dúbia devem ser consideradas eficazes. Mas não o serão as cláusulas que permitam a qualquer uma das partes optar pela arbitragem ou pelos tribunais judiciais[1]."
Depois, importa verificar se será admissível o sentido que a apelante pretende retirar da clausula 17.ª no seguinte excerto: "o presente contrato será interpretado, e todos os direitos, poderes e responsabilidades das partes do mesmo serão determinados à luz das leis da Dinamarca e as partes submetem-se à jurisdição não exclusiva dos Tribunais da Dinamarca, mas sem prejuízo de qualquer outro país poder reclamar jurisdição”.
Como salienta a apelada, sem prejuízo da lei própria regulamentadora de diversas matérias, a arbitragem internacional não tem, de um modo geral, uma lei própria. No caso em apreço, as partes definiram a lei aplicável ao litígio, visto que, o compromisso arbitral abrange não apenas o compromisso de recorrer à arbitragem em caso de litigio, mas também a lei aplicável para dirimir as questões de validade e subsistência da própria arbitragem ou outras questões fora do âmbito da própria arbitragem, em complemento, aliás, da parte final da citada cláusula 16.ª in fine, não posta em causa pela apelante.

Não sendo incontroverso nem manifesto que a cláusula compromissória  seja nula ou ineficaz, bem pelo contrário, nada parecendo resultar no sentido de que seja equívoca a sua formulação, à semelhança do decidido pela primeira instância, temos por verificada a excepção de preterição do tribunal arbitral[2].


Pelo exposto e de harmonia com as disposições legais citadas mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 14 de Junho de 2011
Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
Ana Resende
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[1] (2010), Manual de Arbitragem, Coimbra, Almedina, p. 225 (trecho, aliás, citado pela apelante).
   [2] Vide Acs. STJ de 10.03.2011, Rel.: Excelentíssimo Conselheiro Lopes do Rego  onde se colhe que: "...ao apreciar a referida excepção dilatória devam os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (justificando-se, então, por evidentes razões de economia e celeridade e, face à evidência da questão, a imediata definição da competência para dirimir o litígio, de modo a dispensar a prévia instalação do tribunal arbitral sobre os pressupostos da sua própria competência ). E, na esteira de outros arestos do STJ e, bem assim, na linha de uma jurisprudência que se vem afirmando maioritária, acrescenta o mesmo acórdão: ...vigora, entre nós, o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-Kompetenz e que, na acepção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral do julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral".
   Esta interpretação está, de resto, em consonância com o estabelecido pelo art.º 23 do Regulamento (CE) 44/2001 como se colhe da doutrina do Ac. STJ de 27.05.2008, relatado pelo Excelentíssimo Conselheiro Santos Bernardino, no qual se lê que a validade da cláusula que determina a exclusividade do foro acordado na cláusula compromissória: "pode afirmar-se [...] à luz do disposto no art.º 23º, nº 1 do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000" (correspondente ao precedente art.º 17º da Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, que o Regulamento substituiu entre os Estados Membros).