Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9427/2006-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: I - Nos processos de jurisdição voluntária o juiz goza de liberdade de iniciativa na realização de diligências, mas isso não permite omitir as diligências que a lei impõe.
II - Só são passíveis de reforma, ao abrigo do art. 669°/2 do C PC, os erros de julgamento "manifestos", "patentes", "juridicamente insustentáveis" e relativos a questões sobre as quais o julgador não se tenha expressamente (com razão ou sem ela) pronunciado. Se o tiver feito por convicção, ainda que errada, e não por lapso, a decisão não é passível de reforma nos termos do preceito em causa.
(FG)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório.
1. Maria intentou, no dia 20.07.2004, no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, contra J acção de contribuição do cônjuge para despesas domésticas, com processo especial, pedindo que o réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia mensal de 1.208,01 euros, e, ainda, condenado no pagamento da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829-A nº4 do Código Civil.
Alegou, em resumo, que é casada com o requerido e que este, em Março de 2002, abandonou o lar conjugal, tendo deixado de contribuir para as despesas do lar, desde Março de 2003; vive com dois filhos do casal, ainda a seu cargo e não tem qualquer fonte de rendimento, designadamente de índole laboral pois que nunca trabalhou por conta de outrem, nem tem conhecimentos e experiência profissional.
Mais invocou que o montante mensal das despesas domésticas atinge € 1.208,01 e que o requerido aufere a remuneração líquida mensal de 1.599,33 euros, a que acrescem valores variáveis de remuneração derivados de cursos de formação, que ministra.
Juntou documentos, arrolou testemunhas e juntou documento comprovativo de lhe ter sido concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça, encargos com o processo e dos honorários do patrono escolhido.

Designada data para a realização de audiência de julgamento, nesta apresentou o réu a sua contestação.
Invocou, em síntese, que vive apenas do seu vencimento, de cerca de 1.599,33 euros mensais e paga 600 euros de renda de casa, 210 euros para amortização de um crédito pessoal contraído pela requerente e requerido para aquisição de um veículo automóvel, estando ainda judicialmente obrigado a pagar 150 euros à filha, 75 euros ao filho e 250 euros à ora requerente a título de alimentos provisórios; que despende 350 euros mensais em alimentação, para si e para os filhos quando estão consigo, gastando, ainda, cerca de 42 euros em electricidade.
Alegou também que a autora exerce a actividade de ama de crianças, tendo, habitualmente, a seu cargo cerca de quatro crianças o que representa para ela um rendimento mensal de 400 euros e que os filhos mais velhos já trabalham ajudando a mãe e que o próprio labora em “part time”.
Terminou pedindo a improcedência da acção, face á sua impossibilidade de suportar mais despesas.

O réu pediu também o benefício do apoio judiciário, que obteve, mas só na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Produzida a prova oferecida e pedida informação sobre o vencimento e descontos do réu, em 19.03.2004, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o requerido do pedido.
E, ordenada a notificação da requerente e do seu patrono para se pronunciarem sobre a omissão de factos que poderiam determinar uma condenação da primeira como litigante de má fé, veio esta a ser condenada na multa de € 300 como litigante de má fé, por despacho de 3.04.2006 (fls. 361 e seguintes)

Dizendo-se inconformada, quer com o decidido quanto à causa, quer quanto ao despacho que a condenou como litigante de má fé, a autora interpôs recurso de ambas as decisões.
No tocante ao recurso de apelação, alegou e formulou as seguintes conclusões:
1ª O procedimento do art.1416º do C.P.C., adjectiva o disposto nos arts. 1671º, 1672º e 1674° a 1676° do C. Civil e abrange a separação de facto (Ac. do S.T. J. de 14/4198).
