Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | CARLOS VALVERDE | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO RECURSO DE REVISÃO FALSAS DECLARAÇÕES ARBITRAGEM | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 04/26/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | I - Da decisão do tribunal arbitral voluntário cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca, sem qualquer distinção ou especificidade; por isso não é de afastar o ataque à decisão arbitral através do recurso extraordinário de revisão, desde que, obviamente, afectada por qualquer dos fundamentos que legitimam esse recurso. II – Não é de enquadrar na previsão da al. b) do art. 771º do CPC a errada decisão de facto da decisão arbitral, a atacar pela via competente do recurso, pois este não está limitado à discordância quanto ao aspecto jurídico da causa, abrangendo igualmente a decisão factual, que pode ser sindicada sem quaisquer restrições pelo tribunal de 1ª instância, que julga de facto e de direito como em qualquer outra causa da sua competência. (C.V.) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: A, SA, interpôs recurso extraordinário de revisão contra B, SA, tramitado por apenso ao processo de expropriação litigiosa em que é expropriada e esta é expropriante e que correu termos sob o nº 12.143/05, no 5º Juízo Cível no Tribunal de Família e Menores e Juízos Cíveis de Sintra, da decisão arbitral, proferida em 30-7-2005, pelos árbitros nomeados pelo Exmo. Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que fixou em € 226.906,20 a indemnização que lhe era devida pela expropriação da parcela nº 3, com a área de 13.628 m2, desanexada do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia Agualva-Cacém, sob o artigo 5º, secção I, alegando, em síntese, que tomou conhecimento, com a notificação do relatório pericial da avaliação efectuada no processo principal, de que, em conformidade com o PDM/Sintra, 2.793 m2 dessa parcela se encontram inseridos em “Espaços Urbanizáveis” de uso habitacional, devendo, por isso, esta área da parcela ser considerada como “solo apto para a construção” e não “solo para outros fins”, como falsamente os árbitros declararam, quando afirmaram não poder o solo de toda a parcela ser classificado como “solo apto para a construção”. Foi proferida decisão a indeferir liminarmente o recurso, na consideração de que se não estava perante qualquer falsidade nas declarações dos árbitros, antes perante erro de julgamento da parte destes, a atacar pela via do recurso da arbitragem (art. 58º do CE), no âmbito do qual a requerente devia ter arguido tal vício, pois podia ter tomado conhecimento da correcta classificação da parcela pela consulta do PDM/Sintra, publicado no respectivo DR, ou, em último caso, logo após a notificação do relatório da avaliação efectuada no processo expropriativo, neste abrindo o debate sobre tal questão. Não se conformando com essa decisão, dela agravou a requerente para este Tribunal, encerrando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo: 1ª- Para efeitos de aplicação do art. 771/b) CPC os peritos avaliadores do prédio expropriado e subscritores do RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO têm a qualidade de peritos. 2ª - A falsidade referida naquela disposição legal só pode respeitar aos elementos probatórios reunidos pelos peritos avaliadores, devendo entender-se a expressão "declaração de peritos", na sua aplicação a este processo arbitral, como reportada às declarações dos árbitros sobre a matéria de facto. 3ª - À data do relatório pericial elaborado em sede do recurso interposto pela REFER, já tinha transitado a decisão arbitrai na parte nã impugnada nesse recurso. 4ª - Não seria, por isso, possível a interposição de recurso ordinário da decisão arbitral com fundamento na falsidade das declarações dos peritos avaliadores, conhecida em data posterior ao trânsito. 5ª - A recorrente interpôs o recurso de revisão no prazo de 60 dias desde que teve conhecimento da falsidade das declarações dos peritos avaliadores. 6ª - A decisão objecto de revisão transitou 20 dias após a notificação, em 6FEVO6, da decisão judicial. 7ª - Sobre a recorrente não impendia a obrigação de conhecer o PDM de Sintra. 8ª - A desculpabilidade do desconhecimento da falsidade das declarações dos peritos não é requisito de revisão ao abrigo do art°. 771 CPC. A contra-alegação da recorrida foi mandada desentranhar, por falta de pagamento da respectiva taxa de justiça. O Sr. Juiz manteve a sua decisão. Os factos que relevam ao conhecimento do recurso são os constantes do relatório que antecede. Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da minuta alegatória do recorrente - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC -, só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido vazadas nas alegações propriamente ditas (cfr. Acs. do S.T.J. de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ, Acs. do STJ,respectivamente, Ano I, Tomo 3º, pág. 84 e Ano III, Tomo 1º, pág. 19). Nestes termos e nuclearmente, a questão que se nos coloca é saber se ocorre fundamento para a revisão da decisão arbitral peticionada. O recurso extraordinário de revisão foi criado pelo Código de Processo civil de 1939 que, assim, veio substituir a “acção anulatória do caso julgado”, de que cuidava o art. 148º do Código de 1876. Este recurso visa admitir, em situações taxativamente indicadas na lei, a impugnação de decisões judiciais já cobertas pela autoridade do caso julgado, pretendendo assegurar-se com ele o primado da justiça sobre a segurança. Compreende-se, deste modo, que a sua admissibilidade esteja reservada a situações especialíssimas, mais concretamente aquelas e só aquelas que se mostram elencadas no art. 771º do CPC. Examinando a petição inicial, verifica-se que a recorrente aduz, como fundamento do seu ajuizado recurso, a falsidade das declarações prestadas pelos árbitros que proferiram a decisão deste objecto. Está em causa, como se vê, o fundamento previsto na al. b) do citado art. 771º do CPC, na redacção introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8/3, em cujos termos a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão, entre outros, “…quando se verifique a falsidade…das declarações dos peritos…”. Pode dizer-se que o posicionamento dos nossos tribunais é praticamente unânime no sentido de que as decisões arbitrais não são simples laudos, revestindo antes natureza judicial e, por isso, trasitam em tudo o que seja desfavorável para a parte não recorrente, o poder do juiz está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, o montante indemnizatório não pode ser aumentado se só o expropriante tiver recorrido, nem diminuído se, ao invés, só o tiver feito o expropriado e, por fim, a decisão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização é insusceptível de recurso para o STJ (art. 66º, 5 do CE), porque tal importaria um 4º grau de jurisdição. Neste entendimento, às decisões arbitrais parece de aplicar, em matéria de recursos, as mesmas disposições que se contêm no CPC para as próprias decisões judiciais e, logo, também as do recurso extraordinário de revisão (cfr. José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, pág. 380). De resto, não se contendo no CE qualquer referência ao recurso de revisão da decisão arbitral, tem de, subsidiariamente, se lançar mão do disposto na Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 31/86, de 29/8), por não se encontrarem razões para o tratamento diferenciado entre as decisões proferidas no âmbito dessa arbitragem e as proferidas no âmbito da arbitragem necessária. Ora, se da decisão do tribunal arbitral voluntário cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca, sem qualquer distinção ou especificidade (art. 29º, 1 do citado DL 31/86), não parece que se possa afastar o ataque à decisão arbitral através do recurso extraordinário de revisão, desde que, óbviamente, afectada por qualquer dos fundamentos que legitimam esse recurso (neste sentido, Paula Costa Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, ROA, 52º, 987 e Cândida Antunes Pires, O recurso de revisão em processo civil, BMJ, 134, 161, citadas no Ac. do STJ de 15-10-98, BMJ, 480,114, onde se propugna pelo entendimento acolhido). Posto isto e revertendo para o concreto dos autos, ocorrerá motivo de revisão da decisão arbitral, nos termos da al. b), do art. 771º do CPC, como impetra a recorrente? Adianta esta, em defesa da sua tese, que a decisão arbitral repousou em elementos factuais que não correspondiam à realidade, mais concretamente na circunstância dos árbitros terem declarado que toda a parcela a expropriar não poderia classificar-se como “solo apto para a construção”, quando é certo que 2.793 m2 da mesma se inseriam na área do PDM/Sintra de “Espaços Urbanizáveis” de uso habitacional. Depois de identificarem a parcela expropriada e de fazerem referência à legislação aplicável, nomeadamente ao art. 25º do CE, os árbitros classificaram a parcela para efeitos de expropriação, referindo expressamente o seguinte: “Nos termos do artigo 25º do C.E. a parcela, não poderá classificar-se como “solo apto para a construção” por: Embora disponha de acesso rodoviário, de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de telefone, não está, porém, abrangida pelo disposto nas