2ª São inexistentes, os art. 2015º e 1675º, do C.P.C., não decorrendo dos mesmos, qualquer dever de assistência, conforme é prolatado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo a fls. 294 - verso requestando-se, ao abrigo do n° 2, al. b), do art.. 669º, do C.P.C., a reforma da sentença, porquanto, salvo melhor opinião, ocorreu manifesto lapso do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo na determinação da norma aplicável (arts. 699º nº 3, do art. 669° e nº 2, al. a), do art. 669º, todos
3ª Conforme se alcança dos documentos que se encontram anexados com a p.i., sob os nºs 9 a 54, só por si, implicam, necessariamente, decisão diversa da proferida e que o Meritissímo Juiz do Tribunal a quo não tomou e consideração; pelo que, se requesta, nos termos do nº 2, al. b), do art 669º do C.P.C., a reforma da sentença (arte. 699º do C.P.C.).
4ª Todos os procedimentos regulados nos arts. 1412. a 1510º., do C.P.C., têm como denominador o facto de lhes serem aplicáveis quer as disposições gerais dos incidentes da instância, nomeadamente quanto à indicação das provas e oposição (art.s 302º e 303º ambos do C.P.C.) e quanto ao limite do número de testemunhas e registo dos depoimentos (art. 304º, do C.P.C.), quer as disposições dos arts. 1409°. a 1411°, do C.P.C.
5ª Preceitua, o nº 2, do art. 1416º., do C.P.C. «seguir-se-ão, com as necessárias adaptações, os termos do processo para a fixação dos alimentos provisórios...”. Por seu turno,
6ª O n° 3 do art.. 400º do C.P.C, estipula que: “Na falta de alguma das partes ou se a tentativa de conciliação se frustrar, o juiz ordena a produção da prova e, de seguida, decide por sentença oral”.
7ª No caso sub judice, ordenada a produção de prova, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não proferiu a sentença de forma imediata, nem de forma oral.
8ª Ademais, estranhamente, não foi dada, a qualquer um dos mandatários, a «palavra», para formularem as suas alegações, o que conjugado com a falta de decisão imediata e de forma oral, por banda do Sr. Juiz do Tribunal a quo, faz enfermar a de nulidade, nos termos dos arts. 1416º, n° 2, 400º n°. 3, 1409º., 304° nº. 5 e 201º.nº 1, todos do C.P.C.
Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que ordene “a repetição da causa”.

Relativamente ao recurso de agravo do despacho que a condenou como litigante de má fé, a autora, após ter alegado, concluiu o seguinte:
- Perante o incumprimento do Despacho prolatado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo consubstanciado a fls. 168: “(...), Designando-se oportunamente data para a decisão sobre a matéria de facto» e à prolação da Sentença de forma não oral traduzem-se em desvios de carácter formal (arte. 193°, a 208°., do C.P.C.), com efeitos variáveis consoante a gravidade que assumem, traduzindo-se numa nulidade processual que afecta o Despacho posto em crise.
- Finda a produção da prova, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo deveria ter designado data para a decisão sobre a matéria de facto, de molde a declarar quais os factos que julgava provados e não provados, observando, assim, o preceituado no art°. 14090., n°. 1, conectado com o art°. 3040., n°. 5, ambos do C.P.C.
- “(.,.), Finda a produção da prova e feitas as alegações sobre a matéria de facto, dar-se-á cumprimento ao disposto no n° 5, ou seja, o juiz, após a análise crítica das provas, fará exarar em acta a decisão sobre a matéria de facto, mencionando quais os factos tidos por provados e por não provados, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção” (cfr. Abílio Neto, "Breves Notas ao Código de Processo Civil'', 1ª ed, Setembro/2005, pag. 95).
- A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art°. 653°., n°. 2, do C.P.C.).
- Finda a produção da prova, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo deveria, de seguida, ter decidido, por sentença oral, sucintamente fundamentada (art. 400º, n°. 3, do C.P.C., com a redacção dada pelo art. 1°., do D.L. nº 180/96, de 25 de Setembro, ex vi do art. 1416°., nº. 2, do mesmo diploma).
- Face às omissões de designação de data para a decisão sobre a matéria de facto e da formalidade que a lei prescreve: «(...), decisão por sentença oral, sucintamente fundamentada», ou seja, ditada para a acta, verifica-se a nulidade prevista no nº 1, do art. 201º., do C.P.C.
- Nesse sentido, Ac. do S.T.J., de 22 de Fevereiro de 1985, in BMJ, n°. 344, pág. 353: “ (...), a falta de consignação na acta da audiência dos factos considerados provados (…), ainda que venham a constar da sentença posteriormente proferida, envolvendo inobservância de preceito de interesse e ordem pública, não pode limitar-se às consequências do regime geral das nulidades do art°. 201º., n°. 1, do Código de Processo Civil, sendo antes fundamento de anulação.
- Aquela falta precede os defeitos fundamento de anulação e representa, mais gravemente, a falta de decisão sobre matéria de facto, justificando-se, pois, a aplicação do respectivo regime».
- Por outro lado, por aresto da Relação de Coimbra, de 8 de Junho de 1989, in Col. Jur., 1989, 3°., paga. 86 fixou-se que: “Nos processos de jurisdição voluntária o juiz goza de liberdade de iniciativa na realização de diligências, mas isso não permite omitir as diligências que a lei impõe”.
- Enfermando de nulidade o processado anteriormente à decisão condenatória de litigância de má fé, é afectada a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo sendo anulados os subsequentes que dele dependiam absolutamente, independentemente da regularidade, ou bondade, de cada um, quando analisados "per si".
- A anulação do acto de sequência não implica uma patologia própria já que se trata de mera projecção dos efeitos de uma irregularidade antecedente (cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.05.2006, Proc.nº 06ª1090, nº Convencional: JSTJ000, n° do Documento: SJ200605230010901, in www.stj.pt).
- Pelo que, em face da factualidade vertida, mal decretada foi a condenação por litigância de má fé, em virtude de se mostrar verificada a nulidade da processo que consiste, sempre, num vicio de carácter formal, não se demonstrando que o Advogado da acção, por um lado, tivesse qualquer participação na omissão do acto e, por outra lado, na omissão da formalidade prescrita na lei, não se justificando a comunicação à Ordem dos Advogados, para efeitos do preceituado no art 459º., do C.P.C.
Terminou pedindo que fosse revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que julgue o processado totalmente nulo.

Não houve contra alegações e o despacho recorrido foi sustentado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Matéria de Facto.
2. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
- As partes casaram um com o outro em 01/05/1973.
- Em Março de 2002 o requerido saiu do lar conjugal.
- Neste ficaram a morar a requerente, a filha, nascida em 18/09/1992, o filho, nascido em 13/08/1985 e mais dois filhos do casal, já de maioridade.
- A I e o T estudam.
- Os dois filhos mais velhos já trabalham e auferem rendimentos.
- Até Março de 2003 o requerido entregou à requerente 400 euros (até Dezembro de 2002) e 300 euros, nos restantes meses.
- A requerente tem cerca de 53 anos.
- Ela exerce, aleatoriamente, a actividade de ama de crianças, auferindo cerca de cento e oitenta euros mensais por cada criança.
- A requerente e os filhos I e T gastam, em alimentação, quantia não apurada.
- A requerente paga de renda de casa a quantia de 162,81 euros mensais.
- Em electricidade despende cerca de 40 euros mensais.
- Em água gasta cerca de 26 euros mensais.
- Em propinas com o filho T 25 euros mensais.
- Em livros e material escolar com os filhos estudantes cerca de 15 euros mensais.
- Em transportes com o filho T cerca de 37,35 euros mensais.
- Em telemóvel cerca de 7,5 euros mensais.
- Em vestuário despende quantia não apurada.
- Em higiene e limpeza quantia não apurada.
- O requerido aufere cerca de 1.800 euros mensais, onde se inclui a remuneração principal, suplemento de risco, ajudas de custo, subsídio familiar e subsídio de refeição.
- Paga 600 euros de renda de casa.
- Paga cerca de 207 euros mensais para amortização de crédito pessoal contraído pelo casal para aquisição de um veículo automóvel.
- Por sentença judicial o réu está obrigado a entregar à requerente a quantia de 150 euros a título de alimentos para a filha menor e 250 euros a título de alimentos provisórios para ela própria, mensalmente.
- E também por sentença judicial está obrigado a entregar ao filho T, a título de alimentos, a quantia mensal de 75 euros.
- O montante de 150 euros foi fixado nos autos de regulação do exercício do poder paternal nº 6836/03 do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Sintra.