alíneas anteriores, nem possuir, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública. E, por exclusão, terá de classificar-se como de “solo para outros fins”, além de se integrar em zona de “Espaços Naturais e Culturais de Nível 1” e “Zona de Protecção e Enquadramento”. Insere-se, por outro lado, em áreas de REN e de RAN, onde a construção já estava interdita”. E mais adiante, no segmento de avaliação, acrescentaram: “Na realidade, trata-se de um terreno que, dado o seu actual estado, não tem, nem pode ter, utilização agrícola, mas antes de armazém a céu aberto ou de estaleiro e, enquanto a urbanização o permitir, a de vazadouro ou qualquer outro aproveitamento, como sucede no caso presente”. Da simples leitura da parte da fundamentação da decisão arbitral que se transcreveu, infere-se, de imediato, que os árbitros, por desconhecimento ou por não terem atentado devidamente, como se lhes impunha que fizessem, na localização da parcela e, nomeadamente, nos espaços por onde se estendia a sua área e bem assim na abrangência do PDM/Sintra, não consideraram que parte dela estava abrangida em espaço tido por esse PDM como urbanizável e, como tal, integraram a realidade fáctica que tiveram como assente nos preceitos legais correspondentes, valorando-a e decidindo à luz destes. Mas se é assim, ainda que situados no domínio do facto, o que se nos depara não são declarações de peritos eivadas de falsidade, antes um erro de julgamento, uma decisão de facto errada, a atacar pela via competente do recurso, pois este não está limitado à discordância quanto ao aspecto jurídico da causa, abrangendo igualmente a decisão factual, que pode ser sindicada sem quaisquer restrições pelo tribunal de 1ª instância, que julga de facto e de direito como em qualquer outra causa da sua competência (cfr. arts. 58º e sgs. do CE). Fazendo a transposição para a sentença proferida no processo expropriativo, se nesta viesse a ter-se como assente uma área da parcela expropriada diferente (por ser inferior ou superior) da que, sendo efectivamente a sua verdadeira área, constava e resultava de toda a prova documental e pericial dos autos e, na atenção dessa realidade fáctica, se fixasse a indemnização a pagar pela entidade expropriante, ninguém configuraria, no caso, uma situação de falsas declarações do julgador ou de falsidade do próprio acto judicial, antes de claro erro na decisão de facto, erro, pois, de julgamento, a sindicar pela via do recurso ordinário. E nem se diga que à expropriada não era exigível o conhecimento do PDM/Sintra, sem o que não podia aperceber-se do erro da decisão arbitral, porque tal desconhecimento, ainda que natural e desculpável, não tem a virtualidade de transmutar esse erro de julgamento em falsas declarações dos árbitros, como que criando um novo fundamento de revisão das decisões transitadas em julgado, para lá dos que taxativamente se prevêem no citado art. 771º do CPC e, por outro lado, também não se pode dizer, com propriedade, que estava impedida de recorrer dessa decisão sem o conhecimento do PDM, pois a generalidade dos expropriados que se determinam a recorrer das decisões arbitrais não conhecem, até pela leitura técnica que a sua complexidade exige, os respectivos PDMs, bastando-lhes, para tanto, estarem normalmente atentos aos valores de mercado e é sabido que o comum das pessoas tem como adquirida a tendência para a avaliação dos bens expropriados, na fase pré-jurisdicional, abaixo do seu valor de mercado, atenção que, por maioria de razão, se impunha à expropriada como agente actuante no comércio da construção civil. E tanto basta, em nossa opinião, para não termos como preenchido o invocado fundamento para o recurso extraordinário de revisão da decisão arbitral, até - como começou por se dizer - pelo carácter verdadeiramente excepcional que este meio de modificabilidade das decisões reveste, por pôr em causa a garantia mínima da certeza ou da segurança jurídica, indispensável à organização da vida das pessoas e dos seus bens, pois, como observa Antunes Varela, “a finalidade do processo não se esgota, com efeito, na definição concreta do direito, de acordo com os padrões substanciais definidos nas normas jurídicas. Abrange também a segurança e a paz social, essenciais à vida de toda a sociedade civil” (in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 705). Não nos merece, por isso, censura a decisão que indeferiu liminarmente a revisão peticionada. Pelo exposto e sem necessidade de outros considerandos, acorda-se em negar provimento ao agravo e em confirmar o despacho recorrido. Custas pela agravante. Lisboa, 26-04-2007 Carlos Valverde Granja da Fonseca Pereira Rodrigues |