- O valor de 250 euros foi fixado nos autos de alimentos provisórios nº 13271/03 do 2º Juízo do aludido Tribunal.
- E a quantia de 75 euros foi fixada nos autos de providência cautelar nº 871/04 do mesmo 2º Juízo.
- Em todos estes processos interveio como patrono dos requerentes o Dr. José, que também patrocina a requerente nos presentes autos.
- Relativamente aos processos 6836/03 e 13271/03 foram instauradas acções executivas (6836/03-D e 2288/04-D, respectivamente), em Março de 2004, ou seja, antes de instaurada a presente acção e em que interveio, outrossim, como patrono da requerente o Dr. José.
- Em ambos os processos executivos a exequente indicou à penhora, para além de outros bens, o vencimento do executado.
- Estes processos correm termos e, pelo menos, no âmbito do processo 2288/04-D foi ordenada a adjudicação de 1/3 de tal vencimento.
- Estando a respectiva entidade processadora: Direcção Geral de Fiscalização e Controlo de Qualidade Alimentar a efectuar descontos no vencimento os quais são depositados em conta bancária indicada pela Srª Solicitadora da execução.
- O requerido, por força das suas funções, tem de almoçar fora de casa quase todos os dias, gastando uma quantia não inferior a oito euros por refeição.
- O requerido tem despesas em água, gás e electricidade em quantitativo não apurado.

O Direito.
3. Vistas as conclusões da alegação da recorrente, tanto no que respeita à apelação como ao agravo, conclui-se que as questão a apreciar suscitada no último se prende directamente com a matéria do primeiro, razão pelo qual se passa à apreciação de ambos conjuntamente, começando-se, todavia, pela apelação.
A sentença recorrida, fundando-se basicamente no genérico dever dos cônjuges de assistência, consagrado nos artigos 1672º, 1675º e 2015º, concluiu que estando já a autora, bem como os filhos do casal dela dependentes, a receber prestação alimentar do réu, enquanto cônjuge e pai, respectivamente, concluiu não ser poder ser exigido contribuição maior daquele, sob pena de ficar o mesmo numa situação de carência económica.
E, por isso, julgou a acção improcedente e, com fundamento em que a autora e o seu mandatário omitiram elementos essenciais para a boa apreciação da causa, condenou a primeira em multa como litigante de má fé e ordenou a comunicação do decidido nessa parte à O.A. para apreciação da conduta do segundo.
Perante o assim decidido entende a apelante que houve erro manifesto na norma aplicável o que deveria determinar a reforma da sentença nos termos do art. 669º nº 2 do C:P.C.
Mas sem razão.
3.1. Estabelece o art. 669° nº 2 do C PC (norma inovadora introduzida pelo DL 329-A/95), que, para além dos casos enunciados no nº 1 do preceito, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando: " a) Tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração".
A justificação para a inovação consta do Relatório do citado DL 329-A/95, onde, para além de se referir que se visa corrigir erros juridicamente insustentáveis, se acrescenta ser objectivo do segmento normativo em causa permitir, "embora em termos necessariamente circunscritos e com garantias do contraditório, o suprimento do erro de julgamento mediante reparação da decisão de mérito pelo próprio juiz decisor, ou seja, isso acontecerá nos casos em que, por lapso manifesto de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica, a sentença tenha sido proferida com violação de lei expressa ou naqueles em que dos autos constem elementos, designadamente de índole documental que, só por si e inequivocamente, impliquem decisão em sentido diverso e não tenham sido considerados igualmente por lapso manifesto."
E a propósito da mesma norma afirma Carlos Lopes do Rego. in Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, p. 444, "na alínea a) aparece previsto o erro manifesto de julgamento da questão de direito – que pressupõe obviamente, para além do carácter evidente, patente e virtualmente incontrovertível, que o juiz se não haja expressamente pronunciado sobre a questão a dirimir analisando e fundamentando a (errónea) solução jurídica que acabou por adoptar (v.g. aplicou-se norma inquestionável e expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente da revogação)".
Do exposto deriva que só são passíveis de reforma, ao abrigo do art. 669°/2 do C PC, os erros de julgamento "manifestos", "patentes", "juridicamente insustentáveis" e relativos a questões sobre as quais o julgador não se tenha expressamente (com razão ou sem ela) pronunciado. Se o tiver feito por convicção, ainda que errada, e não por lapso, a decisão não é passível de reforma nos termos do preceito em causa.
Ora, na situação em apreço, dúvida não há que o julgador, para além de considerar que o réu não tinha capacidade económica para suportar mais encargos com o seu primitivo agregado familiar, entendeu que a pretensão formulada pela autor se encontrava já alcançada por via das prestações de alimentos judicialmente fixadas, chegando mesmo a alvitrar que tal configurava “ainda que de um modo não ortodoxo” uma situação de litispendência.
Estamos pois perante matéria sobre a qual o tribunal fundadamente se pronunciou e decidiu. Não está, assim, em causa qualquer "manifesto lapso", mas uma concreta e fundada tomada de posição sobre a pretensão formulada, matéria insusceptível de ser reapreciada por via da pedida reforma.
Improcede, pelo exposto e nesta parte a argumentação da recorrente.

3.2. Invoca ainda a recorrente, e isto tanto em sede do recurso de apelação como subsequentemente no recurso de agravo que, estando em causa um processo de jurisdição voluntária a que tem aplicação o disposto nos artigos 302º a 304º do CPC, bem como o estatuído no art. 400º nº 3 ex vi do próprio 1416º nº 2, estes também do CPC, o Tribunal recorrido, após a produção da prova estava obrigado a dar a palavra aos mandatários das partes e a proferir, logo de seguida e oralmente a sentença. Não o tendo feito, verifica-se uma nulidade processual, nos termos dos artigos 1416º n° 2, 400º n° 3, 1409º., 304° nº 5 e 201º nº 1, todos do C.P.C., devendo por esse facto revogar-se a sentença e ordenar-se “ a repetição da causa”.
E, em sede de agravo, acrescentou que, “enfermando de nulidade o processado anterior à decisão condenatória de litigância de má fé, é afectada a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo sendo anulados os subsequentes que dele dependiam absolutamente, independentemente da regularidade, ou bondade, de cada um, quando analisados “per si”.
Vejamos.
O processo especial de fixação da “Contribuição do cônjuge para as despesas domésticas”, a que alude o nº 1 do art. 1416º do CPC, apresentado o requerimento inicial nos moldes aí enunciados, segue “ com as necessárias adaptações, os termos do processo para a fixação dos alimentos provisórios e a sentença, se considerar justificado o pedido, ordenará a notificação da pessoa ou entidade pagadora dos rendimentos ou proventos para entregar directamente ao requerente a respectiva importância”.
Pretende o recorrente que, por virtude desta remissão e conjugação com o estatuído no art. 400º nº 3 do CPC, (de que deriva que no procedimento de alimentos provisórios à produção da prova deve seguir-se a sentença oral, por razões de óbvia celeridade e suficiência da aparência do direito), o Sr. Juiz do Tribunal recorrido devia ter também logo decidido oralmente e como o não fez tal determina uma nulidade susceptível de influir no exame e apreciação e, portanto, deveriam ser anulados os termos posteriores à produção da prova incluindo a sentença recorrida e o despacho que a condenou como litigante de má fé e ordenou o envio de certidão à O.A. para ponderação da conduta do seu mandatário.
Também, nesta parte, carece a recorrente inteiramente de razão.
As nulidades processuais - que não sejam as previstas nos artigos 193º,194º,199º e 200º do Código de Processo Civil, designadas por nulidades principais ou de 1º grau - verificam-se sempre que ocorra a prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, desde que a lei o declare ou a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Este é o regime estabelecido no artigo 201º para as chamadas nulidades secundárias ou de 2º grau, as quais, quando praticadas na ausência da parte ou do seu mandatário, podem ser arguidas no prazo geral de 10 dias (artigo 153º) a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer agindo com a devida diligência, como dispõe o artigo 205º nos seus nºs 1 e 2.
O julgamento das nulidades secundárias previstas no citado artigo 201º cabe ao tribunal onde as mesmas foram cometidas, cabendo às partes argui-las perante esse mesmo tribunal. Como ensina Alberto dos Reis In Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. 2º, pág. 513., sobre a competência para conhecer das nulidades de 2º grau pode enunciar-se o seguinte princípio: “quem julga é o tribunal perante o qual a nulidade ocorreu, ou o tribunal a quem a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu.” Com efeito, as nulidades ocorridas em tribunal hierarquicamente inferior só podem ser arguidas perante o tribunal superior quando o processo suba em recurso antes de expirar o prazo para a arguição, como estatui expressamente o nº 3 do artigo 205º.
No caso vertente, as nulidades suscitadas na alegação da recorrente, a terem sido cometidas, foram-no no tribunal de 1ª instância, pelo que aí deviam ter sido, oportunamente, arguidas, uma vez que aquela delas tomou ou podia tomar conhecimento, bem como arguí-las, antes de o processo subir em recurso.
Não o tendo feito no momento e no local estabelecidos no artigo 205º, vedado está argui-las agora em sede de recurso, pelo que, a terem-se verificado, encontrar-se-iam sanadas.

Mas mesmo que assim se não entendesse sempre a recorrente carecia de razão, uma vez que a exigência de prolação da sentença oral, logo seguida à produção da prova, mesmo no procedimento cautelar de alimentos provisórios, não é uma exigência de forma susceptível de afectar a decisão posteriormente proferida. É um meio que o legislador teve como adequado para uma finalidade – ficar logo resolvida a questão - por razões de celeridade que têm a ver com a premência das situações que, normalmente estão subjacentes àquele tipo de procedimentos, o que determinou também a atribuição aos mesmos de carácter urgente.
A circunstância de, no caso em apreciação, a sentença não ter sido logo oralmente proferida não contende minimamente com o sentido do exame e apreciação da causa, tendo apenas a ver com um aspecto processual/lateral, sanado e prejudicado com a prolação da sentença.
E, assim não estando o processado afectado pela nulidade invocada, cai por base a argumentação da recorrente, tanto enquanto apelante como enquanto agravante.

Mas mesmo que não estivessem em causa os aspectos formais apreciados e se considerasse estarmos perante uma acção destinada a regular a obrigação de um dos cônjuges para assegurar ao outro o denominado “trem de vida económico e social” - necessidades recreativas, sociais, etc. – regulada no art. 1676º do C. Civil, distinta das acções de alimentos comuns, medidas pelas estrictas necessidades vitais do alimentado, sempre teria que se atender “às reais possibilidades do devedor” (cfr. Antunes Varela, Direito da Família, 1º vol., 5º ed., pág. 354).
Ora, dos factos provados resulta sobejamente que o requerido, atendendo aos rendimentos que aufere e aos encargos com que está já onerado, não tem capacidade económica para suportar maiores despesas com o seu primitivo agregado familiar, pelo que, em face do exposto, sempre a pretensão formulada pela autora teria que naufragar, devendo a acção improceder como improcedeu
Do mesmo modo, também o despacho atinente à litigância de má fé não merece censura. A omissão da alegação por parte da autora na petição inicial de encargos do requerido tão relevantes como são as contribuições alimentares para a autora e filhos a que, provisória ou definitivamente, está obrigado, revela um propósito claro daquela de actuar com um objectivo de impedir a descoberta da verdade e fomentar inutilmente a controvérsia, plenamente justificador da sua condenação como litigante de má fé, face ao estatuído no art. 456º nºs 1 e 2 al. b) e d) do CPC.
Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, improcedem as conclusões da alegação de ambos os recursos, merecendo confirmação, tanto a sentença como o despacho recorridos.

Decisão.
4. Nesta conformidade, acordam os juízes que compõem este Tribunal em julgar improcedentes, tanto o recurso de apelação como o de agravo e confirmar a sentença e o despacho recorrido.
Custas do agravo e da apelação pela recorrente, tendo-se em conta o apoio judiciário de que a mesmo beneficia.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2007.
(Maria Manuela B. Santos G. Gomes)
(Olindo Geraldes)
(Ana Luísa Passos G.)